Os bons costumes podem limitar direitos fundamentais?

Aproveitando esta sexta-feira “malemolente”, levanto uma questão muito mais para gerar um debate do que propriamente para dar uma solução. É o seguinte:
Todo mundo sabe que os direitos fundamentais não são direitos absolutos, apesar de estarem na Constituição. Todo mundo sabe que até mesmo a lei pode restringir direitos fundamentais e o faz freqüentemente. Aliás, a lei é, por essência, uma limitação à liberdade. Quando paramos em um semáforo vermelho, nosso direito à liberdade de locomoção está sendo restringido. Se não fosse assim, seria o caos (aliás, se o trânsito já é meio caótico com semáforos, imagine sem). Quando o código penal pune o homicídio, está limitando nossa liberdade de escolha de matar quem a gente quiser. Se não fosse assim, voltaríamos à lei do mais forte. Enfim, limitar direitos fundamentais não é apenas plenamente possível como muitas vezes necessário.
A questão é que não é qualquer limitação aos direitos fundamentais que será válida. Somente será legítima a restrição se for atendido o princípio da proporcionalidade. Não pretendo nesse post discorrer sobre esse princípio. Basta saber que a limitação ao direito fundamental se justifica para preservar outros valores constitucionais de igual ou superior importância. No exemplo do homicídio, a limitação estipulada no código penal é válida, pois a vida, nessa ótica, é mais importante do que a liberdade de matar. No roubo ou no furto, do mesmo modo, considera-se que a proteção ao patrimônio alheio vale mais do que a liberdade de escolha daquele que pratica o crime.
Assim, no intuito de preservar valores tão ou mais importantes, o legislador pode perfeitamente restringir direitos fundamentais.
Agora, finalmente, posso formular meu problema: os “bons costumes”, no sentido de moralidade sexual, é um valor constitucional suficientemente forte para justificar restrições a direitos fundamentais?
Vamos transformar essa questão teórica em algo mais visível: uma mulher, com plena capacidade de discernimento, pode fazer um topless em uma praia freqüentada só por adultos? Seria ato obsceno? A sua liberdade de escolha pode ser limitada em nome dos bons costumes?
Fica levantada a questão.

Textos Selecionados – Teoria dos Direitos Fundamentais (aprofundamento)

Enquanto o “Curso de Direitos Fundamentais” não sai, aproveito o blog para fornecer aos alunos um material de estudo aprofundado a respeito da teoria dos direitos fundamentais.

São trechos de livros ou revistas (geralmente, capítulos/artigos), por mim selecionados, especialmente para os alunos da disciplina “Direito Constitucional II – Teoria dos Direitos Fundamentais”.

Trata-se, portanto, de material utilizado para fins exclusivamente didáticos, sem qualquer fim lucrativo. Aliás, nunca é demais ressaltar: o presente blog não tem qualquer finalidade lucrativa. Nem mesmo há banners de publicidade ou de Adsense (lucro indireto). Meu interesse é tão somente divulgar os direitos fundamentais. Fazer com que o estudante de direito se encante com esse tema e, na sua futura atividade profissional, lute pela efetivação desses valores constitucionais. Mesmo assim, caso algum autor ou editora não queira ter a obra aqui divulgada, excluirei o link sem qualquer problema.

Os autores abaixo (aliás, menos um: eu) são as maiores autoridades em direitos fundamentais atualmente aqui no Brasil (alguns são estrangeiros, na verdade). São juristas antenados e influentes, que estão quebrando paradigmas e criando novos conceitos e princípios totalmente diferentes do pensamento jurídico tradicional. Se você analisar a sugestão bibliográfica já apresentada, vai perceber que a grande maioria desses juristas possui livros publicados sobre os direitos fundamentais. Vale a pena comprar os livros por eles escritos, pois eles estão na vanguarda. Os textos aqui disponibilizados são, na verdade, apenas fragmentos do pensamento desses juristas.

Fiz questão de colocar textos de autores com orientação ideológica diversa, justamente para dar mais pluralidade ao debate. Por enquanto, somente recomendei textos em língua portuguesa. Em breve, estarei fazendo um post semelhante com autores de outras línguas.

Logicamente, há diversos outros constitucionalistas igualmente bons (aliás, de cara, sinto a falta, na relação abaixo, do Professor Paulo Bonavides). Mas a minha idéia é ir acrescentando outros juristas aos poucos e fazer deste espaço, quem sabe, a maior biblioteca virtual sobre direitos fundamentais.

Por isso, quem tiver sugestão de outros textos relevantes dentro dessa temática (direitos fundamentais) fique à vontade para enviar.

Conceito e evolução dos Direitos Fundamentais

1. Vilhena, Oscar. A Gramática dos Direitos Humanos.

Ratinho e Liberdade de Expressão

Veja, logo abaixo, uma interessante notícia extraída do site do STJ. A questão é polêmica e lembra um pouco o caso do “lançamento de anão”.
No fundo, concordo com a decisão, embora exista nela o risco da “ladeira escorregadia” (slippery slope). Ou seja, ela é boa se vista isoladamente, mas pode desencadear uma série de argumentos perigosos, capazes de, quem sabe, fazer ressurgir teses em favor da censura em outras áreas. E isso não é bom.
Por isso, ela deve ser analisada com os olhos pró-dignidade da pessoa humana. Ele se justifica na medida em que tentou concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana que é um valor acima de qualquer outro, até mesmo da liberdade de expressão. E certamente ela colocará em xeque outros programas do gênero (Pânico na TV, entre outros).
Pádua Ribeiro mantém decisão que proibiu Ratinho de exibir cenas que atentam contra a dignidade humana
Por entender que, ao contrário do alegado pelo apresentador Carlos Roberto Massa, o “Ratinho”, não ocorreu, no caso, qualquer ato de censura, mas sim atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana, o ministro Antônio de Pádua Ribeiro, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou a subida do recurso especial com o qual o apresentador pretendia reverter decisão da Justiça paulista. A medida proibiu Ratinho de exibir cenas de confrontos físicos e exibição de deficiências físicas como atrações do seu programa, com propósito sensacionalista. A pedido do Ministério Público Federal, a Justiça de São Paulo proibiu o programa do apresentador de exibir e expor cenas de confronto físico e de discussão entre as pessoas que ali se apresentam, bem como de exibir pessoas portadoras de deficiência ou de deformidade física, toda vez que essa deficiência represente a própria atração do quadro. Tanto a sentença do juiz estadual quanto o acórdão da Oitava Câmara de Direito Privado do TJ/SP, que manteve a decisão de primeiro grau, rejeitaram o pedido de danos morais de R$ 35 mil que o Ministério Público pretendia aplicar, em conjunto, ao apresentador e ao Canal de TV SBT. Daí o recurso especial do apresentador para o STJ, alegando que não possui e nunca possuiu qualquer tipo de ingerência na produção dos programas que apresenta, já que o faz na condição de simples funcionário do SBT. Argumentou ainda que o Ministério Público estaria, por vias transversas, tentando uma forma oblíqua de censura, formalmente proibida pela Constituição Federal. Como o recurso acabou indeferido na origem, “Ratinho” ingressou com agravo regimental, para tentar fazer subir ao exame do STJ sua inconformidade com a decisão. Mas, ao rejeitar o agravo, o ministro Antônio de Pádua Ribeiro argumentou que na decisão não existe nenhum vício a ser sanado nem mesmo omissão, contradição ou obscuridade, como afirmou o apresentador, tendo em vista que o Tribunal paulista se manifestou acerca de todas as questões relevantes que importavam para a solução da questão. Para o relator, a controvérsia inteira está reduzida ao reexame do conjunto de provas juntado no processo, sendo que todas elas já foram devidamente apreciadas por ocasião do julgamento do tema, não sendo viável a interposição do especial para análise de matéria fática, em face do que dispõe a Súmula 7 do STJ.

