Dicas de Escrita para a Prova Dissertativa: um roteiro para aprimorar o estilo de linguagem

Depois de ter sofrido todas as dores típicas dos concurseiros, tive a oportunidade de virar de lado, tornando-me avaliador de várias bancas em concursos de altíssimo nível, como a seleção de mestrado, doutorado e professor da Universidade Federal do Ceará e o concurso de juiz federal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Vivenciar os processos seletivos dessa perspectiva é uma experiência fantástica. Além de conhecer pessoas altamente preparadas, acabei desenvolvendo uma expertise em separar os bons dos excelentes. Em determinado momento, depois de corrigir centenas de provas dissertativas, eu era capaz de prever se um candidato seria aprovado pelos outros membros da banca apenas olhando os dois primeiros parágrafos de sua resposta!

Tive esse insight depois de perceber um padrão que está presente nos melhores candidatos. É um padrão sutil, mas poderoso, que salta aos olhos já nas primeiras linhas.

E que padrão é este? O que separa os excepcionais dos meramente bons?

Os melhores candidatos se destacam por saberem apresentar seu conhecimento em uma linguagem correta, clara e elegante. Suas ideias são bem estruturadas, concisas e fáceis de entender. Eles conseguem conectar o leitor com frases bem construídas, demonstrando um domínio pleno da situação.

Na direção oposta, existem alguns candidatos que têm um conhecimento razoável, mas não sabem transmitir as ideias com eficiência. Eles escrevem de modo confuso, desorganizado e mecânico. A impressão que dá é que possuem apenas uma consciência nebulosa do assunto e lutam para formular um pensamento coerente.

Uma boa escrita sinaliza muitas qualidades do escritor. Escrever bem é uma habilidade que exige conhecimento do tema, domínio da língua, vocabulário requintado, capacidade de argumentar e de estruturar ideias, poder de concisão e de clareza, além de um estilo cativante. Só quem se dedica com afinco chega a um nível de excelência capaz de impressionar.

Para desenvolver essa habilidade, há apenas um caminho: praticar, praticar e praticar. Um texto bom é a recompensa por milhares de textos ruins que alguém já produziu ao longo de sua vida.

 Mas a prática sem uma base teórica é contraprodutiva. E a base teórica, sem a prática, é inútil. Um treinamento orientado pelos livros pode ser uma forma muito eficaz – e barata – de aprimorar a escrita.

Usando meu aprendizado como guia, preparei um roteiro para ajudar aqueles que desejam escrever melhor. Não é um guia definitivo, mas um menu degustação, com alguns petiscos bem nutritivos e saborosos.

Está preparado para levar a sua habilidade de escrita para outro nível? Então, siga até o fim.

Dica 1: Aprenda sobre estilo de escrita

Para aprender qualquer coisa, comece pelos fundamentos.

O que posso mostrar aqui é apenas a ponta do iceberg. Para mergulhar mais fundo, a leitura de alguns livros de referência é essencial.

Se você dominar o inglês, comece pelo “The Elements of Style”, de Strunk e White, que costuma ser a base de qualquer estudo sobre escrita. Basta dizer que é considerado o livro de não-ficção mais influente do século XX!

Mas não há prejuízo em começar por outros livros já traduzidos, pois as ideias centrais se repetem, com poucas variações.

Para não abrir tanto o leque, indico dois livros excelentes, na minha ordem de preferência:

1 – “Guia de Escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância”, de Steven Pinker.

2 – “Como Escrever Bem”, de William Zinsser.

Recomendo esses dois livros porque: (1) estão atualizados; (2) explicam o que está por trás das dicas, mostrando exemplos de sua aplicação; (3) focam a escrita científica; (4) foram escritos por quem entende de escrita; (5) possuem uma linguagem deliciosa.

Esses livros têm um propósito semelhante. Eles partem de algumas qualidades que uma boa escrita deve ter (força, clareza, concisão, organização, vivacidade, conexão e elegância) e apresentam exemplos positivos e negativos de como obter esses resultados.

Vou subir nos ombros desses e de outros gigantes para apresentar alguns princípios orientadores que aprendi. Os detalhes mais específicos, com exemplos e aplicações, estão nos livros.

