Quinze Palestras do TED que Valem a Pena

Creio que todos já conhecem o TED, que é uma fundação norte-americana que patrocina e organiza eventos para debater ideias sobre os mais variados assuntos, indo desde tecnologia, passando por ciência, economia, arte, cultura, política e assim por diante. Os convidados geralmente estão na linha de frente de suas respectivas áreas de pesquisa e devem apresentar suas ideias em menos de vinte minutos. O resultado costuma ser uma palestra agradável de assistir e bastante instrutiva, bem diferente de algumas monótonas apresentações de uma hora e meia que estamos acostumados a ver no Brasil.

Como a quantidade e variedade de palestras disponíveis gratuitamente é enorme, é preciso ter um pouco de sorte e paciência para encontrar as melhores. Por isso, depois de assistir a várias apresentações, selecionei algumas que me agradaram. Os temas são diversos e, creio eu, todas estão legendadas, embora a legenda nem sempre seja sincronizada.

Aqui vai uma lista, em ordem aleatória, com algumas palestras que recomendo, podendo os leitores indicar outras nos comentários.

1 – Philip Zimbardo: Como pessoas comuns se tornam monstros… ou heróis

Philip Zimbardo, que se tornou famoso por sua polêmica experiência conhecida como “Prisão de Stanford”, demonstra, usando como exemplo real as barbaridades praticadas pelos soldados americanos na prisão de Abul-Graib, como um sistema social pode fazer com que as pessoas pratiquem as maiores atrocidades quando estão numa situação de poder. Assim, pessoas normais, sem problemas psicológicos, podem se tornar a representação do mal apenas por estarem em uma circunstância propensa ao abuso. Mas Zimbardo finaliza com uma mensagem positiva, defendendo que, se por um lado, qualquer pessoa pode se tornar uma representação do mal, por outro lado qualquer um pode se tornar um herói, no sentido de desafiar o sistema e colocar a prática do bem acima do contexto autoritário em que está inserido.

2 – Paul Piff – O dinheiro nos torna ruins?

O palestrante apresenta suas pesquisas comparando as virtudes dos ricos com a dos pobres, concluindo que os pobres costumam ser mais solidários e menos trapaceiros do que os ricos. Confesso que achei bastante frágeis as provas apresentadas, mas não deixa de ser curioso perceber que as pessoas podem mudar de caráter apenas porque estão num papel de superioridade econômica.

3- Sam Harris – A ciência pode responder questões morais

Sam Harris sintetiza as ideias que defendeu no livro “A Paisagem Moral: como a ciência pode determinar os valores humanos”, já publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Tanto o livro quanto a palestra merecem ser vistos, pois defendem uma proposta diferente da visão tradicional de que a ciência deve lidar com fatos e não com valores. Para ele, a ciência pode ter mais a contribuir para o avanço da moralidade do que se imagina.

4. Jonathan Haidt e a Moralidade dos Liberais e dos Conservadores

Jonathan Haidt apresenta uma síntese de suas pesquisas sobre a influência de nossas posições políticas nas nossas crenças morais. Ele desenvolve cinco valores morais que formam a base de nossas escolhas políticas e conclui que é perfeitamente possível conciliar as perspectiva liberais e conservadoras, desde que se perceba exatamente quais os valores morais que estão em jogo.

5 – Daniel Kahneman – O Enigma da Experiência versus Memória

O prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman explica algumas ideias que ele desenvolveu ao longo de sua vida, em particular a distinção entre o eu-experiência e o eu-memória, e a importância dessa distinção para a construção do sentido de felicidade. Para se ter uma ideia do que ele defende, basta dizer que, em algumas situações, infligir mais sofrimento desnecessário às pessoas pode significar uma maior sensação de felicidade. (E isso não se restringe aos sadomasoquistas!).

6 – Frans de Wall – Comportamento Moral em Animais

Frans de Wall defende, nessa apresentação, que o senso de justiça também está presente em primatas. Empatia, cooperação e reciprocidade são características morais compartilhadas tanto por humanos quanto por chimpanzés. Não seríamos, portanto, os únicos “animais morais”. Suas ideias também podem ser lidas no livro “A Era da Empatia”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras.

7 – Colin Camerer: Neurociência, teoria dos jogos, macacos

Ainda na onda de estudar o comportamento dos primatas e compará-los com o dos humanos, Camerer demonstra que os chimpanzés, do ponto de vista da teoria dos jogos, podem ser superiores aos seres humanos. Os testes de memória, pelo menos, são impressionantes.

