Humor da Sexta

Enquanto o carnaval rola aí no Brasil, tenho que me contentar com a melancolia do mais sorumbático fado português. Mesmo assim, para não deixar a peteca cair, aproveitando o tradicional humor da sexta, nada melhor do que uma charge do jusfilósofo Maurício Ricardo.

Aliás, o próprio Maurício Ricardo deixou uma mensagem bastante carinhosa aqui no blog, lá no post em que fiz uma compilação de charges jurídicas de sua autoria.

Eis a sua mensagem:

Dr. George, fiquei muito feliz com a deferência.
Adorei a compilação das charges! É reconfortante encontrar, entre os magistrados, pessoas com seu espírito crítico. Foi uma injeção de esperança no meu coração cético de cartunista (rs).
Que a sua boa luta contagie o Poder Judiciário!
Maurício Ricardo

Por isso, aqui mais algumas charges bem legais. Não são propriamente jurídicas, mas estimulam uma “ecologia de saberes” :-)

1. E na fila da previdência… (que também poderia ser chamado: e nas audiências dos JEFs…)

2. Deixou para Trás

3. Consciência Pesada

4. Senadores – A Banda

5. Xenofobia

Boston Legal – The End

Na semana passada, assisti ao último episódio da quinta temporada de Boston Legal. Aparentemente, o último episódio da série. Foi muito bom enquanto durou.

Posso dizer que o seriado me ajudou muito a compreender o direito norte-americano e, como conseqüência, o próprio direito como um todo. Aliás, já falei dele aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. Dá para perceber o quanto me empolguei…  Ainda tenho em mente, algum dia, escrever um livro completo sobre a série.

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Boston Legal demonstra bem uma faceta da cultura jurídica norte-americana. Lá, a litigância em direitos fundamentais é algo quase banal no dia a dia forense.  Discussões envolvendo liberdade de expressão, direito à vida, liberdade religiosa, discriminações raciais e sexuais costumam ser debatidas abertamente nos tribunais e lá são decididas em última instância.

É óbvio que o sistema do “common law” contribui para esse tipo de coisas, já que admite mais explicitamente a criação judicial de direitos. Nos EUA, há mais de duzentos anos que se aceita o controle de constitucionalidade das leis. Portanto, existe toda uma tradição atribuindo ao Judiciário a tarefa de ser o intérprete final da declaração de direitos, o que lhe dá um poder político e social muito grande.

Outro ponto importante que vale a pena observar é que, mesmo naquelas áreas em que a solução jurídica é fornecida pela legislação, ainda resta uma margem de manobra interpretativa para afastar a aplicação da lei. Questiona-se com muita freqüência a racionalidade ou a própria justiça da solução legal. Vale lembrar que a idéia de controle judicial da razoabilidade das leis surgiu naquele país, através de uma interpretação criativa da cláusula do devido processo, à qual foi dado um conteúdo substantivo desde o caso Dred Scott.

Os EUA se orgulham de serem governados “por leis e não por homens”. Mesmo assim, é possível encontrar vários casos em Boston Legal em que o descumprimento da lei foi utilizado pelos advogados como estratégia de defesa, num claro estímulo à desobediência civil. Embora não seja tão comum quanto o seriado demonstra, os EUA, realmente, toleram o descumprimento da lei como forma de protesto, conforme já defendia, por exemplo, Henry Thoreau (muito citado no seriado, por sinal) e, mais recentemente, Martin Luther King Jr.. A lógica que eles adotam é a de que “se o cumprimento da lei puder causar um prejuízo maior do que a infringir, a necessidade justificaria o ato”. No fundo, pode-se dizer que a lei é um mero topos argumentativo como vários outros.

Talvez o julgamento pelo júri estimule esse tipo de estratégia argumentativa, através da qual, com muita freqüência, apela-se para o senso de justiça, em detrimento da lei.

Vou citar um caso em que isso ocorreu.

No episódio nove da segunda temporada (S2e9), houve um interessante caso envolvendo tortura (aliás, um tema freqüente em Boston Legal).

Uma criança foi seqüestrada por um pedófilo. O irmão do seqüestrador negou-se a dar qualquer dica acerca de um provável paradeiro do seqüestrador. Um padre, que também poderia ter informações relevantes, invocou as leis canônicas e preferiu não falar nada. A dúvida: fazer justiça com as próprias mãos para salvar o garoto?

Optou-se pela tortura. Conseguiram-se as informações necessárias e a criança foi salva.

Logicamente, após o ocorrido, o responsável pela tortura foi acusado pelo crime que cometeu.

O promotor do caso, em suas argumentações finais, defendeu o seguinte:

“Os fins não justificam os meios. Somos uma nação de leis. Os nosso país é conhecido por proteger as liberdades civis e os direitos fundamentais de seus cidadãos. Tais princípios estão garantidos na nossa Constituição. O réu não apenas violou a lei, mas também suprimiu as garantias fundamentais de um processo justo. A justiça com as próprias mãos pode ser aceita em outros lugares, mas não aqui”.

