Sentença do caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil

Cantei a bola neste texto. Na ocasião, questionei o seguinte:

“Digamos que a Corte Interamericana de Direitos Humanos venha a decidir que a lei de anistia, promulgada após a ditadura militar brasileira, seja incompatível com os tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil por impedirem a punição de crimes contra a humanidade eventualmente praticados por autoridades militares. Como conciliar uma hipotética decisão que venha ser proferida nesse sentido com a decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito do mesmo assunto que julgou que a lei de anistia está valendo e não viola os tratados internacionais? Qual decisão há de prevalecer: a da CIDH ou a do STF?”

E não é que ocorreu exatamente isso:

Sentença do caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil
No dia de hoje, a Corte Interamericana de Direitos Humanos notificou o governo do Brasil, os representantes das vítimas e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a respeito da Sentença no caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) versus Brasil. Em sua Sentença, o Tribunal concluiu que o Brasil é responsável pela desaparição forçada de 62 pessoas, ocorrida entre os anos de 1972 e 1974, na região conhecida como Araguaia.
No caso referido foi analisada, entre outras coisas, a compatibilidade da Lei de Anistia No. 6.683/79 com as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil à luz da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Com base no direito internacional e em sua jurisprudência constante, a Corte Interamericana concluiu que as disposições da Lei de Anistia que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos, razão pela qual não podem continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos do caso, nem para a identificação e a punição dos responsáveis.
Além disso, a Corte Interamericana concluiu que o Brasil é responsável pela violação do direito à integridade pessoal de determinados familiares das vítimas, entre outras razões, em razão do sofrimento ocasionado pela falta de investigações efetivas para o esclarecimento dos fatos.
Adicionalmente, a Corte Interamericana concluiu que o Brasil é responsável pela violação do direito de acesso à informação, estabelecido no artigo 13 da Convenção Americana, pela negativa de dar acesso aos arquivos em poder do Estado com informação sobre esses fatos.
A Corte Interamericana reconheceu e valorou positivamente as numerosas iniciativas e medidas de reparação adotadas pelo Brasil e dispôs, entre outras medidas, que o Estado investigue penalmente os fatos do presente caso por meio da justiça ordinária.
A composição da Corte Interamericana de Direitos Humanos na adoção desta decisão de 24 de novembro de 2010 foi a seguinte: Diego García-Sayán (Peru), Presidente; Leonardo A. Franco (Argentina), Vice-presidente; Manuel E. Ventura Robles (Costa Rica); Margarette May Macaulay (Jamaica); Rhadys Abreu Blondet (República Dominicana); Alberto Pérez Pérez (Uruguai); Eduardo Vio Grossi (Chile) e Roberto de Figueiredo Caldas (Brasil, Juiz ad hoc).
San José, 14 de dezembro de 2010.

Tira o Saco!

Um dos posts mais polêmicos do blog foi um em que comentei a técnica de interrogatório chamada de “waterboading”, defendida pelo Governo Bush. Na minha ótica, aquilo era claramente tortura e não podia ser admitido.

Hoje, vi uma notícia de que o governo Obama classificou o “waterboading” como tortura. Não poderia ser diferente vindo de um presidente que era professor de direito constitucional e que está muito mais comprometido com os direitos humanos do que o seu antecedente.

Ponto para o bom senso.

Aqui a notícia:

Governo Obama classifica ‘afogamento’ como tortura

WASHINGTON (Reuters) – O secretário de Justiça dos Estados Unidos, Eric Holder, excluiu na segunda-feira o uso do “waterboarding” (uma simulação de afogamento) como técnica para interrogar suspeitos de terrorismo, classificando a prática como uma forma de tortura com a qual o governo Obama não poderia jamais consentir.

A declaração de Holder salienta a ruptura do presidente Barack Obama com a política anti-terrorismo da ex-administração Bush, condenada por grupos de direitos humanos, defensores das liberdades civis e aliados dos EUA no exterior.