8 – Peter Singer – O “porquê” e o “como” do altruísmo eficaz

Singer, em mais uma inspiradora palestra, vem defender a ampliação do círculo ético, a fim de que possamos levar em conta nas nossas decisões morais as necessidades de pessoas distantes.

9 – Dan Ariely pergunta: temos controle sobre nossas decisões?

Dan Ariely, autor do livro “Previsivelmente Irracional”, explica como algumas decisões que tomamos, supostamente de forma racional, são, na verdade, profundamente irracionais. Às vezes, uma mudança no formato da pergunta pode mudar a resposta, mesmo que isso signifique uma decisão quanto a ser ou não ser doador de órgão ou onde desejamos passar as férias.

10 – Dan Ariely sobre os bugs no nosso código moral

Nesta palestra, Dan Ariely comenta algumas de suas pesquisas em economia comportamental envolvendo trapaça. Ele explica, por exemplo, como a camisa usada por um trapaceiro pode influenciar outras pessoas a serem trapaceiras. No Brasil, foi publicado um livro dele sobre o assunto: “A Mais Pura Verdade sobre a Desonestidade”.

 11 – Michael Norton: Como comprar a felicidade

A palestra pode ser sintetizada na máxima franciscana “é dando que se recebe”. Norton defende que o dinheiro, em si, não traz felicidade, mas a maneira como gastamos o dinheiro pode ajudar a tornar as pessoas mais felizes. Quando gastamos com os outros, tendemos a ficar mais satisfeitos e, no longo prazo, isso trará mais benefícios do que usar para si todo o dinheiro que se recebe. O palestrante também defendeu que, em atividades grupais, estimular o altruísmo pode gerar um aumento de produtividade.

12 – Ken Robinson defende que o sistema educacional tradicional pode ser danoso à criatividade

Nesta famosa palestra, vista por mais de vinte milhões de pessoas, Robinson defende como o sistema educacional desperdiça o potencial criativo das crianças. Na sua ótica, a criatividade é tão importante quanto o conhecimento consolidado e, por isso, deveria ser estimulada tanto quanto a alfabetização em si mesma. 

13 – Amy Cuddy: Sua linguagem corporal molda quem você é

Em uma palestra empolgante, a psicóloga social Amy Cuddy explica como a postura corporal pode influenciar nossos comportamentos. Pessoas que permanecem por cerca de dois minutos em uma “posição de poder” pode elevar seu nível de testosterona, baixar o nível de cortisol e se tornar, em função disso, mais confiante. Assim, não é só a mente que influencia o corpo, pois o corpo também pode influenciar a nossa mente, interferindo na maneira como pensamos e nos sentimentos sobre nós mesmos.

14 – Michael Sandel: Por que não deveríamos confiar nossa vida cívica aos mercados

Michael Sandel, que ficou mundialmente famoso por seu curso sobre “Justiça” na Universidade de Harvard, apresenta algumas ideias contidas em seu livro “O Que o Dinheiro Não Compra”.

 15 – Hans Rosling mostra as melhores estatísticas que você já viu

Essa palestra fará você mudar seus preconceitos sobre análise estatística. Usando gráficos bem elaborados, Rosling demonstra como é possível compreender o mundo (ou a evolução do mundo) a partir de ferramentas estatísticas.

Publicações da Emagis

Uma ótima dica para quem pretende se atualizar sem gastar dinheiro são os cadernos da Emagis – Escola da Magistratura da 4a Região (clique aqui). O módulo de direito constitucional, particularmente, é muito bom, com textos de Gilmar Mendes, Lênio Streck, Flávia Piovesan, entre outros juristas conhecidos. Além da excelente qualidade dos textos, tudo é disponibilizado gratuitamente em arquivo pdf.

No próximo semestre, o módulo de direito constitucional terá como foco os direitos fundamentais. Provalmente, muitos textos interessantes serão disponibilizados, pois foram convidados para participar do programa vários bons juristas como a Ministra Carmén Lúcia, do STF, o Ministro Teori Zavascki, do STJ, o professor Luís Roberto Barroso, Clémerson Cléve, Oscar Vilhena Veira, André Ramos Tavares, Dimitri Dimoulis, José Adércio Leite Sampaio, José Reinaldo de Lopes Lima e Néviton Batista Guedes.