Dica 2: Organize suas ideias antes de escrever

Antes de colocar suas ideias no papel, tenha alguma noção de como você irá estruturar o texto. Faça um plano incluindo todos os tópicos e subtópicos relevantes que você lembrar, com palavras-chave, dados, conceitos, citações, curiosidades, pessoas, exemplos, argumentos, objeções etc. Não precisa ter um quadro completo, pois a tendência é que outras ideias surjam ao longo da escrita.

O ideal é elaborar um mapa mental, uma lista hierárquica ou um organograma para dar uma visão geral do que será apresentado. Nada muito sofisticado. Pode ser feio, confuso e cheio de lacunas, pois é isso que se espera de um esboço inicial. O importante é que você tenha um norte.

Se você não tem qualquer familiaridade com mapas mentais, o livro do Tony Buzan pode ajudar. A lógica é organizar o pensamento como se fosse uma “árvore semântica”. O tronco é o princípio fundamental. Esse tronco se ramifica em galhos maiores, que se dividem em galhos menores, até chegar às folhas, às flores e aos frutos. Comece pelo princípio e depois vá estreitando os detalhes.

Dica 3: Capriche nos primeiros parágrafos

A introdução é a porta de entrada do texto, com o poder de ativar na mente do leitor diversos gatilhos que irão influenciar toda a leitura. Se o início for promissor, a mente do leitor estará preparada para enxergar com mais clareza as qualidades do texto. Se o início for frustrante, o cérebro acionará um alerta para detectar os defeitos. Por isso, gere uma boa impressão nas frases iniciais. Faça com o que o leitor goste de você e se sinta animado para seguir seus passos com simpatia e atenção. Se você conseguir fisgar o leitor em dois ou três parágrafos, o resto flui com muito mais facilidade.

Minha sugestão é que, já no início, haja uma sinalização de tudo o que será tratado ao longo do texto. Esclareça qual é o problema e quais serão os passos lógicos que você dará para resolvê-lo. Seja direto, didático e firme. Não enrole. Vá direto ao ponto, riscando todas as frases e palavras desnecessárias até chegar a uma sem a qual não possa prescindir. E aí que você começa.

Mostre ao leitor que você tem algo a dizer e diga com clareza, concisão e confiança. Faça com que ele sinta o poder da sua autoridade sobre aquele assunto. Sem frases escorregadias, nem sinais de insegurança ou de timidez.

Além disso, seja extremamente cuidadoso com as regras gramaticais. Erros básicos (como separar um sujeito do verbo com vírgula) podem destruir um bom texto. Essa preocupação vale para todo o processo de escrita, mas o esforço deve ser redobrado nos primeiros parágrafos.

Dica 4: Diga não ao estilo forense

Regras de gramática devem ser rigorosamente respeitadas. Já as regras de estilo são meras recomendações. Não há estilo certo ou errado. O que há são estilos que cumprem melhor ou pior a função de comunicar uma ideia em um dado contexto. É uma questão de escolha orientada pela função do texto.

E o que queremos em um texto jurídico?

Queremos expor nossas ideias de modo claro, coerente, conciso, cativante e persuasivo. Se é este o objetivo, não use o estilo forense (juridiquês). A linguagem forense é brochante, artificial e sem calor humano. Ela dá sono, quebrando qualquer possibilidade de conexão com o leitor.

Comece abolindo os arcaísmos, como “outrossim”, “destarte”, “ademais”, “decerto”, “posto que”, “empós”. Faça o mesmo com verbos pernósticos, como “afigurar-se”, “olvidar”, “dessumir”, “agasalhar”, “perscrutar”, “emanar”, “vislumbrar”.

Como sugere Zinsser, “nunca diga por escrito algo que você não se sentiria confortável para dizer em uma conversa”. Você fala “outrossim”? Se não fala, então não escreva.

Do mesmo modo, evite latinismos, tais como “ex vi”, “exempli gratia”, “lex fundamentalis”, “codex”, “sub examine”, “ab initio”, “ad cautelam”, “in casu”, “a priori”. As únicas palavras latinas que merecem ser usadas são aquelas com sentido técnico. Por exemplo: habeas corpus, quorum, erga omnes, ex nunc, ex tunc, ad hoc, pacta sunt cervanda, a quo, prima facie, etc. No mais, sem latim.