“O afogamento é tortura. Meu Departamento de Justiça não irá justificá-lo, não irá buscar explicações para ele e nem consenti-lo”, disse Holder em um discurso para o Conselho Judeu de Assuntos Públicos, em Washington. O secretário está à frente dos trabalhos de revisão no tratamento de suspeitos de terrorismo.

“Muito frequentemente na década passada a luta contra o terrorismo foi percebida como uma batalha de soma zero com a nossa tradição de liberdades civis. Essa escola de pensamento não está apenas enganada, temo que na atualidade ela nos fez mais mal do que bem”, afirmou Holder.

“Não podemos pedir a outras nações que nos apoiem na busca por justiça se nós não somos vistos na busca desse ideal.”

Uma das práticas mais condenadas do governo Bush foi o afogamento, uma forma de afogamento simulado que a CIA admitiu usar em três suspeitos de terrorismo antes de anunciar a abolição da prática em 2003.

PROIBIÇÃO

Autoridades do governo Bush chegaram perto de descartar de forma categórica o uso da prática no futuro.

Em janeiro, Obama ordenou que as agências governamentais acatem as limitações para os interrogatórios constantes no Manual de Campo do Exército, que proíbe o afogamento.

Ele também pediu, porém, uma revisão nas práticas de detenção e interrogatório, o que, para alguns defensores dos direitos humanos, poderia deixar aberta a possibilidade de que determinadas formas duras de interrogatórios fossem aprovadas posteriormente.

Holder afirmou que, embora muitas práticas seriam submetidas a revisão sob as ordens executivas de Obama, “uma em particular (o waterboarding) absolutamente não o será”.

Obama, que assumiu o poder em 20 de janeiro, reiterou em discurso ao Congresso na semana passada sua promessa eleitoral de estabelecer um novo curso na política de contraterrorismo.

“Respeitar nossos valores não nos faz mais fracos — nos torna mais seguros e mais fortes. E é por isso que posso me colocar aqui esta noite e dizer sem exceção nem equívoco que os Estados Unidos da América não torturam”, disse Obama.

Ao mesmo tempo, ele prometeu “justiça imediata e certeira para terroristas capturados”.

O presidente democrata também determinou o fechamento do centro de detenção norte-americano na Baía de Guantánamo, em Cuba, onde muitos suspeitos estrangeiros de terrorismo foram mantidos durante anos sem julgamento.

Apesar de você… a punição dos torturadores

A notícia abaixo, dando conta de que vários juristas assinaram um manifesto defendendo a abertura de processos contra os torturadores da época da ditadura, merece, sem dúvida, a atenção deste blog.

O meu “id” imediatamente aderiu à causa. Torturador tem que ser punido mesmo, não interessa se o crime foi cometido hoje ou há trinta anos. Deve-se punir exemplarmente para evitar que se repita no futuro (ou no presente). É sim um crime contra a humanidade e não tem lei de anistia que justifique a impunidade!

O meu “superego”, por outro lado, é menos enfático. Não vivi na época da ditadura, felizmente. Não tenho qualquer relação emocional ou afetiva com os torturados. Por isso, não possuo nenhum sentimento de vingança pessoal em relação aos militares que utilizaram métodos violentos naquele período. Parafraseando Fernando Pessoa, posso dizer que, quanto a mim, o rancor passou… Nessa ótica, não vejo como necessária qualquer punição, até porque os eventuais acusados já devem ter mais de sessenta anos e, se não foram punidos formalmente, devem ter sido punidos por suas consciências e pela desaprovação social que certamente sentem até hoje.

E o meu “ego”, sempre tentando buscar o equilíbrio e a ponderação, o que diz disso tudo?

Bem, ainda não tenho uma opinião cem por cento formada. Acho que se deve apurar, saber exatamente o que aconteceu, tentar separar o que é verdade e o que é mentira – e isso vale para ambas as partes, já que os militares certamente não eram os únicos que praticavam atos abomináveis. Mas não sei se o Brasil teria legitimidade (jurídico-constitucional) para punir criminalmente eventuais culpados.

