O Estado de Coisas Inconstitucional – ECI: apenas uma nova onda do verão constitucional?

Quadro do pintor colombiano Fernando Botero

O chamado Estado de Coisas Inconstitucional – ECI tem tudo para se tornar a nova onda do verão constitucional, depois de sua adoção pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 347/DF, em que se discute a crise do sistema carcerário (ver informativo 798). Mas será que se trata de apenas mais um modismo passageiro ou há, de fato, algo de valioso a ser extraído dessa novidade?

O conceito de ECI (“Estado de Cosas Inconstitucional“) foi desenvolvido pela Corte Constitucional colombiana no contexto de violações sistemáticas de direitos fundamentais e possui um propósito bastante ambicioso: permitir o desenvolvimento de soluções estruturais para situações de graves e contínuas inconstitucionalidades praticadas contra populações vulneráveis em face de falhas (omissões) do poder público.

Em termos muito sintéticos, ao declarar o Estado de Coisas Inconstitucional, o Judiciário reconhece a existência de uma violação massiva, generalizada e estrutural dos direitos fundamentais contra um grupo de pessoas vulneráveis e conclama que todos os órgãos responsáveis adotem medidas eficazes para solucionar o problema. Nesse sentido, o ECI é uma forma de dizer que a situação está tão caótica e fora de controle que é necessário que todos os envolvidos assumam um compromisso real de resolver o problema de forma planejada e efetiva.

A própria Corte Constitucional colombiana, na decisão T 025/2004, sistematizou seis fatores que costumam ser levados em conta para estabelecer que uma determinada situação fática constitui um estado de coisas inconstitucional: (1) violação massiva e generalizada de vários direitos constitucionais, capaz de afetar um número significativo de pessoas; (2) a prolongada omissão das autoridades no cumprimento de suas obrigações para garantir os direitos; (3) a adoção de práticas inconstitucionais a gerar, por exemplo, a necessidade de sempre ter que se buscar a tutela judicial para a obtenção do direito; (4) a não adoção de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias necessárias para evitar a violação de direitos; (6) a existência de um problema social cuja solução depende da intervenção de várias entidades, da adoção de um conjunto complexo e coordenado de ações e da disponibilização de recursos adicionais consideráveis; (7) a possibilidade de um congestionamento do sistema judicial, caso ocorra uma procura massiva pela proteção jurídica.

A primeira decisão sobre o tema foi de 1997 (SU 559/97), envolvendo uma demanda de professores que questionaram judicialmente a perda de alguns benefícios sociais. Referida decisão, contudo, não traduz a real dimensão do instituto, pois, nesse primeiro caso, o ECI foi mobilizado principalmente como uma ferramenta para evitar a repetição de demandas individuais sobre o mesmo assunto. Como havia vários professores na mesma situação dos demandantes, a Corte optou por declarar o “estado de cosas” contrário à constituição e exigir que fosse construída uma solução uniforme para todos, evitando assim a propositura de várias ações judiciais individuais sobre o mesmo tema.

De qualquer modo, é notório que tal decisão abriu as portas para a superação de um modelo de proteção jurídica de índole individual, onde o Judiciário responde a cada demandante em particular, não podendo ir além dos limites do pedido inicial. Com a declaração do ECI, o comando judicial visa solucionar o problema não só daquelas pessoas que ingressaram com a ação, mas de todos os demais afetados. E mais: são chamados para o processo não apenas os órgãos que estão diretamente envolvidos na violação dos direitos dos demandantes, mas todos aqueles que possam, de algum modo, contribuir para buscar a solução global do problema.

Como se observa, houve, no contexto colombiano, razões de ordem processual para o desenvolvimento do ECI, pois sua função originária, pelo menos no caso acima citado, foi suprir a ausência de um mecanismo jurídico-processual coletivo ou mesmo abstrato de proteção dos direitos fundamentais. A ideia era que, ao constatar a violação generalizada e sistemática de direitos (comprovada pela propositura de diversas ações semelhantes sobre o mesmo tema), o juiz pudesse estender a proteção judicial para todo o conjunto de pessoas afetadas, mesmo que estas pessoas não tivessem ingressado com ações individuais, evitando assim uma sobrecarga do sistema judicial em razão da multiplicidade de demandas repetitivas.

Se o ECI se limitasse a isso, seria desnecessária a sua importação para o Brasil. Afinal, já existem medidas jurídico-processuais previstas na Constituição para a proteção de interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos. A própria ADPF parece que cumpre essa função a contento. Caso a medida envolva a elaboração de uma norma regulamentadora capaz de viabilizar o exercício do direito, tem-se o mandado de injunção. Em algumas situações de âmbito regional ou local, a ação civil pública também pode ser um instrumento adequado de proteção contra as violações sistemáticas a direitos fundamentais. Além disso, com a súmula vinculante, o STF poderia estender os efeitos de uma demanda individual para todos os que estivessem em situação semelhante, e a decisão seria vinculante também para demais os órgãos do poder público, mesmo que não fossem parte da ação originária.

Porém, com o desenvolvimento jurisprudencial, o ECI, na Colômbia, deixou de ser um mero instrumento para dar uma feição coletiva a uma demanda individual para se tornar uma fórmula mais complexa para a superação de situações de graves e sistemáticas violações de direitos fundamentais, através de um diálogo institucional, onde vários órgãos diferentes atuam em conjunto para resolverem um problema estrutural. E nesse aspecto, o modelo pode ser bastante promissor aqui no Brasil.

Essa evolução jurisprudencial ocorreu, originalmente, em um caso emblemático julgado em 1998 (T 153/98), envolvendo a crise dos presídios, cujos problemas de fundo eram muito semelhantes ao do Brasil (superlotação e privação de direitos). Em uma ação individual interposta por um preso que denunciava violações de seus direitos mais básicos, a Corte ampliou o escopo original da demanda e chegou à conclusão de que o problema não se restringia ao presídio em que o demandante estava, mas abrangia todo o sistema penitenciário colombiano. A partir daí, foram realizadas diversas diligências visando diagnosticar a situação carcerária do país, tendo sido constatada a violação massiva da dignidade dos presos. Esse foi o ponto de partida para a declaração do ECI e estabelecimento de um diálogo institucional entre todas as entidades envolvidas visando solucionar o problema.

Outra relevante ação em que houve a mobilização do conceito do Estado de Coisas Inconstitucional, com a busca de um diálogo institucional visando superar uma massiva e sistemática violação de direitos de um grupo vulnerável, foi no caso T 025/2004, em que se discutia a situação dos migrantes internos (“despazados“), ou seja, das pessoas que foram obrigadas a abandonar seu local de origem por razões da violência provocada pelos conflitos armados e buscaram refúgio em outra localidade dentro do mesmo país.

Esse caso foi um dos casos mais emblemáticos da histórica da Corte Constitucional colombiana e inaugurou, de fato, uma nova fase no processo de superação do Estado de Coisas Inconstitucional, estabelecendo aquilo que pode ser designado por ativismo dialógico, em que a principal função da corte é a de coordenar um processo de mudança institucional através da emissão ordens de “desbloqueio” que costumam emperrar a burocracia estatal e de um processo de monitoramento contínuo sobre as medidas adotadas pelo poder público (RODRIGUEZ GRAVITO E RODRIGUEZ FRANCO, 2010). Assim, ao invés de proferir decisões contendo ordens detalhadas sobre como os órgãos devem agir, a Corte criou mecanismos de desobstrução ou desbloqueio dos canais de deliberação, buscou a coordenação do planejamento e da execução das políticas públicas, desenvolveu espaços de deliberação participativa e estabeleceu incentivos e prazos para avançar na proteção dos direitos. Além disso, a Corte manteve a sua jurisdição sobre o caso para impulsionar o cumprimento de suas ordens, tendo proferido 84 decisões e realizado 14 audiências públicas entre 2004 e 2010, já na fase de execução do julgado, mantendo um diálogo permanente com os órgãos envolvidos.

Esse processo de diálogo institucional é o que se pode extrair de mais valioso do modelo colombiano. A declaração do Estado de Coisas Inconstitucional é, antes de mais nada, uma forma de chamar atenção para o problema de fundo, de reforçar o papel de cada um dos poderes e de exigir a realização de ações concretas para a solução do problema. Entendida nestes termos, o ECI não implica, necessariamente, uma usurpação judicial dos poderes administrativos ou legislativos. Pelo contrário. A ideia é fazer com que os responsáveis assumam as rédeas de suas atribuições e adotem as medidas, dentro de sua esfera de competência, para solucionar o problema. Para isso, ao declarar o estado de coisas inconstitucional e identificar uma grave e sistemática violação de direitos provocada por falhas estruturais da atuação estatal, a primeira medida adotada pelo órgão judicial é comunicar as autoridades relevantes o quadro geral da situação. Depois, convoca-se os órgãos diretamente responsáveis para que elaborem um plano de solução, fixando-se um prazo para a apresentação e conclusão desse plano. Nesse processo, também são indicados órgãos de monitoramento e fiscalização que devem relatar ao Judiciário as medidas que estariam sendo adotadas.