Na mesma linha, fuja do vício típico do juridiquês de substituir expressões de uso corrente por expressões que exigem do leitor um esforço de compreensão. Chame a constituição de constituição, o código penal de código penal, a CLT de CLT, petição inicial de petição inicial e assim por diante. Não fique inventando sinônimos como “lex fundamentalis”, “caderno repressor”, “digesto obreiro” ou “exordial”. Supremo Tribunal Federal é Supremo Tribunal Federal e não “Pretório Excelso”.

Também evite adjetivos meramente ornamentais, como “respeitável doutrinador”, “ilustríssimo pensador”, “eminente professor”, “augusto tribunal”, “indigitado artigo”, “malsinada lei”, “vergastada norma”, “conspícuo julgador”.

Outro vício a ser evitado é o uso de formas gramaticais que dão ânsia de vômito em leitores mais sensíveis, como “em se tratando”, “em havendo”, “no que tange”, “é cediço que”, “restou provado”, “em que pesem”, “como sói acontecer”, “mormente”, “não há falar-se”, “indubitavelmente”, “mister se faz”, “impende ressaltar”, “com espeque em”. Argh!

O juridiquês é um vício e não uma necessidade. Seu fundamento é uma tradição ultrapassada de uma época em se acreditava que um discurso vazio, mas cheio de jargões pretensamente eruditos, poderia ter algum valor. Hoje, isso não cola mais. Não há nada que justifique a escolha pelo pior estilo de linguagem já inventado pelo ser humano.

Dica 5: Simplifique sem medo

Pessoas tolas acreditam que escrever difícil é sinal de inteligência. É justamente o contrário. Um texto obscuro demonstra a incapacidade do autor de se comunicar. Portanto, é sempre um indicativo de mediocridade de quem escreve e não de quem lê.

No seu “A Arte de Escrever”, que muito recomendo, Arthur Schopenhauer coloca o dedo na ferida de quem escreve difícil para fingir erudição:

“Não há nada mais fácil do que escrever de tal maneira que ninguém entenda; em compensação, nada mais difícil do que expressar pensamentos significativos de modo que todos compreendam. (…) Quem tem algo digno de menção a ser dito não precisa ocultá-lo em expressões cheias de preciosismos, em frases difíceis e alusões obscuras, mas pode se expressar de modo simples, claro e ingênuo, estando certo com isso de que suas palavras não perderão o efeito. Assim, quem precisa usar os artifícios mencionados antes revela sua pobreza de pensamentos, de espírito e de conhecimento”.

Para dar mais clareza ao texto, você deve escrever como se fosse uma conversa planejada. Poucas pessoas usam expressões rebuscadas em uma conversa. Por isso, opte por uma linguagem simples que seja compreensível.

Uma heurística ou atalho mental na escolha de palavras é a do tamanho: em geral, as palavras curtas são mais simples do que as longas.

Outra heurística é a da disponibilidade: em geral, a primeira palavra que vem à mente é a mais adequada, pois está mais próxima daquilo que você quer dizer. Evite apenas o uso de clichês ou palavras que causam algum incômodo ao ser lida. Ou seja, se você se sentir incomodado com a palavra, troque. E se você não usaria a palavra em uma conversa com seu leitor, não a use na escrita. Simples assim.

Além disso, um bom texto não deve conter adornos inúteis. Cada elemento deve servir a um propósito e contribuir diretamente para a narrativa. As frases não devem conter palavras desnecessárias. Os parágrafos não devem conter frases desnecessárias. As seções não devem conter parágrafos desnecessários. O artigo não deve conter seções desnecessárias.

Não inclua o que não precise ser dito. Submeta cada componente a um teste de utilidade, para saber se preenchem uma necessidade real de estar ali. Essa palavra ou frase ou parágrafo ou seção é importante para transmitir o que estou tentando dizer? Se removê-la, o sentido da mensagem é prejudicado? Posso reformulá-la para torná-la mais curta? Aja de acordo com as respostas. O que for dispensável deve ser cortado, abreviado ou reduzido.

Outra fórmula para simplificar é reduzir as orações. Ao invés de escrever uma frase enorme, opte por várias sentenças concisas. Não é que você deva evitar frases longas a todo custo. Mas apenas usá-las com moderação.