Então pra quê investigar? Na minha ótica, a investigação deveria ter um caráter muito mais didático e informativo do que propriamente sancionador. Seria interessante abrir os arquivos secretos da ditadura para que pessoas como eu, que não viveram naquele período, saibam o que aconteceu. Reprimir a verdade talvez seja a pior solução.

Se, eventualmente, ficar demonstrado que algum militar praticou tortura, e me parece que isso é inevitável, já que os membros das forças armadas estão com tanto medo, aí sim se estuda o que fazer, dependendo da gravidade dos fatos. O importante é que a verdade venha à tona.

A notícia referida é a que se segue:

CRIME CONTRA A HUMANIDADE

Manifesto de juristas defende processo contra torturadores

Mais de cem juristas, advogados, promotores e juízes de todo o país assinam manifesto em defesa do debate nacional sobre o alcance da lei da anistia e do julgamento de acusados de praticar tortura durante a ditadura militar. Para signatários, tortura é um crime contra a humanidade e não cabe afirmar que os crimes de tortura e de desaparecimento forçado foram anistiados.

Um grupo de mais de cem juristas, advogados, juízes e promotores de todo o país assinou um manifesto em apoio à decisão do Ministério da Justiça de propor um debate nacional sobre o alcance da lei da anistia e sobre a possibilidade de processo pelo crime de tortura durante a ditadura militar.

O “Manifesto dos Juristas” sustenta que a prática de tortura não constitui um crime político, mas sim um crime de lesa humanidade. “Além disso”, afirma ainda, “é consenso na doutrina e jurisprudência internacionais que os atos cometidos pelos agentes do governo durante as ditaduras latino-americanas foram crimes contra a humanidade”. “A Corte Interamericana de Direitos Humanos, neste sentido, consolidou entendimento que os crimes de lesa humanidade não podem ser anistiados por legislação interna, em especial as leis que surgiram após o fim de ditaduras militares”.

Os signatários do manifesto defendem que não cabe afirmar que os crimes de tortura e de desaparecimento forçado foram anistiados. “Tais crimes são, portanto, crimes de lesa humanidade, praticados à margem de qualquer legalidade, já que os governos da ditadura jamais os autorizaram ou os reconheceram como atos oficiais do Estado”.

A íntegra do manifesto é a seguinte:

O MANIFESTO DOS JURISTAS
A comunidade jurídica abaixo assinada assiste a manifestações públicas em oposição ao debate sobre os limites da Lei 6.683/1979. Imprescindível, portanto, que venha a público manifestar:

1. Encontramo-nos em pleno processo de consolidação de nossa democracia. Dito processo dar-se-á por concluído quando todos os assuntos puderem ser discutidos livremente, sem que paire sobre os debatedores a pecha de revanchismo ou a ameaça de desestabilização das instituições. Só são fortes as instituições que permitem o debate público e democrático e com ele se fortalecem;

2. A profícua discussão jurídica que ora se afigura não concerne à revisão de leis. Visa, em verdade, a aferição do alcance de dados dispositivos. É secundada por abundante doutrina jurídica e jurisprudências internacionais, de que crimes de tortura não são crimes políticos e sim crimes de lesa-humanidade. A perversa transposição deste debate aos embates políticos conjunturais e imediatos, ao deturpar os termos em que está posto, busca somente mutilá-lo e atende apenas aos interesses daqueles que acreditam que a impunidade é a pedra angular da nação e que aqueles que detêm (ou detiveram) o poder, e dele abusaram, jamais serão responsabilizados por seus crimes;

3. O Brasil é signatário de numerosas convenções internacionais relacionadas à tortura e à tipificação dos crimes contra a humanidade, considerados imprescritíveis pela sua própria natureza e explicitamente assim definidos. Desde 1914, o Brasil reconhece os princípios de direito internacional, mediante a ratificação da Convenção de Haia sobre a Guerra Terrestre, que se funda no respeito a princípios humanitários, no caráter normativo dos princípios do jus gentium, preconizados pelos usos estabelecidos entre as nações civilizadas, pelas leis da humanidade e pelas exigências da consciência pública.