A linha de ação segue o seguinte esquema: (a) identificação e prova do quadro de violações sistemática de direitos, por meio de inspeções, relatórios, perícias, testemunhas etc. → (b) declaração do Estado de Coisas Inconstitucional → (c) comunicação do ECI aos órgãos relevantes, sobretudo os de cúpula e aos responsáveis pela adoção de medidas administrativas e legislativas para a solução do problema → (d) estabelecimento de prazo para apresentação de um plano de solução a ser elaborado pelas instituições diretamente responsáveis → (e) apresentação do plano de solução com prazos e metas a serem cumpridas → (f) execução do plano de solução pelas entidades envolvidas → (g) monitoramento do cumprimento do plano por meio de entidades indicadas pelo Judiciário → (h) após o término do prazo concedido, análise do cumprimento das medidas e da superação do ECI → (i) em caso de não-superação do ECI, novo diagnóstico, com imputação de responsabilidades em relação ao que não foi feito → (j) nova declaração de ECI e repetição do esquema, desta vez com atuação judicial mais intensa.

Nesse processo, o ideal é que o Judiciário não estabeleça, em caráter impositivo, os meios para a solução do problema, pois quem deve estabelecer o como agir são os órgãos responsáveis pela execução do plano. O papel do Judiciário deve ser o de buscar o engajamento de todos na resolução do problema e criar obrigações de resultado, estabelecendo parâmetros para caracterizar a superação do ECI e adotando os mecanismos processuais para pressionar os agentes estatais a cumprirem a política pública elaborada pelos próprios órgãos envolvidos.

Há alguns princípios-guias a orientar o nível da intervenção judicial. O primeiro refere-se ao grau da inação dos órgãos estatais. Quanto maior for a situação de abandono e de descaso com a solução do problema por partes dos órgãos competentes maior será a intensidade da atuação judicial. O segundo está relacionado à vulnerabilidade das pessoas envolvidas. Quanto maior for o grau de vulnerabilidade das pessoas afetadas (em razão da privação de direitos e incapacidade de articulação política) maior será a necessidade de uma atuação judicial mais rigorosa. Outro princípio importante relaciona-se à essencialidade do direito afetado: quanto maior for a essencialidade daquele (do ponto de vista do respeito e proteção da dignidade), maior deverá a busca pela sua implementação. Em todo caso, a atuação judicial deve mirar um diálogo para que a solução do problema seja construída pelos próprios órgãos responsáveis. Quanto mais sincero e efetivo for o engajamento dos demais órgãos para a solução do problema, menor deve ser a intervenção judicial.

É provável que os demais poderes vejam nisso uma intromissão indevida do Judiciário nos assuntos de governo. Afinal, a solução, com mais ou menos intensidade, exige uma alocação de recursos humanos e financeiros que pode afetar a gestão administrativa, além de interferir na conveniência e oportunidade legislativas. Porém, a atuação judicial não é motivada apenas pela inação dos demais poderes, mas sobretudo pela constatação de que está ocorrendo uma violação sistemática dos direitos, que, de algum modo, reflete não só um desrespeito à constituição, mas afeta a própria funcionalidade da atividade judicial. Ou seja, a rigor, toda pessoa prejudicada pela falha na prestação dos serviços públicos poderia ingressar com uma ação judicial para resolver o seu problema particular e, obviamente, os juízes seriam obrigados a proferir decisões para proteger o demandante. Pela fórmula tradicional de tutela em situações assim, a solução se daria por meio de emissão de ordens pontuais para violação concreta e específica de um determinado direito, o que não parece ser adequado, pois, além de gerar a sobrecarga de trabalho, o problema persistiria num nível macro. Por isso, para evitar soluções fragmentadas e assistemáticas, proferidas caso a caso, busca-se por meio do ECI uma solução orquestrada de várias entidades distintas, sob a batuta judicial. Essa união de todos os órgãos que, de fato e de direito, podem fazer a diferença seria a melhor forma para tentar superar o estado de coisas inconstitucional em sua totalidade.

De certo modo, o modelo do ECI pode ser até útil para os demais poderes, na medida em que pode evitar a pulverização de soluções tópicas em muitos níveis diferentes que, sem dúvida, atrapalhariam a gestão do sistema. Ou seja, se o ECI for declarado, e o plano de ação elaborado e iniciado, os órgãos envolvidos poderiam, em tese, ter um maior controle da situação, favorecendo a racionalidade no processo decisório. Hoje, como qualquer situação de desrespeito à constituição é judicializada de forma isolada, é impossível alcançar soluções sistematizadas, reinando um verdadeiro caos que pode até aumentar o quadro de inconstitucionalidade. Basta ver o exemplo da judicialização da saúde, em que as microsoluções (caóticas) impedem qualquer planejamento das macrosoluções (sistemáticas). Uma declaração de ECI em matéria de saúde, com a apresentação de um plano de solução global, minimizaria o caos em que se vive hoje, onde qualquer paciente ingressa com ações judiciais para pedir qualquer remédio, inviabilizando a construção de um plano racional de longo alcance.

Por fim, uma observação mais crítica, com um tom realista. Como se nota, o ECI é um instituto bastante ambicioso, já que, por meio dele, busca-se resolver pronta e eficazmente problemas complexos de natureza estrutural de largas proporções. A prudência, porém, nos recomenda a ser mais cauteloso quanto às possibilidades do instituto. Cautela aqui em dois sentidos. Em primeiro lugar, na própria definição do papel do Judiciário nesse processo. O modelo só faz sentido se o órgão judicial tiver plena consciência dos limites de sua atuação. O propósito do ECI não deve ser o de transformar o Judiciário em um superórgão responsável pela elaboração e execução de políticas públicas.Deve ser justamente o oposto disso, pois, nesse modelo, os juízes não exercem um papel de substituição, mas de mera supervisão ou acompanhamento de um projeto que foi planejado pelos entes responsáveis, dentro de suas respectivas esferas de competência. (Nesse ponto, pode-se criticar o pedido formulado na ADPF 347/DF, que, claramente, deturpa parcialmente o modelo, já que são apresentadas medidas concretas de solução que seriam, caso deferidas, impostas pelo Judiciário sem uma análise dos órgãos responsáveis).

A segunda cautela é quanto à própria eficácia do instituto. Sem dúvida, o ECI não é o antídoto capaz de resolver todos os problemas da humanidade. Na verdade, ele é muito menos eficaz quanto se pensa. Basta ver que, no caso emblemático da situação dos presídios na Colômbia, a Corte Constitucional, em 2013, proferiu uma nova decisão (T 388-2013) reconhecendo que, apesar da decisão de 1998, o estado de coisas inconstitucional nos cárceres colombianos persistia (ainda que por razões distintas).

Não se pode supervalorizar o papel do judiciário na implementação de soluções de largo alcance. O poder judicial tem uma capacidade limitada de fazer valer os direitos fundamentais, sobretudo quando estamos diante de decisões de alta magnitude, como a que determina o fim das violações dos direitos dos presos ou a efetivação de direitos econômicos, sociais e culturais. Mesmo decisões bem fundamentadas, convincentes e principiologicamente guiadas podem se tornar uma mera folha de papel sem qualquer poder de mudar o mundo se não houver um compromisso mais amplo para fazer valer o direito. Além disso, mesmo que se reconheça um papel restritivo da função judicial no modelo de superação da ECI, é de que se questionar se o judiciário brasileiro tem estrutura para tanto. E não vai ser apenas criando um instituto com um nome bonitinho que conseguiremos transformar a sociedade. A eliminação por completo das violações sistemáticas de direitos depende de fatores que vão muito além do voluntarismo judicial.

Fonte:

Além das decisões da própria Corte Constitucional colombiana, um bom livro sobre o tema, que foi, inclusive, citado pelo STF, é:

RODRIGUEZ GRAVITO, César e RODRIGUEZ FRANCO, Diana. Cortes y cambio social: cómo la Corte Constitucional transformó el desplazamiento forzado en Colombia. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, Dejusticia, 2010

O Mais Vendido

Logo abaixo, a relação dos vinte livros mais vendidos com a temática “Direitos Fundamentais” segundo o site da Livraria Saraiva (pesquisa realizada no dia 5 de novembro de 2008):

1. Curso de Direitos Fundamentais
Marmelstein, George / ATLAS

Por R$ 66,00
ou em 2x de R$ 33,00 sem juros no cartão de crédito

2. Teoria dos Direitos Fundamentais
Alexy, Robert / MALHEIROS

De R$ 90,00
Por R$ 71,90
ou em 2x de R$ 35,95 sem juros no cartão de crédito

3. Direitos Humanos Fundamentais – 10ª Edição 2008
Ferreira Filho, Manoel Gonçalves / SARAIVA

Por R$ 69,00
ou em 2x de R$ 34,50 sem juros no cartão de crédito

4. Direitos Humanos Fundamentais – 8ª – Ed.
Moraes, Alexandre de / ATLAS

Por R$ 66,00
ou em 2x de R$ 33,00 sem juros no cartão de crédito

5. Direito Constitucional II – Caderno de Questões dos Direitos e Garantias Fundamentais
Guerra, Carlos Eduardo / CAMPUS

Por R$ 31,50

6. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
Martins, Leonardo; Dimoulis, Dimitri / RT

Por R$ 62,00
ou em 2x de R$ 31,00 sem juros no cartão de crédito

7. Estudos Sobre Direitos Fundamentais
Canotilho, Jose Joaquim Gomes / RT

Por R$ 102,00
ou em 3x de R$ 34,00 sem juros no cartão de crédito

8. Direitos Fundamentais e Direito Penal
Feldens, Luciano / LIVRARIA DO ADVOGADO

Por R$ 31,00

9. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais – 6ª Ed. 2008
Sarlet, Ingo Wolfgang / LIVRARIA DO ADVOGADO

