Independente Futebol Clube: uma defesa da autonomia da vontade

“Não estatize meus sentimentos. Para o seu governo, o meu estado é independente”.

Uma explicação prévia: este post talvez seja um dos mais longos que já escrevi e certamente será um dos mais polêmicos, pois procurei demonstrar a coerência do meu pensamento sobre diversos temas de alta complexidade com base em um único fio condutor. Esse tipo de reducionismo certamente não é desejável. No entanto, adianto que minha intenção, ao escrever o post, não foi construir um edifício argumentativo todo bonitinho e mobiliado em defesa do meu ponto de vista. Quando muito, pretendi apenas tentar fincar uma base sólida num terreno extremamente arenoso, que ainda precisa de muito cimento para se tornar seguro.

Sei que não convencerei a muitos, talvez a maioria. Mas mesmo aqueles que não concordarem com o resultado final da minha argumentação, certamente aceitarão a premissa, que pode ser sintetizada nos belos versos de Renato Russo, na música Baader-Mainhof-Blues, acima transcritos.

Outra explicação prévia: este post estará em constante evolução e, portanto, esta não é a versão definitiva e acabada de meus argumentos. À medida em que meu pensamento for amadurecendo em um ou outro ponto, acrescentarei meu ponto de vista no corpo do texto.

Em defesa da autonomia da vontade

A idéia deste texto não é defender a autonomia da vontade como um valor absoluto nem mesmo como o valor constitucional mais importante de todos, mas tão somente apresentá-lo como um valor importante, nem mais nem menos “fundamental” do que outros valores.

O que me motiva nessa tarefa é saber que, apesar de ser um dos mais relevantes atributos da dignidade humana, a autonomia da vontade tem sido bastante negligenciada pelos teóricos brasileiros.

Na minha ótica, a solução de diversos problemas de alta complexidade jurídica envolvendo os direitos fundamentais passa, necessariamente, por uma correta noção do que seja a autonomia da vontade.

Diga-me qual a força que você confere à liberdade de escolha que te direi qual a sua opinião sobre eutanásia, aborto, homossexualismo, eficácia horizontal, renúncia de direitos fundamentais, só para ficar com alguns exemplos.

Ouso dizer que todos os direitos fundamentais decorrem, em alguma medida, dessa faculdade (alguns, como Virgílio Afonso da Silva, chamariam de competência). Por isso, a autonomia da vontade talvez seja um dos mais importantes atributos da dignidade humana, embora com toda certeza não seja o único, já que ninguém nega que as crianças e os doentes mentais sejam seres dotados de dignidade, apesar de não possuírem capacidade plena de discernimento e, portanto, não poderem exercer livremente a sua autonomia da vontade.

Vou tentar justificar meu ponto de vista.

Em primeiro lugar, vou tentar formular um conceito bem simples de autonomia da vontade. Vamos lá:

Uma definição de autonomia da vontade

Autonomia da vontade é a faculdade que o indivíduo possui para tomar decisões na sua esfera particular de acordo com seus próprios interesses e preferências.

Isso significa basicamente o reconhecimento do direito individual de fazer tudo aquilo que se tem vontade, desde que não prejudique os interesses de outras pessoas. Para ser mais claro: cada um deve ser senhor de si, agindo como um ser responsável por suas próprias escolhas, especialmente por aquelas que não interferem na liberdade alheia.

Esse conceito, sem dúvida, tem um forte apelo individualista. É por isso que os norte-americanos o idolatram tanto. Lá, quem melhor defendeu essa idéia foi Stuart Mill, no livro “Ensaio sobre a Liberdade”, escrito durante o Século XIX.

Mill sustentou que sobre si mesmo, sobre seu corpo e sua mente, o indivíduo é soberano. Para ele, as escolhas pessoais de cada um, desde que tomadas de forma verdadeiramente livre e que não sejam prejudiciais aos interesses dos outros, não devem sofrer interferências indevidas nem do Estado nem da sociedade como um todo.

Aqui no Brasil, por uma série de razões, a autonomia não é tão valorizada quanto nos EUA. Acredito que um dos principais motivos desse fato é a grande desigualdade econômica existente na nossa sociedade. É difícil acreditar que uma pessoa faminta e analfabeta seja completamente livre para tomar decisões importantes a respeito de sua vida sem ser influenciada por outras pessoas mais poderosas.

Por isso, o Estado brasileiro costuma ser mais paternalista do que o normal. Nós precisamos de uma legislação trabalhista para proteger o empregado, de um código para proteger o consumidor, entre outras normas que limitam a autonomia privada para evitar a prática de injustiças contra setores desfavorecidos. Veja bem: não estou criticando esse tipo de lei. Pelo contrário. Acho que elas são extremamente necessárias para equilibrar as forças e permitir que o exercício da autonomia privada se dê com igualdade de armas. O que quero dizer é que, em uma situação ideal, onde não houver desequilíbrio de forças, os cidadãos deveriam ser livres para pactuar entre si da forma como bem entenderem. Numa relação trabalhista ou de consumo esse equilíbrio natural é uma quimera, pelo menos diante da realidade brasileira.

A autonomia da vontade como fundamento dos direitos fundamentais

Afirmei anteriormente que a autonomia da vontade fundamenta praticamente todos os demais direitos. É verdade. A idéia que inspira a proteção da autonomia privada é a de que o Estado deve tratar as pessoas sob o seu domínio como agentes responsáveis e capazes de tomar por si próprios as decisões que lhes dizem respeito. Assim, por exemplo, cabe a cada indivíduo decidir por si mesmo que lugares que deseja freqüentar, qual a religião que deve acreditar, com quais pessoas queira se reunir ou se associar, qual a profissão que deseja seguir, quais os livros que pretende ler, e assim por diante. Daí os diversos direitos de liberdade: de locomoção, de religião, de associação e reunião, de profissão, de expressão etc. Logo, a positivação de inúmeros direitos fundamentais decorrem diretamente dessa idéia.

A autonomia da vontade é tão importante que as crianças de um modo geral sofrem uma série de restrições que as impedem de exercitarem inúmeros direitos fundamentais por lhes faltar a plena capacidade de discernimento. Assim, por exemplo, elas não podem trabalhar (salvo como aprendizes a partir de 14 anos), não podem freqüentar determinados lugares (como boates ou casas noturnas), não podem comprar produtos específicos ainda que lícitos (como cigarros ou bebidas, por exemplo), nem podem ter acesso a determinadas formas de manifestações artísticas destinadas ao público adulto (como revistas, filmes ou peças de teatro que contenham cenas de sexo, por exemplo). Essas restrições são justificadas em razão do fato de que uma criança, em regra, ainda não tem maturidade para exercer, com plenitude, a sua autonomia privada.

No mesmo contexto, pode-se dizer que o exercício da autonomia da vontade pressupõe que o indivíduo, ao tomar as decisões que afetem sua pessoa, esteja de posse de informações claras e corretas, de modo que ele possa conscientemente avaliar entre todas as escolhas possíveis aquela que melhor reflita seu ideal de vida. O direito privado considera que os atos jurídicos praticados com vícios de vontade em razão de erro, dolo, coação etc. podem ser anulados justamente porque a pessoa que foi enganada ou coagida não exercitou sua liberdade de escolha de forma autêntica.