O Estado brasileiro reiterou o compromisso com a comunidade internacional em evitar sofrimento à humanidade e garantir o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo, ao assinar a Carta das Nações Unidas, em 21 de julho de 1945. O Estatuto do Tribunal de Nuremberg ratificado pela ONU em 1946 traz a definição de “crimes contra a humanidade”, as Convenções de Genebra de 1949, a Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Genocídio e o recente Estatuto de Roma, enfatizam a linha de continuidade que há entre eles, não deixando dúvidas para a presença em nosso ordenamento, via direito internacional, do tipo “crimes contra a humanidade” pelo menos desde 1945.

Além disso, é consenso na doutrina e jurisprudência internacionais que os atos cometidos pelos agentes do governo durante as ditaduras latino-americanas foram crimes contra a humanidade. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, neste sentido, consolidou entendimento que os crimes de lesa humanidade não podem ser anistiados por legislação interna, em especial as leis que surgiram após o fim de ditaduras militares.

4. A jurisprudência internacional reputa crime permanente o desaparecimento forçado, até que sua elucidação se complete bem como considera crime contra a humanidade o crime de tortura. Pleitear a não apuração desses crimes é defender o descumprimento do Direito e expor o Brasil a ter, a qualquer tempo, seus criminosos julgados em Cortes Internacionais, mazela que, desafortunadamente, já acometeu outros países da América Latina. Lembremos que ademais da jurisdição nacional, há a jurisdição penal internacional e a jurisdição penal nacional universal.

5. Nunca houve no Brasil uma legislação de anistia que englobasse os crimes praticados pelos agentes do Estado brasileiro durante a ditadura militar instaurada em 1964. A Lei 6.683/1979 concede anistia apenas aos crimes políticos, aos conexos a esses e aos crimes eleitorais, não mencionando dentre eles a anistia para crimes de tortura e desaparecimento forçado, o que afasta sua aplicabilidade nessas situações. A Constituição de 1988 que em seu art. 8º do ADCT, anistiou todos os perseguidos políticos e assim é feito pela Lei 10.559/02, não refere, em nenhum momento, a anistia às violações de Direitos Humanos.

Nesse sentido, não cabe afirmar que os crimes de tortura e de desaparecimento forçado foram anistiados. Tais crimes são, portanto, crimes de lesa humanidade, praticados à margem de qualquer legalidade, já que os governos da ditadura jamais os autorizaram ou os reconheceram como atos oficiais do Estado.

6. Os cidadãos brasileiros que se insurgiram contra o regime militar, e por contestar a ordem vigente praticaram crimes de evidente natureza política, foram processados em tribunais civis e militares e, em muitos casos, presos e expulsos do país mesmo sem o devido processo legal. Além disso, quando presos, sofreram toda sorte de arbitrariedades e torturas. Depois de julgados, foram anistiados pela lei de 1979 e pela Constituição. Por que os crimes dos agentes públicos, que nem sequer podem ser caracterizados como crimes políticos, devem receber anistia sem o devido processo.

Não se trata de estabelecer condenação prévia, ao contrário, o regime democrático pressupõe a garantia do mais absoluto e pleno direito de defesa, devido processo legal e contraditório válido a qualquer cidadão.

7. O direito à informação, à verdade e à memória é inafastável ao povo brasileiro. É imperativo ético recompor as injustiças do passado. Não se pode esquecer o que não foi conhecido, não se pode superar o que não foi enfrentado. Outros países tornaram possível este processo e fortaleceram suas democracias enfrentando a sua própria história. Ademais, nunca é tarde para reforçar o combate contra a impunidade e a cultura de que os órgãos públicos têm o direito de torturar e matar qualquer suspeito de atos considerados criminosos. Os índices de violência em nosso país devem-se muito ao flagrante desrespeito aos direitos humanos que predomina em vários setores da nossa sociedade, em geral, em desfavor das populações menos favorecidas.