Não há como estabelecer um tamanho ideal de palavras dentro de uma oração. Eu costumo acionar o alerta do corte quando vejo mais de 50 palavras ou três linhas. Em todo caso, o objetivo é a compreensão. Fracione se sentir que a frase está longa, truncada e confusa. Mas se a frase estiver limpa, fluida e clara, deixe como está, por mais longa que seja.

Ao fracionar uma oração, lembre-se que cada frase deve ser adaptada para não perder a estrutura gramaticalmente correta. Não basta simplesmente colocar um ponto no lugar da vírgula. Leia cada frase de forma independente e veja se ela conserva um sentido semântico.

Quase todos os guias de estilo recomendam a exclusão do que não é essencial. Por isso, não tenha pena de “matar seus queridinhos”. Stephen King até brinca com uma fórmula que ele recebeu em uma crítica e passou a adotar: 2a Versão = 1a Versão – 10%. William Zinsser vai além e sugere que o escritor deve cortar 50% do texto na primeira revisão e mais 10% na terceira revisão.

Seja como for, o segredo é podar os excessos, deixando o texto com os seus componentes essenciais. Transmitir o máximo de informações com o mínimo de letras é o grande desafio. Menos é mais.

Dica 6: Cuidado com a maldição do conhecimento

O escritor é um telepata. Ele precisa transferir uma ideia que está na sua cabeça para a cabeça de outro ser humano, usando apenas palavras. Sua tarefa é levar o leitor, passo a passo, a uma condição de não saber nada sobre um assunto até um ponto em que ele é capaz de entender e ampliar seu horizonte.

A posição do leitor também é difícil. Ele deve ler algumas palavras, codificar o seu significado e reconstruir o pensamento do escritor em sua própria mente. É um esforço que demanda tempo, energia, atenção, interesse e várias capacidades de compreensão.

O principal risco nesse processo chama-se maldição do conhecimento, que nada mais é do que a ilusão de pressupor que o leitor possui um conhecimento prévio para entender tudo o que está sendo dito.

A maldição do conhecimento ocorre porque, quanto mais conhecemos alguma coisa, menos nos lembramos de como foi difícil aprendê-la. Isso pode fazer com que o escritor atropele algumas etapas do raciocínio na hora de transmitir a mensagem e acabe suprimindo algumas informações necessárias que, para ele (escritor), parecem óbvias, mas que o leitor talvez não conheça.

Para evitar a maldição do conhecimento, é preciso se colocar na posição do leitor e ter consciência de que ele não sabe o que se passa na sua cabeça e provavelmente não leu o mesmo conteúdo que você leu.

Por isso, procure facilitar a vida do leitor. Não tenha receio de ser didático, explicando exatamente o que você pretende dizer com aquelas palavras e narrando os passos que você dará para chegar à conclusão que pretende oferecer. Como explica Pinker, “poupe os leitores de esbanjarem preciosos momentos de vida com a decifração de uma prosa opaca”.

Pense no texto como uma pirâmide invertida, em que cada camada amplia o conhecimento do leitor. Só passe para a próxima camada quando estiver seguro de que o leitor captou as informações necessárias para dar o próximo passo.

Se necessário, guie didaticamente o leitor para que ele possa acompanhar as suas ideias. Por exemplo, ao apresentar os argumentos a favor de uma tese, escreva algo assim: “Os principais argumentos a favor da tese X são os argumentos Y, Z e W. O argumento Y é defendido por Fulano de Tal e pode ser assim explicado...”.

Na apresentação das ideias, organize os elementos de modo que as informações mais fáceis de entender venham antes das mais difíceis. O que for familiar, conhecido e simples deve vir antes do que for novidade, desconhecido e complexo.

Só use siglas após explicar o significado da sigla, mesmo que seja uma sigla comum. Por exemplo, na primeira vez em que for mencionar o Supremo Tribunal Federal, não use de cara a sigla STF. Use Supremo Tribunal Federal (STF) e só depois passe a designar o STF pela sigla.

A mesma lógica se aplica quando você mencionar algum conceito pouco conhecido. Embora o significado do conceito possa parecer óbvio para você que estudou o tema a fundo, provavelmente não é tão óbvio para o leitor. Por isso, se é a primeira vez que o conceito é mencionado, explique o seu significado.