A partir de agora, serão vistas algumas implicações práticas que demonstram a importância da autonomia privada para compreensão de uma série de fenômenos dentro da teoria dos direitos fundamentais.

Autonomia da Vontade e Contracepção

Assim como no Brasil, não há, nos EUA, nenhuma norma constitucional expressa protegendo a autonomia privada. Esse valor decorre essencialmente de uma construção jurisprudencial.

Uma das primeiras vezes em que a Suprema Corte norte-americana reconheceu a existência desse valor foi em 1965, no famoso caso “Griswold v. Connecticut”. Nele, ficou decidido que o poder público não poderia, nem mesmo por lei, proibir a comercialização ou a utilização de anticoncepcionais.

A lógica por detrás desse julgamento é a de que os casais deveriam ser livres para tomar as decisões ligadas à relação matrimonial, inclusive as questões ligadas à procriação, não cabendo ao poder público interferir nessas escolhas.

Aliás, esse entendimento é perfeitamente compatível com o espírito da Constituição brasileira que expressamente estabeleceu que “o planejamento familiar é livre decisão do casal (…) vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas” (art. 227, §7º, da CF/88).

Em outra oportunidade, tentarei demonstrar que o fundamento utilizado pela Suprema Corte norte-americana, no Caso Griswold, não foi bem a autonomia privada, mas o direito à privacidade. No entanto, o conceito de privacidade adotado pela Suprema Corte dos EUA em muito se assemelha à noção ora desenvolvida de autonomia da vontade.

Autonomia da Vontade e Aborto

Como conseqüência do Caso Griswold, a Suprema Corte dos EUA, em 1973, decidiu o polêmico caso “Roe versus Wade”.

No referido caso, a Suprema Corte norte-americana autorizou, por 7 votos a 2, a prática do aborto em determinadas situações. Basicamente, ficou decidido que: (1) os Estados possuem interesses legítimos em assegurar que a prática do aborto não coloque em risco a vida da mulher; (2) o direito à privacidade abrange o direito de a mulher decidir se interrompe ou não a gravidez; (3) o direito de interromper a gravidez não é absoluta, podendo ser limitado pelos interesses legítimos do Estado em manter padrões médicos apropriados e em proteger a vida humana em potencial; (4) o embrião não está incluído dentro da definição de “pessoa”, tal como usada na décima quarta emenda; (5) antes do fim do primeiro trimestre da gravidez, o Estado não pode interferir na decisão de abortar ou não; (6) ao fim do primeiro trimestre até o período de tempo em que o feto se tornar viável, o Estado pode regular o procedimento do aborto somente se tal regulação se relacionar à preservação da vida ou da saúde da mãe; (7) a partir do momento em que o feto se tornar viável, o Estado pode proibir o aborto completamente, a não ser naqueles casos em que seja necessário preservar a vida ou a saúde da mãe.

O fundamento que se pode extrair do caso Roe é o de que a mulher teria o direito constitucional de controlar seu próprio corpo, de modo que a opção sobre realizar ou não um aborto deveria ser, em princípio, uma escolha íntima e pessoal sua. Porém, ao mesmo tempo, foi reconhecido que o poder público também tem um legítimo interesse em proteger a vida “em potencial” do feto. Desse modo, na tentativa de conciliar os interesses conflitantes, decidiu-se que a liberdade de escolha da mulher somente seria pleno no estágio inicial da gravidez (equivalente aos três primeiros meses após a concepção), pois, quando o feto fosse capaz de sobreviver fora do útero, a proibição do aborto seria legítima, exceto em algumas situações onde o parto pudesse colocar em risco a vida da mãe. Mesmo que não se concorde com o mérito da decisão, é inquestionável que houve, no caso, uma tentativa de prestigiar a autonomia da vontade da mulher.

Aqui no Brasil, por opção legislativa cuja constitucionalidade até agora não foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal, o aborto é proibido qualquer que seja o estágio da gravidez, exceto em caso de risco de vida da mãe ou quando a gravidez resulta de estupro.

Atualmente, está na pauta de julgamento do STF a questão do aborto de fetos sem cérebro (anencéfalos). Apesar de ser católico e acreditar na vida como um milagre (vide o artigo “O Princípio Antrópico como Justificativa para a Dignidade Humana”), creio que a solução mais compatível com os valores constitucionais é, realmente, a não criminalização do aborto em caso de anencefalia do feto. Na minha ótica, fere a Constituição punir criminalmente uma mulher que, diante de uma pressão psicológica tão grande, opte por interromper a gravidez.

Na ponderação de valores em si (vida do feto versus liberdade de escolha da mulher), até acho que a vida seja mais importante. Mas, no caso de fetos anencéfalos, a balança está tão equilibrada que punir a mulher seria uma grande injustiça. O melhor é que a escolha recaia sobre aquela pessoa que será a principal afetada por qualquer decisão: a própria gestante.

Por outro lado, para se perceber que não dou um caráter absoluto à liberdade de escolha, acredito que a não-criminalização do aborto em caso de gravidez resultante de estupro pode, em dadas situações, significar uma proteção insuficiente da vida do feto, especialmente naqueles casos em que a gravidez já se encontra em estado avançado e que exista viabilidade de vida extra-uterina. Nessa situação, ou seja, quando o feto já apresenta sinais que demonstram que ele pode sobreviver fora do útero, defendo que a liberdade de escolha da mulher deveria ser restringida em favor da vida. Essa questão ainda não foi judicializada aqui no Brasil.

Autonomia da Vontade e Opção Sexual

Outra questão interessante envolvendo a autonomia da vontade diz respeito à opção sexual. Até que ponto o Estado pode criminalizar a opção sexual do indivíduo?

Curiosamente, até o ano de 2003, a Suprema Corte norte-americana entendia que os Estados-membros seriam livres para criminalizar a sodomia e o homossexualismo. Era um posicionamento totalmente incoerente com a lógica adotada nos casos Griswold e Roe. Para ser mais direto: era uma solução hipócrita.

Para alegria geral da comunidade “raimbow”, em 2003, a Suprema Corte norte-americana, apesar de ser formado por juristas extremamente conservadores, mudou de opinião e anulou uma lei do Texas que punia criminalmente a prática do homossexualismo. Isso ocorreu no caso “Lawrence vs. Texas” (2003).

Na decisão, prevaleceu o argumento de que a sexualidade é uma opção íntima e pessoal que diz respeito a cada indivíduo em particular, sendo vedado ao Estado interferir nessa escolha quando tomadas consensualmente por pessoas adultas e plenamente capazes, já que, “no coração da liberdade”, está o direito de definir o próprio conceito de existência. Em outras palavras: “os adultos podem escolher determinado relacionamento na intimidade das suas casas e das suas vidas privadas e, ainda assim, manterem a sua dignidade como pessoas livres. Uma vez que a sexualidade se manifesta na conduta íntima com outra pessoa, essa conduta é apenas um elemento do comprometimento estável. A liberdade protegida constitucionalmente permite aos homossexuais fazerem esta escolha”. A decisão, na íntegra e em português, pode ser lida aqui.