Também tive a honra de ser convidado e ministrarei a disciplina “Controle Judicial dos Direitos Fundamentais”, com aulas em Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba.

Em breve (melhor dizendo: em setembro), disponibilizarei aqui o material que eu preparar.

Conhecendo o Brasil: a palestra em Cacoal

Escrevi este post em algum ponto do Brasil situado entre Ji-Paraná e Cuiabá, a bordo de um bimotor de cinqüenta lugares.

Ontem (26-4-2008), proferi uma palestra em Cacoal (Rondônia), durante a semana de direito da UNESC. Acredito que havia umas oitocentas pessoas na platéia, o que é um número surpreendente para uma cidade com cerca de cem mil habitantes. Me explicaram que havia gente de diversas cidades vizinhas, já que Cacoal está se tornando um centro educacional daquela região.

Foi uma visita rápida. Na verdade, passei mais tempo no avião e em aeroportos do que na cidade. Afinal, foram mais de vinte quatro horas de viagem, contando-se a ida e a volta. Mesmo assim, pude sentir uma agradável receptividade daquele povo, especialmente dos professores e alunos da Unesc.

Recebi dezenas de perguntas que não puderam ser respondidas em razão do tempo. Algumas (células-tronco, cláusulas-pétreas, aborto de fetos anencéfalos, tratados internacionais etc.) podem ser lidas em alguns posts que escrevi no passado. É só colocar no sistema de pesquisa do blog. Com relação às outras, responderei depois com mais calma.

Quero deixar aqui um expresso agradecimento à Professora Rita e ao Professor Fabrício pelo convite e pela excepcional receptividade. Espero que os alunos tenham realmente gostado e se tornem, assim como eu, defensores e amigos dos direitos fundamentais.

Espero também poder voltar novamente com mais calma, quem sabe para lançar o livro.

Obrigado, Roraim, digo, Rondônia… :-)

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Uma coisa boa de viajar em avião é a possibilidade de colocar a leitura em dia. Finalmente, li o livro “O Gene Egoísta”, de Richard Dawkins. A linguagem até que é agradável. Mas deu um trabalhão pra terminar.

Também consegui assistir a nove episódios de Boston Legal! Crane, Danny Crane.

Em breve, comentarei tanto o livro quanto alguns episódios do seriado.

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Os slides da palestra podem ser obtidos aqui (via rapidshare). Acho que não dá pra ver os filmes. Fora isso, o slide está tal como mostrado.

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Aqui, outro slide de uma palestra sobre Profissões Jurídicas, que proferi no Colégio 7 de Setembro.

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Recomendo: clique aqui para obter os slides da palestra sobre moralidade eleitoral (vida pregressa dos candidatos) que proferi na Esmec.

O texto-base da palestra pode ser lido aqui.

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Só mais uma coisa: muita gente reclamou do rapidshare. Realmente, é meio difícil conseguir encontrar aqueles gatinhos no meio daquelas letras embaralhadas. Mas não conheço nenhum outro site tão fácil de colocar os arquivos de grande tamanho, de forma gratuita.

Quem conhecer uma opção melhor, pode dizer que eu coloco sem problema.

 

Ainda a eficácia horizontal dos direitos fundamentais: respostas às perguntas

A palestra de ontem, sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, foi bastante interessante e gerou muita controvérsia e perguntas, o que é natural, pois o tema é, de fato, bem complexo e empolgante. Procurei dar uma visão um pouco mais descontraída e, talvez por isso, recebi muitas indagações sobre temas que, propositadamente, não aprofundei, tendo em vista os limites de uma palestra de uma hora. Por isso, vou tentar aqui responder algumas questões que recebi tanto por e-mail quanto por bilhete.

Comecei falando sobre o caso do lançamento de anão e descrevi a decisão prevalecente no sentido de que a dignidade do anão foi considerada como um valor mais importante do que a sua autonomia privada. Ou seja, o anão não seria livre para decidir ser tratado como mero objeto de diversão. Embora eu não tenha dito na palestra, digo aqui que concordo com a solução.

Se o senhor Wackhehein (o anão) não fosse anão, mas uma pessoa de estatura normal, ele poderia, na minha ótica, realizar aquele trabalho. Se ele quisesse ser lançado para deleite de bebuns, isso seria problema seu. No entanto, sendo anão, o problema não se restringe à dignidade dele, mas de toda uma categoria social já tão estigmatizada.