Em síntese, coloque uma ideia depois da outra, em uma narrativa lógica, ordenada e sequencial. E seja explícito e direto quanto ao seu propósito e sobre as ideias que você defende. Um texto científico não deve conter saltos fantasiosos, argumentos implícitos ou clima de mistério.

Dica 7: Instigue o sentido de visão do leitor

Steven Pinker sugere que o ato de escrever deve ser como um tipo de conversa em que o escritor dirige a atenção do leitor para alguma coisa no mundo, preferencialmente instigando os sentidos visuais. A metáfora que ele usa é a da escrita como uma janela para o mundo. Eu gosto de pensar no ato de escrever como um passeio de mãos dadas por um museu, em que o escritor vai mostrando os quadros para um observador interessado.

Esse apelo ao visual pode ser feito de várias formas: (1) utilização de verbos de sinalização que evoquem o senso de visão do leitor (mostrar, olhar, ver); (2) preferência por expressões mais concretas, mais vívidas e mais específicas que permitam ao leitor formar imagens visuais; (3) uso de exemplos com referência ao mundo real, narrando acontecimentos em que pessoas fazem coisas; (4) construção de metáforas e analogias visuais; (5) apresentação de ideias complexas em diferentes pontos de vista.

O objetivo é tornar as coisas mais fáceis de entender. Quando conseguimos levar o leitor a ler com os olhos da mente, ativamos o sentido mais poderoso do cérebro humano e criamos as melhores condições para a recepção da mensagem.

Dica 8: Construa frases amigáveis

O cérebro está preparado para compreender uma estrutura de frase que começa com um sujeito seguido de um verbo. Esse é o modo padrão que o cérebro enxerga o mundo e adota para codificar um texto. Ao violar esse esquema, você frustrará as expectativas do leitor e o forçará a um esforço de compreensão, aumentando os riscos de falha na transmissão da mensagem.

Por isso, o melhor é manter, sempre que possível, a estrutura sujeito – verbo – predicado para transmitir uma ideia. Além disso, procure colocar o sujeito próximo ao início da frase para o que o leitor descubra, rapidamente, quem é ele.

Do mesmo modo, não intercale muitas palavras entre o sujeito e o verbo. Quando fazemos isso, não só aumentamos o risco de erros de concordância, mas também dificultamos a vida do leitor, que terá que fazer um esforço mental para aproximar os dois principais componentes da frase.

Tudo isso pode ser resumido em uma dica: escreva para os outros como você gostaria que os outros escrevessem pra você. Se você não gosta de uma frase fora de ordem e repleta de intercalações, não entregue isso ao seu leitor.

Dica 9: Saiba usar o jogo de vozes

Compare as duas frases abaixo:

(1) “evite a voz passiva”;

(2) “a voz passiva deve ser evitada”.

A primeira opção é mais direta, mais eficiente e mais fácil de entender, porque se aproxima mais de uma conversa. E o cérebro humano está equipado para captar as informações transmitidas no formato de uma conversa. É a mesma lógica do tópico anterior, em que você deve preferir a opção que seja mais fácil de codificar.

Além disso, um texto precisa transmitir segurança. E a voz passiva é escorregadia, sem força, tímida. Geralmente, ela é usada para esconder o sujeito real, tornando o texto mais impessoal e monótono.

Mas há alguns contextos em que a voz passiva pode ser usada.

O leitor tende a focar a sua atenção no sujeito da frase. Se o texto diz “o cão mordeu a criança” (voz ativa), cria-se na mente do leitor a imagem de um cachorro mordendo uma criança. O cão é o personagem principal.

Por outro lado, se o texto diz “a criança foi mordida pelo cão” (voz passiva), a primeira coisa que virá à mente do leitor é a imagem de uma criança sendo atacada por um cachorro. A criança se torna o personagem principal.

Apesar de ser exatamente a mesma cena, o uso da voz ativa ou da voz passiva pode provocar uma mudança de foco, dando ao escritor poder sobre a perspectiva que o leitor adotará.

Isso é bem legal. Quem explica com maestria é Steven Pinker.