É assim que a comunidade jurídica abaixo assinada manifesta-se em apoio a todos aqueles que estão clamando à Justiça a devida prestação. Manifesta-se em apoio ao Ministério Público Federal, ao Ministério da Justiça e à Secretaria Especial de Direitos Humanos pelo cumprimento de seus deveres constitucionais e por prestarem este relevante serviço à sociedade brasileira e à democracia. E ainda, por fim, presta solidariedade a todos os perseguidos políticos que, a mais de três décadas, fazem coro por uma única causa, a própria razão de ser do Direito: que se faça a Justiça.

Assinam o manifesto, entre outros:

Deisy Ventura, SP, Profa. Dra. Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo

Dalmo de Abreu Dallari, SP, Prof. Dr. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Fábio Konder Comparato, Prof. Dr. Faculdade de Direito da USP

Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça

Cézar Britto, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

Jose Ribas Vieira, RJ, Prof. Dr. Titular de Direito Constitucional da UFF e PUC-Rio

Ovídio A. Baptista da Silva, RS, Prof. Dr. do Curso de Doutorado da Universidade do Vale dos Rio dos Sinos

Carlos Frederico Marés de Souza Filho, PR, Professor de Direito da PUC-PR e Procurador Geral do Estado do Paraná

Claudia Maria Barbosa, PR, Profa. Dra. Pós-Graduação em Direito da PUC-PR

Cecilia Caballero Lois, SC, Profa. Dra. Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSC

José Ricardo Cunha, RJ, Coordenador Acadêmico do Mestrado Profissional em Poder Judiciário FGV DIREITO RIO e Prof. UERJ

Pedro B. de Abreu Dallari, SP, Prof. Dr. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Daniel Torres de Cerqueira, PA, Prof. CESUPA, Presidente da Associação Brasileira de Ensino do Direito

Ricardo Seitenfus, RS, Prof. Dr. da Universidade Federal de Santa Maria, vice-presidente da comissão interamericana de juristas

Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho, SP, Universidade de São Paulo Faculdade de Direito de Ribeirão Preto

Katya Kozicki, PR, Profa. Dra. Programa de Pós-Graduação em Direito UFPR e PUC-PR

Rodolfo de Carvalho Cabral, PE, Prof. Departamento de Teoria Geral do Direito e Direito Privado da UFPE

Eneá de Stutz e Almeida, ES, Profa. Dra. Mestrado em Direito da Faculdade de Direito de Vitória/ES

Edna Raquel Hogemann, RJ, Profa. Doutora em Direito – Rio de Janeiro

Evandro Menezes de Carvalho, RJ, Coordenador da Faculdade da FGV DIREITO RIO

José Querino Tavares Neto, SP, UNAERP e Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás

Angélica Carlini, SP, Prof. Dra. de Direitos Humanos da PUC-CAMPINAS

Rogério Barcelos Alves, RJ, Coordenador de Ensino da Graduação FGV DIREITO RIO

Sandro Alex de Souza Simões, PA, Prof. Dr. Adjunto do CESUPA Centro Universitário do Pará

Lívia Maria Oliveira Maier, DF, Advogada da União

Oto de Quadros, DF, Promotor de Justiça MPDFT

Judith Karine Cavalcanti Santos, PE, pesquisadora e professora universitária

Marco Aurélio Antas Torronteguy, SP, CEPEDISA/USP

Daiane Moura de Aguiar, RS, Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/RS

Clarissa Franzoi Dri, RS, Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux

Lucas Pizzolatto Konzen, RS, Instituto Internacional de Sociologia Jurídica de Oñati

Rosa Maria Zaia Borges, RS, Profa. Faculdade de Direito da PUCRS

Márcia Nina Bernardes, RJ, Profa. do Departamento de Direito da PUC-Rio

Ciani Sueli das Neves, PE, Profa. da UFRPE

Ana Carla Machado Leite, DF, Tribunal Superior do Trabalho

José Geraldo de Sousa Junior, da Universidade de Brasília

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15184

Tornozeleiras e Direitos Fundamentais

Conforme noticiado no Conjur, o Estado de São Paulo vai adotar o sistema de monitoramento de presos através de tornozeleiras ou pulseiras.