Isso não lhe retira, contudo, o direito à sobrevivência. Entendo que, a partir do instante em que o Estado impede o anão de trabalhar sem lhe dar outra opção, nasce para ele o direito subjetivo de exigir um benefício assistencial ou previdenciário, conforme o caso, até ele conseguir uma nova ocupação. O Estado não lhe pode negar o direito ao mínimo existencial.

Dentro dessa mesma discussão, alguém perguntou sobre a situação das prostitutas. Não deveria também ser proibida já que se trata de uma atividade degradante?

A pergunta lembra muito o caso do “peep-show”, onde a Corte Constitucional alemã entendeu que o “peep-show” violaria a dignidade da pessoa humana e, portanto, deveria ser proibido. Na argumentação, o TCF decidiu que “a simples exibição do corpo feminino não viola a dignidade humana; assim, pelo menos em relação à dignidade da pessoa humana, não existe qualquer objeção contra as performances de strip-tease de um modo geral”. Já os Peep-shows – argumentaram os velhinhos do Tribunal – “são bastante diferentes das performances de strip-tease. No strip-tease, existe uma performance artística. Já em um peep-show a mulher é colocada em uma posição degradante. Ela é tratada como um objeto… para estímulo do interesse sexual dos expectadores”.

Explicou ainda o TCF que a violação da dignidade não seria afastada ou justificada pelo fato de a mulher que atua em um “peep-show” estar ali voluntariamente. Afinal, “a dignidade da pessoa humana é um objetivo e valor inalienável, cujo respeito não pode ficar ao arbítrio do indivíduo”.

De minha parte, não concordo com a decisão tomada pela Corte Constitucional alemã. De duas uma: ou se proíbe também o strip-tease ou se libera tudo. Não consigo enxergar, como fizeram os velhinhos do Tribunal alemão, diferença substancial entre o peep-show e o strip-tease. Se bem que não tive acesso à prova dos autos… :-)

Na minha ótica, se se tratar de mulher adulta, com plena capacidade de discernimento, que esteja realizando aquela atividade por livre e espontânea vontade, sem pressão psicológica, financeira ou física, não vejo como não respeitar a autonomia da vontade.

E o argumento que utilizei do caso do lançamento de anão não se aplica aqui, a não ser que se proíba também o strip-tease que, igualmente, coloca a mulher como mero objeto de prazer sexual. Não é pelo fato de uma ou outra mulher optar por trabalhar como dançarina de strip-tease ou de peep-show que os homens irão vincular todas as mulheres à atividade.

Aqui, há uma substancial diferença com o lançamento de anão: os anões já são estigmatizados como meros objetos de diversão, o que não pode ser tolerado pelo Estado. Quando se vê um anão caminhando na rua, o imaginário popular imediatamente o vincula a atividades de mera diversão, como o trabalho em circos ou em programas de humor. O mesmo não ocorre com as mulheres. Quando se vê uma mulher caminhando, não há uma necessária vinculação com a prostituição ou com atividades de cunho sexual. O estigma não é tão forte.

Portanto, se uma mulher (ou um homem) deseja realizar atividades como o do peep-show, não vejo como impedi-la(lo). É um trabalho como outro qualquer, a não ser que a pessoa esteja ali contra a sua vontade.

Outra questão que levantou polêmica foi a pergunta que fiz só para contextualizar a discussão. Ei-la: um pai pode deixar de contemplar um filho no seu testamento, na parte disponível, por ser ele homossexual? Deve prevalecer a vontade do pai, que é dono do seu patrimônio e faz dele o que bem quiser, ou a norma constitucional que proíbe a discriminação?

Não tenho resposta para essa pergunta. Mas ela levou a algumas indagações: o pai pode mesmo fazer o que quiser com o seu patrimônio? A propriedade não tem que observar uma função social? Não seria melhor o pai simplesmente não dizer os seus motivos?

Meus comentários: é lógico que a propriedade tem que cumprir a sua função social. Mas se o pai resolver queimar o seu dinheiro quem pode impedi-lo? Se ele resolver doar seu patrimônio para a Igreja ao invés de dar para o filho, também não estaria cumprindo uma função social? Ou seja, a exigência de função social não resolveria o problema em questão.