Um tapinha dói ou não dói? A Censura na Música após a Constituição de 88 – Limites à Liberdade de Expressão Musical

Como este post está um pouco longo, recomenda-se a sua leitura ao som da música “Cálice”, de Chico Buarque e Milton Nascimento, um hino contra a censura.
Ou, se preferir algo mais moderno, clique aqui para ouvir a bela música “Um tapinha não dói”, do Furacão 2000. (Infelizmente, se você escolher essa opção, terá que sair do blog, pois aqui não toca música ruim).
Afinal, um tapinha dói ou não dói?

Será que ainda existe censura musical no Brasil? A resposta fornecida pela mais importante lei do país, que é a Constituição, é bastante clara: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. E mais: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

A realidade, porém, demonstra que a solução não é tão simples assim. É possível encontrar diversos exemplos de composições musicais que foram, de algum modo, censuradas (proibidas), inclusive com o aval do Poder Judiciário, mesmo depois da democratização do país, simbolizada com a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988.

O que os exemplos abaixo demonstram é que as instituições brasileiras, especialmente o Poder Judiciário, não consideram que a liberdade de expressão seja um valor absoluto, sem freios ou limites (aliás, nenhum direito fundamental é absoluto). Pela leitura das decisões abaixo conclui-se que devem existir limites ao direito de se manifestar artisticamente. E esses limites, curiosamente, também estão previstos na própria Constituição Federal, assim como o próprio direito à liberdade artística!

Veja um exemplo: a Constituição, ao mesmo tempo em que garante a liberdade de expressão, condena o preconceito e o racismo. Então, será que algum artista poderia, em nome da liberdade de expressão, compor uma música contendo idéias preconceituosas ou pregando o ódio racial?

Este é o dilema: qual dos dois valores em jogo é o mais importante? A liberdade artística ou o combate ao preconceito?

A resposta nem sempre é simples.

Certamente, é fácil concordar com uma decisão (ver abaixo) como a do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao condenar a Banda Zurzir, que nitidamente utiliza a música para disseminar idéias preconceituosas de cunho nazista. Letras musicais que elogiam Hitler e defendem o extermínio de judeus certamente não estão protegidas pela liberdade artística.

Por outro lado, bem mais difícil é aceitar uma decisão como a do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que condenou a música “Veja os cabelos dela”, do Tiririca, que, apesar do mau gosto musical, nada mais é do que uma manifestação tosca do típico humor brasileiro (ou pelo menos, do humor cearense).

Como meio termo, muito mais complexo é definir se a música “E por que não?” da banda gaúcha Bidê e Balde deve ser proibida. Ela insinua o incesto e a pedofilia (por sinal, a letra é de extremo mau gosto, embora a melodia seja até legal). Até que ponto a sociedade, em nome da democracia e da liberdade de expressão, deve tolerar esse tipo de manifestação artística? É difícil responder, sobretudo pelo fato de ainda sermos muito imaturos em matéria de liberdade de expressão.

Justamente por conta de nossa imaturidade democrática, defendo que, por enquanto, é melhor ousar em favor da liberdade de expressão, podando-se apenas os extremos (como no caso da Banda Zurzir).

Imagine um pêndulo onde, de um lado, esteja a censura e do outro a liberdade de expressão. Durante praticamente trinta anos, o pêndulo esteve do lado da censura em razão do regime militar. Será que não é hora de jogar o pêndulo para o outro lado com toda a força? Se, desde já, tentarmos buscar o equilíbrio certamente o pêndulo ainda continuará do lado da censura. Especificamente no caso das músicas de protesto (300 Picaretas – Paralamas do Sucesso, Vossa Excelência – Titãs), não vejo qualquer razão para proibi-las. Esse tipo de manifestação artística é perfeitamente compatível com a democracia. Elas não violam qualquer valor constitucional. Pelo contrário: a democracia ganha pontos ao respeitar esse tipo de manifestação de pensamento. A democracia funciona assim mesmo. É da essência da democracia que o cidadão tenha o direito de falar mal dos políticos e das autoridades.

Além disso, há um argumento pragmático em favor da liberdade de expressão: é praticamente impossível aplicar a censura diante de um ambiente tecnológico como a internet. Basta um conhecimento elementar em informática para conseguir baixar, com relativa facilidade, pelos programas e sites de compartilhamento (especialmente, os chamados P2P – usuário para usuário), as músicas que foram proibidas pelo Judiciário. Qualquer pessoa, hoje, pode ouvir, sem maiores problemas, as músicas nazistas da Banda Zuzir, os funks “proibidões” do Rio de Janeiro que elogiam o crime organizado, a “música” “proibida” do Tiririca e do Bidê ou Balde etc…

Se isso é bom ou ruim, também não sei dizer. O que posso dizer com toda certeza é que, em matéria de censura, a internet dá um banho no Direito. E se o Judiciário pensa que pode controlar todas as condutas sociais, é melhor mudar seus conceitos. Aliás, foi isso que reconheceu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na decisão do Caso “Bidê ou Balde”. É só conferir logo abaixo.

Músicas Censuradas

E Por Que Não? – Bidê ou Balde
(Autores: Carlinhos Carneiro e Rossato)
“E por que não? / Eu estou amando a minha menina / E como eu adoro suas pernas fininhas / Eu estou cantando pra minha menina / Pra ver se eu convenço ela a entrar na minha.
E por que não? / Teu sangue é igual ao meu, é igual ao meu / Teu nome fui eu quem deu / Te conheço desde que nasceu.
E por que não? / Eu estou adorando / Ver a minha menina / Com algumas colegas / Dela da escolinha / Eu estou apaixonado / Pela minha menina / O jeito que ela fala, olha, / O jeito que ela caminha”.
A referida música foi alvo de ação judicial, tendo a Banda Bidê ou Balde sido acusada de apologia à pedofilia. A Banda, em nota oficial, protestou contra a acusação. O certo é que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em grau de recurso, decidiu o seguinte:

“Inegável que a letra da música ‘E por que não?’, da banda ‘Bidê ou Balde’, materializa apologia ao incesto e à pedofilia, sendo impossível, material e constitucionalmente, a pura e simples extirpação do material do universo social, já entranhada nos lares e à disposição em centenas de ‘sites’ na Internet. Hipótese de reconhecimento judicial da ofensa, com minimização de seus efeitos, com aplicação de multa, por veiculação e decorrente de parcela dos lucros, em benefício de órgão estadual de bem estar do menor”.

Na minha ótica, a decisão foi razoável. Na verdade, o TJRS não proibiu a música, apenas aplicou uma multa pesadíssima toda vez que a música for veiculada. A Banda Bidê ou Balde preferiu não pagar pra ver (ou melhor, tocar), fazendo um acordo com o ministério público se comprometendo a não mais executar a música nos seus shows.

Veja a decisão na íntegra.

Para demonstrar que censura não combina com internet, o clipe da música pode ser visto facilmente no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=oEn71o4fkjI

Banda Zurzir

Também é do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a decisão que condenou a Banda Zurzir, que pregava idéias nazistas (como é que ainda existe gente assim?).