Dica 10: Saiba conectar frases e ideias

Um texto deve ser como uma rede de ideias que se expande. O ideal é que essa expansão ocorra de modo orgânico, levando o leitor a acompanhar com atenção cada tópico abordado, sem quebras de raciocínio. O uso de palavras de sinalização, de transição e de conexão pode facilitar esse processo.

Se perceber que a mudança de tópicos não está ocorrendo de modo fluido, faça uma breve retrospectiva do que foi visto no tópico anterior, indicando logo em seguida o será visto naquele momento (por exemplo: “Vimos no tópico anterior os principais argumentos contra a tese X. Neste tópico, veremos os argumentos a favor da tese X”). Mas não abuse muito para não tornar o texto cansativo.

Outra opção é usar perguntas que antecipam o tema a ser abordado para instigar a curiosidade do leitor. Quer saber como conectar ideias? Basta saber usar os conectores apropriados ou palavras de transição para dar uma maior fluidez ao texto.

Palavras de transição (ou conectores) indicam qual é a relação entre duas frases. Por exemplo, a expressão “por exemplo” está indicando que a presente frase é uma ilustração da anterior.

Quando estiver usando conectores, prefira os simples aos rebuscados. A linguagem cotidiana está cheia deles. Aqui uma lista exemplificativa:

(a) conectores de adição ou de reforço para acrescentar uma nova ideia: além disso”, “do mesmo modo”, “de igual forma”, “além do mais”, “no mesmo sentido” etc.). É recomendável usar também para esse fim conectores que sinalizam uma sequência (“em primeiro lugar”, “segundo”, “por último”) ou a elegante fórmula “não só/mas também”;

(b) conectores de contraste para refutar um argumento ou mudar a linha argumentativa: “mas”, “por outro lado”, “apesar disso”, “no entanto”, “em sentido oposto”;

(c) conectores de conclusão para fechar um raciocínio: “portanto”, “desse modo”, “em conclusão”, “logo”, “dessa forma”;

(d) conectores de ênfase para reforçar uma ideia: “a propósito”, “aliás”;

(e) conectores de esclarecimento para explicar a mesma ideia de um ângulo diferente: “em outras palavras…”, “dito de outro modo”, “ou seja”, “explicando melhor”. (Evite, contudo, a mera redundância. Não basta inverter a ordem da frase ou substituir algumas expressões. A ideia é, de fato, mudar a perspectiva da explicação para que o leitor possa ter uma visão mais ampla da ideia que está sendo apresentada).

Um teste prático para medir a conexão entre as frases e parágrafos é ler o texto em voz alta ou mentalmente. Se a leitura for fluida, é um bom sinal. Se for truncada, é melhor reescrever até chegar a um resultado satisfatório.

Dica Bônus: Dê elegância ao texto

A elegância importa. Um texto frio não gera interesse. E um texto desinteressante dificulta a comunicação, porque dispersa o leitor.

O segredo da elegância é estruturar bem as ideias, escolher as palavras certas e dar ritmo ao texto. Isso tende a ocorrer no processo de revisão, quando reconstruímos mentalmente cada frase até encontrar o encaixe perfeito.

É difícil explicar como ocorre esse processo de reconstrução mental, porque é introspectivo. É uma conversação interna entre o escritor e o texto, em que são simuladas várias opções de estilo até chegar a uma que agrade. É um jogo de tentativa e erro com a substituição e corte de palavras, reconstrução e quebra de frases, mudança de pontuação, correção gramatical e várias outras estratégias para dar mais clareza, coerência e musicalidade ao texto. Esse talvez seja o trabalho mais árduo do escritor, e onde a experiência conta mais.

Mas há algumas dicas que podem ser usadas deliberadamente para ir pegando jeito.

Uma delas é a regra de 3 da comunicação.

A regra de 3 é uma fórmula simples, elegante e poderosa. Quando usamos essa regra, tornamos a nossa ideia mais fluida, mais efetiva e mais memorável.

E o que é a regra de 3?

É uma técnica de estilo em que o comunicador usa três palavras ou frases para expressar a ideia que pretende transmitir. “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. “Simples, elegante e poderosa”.

Mas não abuse colocando sinônimos só pra cumprir a regra. O objetivo não é ser repetitivo, mas acrescentar valor com ritmo. Um texto não precisa ser simples, fácil e descomplicado. Basta ser simples.