Dentro dessa mesma lógica, a Suprema Corte norte-americana deve apreciar, em breve, a questão envolvendo o casamento gay.

No Caso Goodridge, julgado em 2003 pela Suprema Corte de Massachussetts, ficou decidido, por 4 votos a 3, que pares do mesmo sexo podem obter certidões de casamento a partir de maio de 2004. A polêmica decisão vale apenas para aquele Estado norte-americano.

Concordo plenamente com a decisão. Na verdade, sob uma ótica racional, nada justifica a proibição do casamento gay. A opção sexual de cada um não diz respeito ao Estado. Impedir que pessoas do mesmo sexo mantenham uma relação afetiva e se beneficiem dos mesmos favores legais que os casais entre homens e mulheres possuem significa uma discriminação desproporcional, totalmente incompatível com espírito libertário da atual sociedade pluralista e sem preconceitos que a Declaração de Direitos Humanos, desde 1948, pretendeu estabelecer em todo mundo.

Autonomia da Vontade e Pornografia

Dentro das inúmeras controvérsias geradas pela liberdade de expressão, insere-se a questão de saber se os materiais pornográficos estariam protegidos pela Constituição. Em caso afirmativo, as normas do código penal que punem a comercialização de obras com conteúdo obsceno seriam inconstitucionais.

Nos Estados Unidos, onde a liberdade de expressão tem uma proteção extremamente abrangente, a Suprema Corte decidiu, no caso “Miller vs. California” (1973), que o ato obsceno não desfrutaria de nenhuma proteção constitucional, mas deixou claro que o material com real valor literário, artístico, político ou científico ainda pudesse ser distribuído, mesmo que seu conteúdo fosse considerado como erótico. Trata-se, nitidamente, de uma decisão hipócrita e incoerente com diversas decisões envolvendo a liberdade de expressão daquela mesma Corte. Afinal, lá nos EUA, a liberdade de expressão é um direito preferencial e não há motivo algum para justificar a limitação desse direito constitucional por motivos de conservadorismo moral.

Trazendo o discurso para o direito brasileiro, observa-se que a pornografia é punida no artigo 234 do Código Penal. Perceba que o tipo penal é extremamente contra qualquer tipo de pornografia, proibindo até mesmo “escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno”. No parágrafo único do referido artigo, chega-se ao cúmulo de punir qualquer “representação teatral ou exibição cinematográfica de caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo caráter”, bem como as recitações de caráter obsceno!

Particularmente, penso que o tipo penal referido não está em sintonia com o caráter libertário contido na CF/88. Na nova ordem constitucional, a decisão sobre o que ler, ouvir, assistir, escrever, fotografar ou desenhar é uma escolha pessoal do indivíduo, que o Estado não deve se intrometer, salvo em situações excepcionais e tão somente para preservar outros valores constitucionais, dentro do critério da estrita necessidade. Não cabe ao Estado, nem mesmo ao juiz, definir o que tem valor artístico ou que é “pura pornografia”. É o indivíduo, plenamente consciente e eticamente responsável pelas suas escolhas, que deve exercer o juízo crítico e pessoal sobre aquilo que ele considera capaz de lhe engrandecer como ser humano.

Vale ressaltar que defender a proteção constitucional da pornografia não implica dar uma “carta branca” para a exploração sexual de seres humanos. Conforme se afirmou, a proteção que ora se defende decorre principalmente do livre exercício da autonomia privada, que pressupõe a plena capacidade de discernimento e a livre vontade de decidir. Sem esses pressupostos não há que se falar em proteção constitucional.

Autonomia da Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais

A idéia de que os direitos fundamentais se aplicam não apenas nas relações entre o cidadão e o Estado (eficácia vertical), mas também nas relações privadas (eficácia horizontal), envolve, no fundo, uma colisão de valores em que, de um lado, estará sempre a autonomia da vontade.

É por isso que não se deve estranhar a doutrina da “state action” vigente nos EUA. Conforme se viu, os EUA valorizam sobremaneira a autonomia da vontade. Por isso, eles negam completamente a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas, salvo se houver lei expressamente prevendo essa aplicação ou então se o agente privado estiver exercendo uma função estatal.

Entre nós, prevalece o entendimento bem mais favorável à incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas, independentemente de lei dispondo a respeito. É a chamada eficácia direta.

Isso ocorre, sobretudo, em razão da desigualdade de forças já mencionada. Nem sempre as relações privadas serão 100% simétricas. Aliás, na maioria das vezes, haverá um agente privado com muito mais poder econômico tentando usar todo tipo de influência para lucrar à custa da parte mais fraca. Em regra, quem está em condições de inferioridade não consegue exercer a liberdade de escolha com plena autonomia. Daí porque é importante aceitar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais como forma de limitar os poderes privados.

E mesmo numa relação plenamente simétrica, não se deve afastar totalmente a possibilidade de incidência dos direitos fundamentais, sobretudo quando o valor constitucional em jogo seja de tal modo relevante que a sua limitação mereceria um repúdio do Estado. Como se disse, no final, tudo vai desembocar numa ponderação de valores.

Autonomia da Vontade e Renúncia de Direitos Fundamentais

Finalmente, um dos pontos mais delicados. A renúncia de direitos fundamentais.

Nove entre dez juristas afirmam que os direitos fundamentais são indisponíveis e irrenunciáveis. Discordo.

Renunciar e até mesmo negociar a direitos fundamentais é algo que ocorre com bastante freqüência. Na verdade, não permitir que uma pessoa, com plena capacidade de discernimento e livre de qualquer tipo de pressão, negocie ou renuncie a direitos fundamentais é violar a sua autonomia da vontade.

Logicamente, somente será possível aceitar uma renúncia de direitos fundamentais quando a pessoa estiver realmente em condições psicológicas de tomar uma decisão livre de pressões e com plena capacidade de discernimento. Um trabalhador, que no desespero para se manter no emprego, aceite trabalhar vinte horas por dia, sem direito a férias ou descanso, ganhando menos do que um salário mínimo, não está decidindo livre de pressões. Não há, aqui, verdadeira liberdade de escolha, razão pela qual é razoável não aceitar a renúncia.

A renúncia a um direito fundamental somente pode ser proibida quando o exercício da autonomia privada não for autêntico.

Por isso, é plenamente válida a regra que criminaliza a negociação de partes do corpo humano. Um sujeito que resolva vender uma parte do seu corpo (um rim, por exemplo) certamente não está realizando essa escolha com tranqüilidade de espírito. Provavelmente, a decisão de vender um rim é decorrente de graves privações financeiras, não havendo aí plena capacidade de discernimento. Por isso, a lei que proíbe o comércio de órgãos humanos deve ser considerada válida.