Eis a ementa do acórdão:

“PRECONCEITO DE RAÇA. ORNAMENTOS. QUE UTILIZA A CRUZ SUÁSTICA. Se de um lado a constituição exaltou a liberdade de pensamento como um dos direitos fundamentais, ficou preservada também a dignidade humana, com repúdio à discriminação ou preconceito. Comprovada conduta preconceituosa, divulgação de música de apologia ao líder nazista, é de ser mantida a condenação. APELO IMPROVIDO”.

Veja a decisão na íntegra.

Uma das músicas citadas na decisão é chamada 88 Heil Hitler, cuja letra é a seguinte:

“SOBERANO GUERREIRO, COM SEUS PUNHOS DE AÇO TENTOU LIVRAR O MUNDO DA SINISTRA IRMANDADE
O TRIUNFO DA VONTADE GUIOU O IMPÉRIO
E A SERPENTE DESTILOU EM SEU VENENO MISTÉRIOS
88 HEIL HITLER, 88 HEIL HITLER, 88 HEIL HITLER (duas vezes)
A FERRO E FOGO SUPORTOU AS MENTIRAS SIONISTAS
CONDENADO PELO MUNDO A PAGAR SEM RAZÃO
O NOBRE FUHRER FOI CALADO E SEU IMPÉRIO VENCIDO
PERDEU-SE UM GRANDE HERÓI. JAMAIS SERÁ ESQUECIDO
88 HEIL HITLER, 88 HEIL HITLER, 88 HEIL HITLER (duas vezes)”
Lamentável… (a música, não a decisão).
Bonde da Chatuba – Funk Proibidão – Mc Frank

Os funks do Rio de Janeiro já se auto-proclamam “Proibidões”, utilizando a censura como instrumento de marketing. As suas letras visam chocar a sociedade, seja pela pornografia explícita, seja pelo elogio ao crime organizado (Comando Vermelho, Terceiro Comando da Capital etc.).
Curiosamente, são poucos os casos que foram parar na Justiça, até porque essas músicas não costumam ser comercializadas oficialmente. É tudo meio clandestino. Mesmo assim, pelo menos uma canção foi alvo de processo judicial e chegou até o Supremo Tribunal Federal. É a chamada “Bonde da Chatuba”, do Mc Frank, cuja letra diz o seguinte:

Bonde do 157

Não se mexe, não se mexe
Na Chatuba é 157
Não tira a mão do volante
Não me olha e não se mexe
É o Bonde da Chatuba
Do artigo 157
Vai, desce do carro,
Olha pro chão, não se move
Me dá seu importado
que o seguro te devolve
Se liga na minha letra
Olha nós aí de novo
É o Bonde da Chatuba
Só menor periculoso.

Audi, Civic, Honda,
Citröen e o Corolla
Mas se tentar fugir
Pá! Pum!
Tirão na bola
Na Chatuba é 157.

Aê, parado, ninguém se mexe…

Nosso bonde é preparado,
Mano, puta que pariu
Terror da Linha Amarela
E da Avenida Brasil
Nosso bonde é preparado
Não tô de sacanagem
Um monte de homem-bomba
No estilo Osama Bin Laden.

A referida música faz, claramente, uma alusão ao crime de roubo, tipificado no artigo 157 do Código Penal. Em razão disso, Mc Frank foi acusado de apologia ao crime. Não conformado, o funkeiro ingressou com habeas corpus perante o STF tentando barrar a ação penal. O Min. Marco Aurélio indeferiu o pedido, alegando que havia realmente indícios da prática da apologia ao crime. (Obs: os argumentos apresentados pelos advogados do cantor são bem interessantes. Agora, querer comparar a letra de “Pivete“, de Chico Buarque, com esse funk é meio forçar a barra, não é mesmo?).

Confira a decisão na íntegra.

Tiririca

Em um de seus momentos mais criativos, o poeta e compositor Tiririca brindou a humanidade com a seguinte canção:
Veja os cabelos dela
Alô, gente, aqui quem fala é o Tiririca
Eu também estou na onda do Axé Music
Quero ver os meus colegas dançando
Veja, veja, veja os cabelos dela!
Parece bombril de arear panela
Quando ela passa, me chama atenção
Mas seus cabelos não têm jeito, não
A sua catinga quase me desmaiou
Olha, eu não agüento o seu grande fedor
Veja, veja os cabelos dela!
Parece bombril de arear panela
Eu já mandei ela se lavar
Mas ela teimou e não quis me escutar
Essa nega fede!
Fede de lascar
Bicha fedorenta, fede mais que um gambá
Veja, veja, veja os cabelos dela
Como é que é?
A galera toda aí
Com as mãozinhas pra cima
Veja, veja, os cabelos dela
Bonito, bonito!Aí, morena, você, garotona
Veja, veja, veja os cabelos dela
A beleza poética da letra é tão inspiradora quanto a melodia da música. Vale conferir. Logicamente, Tiririca não pretendia ganhar nenhum “Grammy” por essa canção. Sua intenção era tão somente fazer humor. Aliás, ele chegou a afirmar que a música foi feita em “homenagem” à sua esposa. Mas não foi isso que algumas entidades entenderam. Para alguns, a música representaria um desrespeito à mulher negra e, por isso, deveria ser proibida. O caso foi parar na Justiça. No âmbito penal, Tiririca foi inocentado da acusação de racismo, a meu ver corretamente, já que o intuito da música era fazer humor. Na esfera cível, porém, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que julgou o caso em grau de apelação, condenou a Sony Music a pagar uma indenização de trezentos mil reais. Veja a íntegra da decisão.
Comentário particular: para ser sincero, acho que o TJRJ exagerou um pouco. Acho que aqui caberia os mesmos argumentos da sentença do Mandarino, no caso Diogo Mainardi. Ou seja, entre tolerar pequenas ofensas e limitar a liberdade de expressão, é preferível a tolerância em nome da liberdade.
Afinal, como diz outra belíssima canção popular, um tapinha não dói…

Outras músicas ou bandas que tiveram problemas com a Justiça

As músicas acima foram inegavelmente censuradas, na medida em que tiveram sua veiculação total ou parcialmente proibida.
Houve inúmeras outras músicas e bandas que também tiveram problemas com a Justiça, como por exemplo:

Legalize Já – Planet Hemp – Os membros da Banda Planet Hemp chegaram a ser presos no Distrito Federal, sob a acusação de fazer apologia ao consumo de drogas, por cantarem músicas como “Legalize Já“. Felizmente, o Poder Judiciário reconheceu que a atividade artística dos músicos estava, no caso, protegida pela liberdade de expressão. Veja a decisão.