Outra dica é escrever como se estivesse compondo uma música. Gary Provost mostra como fazer:

“Esta frase tem cinco palavras. Aqui estão mais cinco palavras. Frases com cinco palavras estão bem. Mas várias juntas tornam-se monótonas. Ouve o que está a acontecer. A escrita começa a ficar aborrecida. O som começa a afogar-se. É como um disco riscado. O ouvido exige alguma variedade.

Agora ouça. Eu vario o comprimento da frase e crio música. Música. A escrita canta. Tem um ritmo agradável, uma melodia, uma harmonia. Eu uso frases curtas. Eu uso frases de médio comprimento. E, por vezes, quando tenho a certeza de que o leitor está calmo, eu envolvo-o com uma frase de um comprimento considerável, uma frase cuja energia queima, construindo com todo o ímpeto de um crescendo, o rufar dos tambores, o bater dos címbalos – sons que dizem ‘Ouça isto’, isto é importante.

Assim, escreva com uma combinação de frases curtas, médias e longas. Crie um som que agrada ao ouvido do leitor. Não escreva apenas palavras. Escreva música”.

Por último, uma dica poética de Eduardo Affonso: use proparoxítonas. É uma dica que viola o princípio da simplicidade, mas produz elegância. Confira:

“As proparoxítonas são o ápice da cadeia alimentar do léxico. (…)

Sob qualquer ângulo, a proparoxítona tem mais crédito.
É inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o vândalo.
O inclinado e o íngreme. O irregular e o áspero. O grosso e o ríspido. O brejo e o pântano. O quieto e o tímido. (…)

Quer causar um impacto insólito? Elogie com proparoxítonas.
É como se o elogio tivesse mais mérito, tocasse no mais íntimo.
O sujeito pode ser bom, competente, talentoso, inventivo – mas não há nada como ser considerado ótimo, magnífico, esplêndido. (…)”.

Fantástico!

Pronto. Fiz a minha parte. O resto é com você. Como qualquer soft skill, o domínio da escrita depende de um esforço deliberado, consistente e disciplinado. Saiba apenas que o esforço compensará, porque uma boa escrita abre muitas portas, inclusive a da aprovação!

PS. Toda sexta, publico uma newsletter gratuita com várias dicas para aprimorar a inteligência. Quer conhecer a Brain Hacks? É só cadastrar seu melhor email e conferir.

Aqui a relação dos livros citados e consultados:

The Elements of Style”, de William Strunk e E. B. White

“Guia de Escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância”, de Steven Pinker

“Como Escrever Bem”, de William Zinsser

“Sobre a Escrita”, de Stephen King

“A Arte de Escrever” – Arthur Schopenhauer

“Mapas Mentais” – Tony Buzan

“100 ways to improve your writing: proven Professional techniques for writing with style and Power” – Gary Provost

“Style: Lessons in Clarity and Grace” – Joseph M. Williams

Depois de ter sofrido todas as dores típicas dos concurseiros, tive a oportunidade de virar de lado, tornando-me avaliador de várias bancas em concursos de altíssimo nível, como a seleção de mestrado, doutorado e professor da Universidade Federal do Ceará e o concurso de juiz federal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Vivenciar os processos seletivos dessa perspectiva é uma experiência fantástica. Além de conhecer pessoas altamente preparadas, acabei desenvolvendo uma expertise em separar os bons dos excelentes. Em determinado momento, depois de corrigir centenas de provas dissertativas, eu era capaz de prever se um candidato seria aprovado pelos outros membros da banca apenas olhando os dois primeiros parágrafos de sua resposta!

Tive esse insight depois de perceber um padrão que está presente nos melhores candidatos. É um padrão sutil, mas poderoso, que salta aos olhos já nas primeiras linhas.

E que padrão é este? O que separa os excepcionais dos meramente bons?

Os melhores candidatos se destacam por saberem apresentar seu conhecimento em uma linguagem correta, clara e elegante. Suas ideias são bem estruturadas, concisas e fáceis de entender. Eles conseguem conectar o leitor com frases bem construídas, demonstrando um domínio pleno da situação.