Por R$ 38,00

10. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade – 3ª Ed. 2004
Mendes, Gilmar Ferreira / SARAIVA

Por R$ 112,00
ou em 3x de R$ 37,34 sem juros no cartão de crédito

11. A Eficácia dos Direitos Fundamentais – 9ª Ed. 2008
Sarlet, Ingo Wolfgang / LIVRARIA DO ADVOGADO

Por R$ 115,00
ou em 3x de R$ 38,34 sem juros no cartão de crédito

12. Direitos Fundamentais Trabalhistas
Martins, Sergio Pinto / ATLAS

Por R$ 46,00

13. Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente
Elias, Roberto Joao / SARAIVA

Por R$ 45,00

14. Direitos Fundamentais – Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres
Sarmento, Daniel; Galdino, Flávio / RENOVAR

Por R$ 150,00
ou em 4x de R$ 37,50 sem juros no cartão de crédito

15. Direitos Fundamentais – Orçamento e Reserva do Possível
Sarlet, Ingo Wolfgang / LIVRARIA DO ADVOGADO

Por R$ 89,00
ou em 3x de R$ 29,67 sem juros no cartão de crédito

16. Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais
Leivas, Paulo Gilberto Cogo / LIVRARIA DO ADVOGADO

Por R$ 34,00

17. Direitos Fundamentais e Relações Privadas – 2ª Edição 2006
Sarmento, Daniel / LUMEN JURIS

Por R$ 88,00
ou em 3x de R$ 29,34 sem juros no cartão de crédito

18. Leituras Complementares de Direito Constitucional – Direitos Humanos e Direitos Fundamentais – 3ª Ed
Camargo, Marcelo Novelino / Juspodivm

Por R$ 49,90

19. Limites Constitucionais ao Poder de Direção do Empregador e os Direitos Fundamentais do Empregado
Murari, Marlon Marcelo / LTR

Por R$ 40,00

20. Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado – 2ª Ed. 2006
Sarlet, Ingo Wolfgang / LIVRARIA DO ADVOGADO

Por R$ 97,00
ou em 3x de R$ 32,34 sem juros no cartão de crédito

Estudo de Caso n. 5 – Caso Schleyer

Tenho recebido vários elogios por ter incluído alguns “estudos de caso” no meu Curso de Direitos Fundamentais. De fato, considero que um dos pontos alto do livro são esses estudos de caso, pois é a partir deles que o aluno irá pensar por conta própria, sem esperar uma resposta toda bonitinha e engomadinha do professor. O aluno tem que pensar e argumentar bem para solucionar o problema.

Numa versão preliminar do Curso, eu incluí um capítulo fazendo os comentários a todos os casos. Um amigo meu – que leu a versão preliminar – me recomendou que tirasse, já que eram questões muito complexas para serem respondidas em poucos parágrafos. Concordei. Assim, vou utilizar o blog para dar minha opinião sobre os casos citados no livro. Começo com o Caso Schleyer.

Caso Schleyer

Em meados de 1970, o terrorismo estava na ordem do dia da Alemanha. A escalada de violência era sem precedentes na história do país no pós-guerra. Mesmo após a prisão de seus líderes, o grupo Fração do Exército Vermelho (RAF) ainda mostrava força.

Para pressionar o governo a fim de que os seus líderes fossem soltos, a RAF seqüestrara, na cidade de Colônia, o empresário Hanns-Martin Schleyer, presidente da Federação Alemã dos Empregadores. Na ação, morreram o chofer e três guarda-costas do empresário. O grupo terrorista exigia a libertação de 11 de seus membros que estavam presos. O governo Helmut Schmidt optou por não ceder aos pedidos dos seqüestradores, tentando ganhar tempo até encontrar o cativeiro de Schleyer.

Inconformado com a decisão do governo, o filho do empresário interpôs queixa constitucional à Corte Constitucional alemã, alegando que, ao não atender as exigências dos seqüestradores, o Estado alemão estava praticamente condenando seu pai à morte, sendo certo que a Constituição alemã determina que o Estado deve zelar pela vida de seus cidadãos (a Corte Constitucional alemã havia desenvolvido a idéia de “dever de proteção”). Além disso, aduziu também ofensa à isonomia, pois em casos semelhantes o Estado havia atendido às exigências dos terroristas.

Você sendo o juiz do caso, como julgaria?

E aí, alguém se atreve a solucionar esse caso?

Depois faço os meus comentários (upgrade: eis os meus comentários).

Enquanto vocês pensam, o tempo corre. Vejam a situação do seqüestrado:

XLI: O “Inciso Esquecido” do Art. 5o da Constituição – Por Adriano Costa

Que o Estado Democrático de Direito em que vivemos é informado pelo valor fundamental da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), todos – especialmente os leitores do blog – de há muito sabemos.

Que nosso legislador constituinte dedicou atenção toda especial aos direitos fundamentais, é igualmente fácil constatar: basta a simples leitura do extenso rol de comandos inseridos no art. 5º (nada menos que setenta e oito!) e nos demais artigos do Título II da Lei Maior.

O que não se explica facilmente é o porquê do lamentável oblívio ao qual foi relegado, desde sempre, o inciso XLI do art. 5º, cujo incisivo texto determina que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais”.

Chega a estarrecer que doutrinadores de certo renome (decerto, não no Direito Constitucional!) ainda defendam que o dispositivo em tela carece de eficácia jurídica, em razão da inexistência de norma específica para regulamentá-lo.[1] Nesse sentido opinou Sérgio Pinto Martins, para chegar à “brilhante” conclusão de que “não há impossibilidade da dispensa do doente de AIDS com fundamento na citada norma constitucional, que não é auto-aplicável”.[2]

Tenho como grave equívoco, dentro de um contexto hermenêutico-constitucional de máxima concretização dos direitos fundamentais, considerar-se que o inciso XLI é destinado apenas ao legislador. Seu significado é muito mais abrangente, pois reclama também de Executivo e Judiciário o respeito às liberdades civis. Mais do que isso, pode-se dele extrair o fundamento positivo dos deveres de proteção impostos ao Estado em prol dos direitos fundamentais – o que não é pouco!

Na jurisprudência do STF, todavia, poucos são os decisórios que se reportam de modo expresso a esse dever estatal de proteção – e nenhum, certamente, com amparo no inciso XLI. A doutrina, de hábito, lembra a Intervenção Federal nº 114/MT,[3] em que a corte vislumbrou omissão ilícita do Estado-Membro em evitar o linchamento de três suspeitos de crime na cidade de Matupá; em “A Constituição e o Supremo”, seleção de arestos disponível no site da corte, ao dispositivo em foco corresponde trecho da ementa do célebre caso “Ellwanger” (que, entretanto, é muito mais lembrado à luz do XLII, que repudia o racismo).

A partir do inciso XLI, a mensagem que a Constituição exprime é, na essência, que “o Estado protegerá os direitos fundamentais de qualquer violação, seja de natureza civil ou penal, quer provenha do próprio Poder Público ou de particulares”. Fosse assim redigido, o preceito certamente ocuparia lugar de honra na dogmática jusfundamental – eliminando, inclusive, a já superada discussão sobre o efeito horizontal. Ora, seria a redação atual assim tão substancialmente diferente, a ponto de subtrair-lhe todo o protagonismo devido no âmbito do art. 5º? Entendo que não.

Nesse aniversário de 20 anos de nossa Lei Maior, faço votos para que os aplicadores do direito descubram esse “gigante adormecido” no seio do texto magno, essa ferramenta tão pouco utilizada na defesa dos direitos fundamentais, e possam dignificá-lo com a grandeza jurídica a que faz jus.


[1] No campo penal, a Lei 7.716/89 definiu os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor. No cível, pelo menos uma lei pode ser apontada como consectária direta do presente inciso: a Lei 9.029/95, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho.

[2] In: Dispensa do Doente de Aids e Reintegração. Publicada no Juris Síntese nº 69, jan./fev de 2008. Porto Alegre: Síntese, CD-ROM.

[3] VELLOSO, Carlos Mário da Silva. A Evolução da Interpretação dos Direitos Fundamentais no STF. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (coord.). Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 375-380.

“Direitos Fundamentais” – O Quadro

A pintura acima ilustra a capa do meu “Curso de Direitos Fundamentais”. Foi pintado pela minha esposa, Danielle Diógenes, especialmente para a ocasião.

É um quadro cheio de simbologias ligadas aos direitos fundamentais. Aliás, eu próprio dei alguns pitacos que foram aproveitados na versão final.

A árvore, por exemplo, é uma macieira, simbolizando o livre-arbítrio e, portanto, a autonomia da vontade, que é a matéria-prima dos direitos de liberdade.

A família do quadro está meio que representando a humanidade. A criança está carregando no braço um cordeirinho, destacando duas coisas: (a) a solidariedade e (b) a proteção dos animais e do meio-ambiente. A mulher está grávida, enaltecendo o direito à vida. O marido carrega um violão, para simbolizar, bem, deixa eu ver, a música e a cultura (será que estou forçando a barra?)…

No céu, há um arco-íris, que é o símbolo da diversidade, do pluralismo e da tolerância. Além disso, procura-se destacar as cores do lema da Revolução Francesa – o azul no céu (liberdade), o branco  nas nuvens (igualdade) e o vermelho no sol (fraternidade).