Comentário pessoal: acredito que defender a legalização do uso da droga é diferente de defender o consumo da droga. No caso da Banda Planet Hemp, acredito que eles defendem uma idéia que, a rigor, não está proibida pela Constituição, que é a legalização da maconha.
Além disso, há diversas música que, de algum modo, se referem às drogas. De cabeça, me recordo das seguintes: Malandragem dá um tempo – Bezerra da Silva, A Feira – O Rappa, Cachimbo da Paz – Gabriel, o Pensador.
Não creio que qualquer dessas músicas faça apologia ao uso de drogas, embora, em quase todos os casos, exista um elogio indisfarçado às pessoas que consomem maconha. Apesar disso, considero que seria um exagero tentar qualquer forma de censura em relação a essas músicas.
300 Picaretas – Paralamas do Sucesso – Inspirados em uma frase bombástica do então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, os Paralamas do Sucesso fizeram uma música “homenageando” os “300 Picaretas” que faziam parte do parlamento brasileiro (otimistas, não? Afinal, só 300?). Houve, na época, uma tentativa de proibição da música por parte da Procuradoria do Congresso Nacional. Felizmente, o processo judicial não deu em nada.
Se, em uma democracia, ninguém puder falar mal dos governantes, parlamentares, juízes etc., então certamente não se trata de uma democracia.
Vossa Excelência – Titãs – Na mesma linha da música dos Paralamas, os Titãs fizeram, em 2006, uma música criticando o Poder Judiciário (e o poder público de um modo geral), chamada Vossa Excelência. Confira abaixo um clipe bem interessante da música extraído do Youtube.
Ao contrário dos congressistas, que tentaram proibir a música “300 Picaretas”, os juízes brasileiros (pelo menos, os federais) não se sentiram “menores” por conta da música dos Titãs. Pelo contrário. Naquele mesmo ano, os Titãs foram convidados a participarem do encerramento do “Encontro Nacional dos Juízes Federais”, que ocorreu em São Paulo. Por cautela, os Titãs preferiram não incluir a música “Vossa Excelência” no repertório do show, já que a platéia estaria lotada de magistrados. Em vão, pois os juízes e familiares ali presentes clamaram pela música. Os gritos de “Vossa Excelência, Vossa Excelência” não deixaram alternativa para os Titãs senão tocar a música. Antes de tocar, um temeroso Tony Belotto ainda perguntou para a platéia: “vocês sabem mesmo o que estão pedindo?”
No final, os aplausos foram emocionantes.
É por essas e outras que tenho orgulho de fazer parte da magistratura federal!
Para finalizar o post, presto uma pequena homenagem ao Senado Federal, que hoje absolveu o Senador Renan Calheiros. Assim, nesse clima de indignação, curta o clipe da música Vossa Excelência direto do Youtube:

Direito à Imagem: Processos judiciais envolvendo celebridades brasileiras

Anteontem, foi julgado o processo movido por Luana Piovani e Dado Dolabella contra o Programa Pânico na TV (RedeTV).
O motivo do processo foi a perseguição sofrida pelos atores, em um famoso quadro do programa, em que os humoristas pretendiam fazer com que a atriz calçasse as “sandálias da humildade”, destinadas às celebridades mais antipáticas. Veja um trecho do programa obtido pelo YouTube.
O juiz da causa, convencido de que os humoristas violaram a honra, a privacidade e a intimidade dos artistas, condenou a RedeTV a pagar uma indenização de R$ 250.000,00 para a atriz e de R$ 50.000,00 para o ator (nada mal, hein?). Ainda cabe recurso da sentença.
Esse caso, obviamente, não foi o único envolvendo o direito de imagem de celebridades. Com bastante freqüência, o Judiciário é chamado para solucionar conflitos em que personalidades famosas se insurgem contra o uso abusivo de sua imagem pelos meios de comunicação.
São casos clássicos de colisão de direitos fundamentais: o direito de informação em choque com o direito à imagem; a liberdade jornalística em confronto com o direito de intimidade; a liberdade de comunicação invadindo a esfera de privacidade dos artistas; a livre manifestação do pensamento violando a honra de indivíduos. Todos esses valores, apesar de antagônicos, são protegidos pela Constituição Federal de 1988.
Assim, no intuito de tentar delimitar o que deve prevalecer em cada caso, selecionei alguns exemplos de julgamentos envolvendo esses conflitos. No final do texto, tento elaborar alguns parâmetros, com base nesses julgados, para auxiliar o jurista a encontrar a melhor solução.
Carolina Dieckman vs. Pânico na TV
O caso da Luana Piovani não foi o primeiro envolvendo o Programa Pânico na TV. Antes dela, a atriz Carolina Dieckman já havia sido “homenageada” e convidada a calçar as “sandálias da humildade”.
O problema é que os humoristas exageraram na dose. No intuito de chamar a atenção da atriz, os humoristas foram ao condomínio onde ela mora com guindaste e megafone, chamando-a pelo nome. O filho da atriz, que também estava no apartamento, sentiu-se igualmente constrangido com a “brincadeira”.
A atriz moveu ação judicial contra o programa, vencendo tanto na primeira quanto na segunda instância. A indenização fixada na decisão foi de R$ 35.000,00. O programa Pânico na TV também foi proibido a usar a imagem da autora ou a fazer referência a seu nome.
Para ver o acórdão do TJ-RJ, clique aqui.
Destaque para a ementa do acórdão:
“Direito Constitucional. Liberdade de expressão versus direito à intimidade. Atriz que manifesta sua vontade de não aparecer, nem participar de brincadeira, a seu ver vexatória, em programa humorístico. Exposição de sua vida íntima, afetando seu cotidiano, causando incômodo também a seu filho. Aplicação do princípio do interesse da criança.
Interesse mediato da criança em ter resguardada a sua honra e a liberdade de imagem e de locomoção de sua mãe.
Provimento parcial do recurso”.
Caso da Sunga do Thiago Lacerda

Todos se recordam da polêmica envolvendo o leilão da sunga que o ator Thiago Lacerda supostamente teria utilizado na encenação da peça “Paixão de Cristo”, em Nova Jerusalém – Pernambuco. O leilão foi promovido pelo apresentador Gugu Liberato, no seu programa dominical. Gugu pretendia, com a venda da sunga, arrecadar fundos para instituições de caridade. O problema desse nobre gesto é que o apresentador esqueceu-se de pedir autorização para o ator Thiago Lacerda. Tudo foi feito sem o consentimento do principal interessado, que era o dono da peça íntima.
No final das contas, o caso foi parar no Judiciário, tendo o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro julgado favoravelmente ao ator.

Clique aqui para ver o acórdão na íntegra.

Caso Maitê Proença


A atriz Maitê Proença, depois de pousar nua para a Revista Playboy, teve o dissabor de ver uma das fotos publicada em um jornal carioca, sem o seu consentimento.
Em razão disso, ingressou com ação de indenização contra o referido jornal. Alegou ter direito a dano material (já que ela não recebeu qualquer pagamento pela utilização de sua foto) e a dano moral (já que a foto nua lhe colocava em uma constrangedora situação, especialmente porque o público que lia o jornal não era o mesmo público que lia a revista Playboy).
Quanto ao dano material, nada demais. É óbvio que a atriz tem direito de receber uma remuneração pelo uso da sua imagem, já que o jornal vendeu mais exemplares às custas dela. A decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) foi nesse sentido. O problema foi quanto ao dano moral.
O TJRJ, em polêmica decisão, entendeu que não teria havido dano moral. Confira o argumento: “só mulher feia pode se sentir humilhada, constrangida, vexada em ver seu corpo desnudo estampado em jornais ou em revistas. As bonitas, não”. Se Maitê Proença fosse “feia, gorda, cheia de estrias, de celulite, de culote e de pelancas, a publicação de sua fotografia desnuda – ou quase – em jornal de grande circulação, certamente lhe acarretaria um grande vexame”. Para os desembargadores, “tratando-se de uma das mulheres mais lindas do Brasil”, nada justificaria o pedido de indenização por danos morais.
A atriz recorreu ao STJ que modificou a decisão do TJRJ. Veja a ementa:
“Recurso Especial. Direito Processual Civil e Direito Civil. Publicação não autorizada de foto integrante de ensaio fotográfico contratado com revista especializada. Dano moral. Configuração.
– É possível a concretização do dano moral independentemente da conotação média de moral, posto que a honra subjetiva tem termômetro próprio inerente a cada indivíduo. É o decoro, é o sentimento de auto-estima, de avaliação própria que possuem valoração individual, não se podendo negar esta dor de acordo com sentimentos alheios.
– Tem o condão de violar o decoro, a exibição de imagem nua em publicação diversa daquela com quem se contratou, acarretando alcance também diverso, quando a vontade da pessoa que teve sua imagem exposta era a de exibí-la em ensaio fotográfico publicado em revista especializada, destinada a público seleto.
– A publicação desautorizada de imagem exclusivamente destinada a certa revista, em veículo diverso do pretendido, atinge a honorabilidade da pessoa exposta, na medida em que experimenta o vexame de descumprir contrato em que se obrigou à exclusividade das fotos.
– A publicação de imagem sem a exclusividade necessária ou em produto jornalístico que não é próprio para o contexto, acarreta a depreciação da imagem e, em razão de tal depreciação, a proprietária da imagem experimenta dor e sofrimento”.