Por outro lado, dentro desse mesmo contexto, seria desproporcional, na minha ótica, punir alguém que optasse por vender, por exemplo, seus cabelos, já que a violação à integridade física é mínima, devendo prevalecer, no caso, a autonomia da vontade. Aliás, por incrível que pareça, existe um mercado intenso de compra e venda de cabelos para fabricação de perucas.

No fundo, a discussão em torno da possibilidade de renúncia de direitos fundamentais vai desemborcar, mais uma vez, no sopesamento de valores, onde, de um lado, estará a autonomia da vontade e, do outro, o direito a ser renunciado. Em alguns casos, prevalecerá a autonomia da vontade; em outros, o direito fundamental em jogo, conforme a importância de cada um desses valores no caso concreto. Geralmente, aceita-se com mais facilidade a renúncia de direitos fundamentais de cunho patrimonial. Já os direitos mais ligados à dignidade humana, como o direito à vida e à integridade física e moral, são bem menos flexíveis, mas ainda assim podem ceder em determinadas situações.

Observe, por exemplo, um esporte como a luta de boxe. Quase sempre, a luta ocorre com o consentimento dos envolvidos, ou seja, os lutadores estão ali por que querem, num exercício claro da autonomia da vontade. Por outro lado, é típico do esporte que ocorra lesão à integridade física dos esportistas. Mesmo assim, ninguém ousaria defender a proibição do esporte, nem a punição dos lutadores ou mesmo dos empresários que exploram o boxe. Aliás, há até mesmo um estímulo ao esporte, com patrocínios públicos e privados para aqueles que se dedicam a essa atividade.

O importante, para verificar a proporcionalidade do ato, é saber se o exercício da liberdade de escolha está sendo autêntico. Se essa tomada de decisão for sincera, o máximo que o Estado pode fazer é desenvolver mecanismos para que o indivíduo tenha perfeita consciência da conseqüência do seu ato, mas jamais interferir na sua escolha, sobretudo quando a decisão não atingirá a dignidade de outras pessoas.

Não cabe ao Estado, por exemplo, impedir que uma pessoa ultra-religiosa pratique atos de autoflagelação. Em princípio, pode ser um ato irracional e contrário às convenções sociais, que está certamente violando a integridade física daquele que o pratica. Mas se a pessoa que opta por fazer isso acredita firmemente – de forma sincera e autêntica – que a auto-flagelação lhe dará um conforto espiritual que compensará, no final das contas, o sacrifício, não cabe ao Estado embaraçar essa decisão, já que é uma escolha que diz respeito apenas ao indivíduo afetado, por mais irracional que seja.

Mais um exemplo: um militar que resolva participar de um treinamento de guerra para fazer parte da tropa de elite das forças armadas sabe que passará por inúmeras privações biológicas (fome, frio, calor, sede etc.) e psicológicas, podendo, em alguns casos, chegar até mesmo a sofrer violências físicas. No entanto, ele sabe que, quanto mais rigoroso for o treinamento, melhores serão suas condições de participar de uma guerra e maior será a sua auto-estima e reputação perante os demais membros do grupo social em que ele vive. Logo, caberá a ele sopesar os valores conflitantes e decidir se quer ou não participar do treinamento, sem prejuízo da punição dos organizadores do evento, caso fique demonstrada a prática de excessos criminosos.

Do mesmo modo, se uma pessoa plenamente capaz resolve colocar um “piercing” ou então fazer uma tatuagem, está no legítimo exercício do direito fundamental de dispor do próprio corpo. Guardadas as devidas proporções, é uma decisão semelhante àquela tomada por uma mulher que aceita se submeter a uma intervenção cirúrgica meramente estética, como o aumento dos seios, por exemplo. Essa mulher certamente sabe dos riscos que está assumindo, sabe que haverá uma violação a sua integridade física, sabe que poderão existir complicações cirúrgicas e sabe que terá imenso sofrimento após a cirurgia. Se ainda assim resolve fazer a plástica, o Estado, em principio, não pode impedir.

Por isso, é de discutível constitucionalidade, pelo menos se interpretado à risca, o artigo 13 do Código Civil: “salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”. Na verdade, toda pessoa que esteja em pleno gozo de suas faculdades mentais e tenha condições concretas e autênticas de tomar por si próprio as decisões que lhe dizem respeito tem o direito fundamental de dispor do próprio corpo da forma como bem entender, desde que não prejudique o direito de terceiros, não podendo o Estado, ressalvadas algumas situações bem peculiares, interferir no exercício desse direito.

Eutanásia

Dentro desse contexto, já se pode intuir qual minha opinião a respeito da eutanásia. Entendo que a solução mais compatível com os valores constitucionais é que o Estado autorize a eutanásia voluntária, ou seja, aquela em que o sujeito expressamente manifesta seu desejo de não mais viver, mas, por razões físicas, não pode realizar a sua vontade. Parece-me que a decisão de como e quando morrer é uma das ‘mais íntimas escolhas pessoais que uma pessoa pode fazer na vida’, uma escolha que é o centro da dignidade e autonomia. Na minha ótica, fere a Constituição não permitir que alguém, diante de uma pressão psicológica e de um desgosto de viver tão grande, opte por abreviar o seu sofrimento.

Era isso. Como se disse, este post estará em constante evolução adaptativa, razão pela qual peço, se possível, comentários e críticas dos leitores.

Para aprofundar:

As idéias acima possuem uma forte influência do pensamento de Ronald Dworkin, em especial dois livros: “A Leitura Moral da Constituição” e “Domínio da Vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais”, ambos publicados no Brasil pela editora Martins Fontes.

Para finalizar, reproduzo a música que deu origem ao título do post:

“Se a gente está aqui

comendo capim

É porque a gente quer

Se não quiser

Nós somos livres

Independente Futebol Clube!”

Ultraje a Rigor, na música “Independente Futebol Clube”

Existe lógica na loucura? O problema do sigilo de dados e das comunicações

Caros leitores, vou precisar da ajuda de vocês. Qualquer palpite é bem-vindo, até mesmo críticas. Aliás, as críticas às vezes engrandecem mais do que os elogios.

É o seguinte: tentei sistematizar a jurisprudência em matéria de sigilo de dados e de comunicações para tentar encontrar alguma coerência na bagunça interpretativa que é feita em relação aos artigos 5º inc. X e XII da CF/88. É uma loucura só.

Não sei se o resultado final ficou bom, pois há muita informação a ser processada e muitas opinões conflitantes. Assim, submeto o texto abaixo para que você verifiquem alguma inconsistência lógica ou equívoco propriamente dito, bem como para que apresentem outras possibilidades interpretativas satisfatórias.