A defesa, por sua vez, conduzida pela competente advogada Shirley Schmidt, adotou a seguinte linha argumentativa:

“sempre ouvimos sobre os direitos dos acusados neste país. E as vítimas? E os seus direitos? Neste país a um assassinato a cada 31 minutos, um estupro a cada 6 minutos e um roubo a cada minuto. Mesmo assim, muita gente acha que é mais importante proteger os direitos dos acusados que fizeram esse país famoso. As coisas ficaram bem feias por aqui. Mas uma vida humana estava em risco. Com todo o devido respeito às liberdades civis do irmão do suspeito e às leis canônicas que impediam um padre a denunciar um pedófilo, a vida de uma criança estava em risco. Brad Chase salvou a vida do garotinho. É simples assim”.

Não é preciso nem dizer que o corpo de jurados acolheu essa argumentação utilitarista, bem ao gosto da mentalidade norte-americana, e inocentou o acusado. Aliás, depois vou comentar um caso de tortura defendido pelo Alan Shore em que a sua sustentação oral, como de costume, foi brilhante.

(Adianto que não concordo com esse tipo de raciocínio de que admite a tortura em determinados casos. Já comentei essa questão aqui).

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Quero deixar bem claro que as considerações acima referem-se ao seriado Boston Legal e não necessariamente à realidade jurídica norte-americana. Há uma longa distância entre o que passa nas telas e o que ocorre de verdade.

Estou com um monte de textos escritos sobre os episódios que mais gostei. Depois, vou soltando aos poucos por aqui…

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Uma das cenas que mais me impressionou, durante todas as temporadas, foi a primeira sustentação oral que Alan Shore fez perante a Suprema Corte. Foi uma pancada forte nos juízes daquela Corte. Ele apontou os podres de cada juiz, para demonstrar que, no fundo, todos são falíveis e sujeitos a tentações mundanas. Já pensou se fosse aqui no Brasil?

Depois faço uma seleção das melhores sustentações orais de Alan Shore.

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Outra cena legal foi o casamento no último episódio. Mas não vou falar nada aqui, pois estraga a surpresa.

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Ao longo desses cinco anos de Boston Legal, foram apresentados alguns casos bem bizarros. Alguns beiram o surrealismo. Fiz uma pequena amostra com os mais pitorescos no meu entender:

1. O Caso do Papai Noel gay: um empregado foi dispensado da sua função de papai noel depois que o patrão descobriu que, de noite, ele era “Mamãe Noel”;

2. Mulher que pretendia processar Deus em razão de seu marido ter falecido após ter sido atingido por um raio;

3. Mulher e marido discutem sobre quem deve decidir sobre a realização de uma eutanásia no gato de estimação;

4. Terapeuta entra com ação reintegratória após ser demitido por acreditar em extraterrestres;

5. Casais entram com ação judicial contra escola pública para que não seja realizada a festa do dia das bruxas, em nome da laicidade do Estado;

6. Esposa que quer se separar do marido por ele manter relações e ser apaixonado por uma vaca (literalmente falando);

E por aí vai.

Apesar de alguns casos assim, há, também, muitos casos relevantes, em que as discussões éticas, jurídicas e políticas são bem complexas e tratadas com muita seriedade. Aborto, eutanásia, preconceito racial e sexual, liberdade religiosa etc. São esses casos mais importantes que pretendo analisar com mais cuidado.

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Só pra finalizar:

Denny Crane forneceu a melhor explicação que já vi sobre como funciona o raciocínio do juiz. Eis suas palavras:

Primeiro, o juiz joga todos os argumentos em um grande prato e vai mastigando-os um a um, bem lentamente. Depois que os argumentos forem devidamente engolidos, eles passarão por uma fase de “digestão” interna. Só depois, após muito tempo digerindo cada argumento apresentado pelos advogados, é que o juiz… bem… sentencia.

Que maldade!

:-)

A Concepção Jusfilosófica de Maurício Ricardo

Fico me perguntando: para quê quebrar a cabeça tentando entender textos incompreensíveis e sem-graça de Habermas ou Luhmann ou Apel ou Alexy ou Dworkin, se a melhor análise do fenômeno jurídico vem de humoristas como o Maurício Ricardo?

Aqui fiz uma pequena compilação das quinze melhores “charges jurídicas” desse notável jusfilósofo brasileiro:

1. Caso Daniel Dantas para crianças

2.Na Língua Deles

3.Gigante Adormecida

4. É preciso sobreviver

5. Charge das Algemas

6. Entre uma prisão e outra

7. Enquanto isso, no STF

8. Liberdade, Liberdade

9. Muita Injustiça (“Insino” Jurídico)

10. Delegado Protógenes canta Olhar 43

11. Dança do Créu (tributário)

12. Fuckin USA

13. Nas mãos da Justiça

14. Greve dos Juízes

15. Os Sem Prisão

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