Clique aqui para ver a decisão na íntegra.

Caso Glória Pires e Família

A atriz Glória Pires e seu marido Orlando Morais (compositor) foram vítimas de um dos mais lamentáveis boatos no cenário artístico brasileiro. Diversos meios de comunicação espalharam que o referido casal estaria se separando, pois a filha da atriz (a também famosa Cléo Pires), na época com apenas dezesseis anos, estaria tendo um caso com Orlando Morais. A mentira se espalhou rapidamente, causando um sério constrangimento para a família.
Depois de tudo haver se esclarecido, Glória, Cléo e Orlando ingressaram com ação de indenização contra os meios de comunicação que espalharam a notícia e ganharam. A indenização fixada pelo TJRJ foi de R$ 200.000,00 para Glória Pires, R$ 100.000,00 para Orlando Morais e de R$ 300.000,00 para Cléo Pires.
Clique aqui e veja a decisão do TJRJ.

Caso Chico Buarque – Marieta Severo

Outro caso envolvendo fofoca sobre a vida privada de celebridades ocorreu com divulgação dos rumores sobre o motivo da separação de Chico Buarque e Marieta Severo. O jornal carioca “O Dia” espalhou que o pivô da separação seria a cantora Daniela Mercury, que estaria tendo um caso com Chico Buarque.
Indignados com a fofoca, Chico e Marieta ingressaram na Justiça e obtiveram uma indenização de 500 salários mínimos para cada.
Veja a decisão do STJ.
Caso Cássia Kiss

O caso Cássia Kiss tem uma importância especial (apesar de não ser tão interessante), pois chegou até o Supremo Tribunal Federal. Foi um dos únicos casos sobre direito à imagem enfrentado pela mais alta Corte do Brasil.
A confusão começou quando a editora Ediouro publicou uma foto da atriz, sem sua autorização, na capa de duas revistas: “Remédios Caseiros” e “Coquetel” de palavras-cruzadas. Não era uma foto constrangedora, mas mesmo assim a atriz ingressou com ação de indenização, pedindo a reparação dos danos materiais e morais.
O STF concordou com a atriz e reconheceu tanto o dano material quanto o dano moral. Veja a ementa:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. DANO MORAL: FOTOGRAFIA: PUBLICAÇÃO NÃO CONSENTIDA: INDENIZAÇÃO: CUMULAÇÃO COM O DANO MATERIAL: POSSIBILIDADE. Constituição Federal, art. 5º, X. I. Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5º, X. II. – R.E. conhecido e provido.
Veja, ainda, a decisão do STF na íntegra.

Outros casos
Caso Nívea Stelmann – Publicação de foto em noite de autógrafos – Inexistência de direito à indenização

Caso Gérson Brenner vs. Contigo – Publicação de foto e de noticia informando que a separação do ator com sua companheira (Ana Cristina) estava virando caso de polícia, com acusação de estelionato e de espancamento – Inexistência de direito à indenização, vez que não se comprovou a falsidade das informações

Caso Carolina Ferraz vs. Isto É Gente – Publicação de foto em capa de revista sem autorização – Direito à indenização

Caso João Paulo (cantor) vs. Domigão do Faustão – Simulação de fatos não comprovados que colocavam em cheque a fidelidade conjugal do falecido cantor – Direito à indenização

Caso Cida Costa – Uso indevida da imagem (quebra de contrato) – Dever de Indenizar

Caso Deborah Secco vs. Revista Playboy – Publicação de fotos da atriz nua em novas capas da mesma revista (Playboy) – Inexistência do dever de indenizar

Caso Rita Guedes – Publicação de foto da atriz em boate – Inexistência do dever de indenizar

Caso Vera Zimmerman – Quebra de contrato – foto nua – Dever de indenizar

Caso Danielle Winits vs. Isto É – Publicação de foto da atriz nua (extraída do seriado “Quintos dos Infernos” – Inexistência do dever de indenizar

Caso Juliana Paes vs. Revista Veja – Publicação de foto da atriz, sem calcinhas, em local público – Inexistência do Dever de Indenizar

Comentários Finais
Todas as situações envolvendo o fenômeno da colisão de direitos fundamentais são de complexa solução. Tudo vai depender das informações fornecidas pelo caso concreto e das argumentações apresentadas pelas partes do processo judicial. Por isso, é difícil afirmar de antemão quem tem razão.
Mesmo assim, é possível apontar alguns parâmetros para auxiliar na tomada de decisão.
Por exemplo, podem ser citados, como elementos meramente ilustrativos, os seguintes dados que poderão influenciar no resultado do processo judicial:
I – importância da informação (a informação é de interesse público?)
II – intuito de lucro (está havendo lucro direto com a divulgação da informação ou da imagem?)
III – violação da honra (a divulgação da matéria/imagem viola a honra do interessado?)
IV – intimidade (a divulgação da matéria/imagem viola a intimidade do interessado? É em lugar público ou privado?)
V – veracidade da informação (a informação é verdadeira?)
VI – intuito humorístico (a matéria tem intuito humorístico?)
Conforme for a resposta para as perguntas acima, a solução jurídica penderá para um dos dois lados: ou para o lado da liberdade de informação ou para o lado do direito à imagem. E no final, o Judiciário sopesará esses valores (é o que se costuma chamar de ponderação) e solucionará o caso em definitivo (quem tem a última palavra é sempre o Poder Judiciário).
O que se tem observado, em síntese, é o seguinte: havendo utilização indevida da imagem, sem consentimento do interessado, é cabível a indenização nos casos em que: (a) há intuito comercial; (b) quebra de contrato; (c) ofensa à honra (ressalvado, neste caso, o direito de sátira, exercido dentro dos limites da razoabilidade – estou elaborando um post especificamente quanto a isso).
O problema maior vai surgir nos casos em que não houver intuito comercial nem violação à honra, pois, nessas situações, há um conflito aparente de normas entre o Código Civil e a Constituição Brasileira.
Confira:
Constituição Federal:
Art. 5, V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
inc.X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Código Civil:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Como se observa, a Constituição Federal protege o direito à imagem de modo incondicionado. O direito à indenização pelo uso indevido da imagem, de acordo com a CF/88, independe de violação à honra.
Já o Código Civil, diz que somente haverá indenização, pelo uso indevido da imagem, se houver ofensa à honra, à boa fama ou à respeitabilidade, ou se houver intuito comercial.
O STF e o STJ já sinalizaram (nos casos Cássia Kiss e Maitê Proença, respectivamente) que o uso indevido da imagem gera um dano “in re ipsa”, isto é, que vale por si só, independentemente de violar a honra. Mesmo assim, ainda não houve a análise da matéria à luz do art. 20 do novo Código Civil.
Uma valorização extremada da imagem, como tem feito o STF e o STJ, pode ocasionar uma limitação desproporcional ao direito de informação e à liberdade jornalística. Por isso, é preciso buscar um meio termo. Talvez seja melhor entender que a divulgação de fotografia sem autorização não gera, por si só, o dever de indenizar por danos morais, devendo se verificar outros fatos capazes de justificar uma indenização. Há, inclusive, uma decisão do STJ sobre o assunto: “Para imputar o dever de compensar danos morais pelo uso indevido da imagem com fins lucrativos é necessário analisar as circunstâncias particulares que envolveram a captação e exposição da imagem” (REsp 622.872⁄NANCY).
A título de informação, vale citar o principal “leading case” mundial sobre o assunto, que foi o Caso Carolina de Mônaco vs. Paparazzi, julgado pela Corte Européia de Direitos Humanos. É um julgamento memorável que, na minha ótica, consegue compatibilizar a liberdade de informação e o direito à privacidade.
No julgamento, foram feitas as seguintes ponderações:
a) se a celebridade estiver em local público (praia ou rua, por exemplo), uma eventual fotografia pode ser publicada livremente, desde que não se destine a fins lucrativos;
b) se a celebridade estiver em local privado (sua casa ou seu barco, por exemplo), a publicação indevida de imagens pode gerar direito à indenização;
c) se a celebridade estiver em local público, mas em área reservada (um setor privativo de uma loja ou uma área privativa de um restaurante, por exemplo), demonstrando interesse em não ser fotografada, a publicação da imagem também pode gerar direito à indenização.
Clique aqui para ver a decisão, na íntegra e em português, do caso Carolina de Mônaco, julgado pela Corte Européia de Direitos Humanos.