Inviolabilidade do Sigilo de Dados e das Comunicações

“Se tu falas muitas palavras sutis

Se gostas de senhas sussurros ardis

A lei tem ouvidos pra te delatar

Nas pedras do teu próprio lar

Se trazes no bolso a contravenção

Muambas, baganas e nem um tostão

A lei te vigia, bandido infeliz

Com seus olhos de raios X

Se vives nas sobras freqüentas porões

Se tramas assaltos ou revoluções

A lei te procura amanhã de manhã

Com seu faro de dobermam”

Chico Buarque, na música Hino de Duran


Texto escrito por George Marmelstein, Juiz Federal e Professor de Direito Constitucional


O princípio geral da intimidade e da privacidade (art. 5º, inc. X) protege o indivíduo contra a devassa de seus dados pessoais. Dados pessoais são documentos que contém informações sobre a vida privada de um determinado indivíduo, como movimentações bancárias (sigilo bancário), declarações de imposto de renda (sigilo fiscal), registros de ligações telefônicas (sigilo telefônico), entre outras informações de caráter pessoal. Em princípio, o poder público não pode ter acesso a esses dados pessoais sem o consentimento do indivíduo, que tem a prerrogativa de decidir sobre a sua exibição e uso.

Para esclarecer, apresento alguns exemplos. Uma declaração de imposto de renda é um dado fiscal. Trata-se de um documento sigiloso que só interessa, em princípio, ao contribuinte ou ao fisco. Nela, estão detalhes importantes da privacidade do indivíduo: rendas, gastos, relação de bens etc. Por esse motivo, essa declaração, assim como um extrato de conta corrente ou uma conta telefônica discriminando o histórico de ligações recebidas e realizadas pelo indivíduo, contém informações que estão protegidas pela garantia constitucional de proteção à intimidade e à privacidade.

O Supremo Tribunal Federal ainda não definiu com precisão os contornos desse princípio. Há, contudo, uma certeza: não se trata de uma garantia absoluta, já que pode ser limitada em algumas hipóteses.

É preciso enfatizar que o sigilo de dados não se confunde com o sigilo das comunicações. Os dados são informações estáticas e, em regra, unipessoais; as comunicações, dinâmicas e pluripessoais. Os dados são protegidos pelo artigo 5º, inc. X, da CF/88, enquanto o sigilo das comunicações está garantido pelo artigo 5º, inc. XII. Conforme se verá, essa distinção possui implicações práticas de extrema relevância.

O artigo 5º, inc. XII, da CF/88, determina o seguinte:

“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” (inc. XII).

Observe que o dispositivo constitucional (inc. XII) procura disciplinar a proteção às comunicações de um modo geral (postais, telegráficas, telemáticas e telefônicas) e não os dados propriamente ditos. O que o inciso XII do artigo 5º tem em mira é garantir a inviolabilidade do conteúdo das comunicações, de modo que os dados fiscais, bancários ou mesmo telefônicos, por exemplo, não são protegidos pelo referido dispositivo constitucional, mas pela proteção genérica da intimidade e da privacidade prevista no artigo 5º, inc. X. A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de decidir que: “a proteção a que se refere o art.5º, XII, da Constituição, é da comunicação ‘de dados’ e não dos ‘dados em si mesmos’, ainda quando armazenados em computador”[1].

Os dados, por não estarem inseridos no conceito de “comunicações” não gozam da forte proteção conferida pelo artigo 5º, inc. XII, que prevê requisitos bem mais rigorosos para a sua limitação do que a proteção da intimidade de um modo geral. Basta dizer que o sigilo das comunicações telefônicas somente pode ser quebrado para fins criminais (“investigação criminal ou instrução processual penal”), enquanto que o sigilo dos dados pode ser quebrado até mesmo para fins não criminais.

Um juiz de uma vara de execução fiscal, por exemplo, jamais poderia autorizar uma interceptação de conversa telefônica, pois somente os juízes criminais possuem essa competência. Por outro lado, o juiz da vara de execução fiscal pode, e o faz com freqüência, quebrar o sigilo fiscal ou bancário do devedor, com vistas a descobrir algum bem passível de penhora para satisfação do crédito executado[2]. Observe-se que, nessa hipótese, a limitação da garantia fundamental tem como objetivo uma finalidade não-criminal. Se incidisse na hipótese a proibição contida no inciso XII, a quebra desse sigilo estaria violando frontalmente o comando constitucional. No entanto, como o inciso XII não se aplica nessa situação, já que não se trata de comunicação, a jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, já pacificou o entendimento no sentido de admitir a possibilidade de quebra do sigilo bancário e fiscal para obter informações acerca de existência de ativos financeiros do devedor[3].

Perceba que a cláusula geral de respeito à intimidade e à privacidade, prevista no inciso X, não está submetida expressamente ao princípio da reserva de jurisdição, ou seja, não pressupõe uma ordem judicial para ser restringida. Logo, em princípio, a quebra do sigilo de dados, em tese, poderia ser realizada mesmo sem prévia autorização judicial. No entanto, não é esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal. O STF tem exigido com freqüência a autorização judicial prévia para reconhecer como válida uma quebra de sigilo de dados. Já se decidiu, por exemplo, que o Banco Central, no exercício de seu poder de fiscalizar o sistema financeiro, não poderia violar os dados bancários de correntistas sem ordem judicial[4]. Do mesmo modo, entendeu-se que o Tribunal de Contas da União, que não é um órgão do Poder Judiciário, não teria poderes para determinar a quebra do sigilo bancário[5]. O mesmo raciocínio se aplica aos delegados de polícia e ao ministério público, ou seja, sem ordem judicial, essas autoridades não podem quebrar o sigilo de dados.

Há pelo menos uma decisão do STF que parece fugir dessa lógica. No MS 21729/DF, o STF aceitou a quebra do sigilo bancário por ordem direta do ministério público, por se tratar, no caso específico, de uma conta corrente que movimentava verbas de um órgão público, e a informação pretendida pelo ministério público referia-se apenas aos nomes dos beneficiários da operação financeira[6]. Mesmo nesse caso, não se admitiu expressamente a quebra do sigilo bancário pelo ministério público, tanto que, no voto vencedor, o Min. Néri da Silveira deixou consignado que a “mera referência ao nome de quem teria sido beneficiado ou contratante, em um determinado empréstimo subsidiado pelo erário federal, em razão de um plano de governo” não consistiria matéria encoberta pelo sigilo bancário, já que se trata de operação em que há dinheiro público e “a publicidade deve ser nota característica dessa operação”.

Como regra, portanto, de acordo com a atual jurisprudência do STF, a quebra do sigilo de dados somente pode ser autorizada ordem judicial fundamentada, bem como pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, inclusive as estaduais, que também estão autorizadas a decretar a quebra de sigilo de dados, já que possuem o status de “autoridade judiciária”[7].

É preciso reconhecer que a exigência de ordem judicial para a quebra do sigilo de dados é muito mais uma construção jurisprudencial do que uma condição claramente estabelecida no texto constitucional. A Constituição, na verdade, não trata do assunto, a não ser de forma genérica ao proteger a intimidade e a privacidade das pessoas. Por isso, há uma corrente doutrinária que defende que, em princípio, as leis infraconstitucionais poderiam autorizar a quebra do sigilo de dados por autoridades não-judiciárias. O Supremo Tribunal Federal deverá, em breve, enfrentar esse tema, ao decidir sobre a constitucionalidade da Lei Complementar 105/2001, que autorizou, mesmo sem prévia requisição judicial, o acesso às informações bancárias do contribuinte por determinadas autoridades pública, como os fiscais fazendários e os membros do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF[8], órgão vinculado ao Ministério da Fazenda criado com a missão de fiscalizar e combater a prática de crimes de lavagem de dinheiro.