Talvez não seja possível perceber, mas atrás da família, na estrada, as estruturas das pedras parecem a forma de uma suástica nazista, para lembrar que esse foi um obstáculo que ficou pra trás e que agora é só caminhar em direção ao sol, que surge no horizonte simbolizando a esperança. Há ainda uma pomba branca, simbolizando a paz, que tenta guiar a família rumo a seu destino.

Finalmente, dentro de uma daquelas casinhas, há alguém lendo o meu Curso de Direitos Fundamentais. Não dá pra ver, mas ele tá lá.

O Livro mais Esperado do Ano (pelo menos, por mim)

Depois de alguns contratempos inesperados, eis que o meu Curso de Direitos Fundamentais finalmente está disponível para venda.

A Editora Atlas já disponibilizou um link para a comercialização on-line da obra. É só clicar aqui. E se não gostar de comprar pela internet, é só pedir para o seu livreiro. Há também a opção de comprar pela Livraria Saraiva. É só clicar aqui.

É difícil descrever a alegria de saber que o resultado de praticamente dez anos dedicados ao estudo dos direitos fundamentais encontra-se materializado em um livro que sintetiza toda essa trajetória.

Lembro como se fosse hoje de quando os direitos fundamentais mudaram a minha vida. Eu, ainda um simples estudante da graduação, totalmente desmotivado com o direito, sem saber se era mesmo aquilo que eu queria, resolvi encarar um concurso de monografias promovido pelo TJCE em comemoração aos dez anos da CF/88 e aos cinqüenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. O tema não poderia ser outro: “O Poder Judiciário e os Direitos Humanos”. E foi aí que comecei a ler tudo o que envolvia essa matéria. No começo, motivado pelo prêmio financeiro do concurso de monografias. Depois, por amor ao tema. E desde então não parei mais de estudar os direitos fundamentais.

Não foi fácil escrever um Curso de Direitos Fundamentais. Tive imensa dificuldade não apenas de desenvolver o tema de forma coerente, mas sobretudo de tentar ser o mais claro possível para os leitores. Vocês não fazem idéia de como foi complicado conseguir estruturar os capítulos. Aliás, essa foi a parte mais difícil e acabei tendo que fazer “experiências” com os meus alunos da graduação. Para algumas turmas, falei primeiro dos princípios de interpretação dos direitos fundamentais (Hermenêutica dos Direitos Fundamantais); para outras turmas, optei por falar primeiro dos direitos fundamentais em espécie para somente depois partir para a parte mais teórica.

Percebi que os alunos que estudaram primeiro os direitos fundamentais em espécie sentiam muito mais facilidade em aprender a teoria como um todo. Por isso, indo na contra-mão da maioria dos cursos de direito constitucional, deixei o capítulo sobre a interpretação das normas constitucionais para o final. É a cereja do bolo. Vamos ver se vai agradar ao público.

Espero que vocês, leitores fiéis do blog, caso optem por adquirir o livro, não deixem de comentá-lo, até mesmo criticá-lo. Vocês sabem que gosto de críticas, sobretudo as construtivas.

Eis a sinopse e o sumário do livro:

Este livro aborda temas que estão na ordem do dia das discussões jurídicas mais relevantes, fornecendo o que há de mais interessante e atual dentro da teoria e da prática dos direitos fundamentais. Analisa as mais importantes decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, além da jurisprudência de outros tribunais constitucionais pelo mundo afora.

São enfrentadas as mais polêmicas e complexas questões que estão na agenda política do mundo todo, como o aborto, a eutanásia, as pesquisas com células-tronco, as cotas para negros em universidades, o casamento de pessoas do mesmo sexo, as limitações ao poder do Estado, a liberdade de expressão, o racismo, a tortura, entre outros temas voltados para a proteção dos direitos fundamentais.

Esses assuntos são examinados sempre tendo como base teórica os princípios de interpretação constitucional que já fazem parte do discurso adotado pelos tribunais brasileiros e estrangeiros, como o princípio da proporcionalidade, da máxima efetividade, da concordância prática, da reserva do possível, entre inúmeros outros.

É uma obra, enfim, que estimula e faz com que o leitor se interesse pelos direitos fundamentais desde as primeiras páginas. A linguagem é objetiva e acessível, parecendo um diálogo informal mantido entre o professor e o aluno, inclusive com ilustrações que tornam a leitura ainda mais interessante e agradável. Tudo isso sem prejuízo da profundidade e da seriedade com que cada tema é tratado.

E o Sumário:

PARTE I – ABRINDO AS PORTAS PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1   A Teoria dos Direitos Fundamentais
1.1   O nazismo e a banalidade do mal
1.2   O Julgamento de Nuremberg
1.3   O pós-positivismo e a teoria dos direitos fundamentais

2   Conceito de Direitos Fundamentais
2.1   O uso banalizado da expressão direitos fundamentais
2.2   O conteúdo ético dos direitos fundamentais
2.3   O conteúdo normativo dos direitos fundamentais
2.4   Um conceito de direitos fundamentais
2.5   Direitos fundamentais como direitos positivados
2.6   Direitos fundamentais implícitos
2.7   Direitos do homem, direitos humanos e direitos fundamentais
2.8   Delimitando o objeto de estudo

3   Evolução Histórica dos Direitos Fundamentais
3.1   Direitos do homem: a matéria-prima dos direitos fundamentais
3.2   Do Estado absoluto ao Estado de direito
3.2.1   O Estado democrático de direito
3.3   As “gerações” dos direitos
3.4   As revoluções liberais e a “primeira geração” dos direitos fundamentais
3.4.1   A igualdade “da boca pra fora”
3.5   A Revolução Industrial e a “segunda geração” de direitos fundamentais
3.6   A “terceira geração” de direitos
3.7   As novas “gerações”
3.7.1   Ameaças aos direitos fundamentais
3.8   Críticas à teoria das gerações dos direitos fundamentais

PARTE II – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

4   Os Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988: Visão Geral
4.1   A Constituição Federal de 1988 e a teoria dos direitos fundamentais no Brasil
4.2   Frustração constitucional versus vontade de Constituição
4.3   O modelo político-econômico adotado pela Constituição de 1988

5   Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos
5.1   Respeito ao próximo
5.2   Respeito à vida
5.2.1   Pena de morte
5.2.2   Aborto
5.2.3   Pesquisa
5.3   Respeito à integridade física e moral do indivíduo
5.4   Respeito à autonomia da vontade
5.5   Liberdade
5.5.1   Liberdade de locomoção
5.5.2   Liberdade de crença e de religião
5.5.3   Liberdade de profissão
5.5.4   Liberdade de reunião e de associação
5.5.5   Liberdade de expressão
5.6   Direitos de personalidade
5.6.1   Intimidade, privacidade, honra e imagem
5.6.2   Inviolabilidade do sigilo de dados e das comunicações
5.6.3   Inviolabilidade do domicílio
5.7   Segurança jurídica
5.7.1   Direito de propriedade
5.7.2   A propriedade intelectual
5.7.3   Proteção do ato jurídico perfeito, da coisa julgada e do direito adquirido

6   As Garantias Processuais
6.1   O acesso à justiça como direito fundamental
6.2   Dever de investigar com ética
6.3   Dever de processar com ética
6.4   Dever de punir com ética
6.5   Direitos fundamentais e impunidade

7   Dos Direitos Sociais
7.1   Os direitos econômicos, sociais e culturais
7.2   Os direitos trabalhistas

8   Dos Direitos de Nacionalidade
8.1   O problema da extradição de nacionais em face do Tratado de Roma

9   Dos Direitos Políticos

10   A Cláusula de Abertura (art. 54, § 22, da CF/88): os direitos não enumerados
10.1   Direitos fundamentais decorrentes dos princípios e do regime adotados pela Constituição Federal
10.2   Os direitos decorrentes dos tratados internacionais
10.2.1   A prisão civil do depositário infiel
10.2.2   O artigo 52, § 39, da CF/88 e o novo posicionamento do STF
10.2.3   A federalização dos graves ilícitos contra os direitos humanos

11   O Problema da Titularidade dos Direitos Fundamentais
11.1   O ser humano como titular dos direitos fundamentais
11.2   Os estrangeiros não residentes
11.3   Direitos fundamentais com titularidade restrita
11.4   As pessoas jurídicas como titulares de direitos fundamentais
11.5   As pessoas jurídicas de direito público
11.6   Titularidade dos direitos sociais
11.7   Relações especiais de sujeição
11.8   Os direitos dos animais

PARTE III – CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

12   De Conselhos Morais a Normas Constitucionais

13   A Supremacia dos Direitos Fundamentais
13.1   Direitos fundamentais e Constituição
13.2   Direitos fundamentais e jurisdição constitucional
13.2.1   A jurisdição constitucional no Brasil
13.2.2   A inconstitucionalidade das normas contrárias aos direitos fundamentais
13.2.3   A não-recepção das leis incompatíveis com os direitos fundamentais
13.2.4   A reinterpretação das leis anteriores à Constituição em face dos direitos fundamentais
13.3   Controle concentrado versus controle difuso

14   Os Direitos Fundamentais como Cláusulas Pétreas
14.1   As cláusulas pétreas
14.2   Interpretação da expressão direitos e garantias individuais
14.3   Princípio da vedação de retrocesso (efeito cliquet)
14.4   Direitos fundamentais e emendas constitucionais
14.5   Cláusulas pétreas e democracia
14.6   Direitos fundamentais e mutação constitucional