Tive a oportunidade de conhecer o sistema lá nos EUA, quando participei de uma missão científica em 2005, a convite da embaixada norte-americana, após ser classificado em um concurso de monografia realizado pelo Conselho da Justiça Federal entre juízes federais brasileiros.

O sistema, ao contrário de violar a dignidade humana, permite que o preso possa cumprir a sua pena com a sua família, em casa, sem sofrer as agruras do sistema carcerário. É, portanto, algo benéfico para o ser humano.

Parece, contudo, que a Lei Paulista está invertendo essa idéia, pois obriga o uso da tornozeleira mesmo contra a vontade do condenado. Na verdade, deve-se dar ao preso o direito de escolher entre permanecer preso ou usar a tornozeleira. Impor contra a vontade do condenado o uso da tornozeleira me parece um pouco degradante. Aliás, lá nos EUA, que certamente não devem ser considerados como paradigma de respeito à dignidade humana, o preso usa a pulseira se quiser. Se não quiser, permanece preso.

De qualquer modo, creio que nenhum condenado vai optar ficar na cadeia. Se ele tiver a opção de ficar em casa, ainda que usando um chip amarrado à sua perna, essa será a sua escolha, a não ser que goste de ficar preso, o que não é muito normal.

Apesar disso, algumas críticas devem ser feitas.

Inicialmente, é um sistema caro. Se não me engano, o custo por “pulseira” era de cerca de U$ 700,00 por mês. Quem pagava era o próprio condenado. Se não tivesse dinheiro, continuava atrás das grades. Isso nos EUA.

Por isso, o sistema norte-americano, na minha ótica, era/é injusto, no sentido de favorecer apenas quem tem dinheiro para pagá-lo.

O ideal, a meu ver, é cobrar a pulseira apenas daqueles condenados que podem pagar por ela. Para os demais, deveria ser de graça e sempre opcional.

É um assunto a se meditar…

UPGRADE

Conforme comentado pelo Marcel, cometi um equívoco claro na leitura apressada da lei paulista, pois há uma norma expressa exigindo a autorização do preso. Logo, desconsiderem a crítica formulada e fiquem apenas com os elogios à medida.

Traz o saco!

Conforme a notícia abaixo, o Presidente Bush defendeu abertamente a utilização, em caso de terrorismo, da técnica de interrogatório chamada “waterboarding”, que consiste basicamente em pendurar o prisioneiro de cabeça para baixo e descê-lo até o pescoço em um recipciente com água, causando a sensação de sufocamento. O argumento é que não se trata de tortura, mas uma simples técnica de obtenção da verdade utilizado no intuito de salvar vidas humanas.

Por incrível que pareça, não se trata de um posicionamento isolado.

A Alta Corte de Justiça de Israel já decidiu algo parecido: não constitui tortura a colocação de sacos na cabeça durante o interrogatório de presos acusados de terrorismo, a submissão a sons elevados, a privação de sono, comida e bebida e outros procedimentos igualmente cruéis. Sobre isso, clique aqui.

A Corte Européia de Direitos Humanos (CEDH) também julgou no mesmo sentido, considerando válidas algumas técnicas bastante rígidas utilizadas pela polícia britânica para interrogar pessoas suspeitas de envolvimento com o IRA. A CEDH afirmou que não são todos os tipos de maus-tratos que violam a proibição de tortura, mas apenas aqueles que atingem certo nível de gravidade e de sofrimento infligido, de modo que as técnicas de interrogatório como as descritas acima não poderiam ser consideradas como tortura. Veja aqui.

Por enquanto, não quero entrar na discussão sobre se a proibição de tortura é uma regra ou um princípio, ou seja, se pode ou não ser ponderada.

O certo é que, nos casos acima, foi feita uma clara ponderação (relativização), onde a tortura foi aceita em caso de terrorismo, especialmente quando os torturados teriam ciência do planejamento de ataques a serem implementados em um futuro próximo. Os juízes quiseram camuflar a decisão dizendo que aquilo não era tortura, mas não dá para concordar com isso. É claro que fazer um ser humano sofrer para obter informações é tortura.