Sigilo dos dados

Sigilo das Comunicações

Conceito

Dados são informações estáticas, com declarações de imposto de renda, extratos bancários e telefônicos.

Comunicações são informações dinâmicas, como as conversas telefônicas, as correspondências, as mensagens telegráficas etc., envolvendo mais de uma pessoa.

Fundamento Constitucional

Art. 5º, inc. X

Art. 5º, inc. XII

Requisitos para quebra

Em tese, seria possível a quebra sem ordem judicial, pois a Constituição não faz qualquer exigência nesse sentido. Contudo, o STF tem entendido que apenas as autoridades judiciárias (inclusive as CPIs) podem autorizar a quebra.

É possível, contudo, utilizar as informações obtidas mediante a quebra do sigilo de dados mesmo para fins não-criminais.

A Constituição estabelece que a quebra do sigilo das comunicações pressupõe uma autorização judicial prévia, embora existam alguns julgados admitindo a interceptação das comunicações escritas por autoridades não-judiciárias.

A quebra, contudo, somente pode ser autorizada para fins criminais, embora possa ser utilizada, posteriormente, para outros fins (prova emprestada).

Feitas essas considerações, passa-se a analisar o artigo 5º, inc. XII, que, como visto, protege as comunicações de um modo geral, sejam elas realizadas através de cartas, através de telegramas, de mensagens eletrônicas ou telefonemas. Embora o texto constitucional não seja expresso, é possível concluir que as conversas presenciais ou ambientais também se encontram protegidas pelo referido artigo, já que apresentam um grau de intimidade até maior do que uma conversa telefônica, por exemplo. Assim, se duas pessoas estiverem conversando reservadamente, o inc. XII protegerá o sigilo desse diálogo. Dentro da mesma lógica, as conversas realizadas por computadores, que transmitem digitalmente a imagem e a voz em tempo real, também estão no mesmo patamar das comunicações telefônicas, já que são situações substancialmente idênticas.

O artigo 5º, inc. XII, da CF/88, tem gerado inúmeras interpretações diferentes, justamente porque a expressão “no último caso” complica muito mais do que ajuda.

Há, basicamente, quatro interpretações: (a) uma restritiva, que defende que a expressão “no último caso” somente se refere às comunicações telefônicas, sendo absoluta a proteção constitucional nas demais hipóteses; (b) uma intermediária, que sustenta que a expressão “no último caso” se referente tanto às comunicações telefônicas quanto às comunicações de dados, não sendo possível a quebra do sigilo das demais modalidades de comunicação[9]; (c) uma mais abrangente, que defende que a expressão “no último caso” significa “em situações excepcionais”, autorizando, portanto, a limitação de qualquer tipo de comunicação, desde que em hipóteses extremamente necessárias e sempre com ordem judicial para fins exclusivamente penais; (d) uma teleológica, para entender que o constituinte pretendeu, na verdade, dar uma proteção maior à proteção das comunicações mais íntimas, como as realizadas via telefone, as ambientais/presenciais e as que utilizam a transmissão digital da imagem e/ou voz, por exemplo, estabelecendo critérios bem mais rígidos para a sua quebra do que nas demais hipóteses.

A última opção parece ser a mais lógica, apesar de se chocar com literalidade do dispositivo constitucional. De fato, aparentemente, a comunicação interpessoal de “viva voz” é, sem dúvida, a mais importante de todas as espécies de comunicação, pois é ela que mais envolve a intimidade e a privacidade das pessoas. Falar no telefone é, inquestionavelmente, um ato de intimidade muito maior do que mandar um telegrama, por exemplo. Por isso, não seria muito razoável se fosse absolutamente proibida a interceptação de uma comunicação via telégrafo e, ao mesmo tempo, fosse autorizada a interceptação das conversas telefônicas. Seria o mesmo que autorizar a entrada no quarto da casa, mas fosse proibida a entrada no gabinete.

Aliás, é por essa razão, que a jurisprudência tem abrandado a rigidez do artigo 5º, inc. XII, flexibilizando a garantia do sigilo das comunicações escritas para autorizar a sua quebra em situações que não se enquadram na ressalva constitucional.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal entendeu como válida, mesmo sem ordem judicial, a violação do sigilo da correspondência de um preso, pelo próprio Diretor do Presídio, para impedir a prática de crimes, com base na Lei de Execuções Penais, que autoriza essa devassa na correspondência de presidiários[10]. Confira a ementa:

“A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”[11].

Portanto, a melhor interpretação do artigo 5º, inc. XII, da CF/88 parece ser esta: (a) regra geral: inviolabilidade das comunicações; (b) exceção: em situações especiais, justificadas pelo princípio da proporcionalidade, é possível a limitação da garantia, no que se refere às comunicações escritas, inclusive para autorizar a quebra do sigilo por autoridades não-judiciárias e para fins não-criminais, respeitando-se, vale enfatizar, o princípio da proporcionalidade[12]; (c) exceção da exceção: no caso das comunicações de “viva voz”, o sigilo é mais forte, pois somente pode ser quebrado por ordem judicial e para fins criminais.

Essa interpretação é, contudo, polêmica. Há algumas decisões judiciais, inclusive do Supremo Tribunal Federal, que reforçam esse entendimento, mas nada tão enfático.

De qualquer modo, a despeito da total indefinição jurisprudencial acerca dos contornos do artigo 5º, inciso XII, uma coisa é certa: a interceptação telefônica somente pode ser autorizada pelo Poder Judiciário, em decisão fundamentada, e sempre para fins criminais.

O conceito de interceptação não se confunde com a chamada gravação clandestina. Através da interceptação, uma conversa entre duas ou mais pessoas é gravada sem que nenhuma delas tenha conhecimento desse fato. Já na gravação clandestina, pelo menos um dos interlocutores sabe que a conversa está sendo gravada.

O inciso XII da CF/88 regulamenta a interceptação e não a gravação clandestina. A gravação clandestina não está sujeita, para ser válida como prova, às rígidas condições do inciso XII, que são basicamente a necessidade de ordem judicial e a utilização para fins criminais.

A interceptação ou a gravação de uma conversa pode se referir tanto a uma conversa telefônica quanto a uma conversa não-telefônica (ambiental). Assim, é possível fazer a seguinte distinção: (a) interceptação telefônica; (b) gravação telefônica clandestina; (c) interceptação ambiental; (d) por fim, gravação ambiental clandestina.