Segundo ponto: a questão da dissimulação dos motivos. Ora, o interessante da eficácia horizontal é justamente saber se a pessoa pode abrir o jogo, dentro da sua autonomia privada, e dizer com sinceridade qual a sua opinião. Se o pai não disser os motivos, é lógico que o testamento não é nulo. Afinal, a sua vontade deve prevalecer. Mas e se ele disser os motivos? É essa a magia da teoria da eficácia horizontal. Se você entender que os direitos fundamentais têm essa força tremenda de violar até a consciência do pai, então o testamento é nulo. Se você entender que, nesse caso, a autonomia da vontade é mais importante do que a não-discriminação, o testamento é válido. Não tenho resposta para esse dilema.

Mais uma coisa.

Afirmei na palestra algo que já havia dito aqui no blog: em caso de colisão de direitos, fatalmente um dos dois valores colidentes terá que ceder, caso não seja possível harmonizá-los. Isso causou estranheza em alguns alunos: então quer dizer que os direitos fundamentais, mesmo sendo princípios, funcionam na base do tudo ou nada?

Não é bem assim. Vou citar uma frase que talvez esclareça a questão: “é possível que, em casos concretos específicos, após a aplicação da proporcionalidade e de sua terceira sub-regra, a proporcionalidade em sentido estrito (sopesamento/ponderação), nada reste de um determinado direito. Por mais que isso soe estranho e possa passar uma certa sensação de desproteção, isso apenas reflete o que ocorre em vários casos envolvendo direitos fundamentais” (SILVA, Virgílio Afonso. O Conteúdo Essencial dos Direitos Fundamentais e a Eficácia das Normas Constitucionais. In: Revista de Direito do Estado n. 4, Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 44).

Essa frase é do Virgílio Afonso da Silva, um dos principais defensores da teoria dos princípios de Alexy aqui no Brasil.

E para complementar, cito um trecho do meu Curso: “São nessas situações em que a harmonização se mostra inviável que surge a necessidade de sopesamento ou ponderação propriamente dita. O sopesamento/ponderação é, portanto, uma atividade intelectual que, diante de valores colidentes, escolherá qual deve prevalecer e qual deve ceder. E talvez seja justamente aí que reside o grande problema da ponderação: inevitavelmente, haverá um descumprimento parcial ou total de alguma norma constitucional. Quando duas normas constitucionais colidem, fatalmente o juiz decidirá qual a que ‘vale menos’ para ser sacrificada naquele caso concreto” (MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008).

Ora, se há um valor que deve ceder, é natural, portanto, que um princípio deixe de ser aplicado, num dado caso concreto, ainda que a sua validade normativa permaneça íntegra. Quando um princípio “cede”, não significa dizer que ele é inconstitucional, mas apenas que, naquela situação específica, existe outro valor mais importante que o neutraliza e justifica a sua não-aplicação.

E aí se pode perguntar: e como fica a idéia de proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais?

Mais uma vez, me auto-cito a mim mesmo:

“a proteção ao núcleo essencial é uma ferramenta argumentativa contra leis que restrinjam direitos fundamentais. Nenhuma lei pode, abstratamente, restringir um direito fundamental a tal ponto que seu conteúdo fique completamente esvaziado.

Isso não impede, contudo, que, em situações concretas, diante de circunstâncias específicas, o Judiciário, ao sopesar valores em conflito, possa afastar por completo um determinado direito fundamental, atingindo, obviamente, seu núcleo essencial. Essa situação nunca será a ideal, mas, em dadas situações, será inevitável, conforme já visto anteriormente.

Além disso, em situações bastante peculiares, até mesmo a lei poderá eventualmente atingir o núcleo essencial de direitos fundamentais. Há determinados direitos cuja limitação sempre implicará uma restrição total. É o caso, por exemplo, do direito à vida. Quando a Constituição prevê a pena de morte em caso de guerra está atingindo o próprio núcleo essencial do direito à vida. Quando o Código Penal brasileiro autoriza a realização do aborto em caso de gravidez que possa resultar em risco para a vida da gestante está autorizando uma restrição total do direito à vida do feto. Não há como limitar apenas parcialmente o direito à vida.

Por isso, pode-se dizer que o princípio da proteção ao núcleo essencial deve ser sempre associado ao princípio da proporcionalidade. Se uma lei que restringe um determinado direito fundamental é proporcional, então será válida, mesmo que, eventualmente, atinja o núcleo essencial de um dado direito” (MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008).