Jurisprudenciando – Casos Curiosos – Julgamentos Pitorescos

Um estudo dos direitos fundamentais pode abranger os mais variados assuntos. Quase sempre, a discussão é bastante séria, envolvendo situações dramáticas que afetam valores fundamentais para o ser humano, como a vida, a liberdade, a igualdade. Imagine temas como o aborto, a eutanásia, o racismo, a luta contra a tortura etc…
Mas às vezes surgem alguns casos pitorescos que nos permitem dar boas risadas. Veja bem: não estou dizendo que esses casos não merecem ser levados a sério. Pelo contrário. O que quero dizer é que são situações curiosas, engraçadas até. Um prato cheio para os professores de direitos fundamentais animarem suas aulas.
Assim, selecionei seis casos pitorescos em matéria de direitos fundamentais, ressaltando novamente que, apesar de curiosos, esses casos envolvem importantes discussões filosóficas.

São eles:

6º Lugar: Caso da Farra do Boi
Imagem da “farra do boi” em Santa Catarina. O evento foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal após ficar comprovado que era demasiadamente cruel aos animais. Na foto, o animal é o boi. :-)
O que deve prevalecer: o direito à tradição e às manifestações culturais ou o respeito aos animais?
Era essa a questão que estava em jogo no caso da “Farra do Boi”. De um lado, vários grupos defendiam que o evento chamado “farra do boi” fazia parta da cultura popular em Santa Catarina e, por isso, merecia ser mantido. Do outro lado, diversos grupos defendiam que a “farra do boi” gerava crueldade desnecessária aos animais, devendo, portanto, ser proibida.
O caso chegou até o Supremo Tribunal Federal que, em célebre e elogiável decisão, determinou que o Estado de Santa Catarina adotasse as providências necessárias para proibir a chamada “farra do boi”. Veja a ementa:
“COSTUME – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ESTÍMULO – RAZOABILIDADE – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – ANIMAIS – CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inc. VII do art. 225 da Constituição Federal, no que veda a prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ‘farra do boi’ (STF, RE 153541-1-SC, rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio)”.
Para ver a íntegra do acórdão, clique aqui.
5º Lugar: Caso Daniella Cicarelli
Vídeo indiscreto da modelo Daniella Cicarelli e seu namorado em uma praia na Espanha. Invasão de privacidade ou direito à informação?

Era uma bela tarde de sol na praia de Tarifa, em Cádiz, na Espanha. Ótimo dia para curtir uma praia, especialmente em boa companhia. Foi nesse cenário que a modelo Daniella Cicarelli e seu namorado, Tato Malzoni, protagonizaram um dos mais polêmicos casos jurídicos ocorridos no Brasil, para deleite dos professores de direito.
Inicialmente, parecia um dia normal de praia. Água de coco, picolé e areia. Ocorre que o clima entre os dois namorados foi ficando cada vez mais quente (ou melhor, caliente) e, no calor do momento, não resistiram à tentação. As carícias foram ficando cada vez mais desinibidas, até que os dois decidiram extravasar seus sentimentos no mar, onde provavelmente teriam mais intimidade.
Mal sabiam eles, porém, que os abraços (e algumas carícias a mais) estavam sendo observados por um paparazzo, que filmou tudo à distância. O vídeo foi exibido por um canal pago de televisão na Espanha e, rapidamente, espalhou-se pela Internet, transformando-se em um sucesso mundial.
A modelo e seu namorado, tentando evitar a divulgação do vídeo, ingressaram com ação judicial, no Brasil, contra alguns portais eletrônicos que estavam disponibilizando gratuitamente o arquivo digital para seus usuários, como os sites Ig, Globo.com e YouTube.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), analisando um recurso do casal, concedeu medida liminar (antecipação de tutela) para proibir a divulgação do vídeo.
O julgado recebeu a seguinte ementa:
“Pedido de antecipação de sentença por violação do direito à imagem, privacidade, intimidade e honra de pessoas fotografadas e filmadas em posições amorosas em areia e mar espanhóis – Tutela inibitória que se revela adequada para fazer cessar a exposição dos filmes e fotografias em web-sites, por ser verossímil a presunção de falta de consentimento para a publicação [art. 273, do CPC] – Interpretação do art. 461, do CPC e 12 e 21, do CC – Provimento, com cominação de multa diária de R$ 250.000,00, para inibir transgressão ao comando de abstenção” (TJSP, Agravo de Instrumento 472.738-4, rel. Ênio Zuliane, j. 28/9/2006).

Confesso que não fiquei satisfeito com a decisão do TJSP (apesar de já ter feito o download do vídeo – para fins acadêmicos – antes de sua proibição). A meu ver, ao proibir a divulgação do filme, a decisão judicial limitou excessivamente um direito fundamental (a saber: liberdade de imprensa e o direito à informação) em favor de um interesse pessoal de uma celebridade que sabia perfeitamente que poderia ser filmada ou fotografada em um local público.

O juiz da causa, Gustavo Santini Teodoro, que analisou o feito em primeiro grau, julgou contra a modelo e seu namorado, entendendo que não teria havido violação à privacidade ou à intimidade, já que se tratava de local público. Veja a sentença.

Ainda assim, o TJSP manteve liminarmente a proibição do vídeo, mas o mérito do recurso ainda não foi julgado até o momento.

Apesar da proibição, o certo é que qualquer pessoa, com o mínimo de conhecimento de internet, consegue obter cópia do vídeo em sites ou programas de compartilhamento. Nesse aspecto, a tecnologia está atropelando o direito.