O conceito de “tortura” adotado pela Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes é o seguinte:

“o termo ‘tortura’ designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimento são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram” (artigo 1º)

No artigo 2, a mesma Convenção é bem clara: “em nenhum caso poderão invocar-se circunstâncias excepcionais tais como ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência como justificação para tortura” (art. 2º).

Logo, o que houve, nos casos acima, foi uma clara ponderação de valores, onde a vedação de tortura cedeu em favor da salvação de vidas humanas ameaçadas por ataques terroristas. Do contrário, caso se entenda que essas técnicas odiosas de interrogatório não são tortura, então vale para qualquer situação e não apenas em caso de terrorismo, o que é um flagrante absurdo.

Seria muito mais simples – e menos perigoso – dizer que, em situações bastante peculiares e extremamente excepcionais em que a tortura fosse a única solução possível para salvar concretamente vidas humanas, seria possível cogitar em relativizar essa garantia, embora, particularmente, não tenho simpatias, de plano, por essa idéia.

Na verdade, não concordo com as soluções acima, embora reconheça que o discurso anti-terror seduz, especialmente para aqueles que sentiram na pele os malefícios de um ataque terrorista, tal como os norte-americanos (em relação à Al Khaeda), os ingleses (em relação ao IRA) e os israelenses (em relação ao Hezbollah).
O problema é que a proibição de tortura protege um valor tão importante que qualquer argumento em favor da sua relativização seria complicado e poderia levar ao problema da “ladeira escorregadia” (“slippery slope”), ou seja, poderia desencadear uma série de conseqüências perigosas capazes de, no final das contas, justificar a prática da tortura até em situações banais, até porque quem executaria a tortura seria um ser humano e não um santo. Ou seja, quem defende a tortura parte do princípio de que ela será aplicada por seres humanos escrupulosos, com bom senso, que conhecem seus limites e possuem um alto grau de senso de humanidade circulando em suas veias. Na prática, porém, o que se observa é que quem aplica a tortura já foi mordido pela mosca da “banalidade do mal” e faz aquele trabalho com um prazer mórbido totalmente alheio à dignidade humana.
Por isso, sem me comprometer intelectualmente com a tese, entendo que a proibição de tortura é uma regra (imponderável) até prova em contrário. Se alguém conseguir fornecer um exemplo em que a tortura seria justificável, posso até mudar meu ponto de vista. Mas por enquanto prefiro a solução mais cômoda: não existe justificativa para a tortura.
Eis a matéria que justificou meus comentários acima:
Bush justifica uso de técnica de interrogatório com suspeitos terroristas:Londres, 15 fev (EFE).-

O presidente dos EstadosUnidos, George W. Bush, se referiu aos atentados deLondres de 7 de julho de 2005 para justificar umatécnica de interrogatório de suspeitos terroristas,conhecida como “waterboarding” (afogamentosimulado),em entrevista concedida à “BBC”.Bush disse que a informação obtida de supostosterroristas ajudou a salvar vidas e considerou que osfamiliares das vítimas daqueles ataques o entenderão.O método, que causou grande polêmica já que é vistocomo uma forma de tortura, consiste em pendurar oprisioneiro de cabeça para baixo e descê-lo até opescoço em um recipiente com água, causando a sensaçãode sufocamento.No entanto, o presidente americano disse na entrevistaexibida na madrugada de hoje na “BBC World NewsAmerica”, que o “waterboarding” não é tortura eameaçou vetar o projeto do Congresso que o proibiria.Acrescentou que seu país atua em virtude da lei parainterrogar e obter informação que permita proteger osEUA e outros países.”Os EUA atuarão dentro da lei. Asseguraremo-nos de queos profissionais têm os instrumentos necessários parafazer seu trabalho dentro da lei”, afirmou Bush.”Alguns dirão que estes terroristas já não são umameaça real contra os EUA. Eu não estou absolutamentede acordo”, disse Bush.Nos atentados de 7 de julho de 2005 contra três trensdo metrô de Londres e um ônibus urbano, 56 pessoasmorreram – quatro delas terroristas suicidas – e cercade 700 ficaram feridas.Por outro lado, Bush disse que pretende assistir aosJogos Olímpicos de Pequim, em agosto, e admitiu quemantém contatos regulares com o presidente da China,Hu Jintao, para pedi-lo que faça um esforço maior emrelação à tragédia humanitária de Darfur, no Sudão.”Vejo os Jogos Olímpicos como um evento esportivo”,esclareceu o presidente.Nos últimos dias, o cineasta Steven Spielberg, váriosganhadores do prêmio Nobel da Paz, atores, esportistase parlamentares criticaram a China por sua política deapoio ao Governo do Sudão.