15   Direitos Fundamentais como Direitos Subjetivos
15.1   Dimensão subjetiva versus dimensão objetiva
15.2   A força normativa dos direitos fundamentais
15.3   Dever de respeito, proteção e promoção dos direitos fundamentais
15.4   Os direitos fundamentais como direitos exigíveis
15.5   Aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais
15.6   A aplicação direta e os deveres de respeito, proteção e promoção dos direitos fundamentais
15.7   O dever de legislar e a liberdade de conformação do legislador
15.8   Proteção judicial contra as omissões legislativas: ADin por omissão e mandado de injunção
15.9   Efetivação judicial de direitos a prestações
15.9.1   A questão do “mínimo existencial”
15.9.2   Princípio da subsidiariedade
15.9.3   Reserva do possível
15.9.4   Direitos sociais e pobreza

16   Direitos Fundamentais como “Sistema de Valores”
16.1   A dimensão objetiva e a filtragem constitucional
16.2   A interpretação conforme os direitos fundamentais
16.3   Eficácia horizontal dos direitos fundamentais: os direitos fundamentais nas relações privadas
16.3.1   Eficácia horizontal na jurisprudência (Brasil)
16.3.2   Eficácia horizontal e direitos sociais
16.3.3   Ações constitucionais e os particulares

PARTE IV – HERMENÊUTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

17   Hermenêutica dos Direitos Fundamentais
17.1   Uma questão de hermenêutica
17.2   A hermenêutica tradicional
17.3   A hermenêutica dos direitos fundamentais
17.4   O dever de fundamentar, a reserva de consistência e o papel dos princípios de interpretação
17.5   Princípios de interpretação constitucional

18   Colisão de Direitos Fundamentais
18.1   A relatividade dos direitos fundamentais
18.2   Princípio da proporcionalidade
18.2.1   Adequação
18.2.2   Necessidade (vedação de excesso)
18.2.3   Necessidade (vedação de insuficiência)
18.2.4   Proporcionalidade em sentido estrito (ponderação)

19   A Técnica da Ponderação
19.1   Considerações iniciais
19.2   Harmonização ou concordância prática
19.3   Sopesamento de valores
19.4   Proteção ao núcleo essencial

20   Princípio da Isonomia e Proporcionalidade
20.1   Deveres de respeito, proteção e promoção da igualdade
20.2   A discriminação por opção sexual

21   Proibição de Abuso de Direito Fundamental
21.1   Dever de proteção aos direitos fundamentais
21.2   Proibição de abuso
21.3   Vedação de censura e abuso da liberdade de expressão
21.3.1   O Caso Ellwanger

22   A Renúncia a Direitos Fundamentais
22.1   Penhora do bem de família do fiador
22.2   Renúncia ao direito à vida: eutanásia

PARTE V – CASOS PRÁTICOS

23   Estudos de Caso
23.1   Estudo de caso – abandono afetivo (existe um direito fundamental ao amor?)
23.2   Estudo de caso – função social da propriedade (evolução) – Favela do Pullman
23.3   Estudo de caso – direito de propriedade (evolução) – MST
23.4   Estudo de caso – cláusula pétrea – redução da maioridade penal
23.5   Estudo de caso – dever de proteção – caso Schleyer
23.6   Estudo de caso – direito a prestações – doença rara (MSUD)
23.7   Estudo de caso – direito a prestações – escolhas trágicas (reserva do possível) – hemodiálise
23.8   Estudo de caso – direitos fundamentais nas relações privadas – escola versus criança com síndrome de Down
23.9   Estudo de caso – eficácia horizontal – punição disciplinar-corporal em escola particular
23.10   Estudo de caso – eficácia horizontal – American Airlines e detector de mentiras
23.11   Estudo de caso – princípio da proporcionalidade – Lei do Abate
23.12   Estudo de caso – ponderação – transfusão de sangue em testemunhas de Jeová
23.13   Estudo de caso – ponderação – caso Baby Boy Doe vs. Mother Doe (direito à vida versus direito à liberdade de crença religiosa)
23.14   Estudo de caso: caso Gabriela (aborto de fetos anencefálicos)
23.15   Estudo de caso – igualdade (ação afirmativa) – cotas em universidades
23.16   Estudo de caso – igualdade – adoção de criança por casal homossexual
23.17   Estudo de caso – igualdade – mulheres nas forças armadas
23.18   Estudo de caso – igualdade – casamento entre pessoas do mesmo sexo
23.19   Estudo de caso – igualdade – cirurgia em transexuais
23.20   Estudo de caso – igualdade – art. 235 do Código Penal Militar (pederastia)
23.21   Estudo de caso – liberdade de expressão – música E Por Que Não?, da banda Bidê ou Balde
23.22   Estudo de caso – liberdade de expressão – música Olha os Cabelos Dela do Tiririca
23.23   Estudo de caso – intimidade vs. informação – caso Cicarelli
23.24   Estudo de caso – ponderação – prova ilícita
23.25   Estudo de caso – ponderação – prova ilícita – liberdade de expressão – caso Garotinho
23.26   Estudo de caso – renúncia a direitos fundamentais – caso do lançamento de anão
23.27   Estudo de caso – renúncia a direitos fundamentais – caso do peep-show
23.28   Estudo de caso – renúncia a direitos fundamentais – eutanásia (Ramón Sampedro)
23.29   Estudo de caso – renúncia a direitos fundamentais – eutanásia (Nancy Cruzan)
23.30   Estudo de caso – renúncia a direitos fundamentais – caso do transplante de coração

PARTE VI – APROFUNDANDO O ESTUDO

24   Aprofundando o Estudo

25   O Cinema e os Direitos Fundamentais

Posfácio
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Referências Bibliográficas

Chimpanzé tem direito fundamental?

Esse é daqueles casos que sempre animam as discussões em mestrados e pós-graduações de um modo geral. Os animais não-humanos podem ser sujeitos de direito? Existe uma dignidade animal protegida pelo direito positivo? Em termos práticos: é possível impetrar habeas-corpus em favor de primatas?

Essa questão está sendo enfrentada pelo STJ em um caso bem curioso (HC 96344). Eis uma síntese:

Lili e Megh são dois chimpazés (Pan Troglodytes – ver foto) que sempre viveram em cativeiro. Eles são meus conterrâneos, pois nasceram no Zoólogico de Fortaleza e hoje vivem em São Paulo, em um centro de apoio aos primatas.

Ocorre que eles estão em situação irregular, já que os seus depositários não possuem autorização do IBAMA para mantê-los em cativeiro. Por isso, o Tribunal Regional Federal da 3a Região, apreciando um pedido do IBAMA, determinou que os referidos animais fossem devolvidos ao seu habitat natural.

Contra essa decisão judicial, foi interposto habeas-corpus, em favor dos chimpazés, perante o STJ, visando mantê-los em cativeiro. O habeas corpus foi impetrado pelos atuais depositários dos bichinhos. O argumento básico é no sentido de que “os animais estão muito bem cuidados e acomodados, em instalações com estrutura de última geração, não são comercializados, nem sujeitos a quaisquer tipos de exposição ou entretenimento”. Além disso, sustentaram que, caso os animais sejam devolvidos à natureza, eles certamente irão morrer, pois não estão adaptados a uma vida selvagem, dificilmente conseguindo enfrentar  todas as adversidades do ambiente natural.

O relator do processo, Min. Castro Meira, votou no sentido de não conhecer o habeas-corpus, já que essa ação constitucional seria destinada a proteger unicamente a liberdade de locomoção dos seres humanos, não podendo ser impetrado em favor de chimpanzés. Eis seus argumentos:

“Nos termos do art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República, é incabível a impetração de habeas corpus em favor de animais. A exegese do dispositivo é clara. Admite-se a concessão da ordem apenas para seres humanos. Nesse sentido, confira-se a dicção da norma: ‘Art. 5º (…)
LXVIII – conceder-se-á ‘habeas-corpus’ sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder’.
Assim, se o Poder Constituinte Originário não incluiu a hipótese de cabimento da ordem em favor de animais, não cabe ao intérprete incluí-la, sob pena de malferir o texto constitucional” (decisão na íntegra).

O processo, no momento, está suspenso, em razão de pedido de vista do Min. Herman Benjamin. A propósito, aguarda-se com ansiedade o voto do Min. Benjamin, pois ele é uma das maiores autoridades em direito ambiental e, certamente, trará bons subsídios para julgar o caso.

Muitos podem pensar que esse caso é banal; ridículo, diriam alguns; engraçado, diriam outros. De minha parte, digo com sinceridade que é um dos casos mais complexos, do ponto de vista filosófico, que se pode imaginar.

Juridicamente, talvez seja até um caso fácil. Afinal, nossa Constituição é antropocêntrica e se fundamenta na dignidade da pessoa humana, não protegendo, pelo menos não de modo claro, a dignidade de pessoas “não-humanas”. Aliás, foi esse o ponto de vista que defendi em um dos capítulos do meu Curso de Direitos Fundamentais, que cito logo abaixo.

Confesso que essa solução não me agrada nem um pouco, embora me curve a ela ante a falta de base constitucional para refutá-la.

Do ponto de vista filosófico, simpatizo com a idéia de que o círculo de proteção da dignidade deve ser ampliado ao máximo para abranger até mesmo outras espécies. No caso dos primatas, em particular, me parece que está mais do que na hora de considerá-los como portadores de tanta dignidade quanto qualquer ser humano, já que o mapeamento do genoma demonstrou que somos praticamente iguais do ponto de vista genético.

