Liberdade de expressão, direitos autorais e internet

Para quem não sabe, além de professor de direito constitucional, sou um entusiasta da tecnologia da informação, tanto que leciono a disciplina optativa “direito da informática” na FA7.
Um dos temas que mais me fascina nessa área, até pela sua interseção com os direitos fundamentais, é o conflito entre o acesso à cultura/informação versus a garantia da propriedade intelecutal (direitos autorais), totalmente redimensionado em face dos avanços tecnológicos, que praticamente eliminaram o suporte físico das obras intelectuais.
Aliás, já no ano de 1996, ainda no quarto semestre da faculdade, elaborei um texto, talvez inédito no Brasil, sobre “A Reprodução Não-Autorizada de Obras Literárias na Internet“. Textozinho bem fraco, por sinal, a despeito do seu mérito inovador. Não recomendo a leitura. Acho que sequer citei a Constituição, até porque o direito constitucional, naquela época, ainda não havia adquirido o prestígio acadêmico que tem hoje. Mas isso não vem ao caso.
O que quero aqui é divulgar um livro que acabei de ler escrito pelo Ronaldo Lemos, professor da FGV. Comprei o livro, mesmo sabendo que ele estava disponível, em versão digital, gratuitamente, na internet. Ainda sinto prazer em folhear um livro, além do que não consigo ler, na tela do computador, por muito tempo.

A capa do livro está logo abaixo e ele pode ser comprado aqui.

Mas para que vocês não pensem que estou fazendo jabá (na verdade, nem conheço o autor, nem ninguém da editora), apesento o link para que vocês possam obter o livro de graça: é só clicar aqui.

Pirataria? Não. Muito pelo contrário. Isso se chama “Creative Commons“, uma idéia que apóio totalmente. Aliás, aqueles símbolos ao lado do blog que parecem placas de trânsito são símbolos do Creative Commons.

Nessa mesma linha, vale assistir ao documentário dinamarquês “Good Copy, Bad Copy“, que trata do mesmo assunto (por sinal, o Ronaldo Lemos é entrevistado nesse documentário). O documentário também pode ser obtido livremente, inclusive com legenda em português. É procurar no Google.

Jurisprudenciando: Penhora on-line e mínimo existencial

Proferi a decisão abaixo agora à tarde. Como a matéria envolve conceitos importantes de direitos fundamentais (mínimo existencial, dignidade da pessoa humana, ponderação, proporcionalidade), resolvi compartilhá-la, apesar de a fundamentação ser bem simples, sem muitas frescurites acadêmicas.
Lá vai:
DECISÃO
Pretende o executado a liberação do valor bloqueado por meio do Sistema Bacen-Jud e que está depositado em conta corrente pertencente à pessoa jurídica executada.
Alega em favor de seu pleito que a empresa não está mais em funcionamento e que tais valores são destinados a sua manutenção pessoal, pois já tem mais de 80 (oitenta) anos e tem vários problemas de saúde, além de não possuir nenhuma outra fonte de renda.
Instada a se manifestar, a Fazenda Nacional se opôs ao pedido.
É o relatório. Passo a decidir.
No caso dos autos, não há, em princípio, qualquer dispositivo legal que autorize a liberação do valor bloqueado. A conta corrente em questão pertence, em verdade, à empresa executada e não ao sócio da referida empresa.
No entanto, entendo que a manutenção do bloqueio constituiria uma violação patente de princípios constitucionais de extrema relevância, em especial o princípio da capacidade contributiva e o princípio da dignidade da pessoa humana. Explico minhas razões.
Conforme foi demonstrado nos autos, a empresa executada não se encontra mais em funcionamento há alguns anos (v. fls. 68/79). Esse fato nos induz a concluir que os valores depositados na conta corrente, apesar de estar no nome da pessoa jurídica, são, na verdade, movimentados para custear as despesas do próprio sócio, enquanto pessoa física, já que, comprovadamente, a empresa está fechada, não tendo custos de funcionamento ou manutenção. Logo, aparentemente, a conta corrente pertence, em verdade, ao próprio sócio, apesar de estar no nome da empresa.
De acordo com a declaração de renda apresentada, o sócio não possui qualquer renda formal, nem qualquer bem em seu nome. Logo, é presumível que aquele dinheiro seja o único capaz de manter a sua sobrevivência.
Vale ressaltar que o contribuinte em questão, além de ter uma idade bastante avançada (mais de 80 anos), sofre de inúmeras doenças graves, com custos de tratamento elevados (v. fls. 80/107), o que já seria suficiente para a liberação da quantia ora bloqueada. Afinal, fazendo uma ponderação de valores, o direito à vida é certamente bem mais importante do que a satisfação do crédito fiscal.
Por fim, importa destacar que o presente caso enquadra-se entre aqueles em que a manutenção do bloqueio ofenderia o direito de subsistência do executado, atingindo a proteção ao mínimo existencial e violando, como conseqüência, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Sobre o tema, Ricardo Lobo Torres defende que “o mínimo existencial, como condição de liberdade, postula as prestações positivas estatais de natureza assistencial e ainda exibe o status negativus, das imunidades fiscais: o poder de imposição do Estado não pode invadir a esfera da liberdade mínima do cidadão representada pelo direito de subsistência” (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro Tributário. 12ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 70 – grifamos).
Ressalte-se que a Constituição Federal condiciona o poder de tributar à observância da capacidade econômica do contribuinte (art. 145, §1º, da CF/88). De se observar também a vedação de utilização de tributo com efeito de confisco, contida no art. 150, inc. IV, da CF/88. No caso específico, sendo o contribuinte pessoa sem renda, sem bens, idosa e doente, não é proporcional tomar-lhe as últimas economias para garantir a cobrança de uma dívida fiscal contraída há mais de dez anos.
Dessa forma, DEFIRO O PEDIDO de fls. 115/7 para determinar o imediato desbloqueio dos valores constantes das contas referidas às fls. 117 existentes em nome da pessoa jurídica.
Implementado, vista à Fazenda Nacional.
Cópia desta decisão nos autos em apenso.
Expedientes. Urgência.
Fortaleza, 18 de outubro de 2007.