A interceptação telefônica é a captação e gravação de conversa telefônica, no mesmo momento em que ela se realiza, por terceira pessoa sem o conhecimento de qualquer dos interlocutores. Nesse caso, a Constituição exige como requisitos de validade da prova que a interceptação seja precedida de ordem judicial, e sempre para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer (Art. 5º, inc. XII, da CF). Um delegado de polícia, por exemplo, não pode autorizar a interceptação telefônica. Do mesmo modo, um juiz de família não pode determinar a quebra do sigilo das comunicações telefônicas para fins de elucidar um caso de divórcio, já que a Constituição não admite a restrição desse direito para fins não-criminais. Apesar disso, vale mencionar que houve um relevante julgamento em que o STF entendeu que “dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova”[13]. Trata-se, no caso, da chamada prova emprestada.

Diferentemente da gravação resultante de interceptação telefônica, as gravações telefônicas clandestinas são aquelas em que a captação e gravação da conversa telefônica se dão no mesmo momento em que a conversa se realiza, feita por um dos interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demais interlocutores. Dessa forma, não se confunde interceptação telefônica com gravação clandestina de conversa telefônica, pois enquanto na primeira nenhum dos interlocutores tem ciência da invasão de privacidade, na segunda pelo menos um deles tem pleno conhecimento de que a gravação se realiza. No caso da gravação telefônica clandestina, não se aplica os requisitos do art. 5º, inc. XII, e assim o conteúdo da conversa pode, em princípio, ser utilizado validamente como prova, mesmo sem ordem judicial e até mesmo para fins não criminais, já que não constitui crime a gravação dos próprios diálogos telefônicos. Um consumidor pode perfeitamente gravar, mesmo sem ordem judicial, a sua própria conversa telefônica, realizada com o departamento de telemarketing de uma determinada empresa, e utilizar o conteúdo dessa gravação para instruir uma ação de reparação de danos morais, por exemplo. O inverso também é verdadeiro.

Há várias decisões do Supremo Tribunal Federal reconhecendo ser lícita a gravação telefônica, inclusive para incriminar[14]. Talvez o julgamento mais enfático nesse tema tenha sido o HC 75338/RJ, cuja ementa está assim redigida: “é lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista”[15].

Porém, há também um precedente em sentido contrário, proferido no polêmico Caso Collor (Ação Penal 307), processo no qual estava em julgamento o ex-Presidente da República, Fernando Collor, acusado de praticar inúmeros crimes envolvendo o desvio de verbas públicas. Nesse julgamento, o STF foi bastante rígido quanto à interpretação das garantias processuais do acusado, reconhecendo a ilicitude de diversas provas que poderiam incriminar o ex-Presidente. Com isso, Collor foi absolvido por falta de provas, ou melhor, de provas lícitas que comprovassem a sua participação no grupo criminoso. Curiosamente, vários pontos decididos no Caso Collor estão superados pela mais recente jurisprudência dominante do STF. Talvez, se o ex-Presidente fosse acusado nos dias de hoje, algumas provas que foram invalidadas seriam aceitas. Assim, por exemplo, diálogos telefônicos gravados pelo deputado Sebastião Curió com outras autoridades envolvidas no escândalo político não foram admitidos como prova, pois um dos interlocutores não sabia que a conversa estava sendo gravada. Atualmente, contudo, conforme se viu, o STF já está aceitando esse tipo de prova, por se tratar de gravação clandestina e não interceptação telefônica.

O mesmo raciocínio se aplica à chamada gravação ambiental clandestina, que é aquela em que a captação e gravação da conversa pessoal ou ambiental se dão no mesmo momento em que a conversa se realiza, feita por um dos interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demais interlocutores.

O STF, por exemplo, já decidiu que “não ofende a garantia constitucional da intimidade (CF, art. 5º, X) a gravação realizada por ocupante de imóvel residencial que instala, em sua própria vaga de garagem, equipamento de filmagem com o objetivo de identificar autor de danos criminosos provocados em seu automóvel”[16]. Nesse caso, “considerou-se válida a prova questionada, uma vez que a gravação realizada, pelo próprio morador na sua vaga de garagem, não fora realizada com o intuito de promover indevida intrusão na esfera privada da vida pessoal de terceiro. Ressaltou-se, ainda, que o paciente não estava sendo vigiado em sua própria residência ou tendo a sua imagem e intimidade devassadas, e que ele próprio é que ingressara em vaga alheia com a intenção dolosa de praticar o crime de dano no veículo que lá estava estacionado” (Informativo 366 do STF).

Há, por fim, um último conceito que merece ser analisado: o da interceptação ambiental, regulamentada pelo artigo 2º, inc. IV, da Lei de Combate ao Crime Organizado (Lei 9.034/95), que diz o seguinte:

“Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: (…) IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial”.

A interceptação ambiental segue a mesma lógica da interceptação telefônica, ou seja, precisa de ordem judicial “circunstanciada” para ser válida. E, no fundo, a interceptação ambiental é essencialmente semelhante à interceptação telefônica: há uma gravação de conversa (no caso, sem telefone) na qual nenhum dos interlocutores sabe que o diálogo está sendo ouvido e gravado por estranhos. Por isso, a lei exige a autorização judicial no intuito de evitar a invasão indevida na esfera de intimidade dos indivíduos.

Vale ressaltar que toda vez que se disse que uma gravação ou um documento “vale como prova” não significa que eles são suficientes, por si só, para demonstrar a verdade dos fatos. Servir como prova não é ser incontestável ou irrefutável. Servir como prova é tão somente não ser desconsiderada de plano pelo juiz no momento em que estiver firmando seu convencimento.

Interceptação Telefônica

Interceptação Ambiental

Gravação Telefônica Clandestina

Gravação Ambiental Clandestina

Conceito

Duas ou mais pessoas conversam ao telefone e nenhum dos interlocutores sabe que está sendo gravada a conversa

Duas ou mais pessoas conversam e nenhum dos interlocutores sabe que a conversa está sendo gravada ou filmada por um estranho.

Duas ou mais pessoas conversam ao telefone, sendo que uma delas grava a conversa ou consente que um terceiro faça a gravação

Duas ou mais pessoas conversam, sendo que uma delas grava a conversa ou consente que um terceiro faça a gravação ou filme

Requisitos

de validade

– Ordem Judicial Fundamentada

– Para fins de investigação criminal ou instrução processual penal

– Nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer. (Lei 9296/96)

– Autorização Judicial Circunstanciada

– Para fins de investigação de crimes envolvendo organizações criminosas (crime organizado)

– Lei 9034/95

– Em princípio, não é necessária autorização judicial e a conversa pode também ser utilizada para fins não-criminais.

O entendimento, contudo, não é pacífico.

– Em princípio, não é necessária autorização judicial e a conversa pode também ser utilizada para fins não-criminais.

O entendimento, contudo, não é pacífico.


[1] STF, RE 418416/SC, rel. Sepúlveda Pertence, j. 10/5/2006.

[2] A quebra do sigilo bancário pelos juízes foi facilitada com a implementação do Sistema BacenJud, que é um sistema informatizado de atendimento das solicitações do Poder Judiciário ao Banco Central do Brasil, substituindo o ofício em papel pelo ofício eletrônico. Esse sistema aumenta consideravelmente a efetividade da cobrança judicial de créditos, embora também possa causar problemas como o bloqueio de valores em excesso e a penhora de quantias consideradas impenhoráveis, como a conta-salário ou a conta-aposentadoria, por exemplo.