O post já ficou grande. Então finalizo com a mesma citação contida na parte final do slide:

“Somos o país do ‘elevador de serviço’ para pobres e pretos; do ‘sabe com quem está falando’; dos quartos de empregada sem ventilação, do tamanho de armários nos apartamentos da classe média, reprodução contemporânea do espírito da “casa grande e senzala’” (Daniel Sarmento)

“Somos também o país do analfabetismo, das mortes aguardando atendimento nos hospitais da rede pública, das humilhações no ambiente do trabalho (isso, quando não se está desempregado), dos moradores de rua, da violência insuportável, das fraudes na Previdência Social, do preconceito racial, dos pedintes nos semáforos, da agressão cotidiana ao meio-ambiente” (Adriano Costa).

Por tudo isso, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais representa a “última fronteira” da expansão normativa da Constituição (Bilbao Ubillos) e a única forma de construir uma sociedade mais justa, livre e solidária, tal como imaginado pelo constituinte.

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Eis o slide da palestra: Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais

E sobre o mesmo assunto, recomendo a leitura de um dos melhores textos que tratam sobre a eficácia horizontal aqui no Brasil:

COSTA, Adriano. Direitos Fundamentais entre Particulares na Ordem Jurídica Brasileira. Fortaleza: UFC – Dissertação de Mestrado, 2007.

E aí, Drica? Tens algo a dizer sobre o assunto?

Mais Eventos

Na sexta-feira (16/5), meu amigo Nagibe lançará seu livro “O Controle Judicial das Políticas Públicas”, que é o texto adaptado de sua dissertação de mestrado em direito constitucional pela gloriosa UFC. O lançamento ocorrerá no auditório da Justiça Federal do Ceará pela manhã (10hs), que contará ainda com a palestra do Prof. Luís Moreira, sobre “A Constituição como Simulacro”.

O Nagibe comentou o livro no seu blog. E para comprar, basta clicar aqui. (Plim Plim)

Ainda não tive oportunidade de “folhear” a criança, mas tenho certeza da sua qualidade, até porque acompanhei a sua feitura desde o início, quando ele me enviou alguns esboços de sua dissertação.

Em muitos pontos (diria: em quase todos), minhas idéias coincidem com as do Nagibe, embora seu pensamento tenha uma base filosófica muito mais alicerçada do que a minha. Em linhas gerais, ambos acreditamos no Judiciário como instrumento de realização de políticas públicas constitucionalmente impostas, especialmente as de caráter social. O Nagibe vai além ao tentar demonstrar que o processo judicial pode ser um palco para o exercício da democracia participativa. Isso sem falar da sua revolucionária proposta de fazer com que os tribunais citem os juízes de primeiro grau e não necessariamente o inverso, como é a tradição.

Enfim, estou ansioso para ler a versão final de seu trabalho, que tem tudo para empolgar. Depois comento com mais detalhes…

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Sábado (17/5), pela manhã, vou proferir uma palestra sobre a moralidade eleitoral e o registro de candidaturas, na Esmec (Escola Superior da Magistratura Cearense), em evento promovido pela Corregedoria do TRE-CE, onde defenderei, perante os juízes e promotores eleitorais do Ceará, a possibilidade de indeferimento do registro de candidaturas, observado o devido processo eleitoral, caso fique demonstrado que o pré-candidato não reúne as qualificações éticas mínimas para ser membro do parlamento.

Pra vocês verem: escrevi sobre o assunto aqui no blog sem muitas pretensões e em apenas três dias. Por força disso, já fui convidado a participar de três debates e, agora, terei a chance de apresentar minhas idéias para quem está na linha de frente do processo eleitoral, que são os juízes e promotores. Blog-power.

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No dia 26/5, participarei da VII Semana Jurídica da UNESC, em Cacoal/RO, para falar sobre “Os Direitos Fundamentais e os 20 anos da CF/88”.

Quando o professor Fabrício me fez o convite, daqui mesmo do blog, fiquei extremamente curioso e ao mesmo tempo apreensivo. Afinal, Cacoal fica no interior de Rondônia. A viagem Fortaleza-Cacoal, creio eu, levará mais de 14 horas.

Mesmo assim, aceitei o desafio e terei a oportunidade única de conhecer o local, o que para mim vai ser uma experiência bastante engrandecedora, pois não conheço nenhum Estado da Região Norte do país.