Esses animais possuem quase todas as características que justificam o reconhecimento da sua dignidade: são seres auto-conscientes, inteligentes, que se comunicam, que sofrem, que se divertem, que memorizam fatos e rostos e que mantém, com os seres humanos, uma relação de afeto e de respeito difícil de encontrar até mesmo nas relações dos humanos entre si.

Nós, do direito, não temos uma noção muito perspicaz desse fenômeno, pois nós lidamos basicamente com conflitos humanos. Para nós, os animais são bens jurídicos classificados de acordo com a utilidade que possuem, sob a ótica do interesse humano. Para o direito, é a natureza que está a serviço do homem, como se não fizéssemos parte do ambiente que nos cerca.

Aliás, se nossa capacidade de ter empatia por seres da nossa própria espécie já é complicada, imagine a capacidade de ter empatia por seres não humanos!

Mas se abrirmos nossas mentes e formos conhecer pessoas que estudam esses animais há mais tempo, certamente teremos muito o que aprender, inclusive sobre nós mesmos. Sob a ótica da biologia, por exemplo, antes mesmo de Darwin demonstrar que somos todos descendentes dos grandes macacos, vários cientistas, como Lineu e Lamarck, já haviam sugerido o nosso parentesco com primatas. Ora, se eles são nossos parentes, por que não os tratar como tal? Por que não reconhecer uma dignidade a esses animais, passível de ser protegida juridicamente? Por que não reconhecer a eles alguns dos direitos fundamentais garantidos aos seres humanos, como o direito a uma vida digna ou até mesmo o direito de não sofrer desnecessariamente?

Quais seriam as implicações práticas disso? Muitas. Pra começar, os limites ético-jurídicos para a utilização de animais como cobaias em experimentos científicos seriam muito mais estreitos. Do mesmo modo, o tratamento dado aos animais em abatedouros ou em fazendas de criação, por exemplo, também teria que ser revisto, para dar um pouco mais de “humanidade” (leia-se: dignidade) a esses seres.

Por fim, um pequeno trecho do capítulo do meu Curso de Direitos Fundamentais, em que trato dos direitos dos animais. Como disse, não é um texto que me agrada do ponto de vista ético-filosófico; mas não vejo outra solução diante do ordenamento constitucional brasileiro.

Com a palavra, o ambientalista Leonardo Resende Martins…

Os Direitos dos Animais

“Chegará o dia em que um crime contra um animal
será considerado um crime contra a própria humanidade”.
Leonardo da Vinci

Para finalizar esta primeira parte do Curso de Direitos Fundamentais, vale fazer algumas considerações acerca dos direitos dos animais. Afinal, os animais podem ser considerados como sujeitos de direitos? Em outras palavras: os direitos fundamentais também podem ser titularizados por seres não-humanos?

Como se sabe, a noção original de dignidade da pessoa humana foi moldada e construída a partir da concepção de que o “homem é a medida de todas as coisas”. Feitos à imagem e semelhança de Deus, os homens seriam criaturas divinas especiais ocupando um lugar de destaque no universo, até porque o Planeta Terra seria o centro de tudo.

Essa concepção de mundo, bastante cômoda por fornecer algum sentido especial da nossa existência, foi paulatinamente sendo destruída pelas descobertas científicas.

Primeiro, vieram Copérnico, Kepler, Galileu, entre outros, que demonstraram que a Terra gira em torno do Sol e não o contrário. Logo, se existisse um centro para o universo, esse centro seria ocupado pelo Sol e não pela Terra.

Depois, vieram os astrônomos com seus poderosos telescópios que demonstraram que a Via Láctea é apenas mais uma entre bilhões de outras galáxias que compõem o universo (cerca de 140 bilhões), muitas delas bem maiores do que a nossa. “Nossa galáxia, a Via Láctea, é apenas uma entre bilhões de outras, sendo sua posição perfeitamente irrelevante. Nosso planeta não ocupa uma posição especial no sistema solar, nosso Sol não ocupa uma posição especial em nossa galáxia, e nossa galáxia não ocupa uma posição especial no Universo”[1].

Além disso, dentro da linha temporal do universo, ainda somos apenas bebês. A Terra tem cerca de 4,6 bilhões de anos, enquanto os homens existem há apenas alguns milhares de anos.

Para perceber a nossa insignificância temporal, faça o seguinte exercício: abra os braços como o Cristo Redentor. Agora tente imaginar que a história do universo é representada como uma linha do tempo esticada entre as mãos na extremidade dos seus dois braços estendidos. Uma lixa de unha seria capaz de apagar toda a existência humana com um único aparar de unhas[2]. “Nós fazemos parte de apenas cerca de 0,0001% da história da terra”[3]. Logo, há várias criaturas que chegaram muito antes de nós.

Em um contexto menos cosmológico, Charles Darwin apresentou provas convincentes de que os homens seriam apenas uma evolução natural dos primatas, que, na luta pela vida (“struggle for life”), conseguiram desenvolver algumas habilidades diferenciadoras, como a capacidade de raciocinar e de se comunicar.

Um século depois de Darwin, com a descoberta do DNA e com o mapeamento do genoma humano, ficou efetivamente demonstrado que não somos muito diferentes, em essência biológica, do que os nossos ancestrais primatas:

“Por mais complexa que seja, no nível químico a vida é curiosamente trivial: carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, um pouco de cálcio, uma pitada de enxofre, umas partículas de outros elementos bem comuns – nada que você não encontre na farmácia próxima -, e isso é tudo de que você precisa. A única coisa especial nos átomos que o constituem é constituírem você. É o milagre da vida”[4].

Será que somos mesmo apenas “filhos do carbono e do amoníaco”, como defendia pessimistamente o poeta Augusto dos Anjos? Somos apenas “lixo nuclear” ou “refugos estrelares”, como dizem os astrofísicos mais realistas?

Não é bem assim. Na verdade, a própria ciência, responsável pela destruição dos mitos da criação, cuidou de encontrar respostas para tornar mais relevante nosso papel no universo. Como defende Simon Singh, parece as forças que controlam a evolução do universo foram ajustadas cuidadosamente para que existíssemos[5]. O princípio antrópico – prossegue Singh – declara que qualquer teoria cosmológica deve levar em conta o fato de que o universo evoluiu para nos conter[6].

No mesmo sentido, Bryson explica:

“Para estar aqui agora, vivo no século XXI e suficientemente inteligente para saber disso, você também teve de ser o beneficiário de uma cadeia extraordinária de boa sorte biológica. A sobrevivência na Terra é um negócio extremamente difícil. Das bilhões e bilhões de espécies de seres vivos que existiram desde a aurora do tempo, a maioria – 99,99% – não está mais aqui” [7].

Seguindo essa mesma linha de reflexão, Marcelo Gleiser chega à conclusão de que:

“somos mesmo raros, que a vida é um privilégio e que a inteligência é uma centelha do divino que carregamos conosco. Com o poder vem a responsabilidade: se somos raros, devemos fazer todo o possível para preservar o que temos, para preservar nossa casa, nosso maravilhoso planeta, que nos permitiu chegar até aqui. Temos o dever não só de preservar a vida aqui, mas de criar uma ética cósmica, de espalhá-la pela galáxia, de fazer do cosmo uma entidade humana. Talvez seja esse o nosso destino: povoar o universo de vida, celebrando a cada dia sua criatividade inigualável. Se as estrelas nos deram a poeira da qual somos feitos, e o Sol a energia para animá-la com vida, cabe a nós louvá-la. Disso depende o futuro de nossa espécie e, talvez, da vida no universo”[8].

Se é certo que essa nova visão, baseada no princípio antrópico, consegue justificar o reconhecimento da dignidade humana sob uma ótica bem mais científica, não se pode negar que ela também serve para fortalecer a crença de que os animais também merecem uma proteção jurídica. Afinal, os animais, tanto quanto os seres humanos, possuem algumas características que os fazem dignos de respeito e consideração. Os animais, por exemplo, são capazes de sentir dor e manifestar esse sentimento, há animais que conseguem se comunicar, e alguns têm até consciência da sua própria existência. Portanto, não seria exagerado afirmar que existe uma dignidade animal[9].

Aliás, nesse sentido, a própria Constituição brasileira, ao consagrar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivou expressamente uma norma que determina o poder público, para assegurar a efetividade desse direito, deve “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (art. 225, § 1º, inc. VII, da CF/88). Houve, portanto, uma clara proteção constitucional em favor dos animais.

Com base na referida norma constitucional, o Supremo Tribunal Federal julgou um importante caso envolvendo a chamada “farra do boi”[10].

Tratava-se de uma ação civil pública, proposta por quatro organizações não-governamentais de defesa dos animais[11], contra o Estado de Santa Catarina, na qual as autoras pretendiam obrigar o Poder Público a tomar medidas concretas para proibir a prática da festa denominada “farra do boi”. De acordo com as autoras, a referida festa ocasionava a crueldade dos animais, ferindo o mencionado artigo 225, §1º, inc. VII, da CF/88, que impõe ao poder público a obrigação de proteger a fauna, proibindo práticas que submetam os animais à crueldade.