Jurisprudenciando – Decisões Importantes

Em 2001, desenvolvi um site pessoal, onde disponibilizava minhas sentenças, artigos, trabalhos acadêmicos, dicas de concurso, resumos etc.
Por razões alheias à minha vontade, o site saiu do ar, até porque estava cada vez mais difícil ficar atualizando constantemente. Mas aí veio a idéia do blog, onde pretendo, aos poucos, ir inserindo o material que estava no site. Por enquanto, aqui vão duas decisões que considero importantes nestes meus seis anos de magistratura federal:
2003 – Ação Civil Pública – SUS – Direito à Saúde – Contratação de Leitos Hospitalares.
2005 – Ação Civil Pública – Nome de Prédio Público – Pessoa Viva – Impossibilidade.
Essas sentenças foram proferidas em momentos diferentes da minha vida profissional. Na primeira, eu ainda era juiz substituto. Na segunda, eu já havia titularizado em Mossoró.
E o curioso é que nenhuma dessas decisões foi confirmada integralmente pelo TRF 5ª Região.
A propósito, eis a decisão do TRF sobre o caso dos leitos de UTI e sobre a indicação de nome de pessoa viva para prédios públicos.
Apesar disso, tenho plena convicção de que elas foram corretas em sua essência. Tanto é verdade que a primeira (direito à saúde) foi, de certo modo, cumprida espontaneamente, mesmo depois de parcialmente cassada, na medida em que a União alocou recursos para contratar mais leitos de UTI.
E a segunda (proibição de se atribuir nome de pessoa viva a prédios públicos) corresponde, no mérito, ao mesmo resultado a que chegou o Conselho de Justiça Federal ao editar a resolução 497/2006, que expressamente proibiu a indicação de nome de pessoa viva a prédios públicos.
Assim, posso dormir tranqüilo com a minha consciência ao saber que, de minha parte, fiz o que considerava (e ainda considero) como justo e correto.
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Upgrade
Aproveitando o ensejo, aqui vão mais algumas decisões relevantes por mim proferidas:

Tortura no exército: um caso bastante difícil e dramático, envolvendo a prática de tortura nas dependências do exército. Essa decisão foi parcialmente confirmada pelo TRF5, que reduziu o valor da indenização que eu havia decidido.

Revisão Geral Anual (Indenização): a minha decisão reconhecendo o direito à indenização decorrente da omissão legislativa, em razão do não-envio de projeto de lei garantindo o direito à revisão geral anual dos servidores públicos, foi uma das primeiras proferidas no Brasil sobre o assunto. O TRF5 pacificou entendimento em sentido contrário. O TRF4, por outro lado, entende como devida a indenização. A discussão ainda está em aberto, já que o STF ainda não se manifestou, em plenário, sobre o assunto.

Contratação de deficientes: sentença reconhecendo como constitucional a lei que determina a contratação de pessoas portadoras de deficiência por empresas particulares.

Projeto Costa-Oeste (Ambiental): decisão liminar, proferida em ação civil pública, suspendendo a construção da obra do Projeto Costa-Oeste. A decisão foi confirmada pelo TRF5, confirmada pelo STJ e cassada pelo Min. Nelson Jobim, do STF, na SL 41.

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