Eu iria indicar o link para o vídeo. Mas acho que não pega bem um juiz fazer uma sugestão dessas, não é mesmo? :-)

4º Lugar: Caso Tiririca

Em um de seus momentos mais criativos, o poeta e compositor Tiririca brindou a humanidade com a seguinte canção:
Veja os cabelos dela
Tiririca
Alô, gente, aqui quem fala é o Tiririca
Eu também estou na onda do Axé Music
Quero ver os meus colegas dançando
Veja, veja, veja os cabelos dela!
Parece bombril de arear panela
Quando ela passa, me chama atenção
Mas seus cabelos não têm jeito, não
A sua catinga quase me desmaiou
Olha, eu não agüento o seu grande fedor
Veja, veja os cabelos dela!
Parece bombril de arear panela
Eu já mandei ela se lavar
Mas ela teimou e não quis me escutar
Essa nega fede! Fede de lascar
Bicha fedorenta, fede mais que um gambá
Veja, veja, veja os cabelos dela
Como é que é? A galera toda aí
Com as mãozinhas pra cima
Veja, veja, os cabelos dela
Bonito, bonito!
Aí, morena, você, garotona
Veja, veja, veja os cabelos dela
A beleza poética da letra é tão inspiradora quanto a melodia da música. Vale conferir.
Logicamente, Tiririca não pretendia ganhar nenhum “Grammy” por essa canção. Sua intenção era tão somente fazer humor. Aliás, ele chegou a afirmar que a música foi feita em “homenagem” à sua esposa.
Mas não foi isso que algumas entidades entenderam. Para alguns, a música representaria um desrespeito à mulher negra e, por isso, deveria ser proibida. O caso foi parar na Justiça. No âmbito penal, Tiririca foi inocentado da acusação de racismo, a meu ver corretamente, já que o intuito da música era fazer humor.
Na esfera cível, porém, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que julgou o caso em grau de apelação, condenou a Sony Music a pagar uma indenização de trezentos mil reais.
Veja a íntegra da decisão.
Comentário particular: para ser sincero, acho que o TJRJ exagerou um pouco. Acho que aqui caberia os mesmos argumentos da sentença do Mandarino, no caso Diogo Mainardi. Ou seja, entre tolerar pequenas ofensas e limitar a liberdade de expressão, é preferível a tolerância em nome da liberdade.
3º Lugar: Caso do Peep-show (Alemanha)

O presente caso é bastante interessante e envolve uma colisão entre dois valores importantes: a autonomia da vontade e a dignidade da pessoa humana.
Os fatos são os seguintes: na Alemanha, discutia-se a possibilidade de se conceder uma licença de funcionamento para um estabelecimento onde se praticava o chamado “peep-show”, no qual uma mulher, completamente sem roupas, dança, em uma cabine fechada, mediante remuneração, para um espectador individual que assiste ao show.
A licença de funcionamento não fora concedida administrativamente sob o argumento de que aquela atividade seria degradante para mulher e, portanto, violava a dignidade da pessoa humana. Em razão disso, os interessados ingressaram com ação judicial questionando o ato administrativo. Eles argumentavam que a mulher estaria realizando aquele trabalho por livre e espontânea vontade. Logo, não havia que se falar em violação à dignidade da pessoa humana. Seria um trabalho como qualquer outro. Sustentaram ainda que várias boates onde se praticava o strip-tease obtiveram a devida licença de funcionamento, razão pela qual o “peep-show” também deveria ser permitido.
O caso chegou até a Corte Constitucional alemã (TCF), que deveria decidir se merecia prevalecer a autonomia da vontade da mulher, que estava ali voluntariamente, por escolha própria, ou a dignidade da pessoa humana, já que aquela atividade colocava a dançarina na condição de mero objeto de prazer sexual.
A decisão foi no sentido de que o “peep-show” violaria a dignidade da pessoa humana e, portanto, deveria ser proibido. Na argumentação, o TCF decidiu que “a simples exibição do corpo feminino não viola a dignidade humana; assim, pelo menos em relação à dignidade da pessoa humana, não existe qualquer objeção contra as performances de strip-tease de um modo geral”. Já os Peep-shows – argumentaram os velhinhos do Tribunal – “são bastante diferentes das performances de strip-tease. No strip-tease, existe uma performance artística. Já em um peep-show a mulher é colocada em uma posição degradante. Ela é tratada como um objeto… para estímulo do interesse sexual dos expectadores”.
Explicou ainda o TCF que a violação da dignidade não seria afastada ou justificada pelo fato de a mulher que atua em um “peep-show” estar ali voluntariamente. Afinal, “a dignidade da pessoa humana é um objetivo e valor inalienável, cujo respeito não pode ficar ao arbítrio do indivíduo”*.
Agora, imagine os velhinhos abaixo, que são os membros da Corte Constitucional alemã, analisando as “provas dos autos”….

Juízes da Corte Constitucional alemã, vestidos a caráter para julgar o “Peep-Show Case”.

* As citações foram extraídas de ADLER, Libby. Dignity and Degration: transnacional lessons from constitucional protection of sex. Disponível On-line: http://papers.ssrn.com/ (19 de abril de 2007)

2º Lugar: Caso Gerald Thomas

Este caso ocorreu no Brasil e gerou certa polêmica na época.

Para quem não se lembra aqui vai: Gerald Thomas é um famoso diretor de teatro brasileiro, cujas peças teatrais são conhecidas pelas polêmicas que provocam.
No dia 17 de agosto de 2003, às duas horas da madrugada, Gerald Thomas concluiu a apresentação de mais uma peça – uma adaptação de “Tristão e Isolda” – , que dirigiu no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Ao invés de ouvir os tradicionais aplausos, Gerald Thomas foi vaiado pelo público, que não havia gostado da peça.
Como forma de protesto pelas vaias que recebia, o diretor de teatro simulou uma masturbação no palco e, ato contínuo, virou de costas para o público, abaixou as calças até o joelho, arriou a cueca e exibiu suas nádegas para os espectadores que ali se encontravam. A lamentável cena foi, inclusive, filmada, tendo gerado ampla repercussão após ser divulgada em cadeia nacional por diversas redes de televisão.
O caso foi parar na polícia. Gerald Thomas foi acusado da prática de “ato obsceno”, crime tipificado no art. 233 Código Penal brasileiro: “praticar ato obsceno em público ou aberto ou exposto ao público: pena, de detenção de três meses a um ano, ou multa”.
Não conseguindo barrar o trâmite da ação penal nas instâncias ordinárias, Gerald Thomas ingressou com pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, alegando que a perseguição penal violava o seu direito à liberdade artística e de expressão.
O Supremo Tribunal Federal, após longa discussão, concedeu o referido habeas corpus, por decisão empatada, entendendo que o ato do diretor de teatro estaria inserido no contexto da liberdade de expressão, “ainda que inadequada e deseducada”.
Eis a ementa do acórdão:

“Ementa: Habeas corpus. Ato obsceno (art. 233 do Código Penal). 3. Simulação de masturbação e exibição de nádegas, após término de peça teatral, em reação a vaias do público. Não se pode olvidar o contexto em que se verificou o ato incriminado. O exame objetivo do caso concreto demonstra que a discussão está integralmente inserida no contexto da liberdade de expressão, ainda que inadequada e deseducada. 4. A sociedade moderna dispõe de mecanismos próprios e adequados, como a própria crítica, para esse tipo de situação, dispensando-se o enquadramento penal. 5. Empate na decisão. Deferimento da ordem para trancar a ação penal. Ressalva dos votos dos Ministros Carlos Velloso e Ellen Gracie, que defendiam que a questão não pode ser resolvida na estreita via do habeas corpus” (HC 83996-RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17/8/2004).

Veja a íntegra do acórdão.