O Estado de Santa Catarina, em sua defesa, argumentou, entre outras coisas, que a “farra do boi” era uma manifestação cultural bastante entranhada em significativas parcelas da sociedade catarinense, especialmente as de origem ou descendência açoriana. Para reforçar sua tese, o Estado apresentou um estudo multidisciplinar (Comissão de Estudos da “Farra do Boi”), tecendo considerações históricas, sociológicas e etnográficas sobre o evento, a fim de demonstrar que não se tratava de uma prática tão cruel quanto se imaginava e, portanto, merecia a proteção estatal, em nome do valor cultural nela contido. Citou, em favor da tese que defendia, o artigo 215 da Constituição Federal, que obriga ao Estado apoiar as manifestações culturais[12].

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o caso, entendeu que a obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não afasta a necessidade de observar a norma constitucional que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade, de modo que a “farra do boi” não seria constitucionalmente aceitável[13].

Imagem da “farra do boi” em Santa Catarina. O evento foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal após ficar comprovado que era demasiadamente cruel aos animais. Na foto, o animal é o boi.

No mesmo sentido, o STF já declarou a inconstitucionalidade de normas estaduais que regulamentavam a chamada “briga de galo”, entendendo que essa prática violaria o dever estatal previsto no artigo 225, §1º, inc. VII, da CF/88:

“CONSTITUCIONAL. MEIO-AMBIENTE. ANIMAIS: PROTEÇÃO: CRUELDADE. “BRIGA DE GALOS”.

I. – A Lei 2.895, de 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar e disciplinar a realização de competições entre “galos combatentes”, autoriza e disciplina a submissão desses animais a tratamento cruel, o que a Constituição Federal não permite: C.F., art. 225, § 1º, VII.

II. – Cautelar deferida, suspendendo-se a eficácia da Lei 2.895, de 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro”[14].

Apesar de tudo isso, não se pode dizer que os animais sejam titulares de direitos fundamentais. Eles são, na verdade, objetos de tutela constitucional e, portanto, constituem bens de valor jurídico a serem protegidos pelo fato de possuírem atributos de seres vivos, mas não são propriamente sujeitos de direitos, pelo menos sob a ótica do direito constitucional brasileiro, que não possui qualquer norma que leve a essa conclusão. Aqui, a Constituição é centrada no ser humano, embora isso não retire a legitimidade da luta pela inclusão de todos os seres vivos como merecedores de determinados direitos, algo ainda a ser conquistado.


[1] GLEISER, Marcelo. A Dança do Universo – dos mitos de criação ao big-bang. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 353.

[2] SINGH, Simon. Big Bang. São Paulo: Editora RCB, 2006, p. 439.

[3] BRYSON, Bill. Uma Breve História de Quase Tudo. São Paulo: Quetzal Editores, 2004, p. 484. Para ilustrar a dimensão irrisória da participação humana no Planeta Terra, Marcelo Gleiser faz a seguinte ilustração: vamos imaginar que a Terra não tenha 4,6 bilhões de anos, mas apenas 46 anos. Nessa escala, nada podemos afirmar concretamente sobre a vida na primeira década de existência da Terra. A vida surgiu há pelo menos 35 anos, quando a Terra tinha onze anos. Montanhas e oceanos se formaram, e durante muito tempo a vida permaneceu em seu estado primitivo. Seres multicelulares surgiram há vinte anos. A vida floresceu nos oceanos há apenas seis anos, e saiu da água há quatro. Plantas e animais dominaram a superfície há dois anos. Os dinossauros atingiram o auge de sua existência há um ano, e quatro meses depois estavam extintos. Macacos humanóides se transformaram em humanóides macacos na semana passada, e a última Idade do Gelo ocorreu há alguns dias. Nossa espécie – Homo sapiens – surgiu cerca de uma hora atrás. E a renascença, junto com nossos heróis, Copérnico, Galileu, Kepler e Newton, aconteceu há apenas três minutos! (GLEISER, Marcelo. Poeira das Estrelas. Rio de Janeiro: editora Globo, 2006, p. 224/225).

[4] BRYSON, Bill. Uma Breve História de Quase Tudo. São Paulo: Quetzal Editores, 2004, p. 12.

[5] SINGH, Simon. Big Bang. São Paulo: Editora RCB, 2006, p. 451.

[6] SINGH, Simon. Big Bang. São Paulo: Editora RCB, 2006, p. 451. O filósofo canadense John Leslie imaginou o cenário do pelotão de fuzilamento para elucidar o princípio antrópico. Imagine que você foi acusado de traição e está esperando para ser executado diante de um pelotão de vinte soldados. Você ouve a ordem para disparar, vê os vinte fuzis atirararem e então percebe que nenhuma bala o atingiu. A lei diz que você pode ir embora, livre, em tal situação, mas, à medida que caminha para liberdade, começa a se perguntar por que ainda está vivo. Será que todas as balas erraram por acaso? Será que esse tipo de coisa acontece uma vez a cada 10 mil execuções, ou você apenas teve muita sorte? Ou haveria um motivo por trás de sua sobrevivência? Será que todos os vinte integrantes do pelotão de fuzilamento erraram deliberadamente porque acreditavam na sua inocência? Ou será que, quando as miras dos fuzis foram calibradas na noite anterior houve um erro de alinhamento, de modo que todos os fuzis dispararam dez graus para a direita do alvo? Você pode passar o resto da sua vida presumindo que a execução fracassada foi produto apenas acaso, mas será difícil não associar algum significado mais profundo à sua sobrevivência. (SINGH, Simon. Big Bang. São Paulo: Editora RCB, 2006, p. 451/2).

[7] BRYSON, Bill. Uma Breve História de Quase Tudo. São Paulo: Quetzal Editores, 2004, p. 12.

[8] GLEISER, Marcelo. Poeira das Estrelas. Rio de Janeiro: editora Globo, 2006, p. 275.

[9] Para uma visão interessante em defesa da dignidade dos animais, vale a leitura do polêmico livro: SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

[10] STF, RE 153541-1-SC, rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio.

[11] São elas: APANDE – Associação Amigos de Petrópolis – Patrimônio, Proteção aos Animais, Defesa da Ecologia; LDZ – Liga de Defesa dos Animais; SOZED – Sociedade Zoológica Educativa; e APA – Associação Protetora dos Animais.

[12] Eis o texto constitucional: “Art. 215 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

[13] A ementa do acórdão é a seguinte: “COSTUME – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ESTÍMULO – RAZOABILIDADE – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – ANIMAIS – CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inc. VII do art. 225 da Constituição Federal, no que veda a prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ‘farra do boi’ (STF, RE 153541-1-SC, rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio)”. Veja-se trecho do voto do Min. Marco Aurélio, relator para o acórdão, que sintetiza o argumento vencedor: “[…] é justamente a crueldade o que constatamos ano a ano, ao acontecer o que se aponta como folguedo sazonal. A manifestação cultural deve ser estimulada, mas não a prática cruel. Admitida a chamada ‘farra do boi’, em que uma turba ensandecida vai atrás do animal para procedimentos que estarrecem, como vimos, não há poder de polícia que consiga coibir esse procedimento. Não vejo como chegar-se à posição intermediária. A distorção alcançou tal ponto que somente uma medida que obstaculize terminantemente a prática pode evitar o que verificamos neste ano de 1997. O Jornal da Globo mostrou um animal ensangüentado e cortado invadindo uma residência e provocando ferimento em quem se encontrava no interior. Entendo que a prática chegou a um ponto a atrair, realmente, a incidência do disposto no inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal. Não se trata, no caso, de uma manifestação cultural que mereça o agasalho da Carta da República. Como disse no início de meu voto, cuida-se de uma prática cuja crueldade é ímpar e decorre das circunstâncias de pessoas envolvidas por paixões condenáveis buscarem, a todo custo, o próprio sacrifício do animal”.

[14] STF, ADI n. 1856/MC, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 22/09/2000.

Ainda a eficácia horizontal dos direitos fundamentais: respostas às perguntas

A palestra de ontem, sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, foi bastante interessante e gerou muita controvérsia e perguntas, o que é natural, pois o tema é, de fato, bem complexo e empolgante. Procurei dar uma visão um pouco mais descontraída e, talvez por isso, recebi muitas indagações sobre temas que, propositadamente, não aprofundei, tendo em vista os limites de uma palestra de uma hora. Por isso, vou tentar aqui responder algumas questões que recebi tanto por e-mail quanto por bilhete.

Comecei falando sobre o caso do lançamento de anão e descrevi a decisão prevalecente no sentido de que a dignidade do anão foi considerada como um valor mais importante do que a sua autonomia privada. Ou seja, o anão não seria livre para decidir ser tratado como mero objeto de diversão. Embora eu não tenha dito na palestra, digo aqui que concordo com a solução.

Se o senhor Wackhehein (o anão) não fosse anão, mas uma pessoa de estatura normal, ele poderia, na minha ótica, realizar aquele trabalho. Se ele quisesse ser lançado para deleite de bebuns, isso seria problema seu. No entanto, sendo anão, o problema não se restringe à dignidade dele, mas de toda uma categoria social já tão estigmatizada.

Isso não lhe retira, contudo, o direito à sobrevivência. Entendo que, a partir do instante em que o Estado impede o anão de trabalhar sem lhe dar outra opção, nasce para ele o direito subjetivo de exigir um benefício assistencial ou previdenciário, conforme o caso, até ele conseguir uma nova ocupação. O Estado não lhe pode negar o direito ao mínimo existencial.

Dentro dessa mesma discussão, alguém perguntou sobre a situação das prostitutas. Não deveria também ser proibida já que se trata de uma atividade degradante?