GEORGE MARMELSTEIN LIMA
Juiz Federal da 9ª Vara

E por falar em ampla defesa…

O amigo Mairton, Juiz Federal companheiro do IV Concurso do TRF5, no seu blog sobre Direito e Tecnologia, publicou um post muito interessante sobre o uso de novas tecnologias no procedimento da repercussão geral (clique aqui). Basicamente, ele comenta uma possibilidade aberta pelo Regimento Interno do STF que autoriza o julgamento do recurso por meio eletrônico (o relator apresenta seu voto eletronicamente e os outros ministros confirmam ou não o voto, também eletronicamente).
No texto, ele foi além da repercussão geral, levantando a possibilidade de utilizar a técnica para outros julgamentos colegiados. O procedimento seria mais ou menos assim: “após proferir o seu voto, o relator, com um simples clique no mouse, poria o processo em uma área de acesso comum aos demais membros do colegiado correspondente, e cada um desses seria informado eletronicamento da disponibilidade do voto. Os demais membros votariam – também eletronicamente, claro – e, logo que todos houvessem votado, o processo seria encaminhado para publicação do acórdão. No caso de processo físico, apenas o relatório, o voto e algumas peças (inicial, contestação, sentença, razões de recurso e outras que o relator entendesse relevantes) seriam digitalizadas e disponibilizadas para os demais membros do colegiado. O acórdão seria juntado aos autos, juntamete com os votos, em forma similar à prevista no art. 325 do RISTF para as decisões sobre inexistência de repercusão geral nos recursos extraordinários”.
Comentários:
A primeira pergunta que vem à mente é saber se essa técnica violaria a ampla defesa e o princípio do contraditório.
Em princípio, penso que não. Não há, na Constituição, qualquer regra dizendo que os membros de colegiados, ao julgarem, estejam fisicamente presentes na sessão de julgamento. O que a Constituição exige é que as sessões sejam públicas; e as decisões, motivadas. Portanto, não vejo qualquer incompatibilidade dessa técnica com as garantias processuais.
Agora, realmente, a técnica “desumaniza” um pouco o processo judicial. Fica tudo meio mecânico (ou melhor, eletrônico), como aquele personagem do Jim Carrey, no filme “Todo Poderoso”, que, ao responder aos e-mails enviados a Deus, respondeu “sim para todos”, causando um verdadeiro caos no planeta.
Mesmo assim, a idéia é boa e merece ser incentivada. Aliás, eu ainda levanto uma hipótese ainda mais ousada, inspirada nas idéias da democracia direta (a chamada “quarta geração” dos direitos fundamentais, preconizada pelo Professor Paulo Bonavides): e se, no futuro, todo cidadão-eleitor tivesse uma identificação digital (certificação digital) onde pudesse manifestar sua opinião (voto) sobre os mais diversos assuntos com um simples clique no computador? Já pensou o alcance revolucionário desse tipo de democracia, onde cada um do povo, diretamente, é responsável pelas decisões políticas mais relevantes?
PS. A propósito, vale conhecer também o blog “Mundo Cordel” do Mairton. O advogado, o diabo e a bengala encantada é impagável…
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