Foto extraída do site do próprio Gerald Thomas. Por razões estéticas, optei por fazer uma discreta “censura” na foto original. No final das contas, o STF julgou favoravelmente ao diretor de teatro, decidindo, a meu ver corretamente, que o seu comportamento de mostrar a bunda e se masturbar em público estaria protegido pelo direito fundamental à liberdade de expressão.
1º Lugar: Caso do Lançamento de Anão (França)
Anão sendo lançado em um campeonato de lançamento de anão
Não poderia ser diferente: o caso mais pitoresco é mesmo o “caso do lançamento de anão”, que chegou até o Comitê de Direitos Humanos da ONU.
O caso é mais ou menos assim:
O “lançamento de anões” (em inglês: “dwarf tossing”, “dwarf throwing”; em francês: “lancer de nains”) é uma brincadeira (ou esporte, para alguns) na qual anões, vestindo roupas de proteção, são arremessados em direção a um tapete acolchoado, vencendo aquele que conseguir lançar o anão na maior distância possível.
A título de exemplo, veja o vídeo abaixo, extraído do Youtube:

Pois bem. O certo é que, em uma cidade francesa chamada Morsang-sur-Orge, a Prefeitura, utilizando seu poder de polícia, resolveu interditar um bar onde era praticado o lançamento de anões, argumentando que aquela atividade violava a ordem pública, pois era contrária à dignidade da pessoa humana.
Não se conformando com a decisão do Poder Público, o próprio anão (Sr. Wackenheim) questionou a interdição, argumentando que necessitava daquele trabalho para a sua sobrevivência. O anão argumentou que o direito ao trabalho e à livre iniciativa também seriam valores protegidos pelo direito francês e, portanto, tinha o direito de decidir como ganhar a vida.
Em outubro 1995, o Conselho de Estado francês, órgão máximo da jurisdição administrativa daquele país, decidiu, em grau de recurso, que o poder público municipal estaria autorizado a interditar o estabelecimento comercial que explorasse o lançamento de anão, pois aquele espetáculo seria atentatório à dignidade da pessoa humana e, ao ferir a dignidade da pessoa humana, violava também a ordem pública, fundamento do poder de polícia municipal. (Veja a decisão em francês).
O Sr. Wackenheim, mais uma vez inconformado, recorreu ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, alegando que a decisão seria discriminatória e violava o seu direito ao trabalho.
Em setembro de 2002, o Comitê de Direitos Humanos da ONU confirmou a decisão do Conselho de Estado francês, reconhecendo que o lançamento de anão violaria a dignidade da pessoa humana e, portanto, deveria ser proibido.

Doutrinando – Produção Acadêmica

Sou particularmente fã do espírito de compartilhamento que a internet proporciona. Conhecimento gratuito. Informações sem limites. Tudo ao mesmo tempo agora.
Trocar idéias pelo prazer de crescer intelectualmente. Disponibilizar um livro ou uma simples opinião pelo prazer de ser ouvido, sem pensar em retorno financeiro. A internet é isso. Quem não souber tirar proveito desse novo mundo vai ficar para trás.
Dentro desse espírito, compartilho aqui com vocês algumas de minhas “produções acadêmicas” (chique, não?). Na ordem em que foram escritas, são elas:

2003 – Monografia de Especialização em Direito Sanitário (UnB/Fiocruz):

Efetivação do Direito à Saúde pelo Poder Judiciário

2005 – Dissertação de Mestrado em Direito Constitucional (UFC):

Efetivação Judicial dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”

2007 – Monografia de Especialização em Direito Processual Público (UFF):

Proteção Judicial dos Direitos Fundamentais: diálogo constitucional entre o Brasil e a Alemanha

Obs: os arquivos estão em .pdf

Jurisprudenciando – Caso Diogo Mainardi (Sentença do Mandarino)

Aproveitarei este blog para comentar algumas decisões interessantes, especialmente ligadas aos direitos fundamentais.
Para inaugurar este espaço, nada melhor do que divulgar uma excelente sentença proferida pelo meu amigo Juiz Federal Ricardo Mandarino.
A sentença foi proferida em uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal de Sergipe contra o jornalista Diogo Mainardi, que, em seus escritos, costuma fazer brincadeiras preconceituosas em relação aos nordestinos. O MPF pretendia condenar o jornalista a pagar uma indenização por haver violado o direito de não-discriminação.
O que estava em jogo no caso era uma colisão de direitos fundamentais: de um lado a liberdade de expressão jornalística, o direito de crítica e o direito de manifestação do pensamento; do outro lado da balança, estava o não preconceito e a não discriminação.
Na sentença, cuja leitura é saborosa, o julgador concluiu que “entre tolerar pequenas ofensas e limitar a liberdade de expressão, prefiro a tolerância em nome da liberdade”.
Concordo plenamente com a decisão. Logicamente, que a ofensa contra os nordestinos, no caso, foi mínima. Seria diferente, por exemplo, se o jornalista estivesse escrito um manifesto de ódio ou uma cartilha de extermínio de nordestino, como fizeram os nazistas em relação aos judeus. Para quem está acostumado a acompanhar os artigos de Diogo Mainardi, sabe que, apesar de sua linguagem ácida, ele não precisa ser levado tão a sério. Não diria que ele é um “Zé Doidim”. Mas, no fundo, ele não passa de um personagem por ele criado.
O tipo de crítica que ele escreve (podando-se eventuais excessos) é, na minha ótica, fundamental para a democracia. E digo isso apesar de quase nunca concordar com ele. Aliás, me considero “de esquerda”, se é que ainda é possível falar em direita e esquerda neste mundo globalizado e politicamente confuso.
De qualquer modo, para fechar este post, indico o endereço onde pode ser encontrada a sentença:
http://www.jfse.gov.br/noticiasbusca/noticias_2007/Junho/decdiogo.pdf
Em tempo:
A propósito desse assunto, lembrei de uma outra decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, envolvendo o mesmo jornalista.
Como se sabe, Diogo Mainardi, sempre polêmico, possui uma clara oposição ideológica ao Presidente Luís Inácio Lula da Silva e ao Partido dos Trabalhadores de um modo geral.
Na edição de 03/08/2005, em sua coluna semanal publicada na Revista Veja, Mainardi escreveu uma crônica afiada ao Presidente Lula intitulada “Quero Derrubar Lula”, onde defendeu o impeachment do Presidente da República, pois, de acordo com ele, “pior do que está não pode ficar”.
Em razão dessa coluna, alguns partidários do Presidente Lula ingressaram com petição no Supremo Tribunal Federal (PET 3486/DF) requerendo a abertura de procedimento penal para apurar suposto “crime de subversão contra a segurança nacional, que está colocando em perigo o regime representativo e democrático brasileiro, a Federação e o Estado de Direito e crime contra a pessoa dos Chefes dos Poderes da União”.
O Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, relator do caso, proferiu memorável voto em favor da liberdade de imprensa, determinando o arquivamento do processo, pois a situação fática narrada estaria protegida pela liberdade de manifestação do pensamento e, portanto, não poderia ser punida.
Eis um trecho do voto:
“O teor da petição em referência, longe de evidenciar supostas práticas delituosas contra a segurança nacional, alegada­mente cometidas pelos jornalistas mencionados, traduz, na realidade, o exercício concreto, por esses profissionais da imprensa, da liberdade de expressão e de crítica, cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, que assegura, ao jornalista, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e exposta em tom contundente e sarcástico, contra quaisquer pessoas ou autoridades.
Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão penal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse público e decorra da prática legítima, como sucede na espécie, de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220)”.
Clique aqui para ver o voto na íntegra.
Como se observa, foi afastada a prática de suposto delito contra a segurança nacional por estar a conduta protegida pelo direito fundamental à manifestação do pensamento. A liberdade expressão foi alçada a um valor objetivamente aferível para afastar a aplicação da Lei de Segurança Nacional no caso concreto. Eis um belo exemplo de respeito à democracia.
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