A pergunta lembra muito o caso do “peep-show”, onde a Corte Constitucional alemã entendeu que o “peep-show” violaria a dignidade da pessoa humana e, portanto, deveria ser proibido. Na argumentação, o TCF decidiu que “a simples exibição do corpo feminino não viola a dignidade humana; assim, pelo menos em relação à dignidade da pessoa humana, não existe qualquer objeção contra as performances de strip-tease de um modo geral”. Já os Peep-shows – argumentaram os velhinhos do Tribunal – “são bastante diferentes das performances de strip-tease. No strip-tease, existe uma performance artística. Já em um peep-show a mulher é colocada em uma posição degradante. Ela é tratada como um objeto… para estímulo do interesse sexual dos expectadores”.

Explicou ainda o TCF que a violação da dignidade não seria afastada ou justificada pelo fato de a mulher que atua em um “peep-show” estar ali voluntariamente. Afinal, “a dignidade da pessoa humana é um objetivo e valor inalienável, cujo respeito não pode ficar ao arbítrio do indivíduo”.

De minha parte, não concordo com a decisão tomada pela Corte Constitucional alemã. De duas uma: ou se proíbe também o strip-tease ou se libera tudo. Não consigo enxergar, como fizeram os velhinhos do Tribunal alemão, diferença substancial entre o peep-show e o strip-tease. Se bem que não tive acesso à prova dos autos… :-)

Na minha ótica, se se tratar de mulher adulta, com plena capacidade de discernimento, que esteja realizando aquela atividade por livre e espontânea vontade, sem pressão psicológica, financeira ou física, não vejo como não respeitar a autonomia da vontade.

E o argumento que utilizei do caso do lançamento de anão não se aplica aqui, a não ser que se proíba também o strip-tease que, igualmente, coloca a mulher como mero objeto de prazer sexual. Não é pelo fato de uma ou outra mulher optar por trabalhar como dançarina de strip-tease ou de peep-show que os homens irão vincular todas as mulheres à atividade.

Aqui, há uma substancial diferença com o lançamento de anão: os anões já são estigmatizados como meros objetos de diversão, o que não pode ser tolerado pelo Estado. Quando se vê um anão caminhando na rua, o imaginário popular imediatamente o vincula a atividades de mera diversão, como o trabalho em circos ou em programas de humor. O mesmo não ocorre com as mulheres. Quando se vê uma mulher caminhando, não há uma necessária vinculação com a prostituição ou com atividades de cunho sexual. O estigma não é tão forte.

Portanto, se uma mulher (ou um homem) deseja realizar atividades como o do peep-show, não vejo como impedi-la(lo). É um trabalho como outro qualquer, a não ser que a pessoa esteja ali contra a sua vontade.

Outra questão que levantou polêmica foi a pergunta que fiz só para contextualizar a discussão. Ei-la: um pai pode deixar de contemplar um filho no seu testamento, na parte disponível, por ser ele homossexual? Deve prevalecer a vontade do pai, que é dono do seu patrimônio e faz dele o que bem quiser, ou a norma constitucional que proíbe a discriminação?

Não tenho resposta para essa pergunta. Mas ela levou a algumas indagações: o pai pode mesmo fazer o que quiser com o seu patrimônio? A propriedade não tem que observar uma função social? Não seria melhor o pai simplesmente não dizer os seus motivos?

Meus comentários: é lógico que a propriedade tem que cumprir a sua função social. Mas se o pai resolver queimar o seu dinheiro quem pode impedi-lo? Se ele resolver doar seu patrimônio para a Igreja ao invés de dar para o filho, também não estaria cumprindo uma função social? Ou seja, a exigência de função social não resolveria o problema em questão.

Segundo ponto: a questão da dissimulação dos motivos. Ora, o interessante da eficácia horizontal é justamente saber se a pessoa pode abrir o jogo, dentro da sua autonomia privada, e dizer com sinceridade qual a sua opinião. Se o pai não disser os motivos, é lógico que o testamento não é nulo. Afinal, a sua vontade deve prevalecer. Mas e se ele disser os motivos? É essa a magia da teoria da eficácia horizontal. Se você entender que os direitos fundamentais têm essa força tremenda de violar até a consciência do pai, então o testamento é nulo. Se você entender que, nesse caso, a autonomia da vontade é mais importante do que a não-discriminação, o testamento é válido. Não tenho resposta para esse dilema.

Mais uma coisa.

Afirmei na palestra algo que já havia dito aqui no blog: em caso de colisão de direitos, fatalmente um dos dois valores colidentes terá que ceder, caso não seja possível harmonizá-los. Isso causou estranheza em alguns alunos: então quer dizer que os direitos fundamentais, mesmo sendo princípios, funcionam na base do tudo ou nada?

Não é bem assim. Vou citar uma frase que talvez esclareça a questão: “é possível que, em casos concretos específicos, após a aplicação da proporcionalidade e de sua terceira sub-regra, a proporcionalidade em sentido estrito (sopesamento/ponderação), nada reste de um determinado direito. Por mais que isso soe estranho e possa passar uma certa sensação de desproteção, isso apenas reflete o que ocorre em vários casos envolvendo direitos fundamentais” (SILVA, Virgílio Afonso. O Conteúdo Essencial dos Direitos Fundamentais e a Eficácia das Normas Constitucionais. In: Revista de Direito do Estado n. 4, Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 44).

Essa frase é do Virgílio Afonso da Silva, um dos principais defensores da teoria dos princípios de Alexy aqui no Brasil.

E para complementar, cito um trecho do meu Curso: “São nessas situações em que a harmonização se mostra inviável que surge a necessidade de sopesamento ou ponderação propriamente dita. O sopesamento/ponderação é, portanto, uma atividade intelectual que, diante de valores colidentes, escolherá qual deve prevalecer e qual deve ceder. E talvez seja justamente aí que reside o grande problema da ponderação: inevitavelmente, haverá um descumprimento parcial ou total de alguma norma constitucional. Quando duas normas constitucionais colidem, fatalmente o juiz decidirá qual a que ‘vale menos’ para ser sacrificada naquele caso concreto” (MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008).

Ora, se há um valor que deve ceder, é natural, portanto, que um princípio deixe de ser aplicado, num dado caso concreto, ainda que a sua validade normativa permaneça íntegra. Quando um princípio “cede”, não significa dizer que ele é inconstitucional, mas apenas que, naquela situação específica, existe outro valor mais importante que o neutraliza e justifica a sua não-aplicação.

E aí se pode perguntar: e como fica a idéia de proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais?

Mais uma vez, me auto-cito a mim mesmo:

“a proteção ao núcleo essencial é uma ferramenta argumentativa contra leis que restrinjam direitos fundamentais. Nenhuma lei pode, abstratamente, restringir um direito fundamental a tal ponto que seu conteúdo fique completamente esvaziado.

Isso não impede, contudo, que, em situações concretas, diante de circunstâncias específicas, o Judiciário, ao sopesar valores em conflito, possa afastar por completo um determinado direito fundamental, atingindo, obviamente, seu núcleo essencial. Essa situação nunca será a ideal, mas, em dadas situações, será inevitável, conforme já visto anteriormente.

Além disso, em situações bastante peculiares, até mesmo a lei poderá eventualmente atingir o núcleo essencial de direitos fundamentais. Há determinados direitos cuja limitação sempre implicará uma restrição total. É o caso, por exemplo, do direito à vida. Quando a Constituição prevê a pena de morte em caso de guerra está atingindo o próprio núcleo essencial do direito à vida. Quando o Código Penal brasileiro autoriza a realização do aborto em caso de gravidez que possa resultar em risco para a vida da gestante está autorizando uma restrição total do direito à vida do feto. Não há como limitar apenas parcialmente o direito à vida.

Por isso, pode-se dizer que o princípio da proteção ao núcleo essencial deve ser sempre associado ao princípio da proporcionalidade. Se uma lei que restringe um determinado direito fundamental é proporcional, então será válida, mesmo que, eventualmente, atinja o núcleo essencial de um dado direito” (MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008).

O post já ficou grande. Então finalizo com a mesma citação contida na parte final do slide:

“Somos o país do ‘elevador de serviço’ para pobres e pretos; do ‘sabe com quem está falando’; dos quartos de empregada sem ventilação, do tamanho de armários nos apartamentos da classe média, reprodução contemporânea do espírito da “casa grande e senzala’” (Daniel Sarmento)

“Somos também o país do analfabetismo, das mortes aguardando atendimento nos hospitais da rede pública, das humilhações no ambiente do trabalho (isso, quando não se está desempregado), dos moradores de rua, da violência insuportável, das fraudes na Previdência Social, do preconceito racial, dos pedintes nos semáforos, da agressão cotidiana ao meio-ambiente” (Adriano Costa).

Por tudo isso, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais representa a “última fronteira” da expansão normativa da Constituição (Bilbao Ubillos) e a única forma de construir uma sociedade mais justa, livre e solidária, tal como imaginado pelo constituinte.

******************

Eis o slide da palestra: Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais

E sobre o mesmo assunto, recomendo a leitura de um dos melhores textos que tratam sobre a eficácia horizontal aqui no Brasil:

COSTA, Adriano. Direitos Fundamentais entre Particulares na Ordem Jurídica Brasileira. Fortaleza: UFC – Dissertação de Mestrado, 2007.

E aí, Drica? Tens algo a dizer sobre o assunto?

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