E mais uma vez o blog demonstra todo o seu poder de penetração. Afinal, que outro meio de comunicação me faria ser conhecido no norte do país? Blog-rulez.

Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais

Amanhã à noite (14/05), serei palestrante da III Semana do Direito da UFC. O tema: “Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais”.

É um dos temas mais fascinantes dentro da teoria dos direitos fundamentais. Aliás, foi o tema da dissertação de mestrado do Drica, colaborador do blog (aqui e aqui). (Bem que ele poderia disponibilizar o texto aqui pra gente, não é mesmo?). (Upgrade: Deferido o Pedido, basta clicar aqui).

Depois da palestra, disponibilizarei os slides, que vão ser bem animados. Só pra ter uma idéia, vai começar com o caso do lançamento de anão.

E para já ir esquentando, fiz o texto abaixo, falando do Caso Lüth, o ponta pé inicial da idéia de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, pelo menos em sua formulação mais consciente.

O multiculturalismo e o respeito aos direitos humanos

A palestra de amanhã me fez pensar em algumas perguntas:

1 – Como impor a observância de um padrão mínimo de respeito à dignidade humana sem desrepeitar as diferenças culturais? (inspirada no comentário do Hugo)

2 – Qual a legitimidade que os países ocidentais possuem perante o mundo para delimitar o que é “padrão mínimo de dignidade humana” se somos nós quem mais destruímos o Planeta e mais exploramos a pobreza alheia?

3 – O que é pior: um país que nega, por razões culturais, o direito de voto às mulheres ou um país que, por ganância, deixa que milhares de pessoas morram de fome diariamente mesmo havendo produção de alimentos em excesso?

Faço esses questionamentos não para criticar a idéia de universalidade dos direitos humanos. Longe disso. Acredito profundamente que o respeito à dignidade da pessoa humana é um pressuposto para a evolução da humanidade. E o respeito ao semelhante, indepedentemente de quem seja o semelhante, é a base da dignidade humana. Sem isso, o ser humano se coisifica.

O que quero apontar é uma distorção bairrista que sempre é feita quando se fala em universalização dos direitos humanos. Costuma-se achar que “o inferno são os outros”, mesmo quando nossos telhados são de vidro. Por que os nossos valores são os melhores se a gente também deixa muito a desejar no respeito à dignidade da pessoa humana?

Não se deve desvincular a busca pela universalização dos direitos humanos da idéia de indivisibilidade dos direitos humanos. Respeitar a dignidade humana não é apenas dar igualdade política e liberdade econômica. Respeitar a dignidade humana significa também proporcionar a igualdade social, o respeito ao meio-ambiente, a equalização das oportunidades e por aí vai. Será que nós respeitamos os direitos humanos para exigir, na base da força, que os outros também respeitem?

A minha idéia, portanto, é muito simples: se é para universalizar os direitos humanos, vamos universalizar todos, e não apenas os que os EUA acham mais importantes.

Criticar os valores alheios é muito fácil. O difícil é ter a humildade para perceber que nós também podemos estar errados.

Li em algum lugar que no Mcdonalds da Coréia são servidos sanduíches com carne de cachorro. Deve ser mais uma brincadeira da internet. Mesmo que seja, todos sabem que naquele país comer carne de cachorro é normal.

Para nós, isso é uma aberração. Como pode alguém comer carne de cachorro?

Agora imagine o que os indianos, que idolatram as vacas, diriam de nossos hábitos alimentares? Na visão deles, nós somos bárbaros!

Quem está certo e quem está errado? Os coreanos que comem carne de cachorro? Nós, que comemos uma suculenta picanha para mero deleite gastronômico? Ou os indianos, que respeitam esses animais como se fossem deuses?

São apenas algumas perguntas para reflexão…

Direito 2008 – Soberania, Direitos Humanos e Cosmopolitize

Na sexta (dia 9/5), participarei de um debate com o Professor Guilherme Assis de Almeida, da USP, durante o evento Direito 2008, que é um tradicional congresso jurídico aqui em Fortaleza.

O tema será: Soberania, Direitos Humanos e Cosmopolitize.

Ainda não sei bem o que devo falar, mas já tenho algumas idéias.

De qualquer modo, gostaria de ouvir algumas opiniões antes de elaborar meu discurso. E aí? Alguém se atreve?

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