[3] Por exemplo: STJ. AgRg no REsp 755743/SP, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 7/11/2005; REsp 780365/SC, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 30/6/2006.

[4] STF, RE 461366/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 3/8/2007.

[5] STF, MS 22801/DF, rel. Min. Menezes Direito, j. 17/12/2007.

[6] STF, MS 21729/DF, rel. Min. Néri da Silveira, j. 5/10/1995.

[7] Conforme entendimento do STF, “a quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico pode ser legitimamente decretada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça mediante deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique a necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária” (STF, MS 23452/RJ, rel. Min. Celso de Mello, j. 16/9/1999). O poder das CPIs estaduais para quebrar sigilo de dados foi reconhecido na Ação Cível Originária 730-5/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 22/9/2004.

[8] A Lei Complementar 105/2001 teve sua constitucionalidade questionada pela Ordem dos Advogados do Brasil, através da ADI 4010/DF.

[9] Nesse sentido: “as únicas exceções permitidas pelo constituinte, no tocante à regra de inviolabilidade dos respectivos sigilos, diz respeito, tão-somente, aos dados e comunicações telefônicas – esta última, inclusive, em face da Lei nº Lei 9.296/96 -, e somente mediante autorização judicial e apenas para efeitos penais. Em se tratando de correspondência e comunicações telegráficas, inviável é a quebra de seus sigilos, dado se tratarem de garantias absolutas” (TRF 3, ACR 200061810076940/SP, j. 2/10/2001).

[10] Eis o artigo 41 da Lei de Execuções Penais: “Art. 41. Constituem direitos do preso: (…) XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.”

[11] STF, HC 7814-5/SP, rel. Min. Celso de Mello. Seguindo a mesma lógica, confira a seguinte ementa do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “Não configura prova obtida por meio ilícito nem violação ao sigilo de correspondência postal a abertura de encomenda cujo conteúdo seja de expedição, uso ou entrega proibidos, como no caso da metadienona, relacionada na Lista – C5 da Resolução nº 228, da ANVISA, que está sujeita a receita de controle especial, ainda mais quando as encomendas podem ser abertas de ofício pela fiscalização aduaneira (art. 52, I, do Dec. 1.789/96)”.

[12] Pode-se mencionar, nesse sentido, o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “É possível a apreensão de correspondência, não obstante a garantia esculpida no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, pois o dispositivo o dispositivo protege as comunicações de dados, bem como as comunicações telegráficas e a correspondência, vedando a interceptação das mesmas, ainda que por ordem judicial, permitindo-se esta apenas para a interceptação de comunicações telefônicas. Não se encontra vedado, contudo, o acesso aos registros dos dados já transmitidos e recebidos, como também não se encontra impedido o acesso à correspondência já recebida ou ainda não expedida, e aos registros decorrentes das comunicações telegráficas já consumadas. Dessa forma, não há que se falar em violação do sigilo da correspondência em razão da apreensão, na residência dos pacientes de envelopes ainda não postados. Tampouco há que se falar em violação do sigilo da correspondência em razão da apreensão, pela autoridade policial, na agência dos Correios, de envelopes contendo drogas, pois a garantia da inviolabilidade da correspondência constante da Constituição visa proteger a comunicação entre pessoas feita por via postal, e não a remessa de objetos, bens ou mercadorias. São compatíveis com a Constituição as normas da Lei n° 6.538 de 22/06/1978 (Lei dos Serviços Postais), que proíbem a remessa de substâncias entorpecentes por via postal e prevêem a abertura e apreensão dos envoltórios que as contenham” (TRF 3ª Região, HC 26206/SP, rel. Márcio Mesquita, j. 27/2/2007). No mesmo sentido, pode-se mencionar o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “não configura prova obtida por meio ilícito nem violação ao sigilo de correspondência postal a abertura de encomenda cujo conteúdo seja de expedição, uso ou entrega proibidos, como no caso da metadienona, relacionada na Lista - C5 da  Resolução nº 228, da  ANVISA, que está sujeita a receita  de controle  especial, ainda  mais quando as encomendas podem ser abertas de ofício pela fiscalização aduaneira (art. 52, I, do Dec. 1.789/96)” (TRF 4ª Região, HC 200304010049722/RS, rel. Volkomer de Castilho, j. 23/4/2003).

[13] Inq-QO/DF, rel. Min. Cezar Peluso, j. 25/4/2007.

[14] Por exemplo: STF, AIAGr 666459/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowiski, j. 6/11/2007; STF, HC 84046/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 12/4/2005, entre inúmeras outras.

[15] STF, HC 75338/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 11/3/1998.

[16] STF, HC 84203/RS, rel. Min. Celso de Mello, 19.10.2004. Em sentido semelhante, assim decidiu o STF: “EMENTA: HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL POR UM DOS INTERLOCUTORES. ILICITUDE DA PROVA. INOCORRÊNCIA. REPORTAGEM LEVADA AO AR POR EMISSORA DE TELEVISÃO. NOTITIA CRIMINIS. DEVER-PODER DE INVESTIGAR. 1. Paciente denunciado por falsidade ideológica, consubstanciada em exigir quantia em dinheiro para inserir falsa informação de excesso de contingente em certificado de dispensa de incorporação. Gravação clandestina realizada pelo alistando, a pedido de emissora de televisão, que levou as imagens ao ar em todo o território nacional por meio de conhecido programa jornalístico. O conteúdo da reportagem representou notitia criminis, compelindo as autoridades ao exercício do dever-poder de investigar, sob pena de prevaricação. 2. A ordem cronológica dos fatos evidencia que as provas, consistentes nos depoimentos das testemunhas e no interrogatório do paciente, foram produzidas em decorrência da notitia criminis e antes da juntada da fita nos autos do processo de sindicância que embasou o Inquérito Policial Militar. 3. A questão posta não é de inviolabilidade das comunicações e sim da proteção da privacidade e da própria honra, que não constitui direito absoluto, devendo ceder em prol do interesse público. (Precedentes). Ordem denegada” (STF, HC 87341/PR, rel. Min. Eros Grau, j. 7/02/2006).

Jurisprudenciando – Interceptação telefônica – Prova emprestada

Foi publicado o acórdão do STF no caso “Operação Hurricane” (Inq 2424-QO), em que se discutia sobre a possibilidade de utilização das interceptações telefônicas, autorizadas judicialmente em processo penal, para fins de apuração da responsabilidade administrativa dos magistrados envolvidos (ufa!). Basicamente, o que o STF decidiu foi que as conversas telefônicas, interceptadas licitamente (com autorização judicial), além de servir para a investigação criminal, também podem servir para o processo administrativo. É a chamada prova emprestada.
Na ementa, ficou consignado que “Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos”. Clique aqui para ver o acórdão na íntegra.
É um julgamento interessante. Um dos raros momentos em que o STF não adotou uma postura de extremo garantismo em matéria penal.
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