Tomemos a Alemanha como primeira referência. O Código de Processo Penal germânico prevê 5 fundamentos (Haftgründe) materiais para a prisão preventiva (Untersuchungshaft). Três se destinam inequivocamente à segurança do processo – e como medidas “cautelares” são encarados por toda a literatura. São eles: a fuga (Flucht), o perigo de fuga (Fluchtgefahr) e o perigo de “ocultação” de fontes de prova (Verdunkelungsgefahr – palavra de difícil tradução). De acordo com a literatura de referência, de cada 10 prisões preventivas decretadas, 8 o são com apoio no risco de fuga. Na prática forense, há uma espécie de inversão do “ônus”: o réu é que tem de demonstrar a ausência de intenção de fuga. E quanto mais provável a imposição de pena elevada, mais rigor há nessa regra. Apesar do repúdio dos advogados, é desse modo que agem os juízes. O tal do Cacciola estaria encarcerado lá até hoje…
O quarto fundamento fica no meio termo: é a gravidade do fato (Schwere der Tat). Pela lei, bastaria a forte suspeita (dringender Tatverdacht) da prática de um crime capital (Kapitaldelikt) para escorar a ordem de prisão. Os crimes capitais são exaustivamente listados e correspondem mais ou menos à nossa categoria de crimes hediondos e equiparados. Apesar das acesas críticas de parte substancial da doutrina, que vê nesse fundamento uma nova roupagem para o “clamor público” (die Erregung der Bevölkerung) nacional-socialista, o Tribunal Federal Constitucional (Bundesverfassungsgericht) não o deu como incompatível com a presunção constitucional de não-culpa (Unschuldsvermutung). Limitou-se a aplicar um interpretação conforme (verfassungskonforme Auslegung) ao § 112 III, exigindo que além da gravidade do fato, estivesse presente a possibilidade de perigo de fuga ou de interferência nas fontes de prova (BVerGE 19, 342). Notem: basta a possibilidade de perigo, não havendo necessidade de prova concreta. Isso na prática significa o seguinte: se o juiz não tiver elementos nos autos para afastar a possibilidade de risco, está livre para decretar a prisão. Dureza…
O quinto fundamento, introduzido em 1964, é o perigo de repetição (Wiederholungsgefahr) ou prosseguimento no cometimento de certos crimes graves – também encartados em rol fechado. Aqui há unanimidade: trata-se de medida visando ao resguardo da incolumidade pública, não à boa condução do processo. Fala-se em natureza preventivo-policial (präventiv-polizeilicher Natur). O BVerfGE, contudo, reconheceu-lhe a idoneidade, considerando que o Estado tem o dever de proteger a sociedade da prática de possíveis novos delitos (35, 85). No mesmo sentido, o art. 5 I S. 2 lit c) da Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais prevê expressamente esse fundamento com apto a embasar o decreto de constrição.
Pelo que se pode observar das obras de referência, o grosso dos processos criminais referentes a crimes de média ou elevada gravidade tramita não no juízo monocrático de primeiro grau (Amtsgericht), mas no Tribunal do Estado (Landgericht). (Existe uma distribuição da competência, pela quantidade de pena cominada, entre as várias instâncias). Lembrando que cada Estado ainda conta com um Tribunal Superior (Oberlandesgericht) e que, acima de todos, paira o Bundesgerichthof (BGH – similar ao nosso STJ) – igualmente providos de competências originárias. Pois bem, vou citar para que não digam que estou exagerando. Diz o professor Kindhäuser, à fl. 114 de “Strafprozessrecht”, 1ª Edição, 2006:
“Como a prisão preventiva é uma intervenção extremamente grave nos direitos do acusado, o legislador estabeleceu para sua imposição exigências solenes. Com isso, deve assegurar-se que a prisão preventiva só será ordenada em casos excepcionais limitados, levando-se em conta assim o princípio da proporcionalidade (Grundsatz der Verhältnismässigkeit). Na realidade, contudo, não sobrou muito do caráter excepcional da prisão preventiva (Ausnahmecharakter der Untersuchungshaft): nos processo realizados na primeira instância perante o Landgericht, a prisão preventiva é ordenada em mais de 80% dos casos”.
Essa estatística é reafirmada nos outros livros que consultei. E, pelo que tenho visto – embora não possa afirmá-lo com certeza -, os Tribunais revisores só relaxam a prisão em caso de excesso de prazo – 6 meses, em regra; 1 ano, no caso de perigo de repetição. Mas já vi gente presa por crimes financeiro, há 3 anos! HC, não tem.
Para quem quiser conferir, vai a minha relação de livros consultados: Claus Roxin, Strafverfahrensrecht, 24. Auflage (1995) – existe versão mais atual; Urs Kindhäuser, Strafprozessrecht (2006); Münchhalffen/Gatzweiler, Das Recht der Untersuchungshaft, 2. Auflage (2002), Schlothauer/Weider, Untersuchungshaft, 3. Auflage (2001); Lutz Meyer-Gossner (ex-presidente aposentado do BGH), Strafprozessordnung, 49. Auflage (2006); Gerd Pfeiffer (presidente do BGH), Strafprozessordung, 5. Auflage (2005)”.