Na direção oposta, existem alguns candidatos que têm um conhecimento razoável, mas não sabem transmitir as ideias com eficiência. Eles escrevem de modo confuso, desorganizado e mecânico. A impressão que dá é que possuem apenas uma consciência nebulosa do assunto e lutam para formular um pensamento coerente.

Uma boa escrita sinaliza muitas qualidades do escritor. Escrever bem é uma habilidade que exige conhecimento do tema, domínio da língua, vocabulário requintado, capacidade de argumentar e de estruturar ideias, poder de concisão e de clareza, além de um estilo cativante. Só quem se dedica com afinco chega a um nível de excelência capaz de impressionar.

Para desenvolver essa habilidade, há apenas um caminho: praticar, praticar e praticar. Um texto bom é a recompensa por milhares de textos ruins que alguém já produziu ao longo de sua vida.

 Mas a prática sem uma base teórica é contraprodutiva. E a base teórica, sem a prática, é inútil. Um treinamento orientado pelos livros pode ser uma forma muito eficaz – e barata – de aprimorar a escrita.

Usando meu aprendizado como guia, preparei um roteiro para ajudar aqueles que desejam escrever melhor. Não é um guia definitivo, mas um menu degustação, com alguns petiscos bem nutritivos e saborosos.

Está preparado para levar a sua habilidade de escrita para outro nível? Então, siga até o fim.

Dica 1: Aprenda sobre estilo de escrita

Para aprender qualquer coisa, comece pelos fundamentos.

O que posso mostrar aqui é apenas a ponta do iceberg. Para mergulhar mais fundo, a leitura de alguns livros de referência é essencial.

Se você dominar o inglês, comece pelo “The Elements of Style”, de Strunk e White, que costuma ser a base de qualquer estudo sobre escrita. Basta dizer que é considerado o livro de não-ficção mais influente do século XX!

Mas não há prejuízo em começar por outros livros já traduzidos, pois as ideias centrais se repetem, com poucas variações.

Para não abrir tanto o leque, indico dois livros excelentes, na minha ordem de preferência:

1 – “Guia de Escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância”, de Steven Pinker.

2 – “Como Escrever Bem”, de William Zinsser.

Recomendo esses dois livros porque: (1) estão atualizados; (2) explicam o que está por trás das dicas, mostrando exemplos de sua aplicação; (3) focam a escrita científica; (4) foram escritos por quem entende de escrita; (5) possuem uma linguagem deliciosa.

Esses livros têm um propósito semelhante. Eles partem de algumas qualidades que uma boa escrita deve ter (força, clareza, concisão, organização, vivacidade, conexão e elegância) e apresentam exemplos positivos e negativos de como obter esses resultados.

Vou subir nos ombros desses e de outros gigantes para apresentar alguns princípios orientadores que aprendi. Os detalhes mais específicos, com exemplos e aplicações, estão nos livros.

Dica 2: Organize suas ideias antes de escrever

Antes de colocar suas ideias no papel, tenha alguma noção de como você irá estruturar o texto. Faça um plano incluindo todos os tópicos e subtópicos relevantes que você lembrar, com palavras-chave, dados, conceitos, citações, curiosidades, pessoas, exemplos, argumentos, objeções etc. Não precisa ter um quadro completo, pois a tendência é que outras ideias surjam ao longo da escrita.

O ideal é elaborar um mapa mental, uma lista hierárquica ou um organograma para dar uma visão geral do que será apresentado. Nada muito sofisticado. Pode ser feio, confuso e cheio de lacunas, pois é isso que se espera de um esboço inicial. O importante é que você tenha um norte.

Se você não tem qualquer familiaridade com mapas mentais, o livro do Tony Buzan pode ajudar. A lógica é organizar o pensamento como se fosse uma “árvore semântica”. O tronco é o princípio fundamental. Esse tronco se ramifica em galhos maiores, que se dividem em galhos menores, até chegar às folhas, às flores e aos frutos. Comece pelo princípio e depois vá estreitando os detalhes.

Dica 3: Capriche nos primeiros parágrafos

A introdução é a porta de entrada do texto, com o poder de ativar na mente do leitor diversos gatilhos que irão influenciar toda a leitura. Se o início for promissor, a mente do leitor estará preparada para enxergar com mais clareza as qualidades do texto. Se o início for frustrante, o cérebro acionará um alerta para detectar os defeitos. Por isso, gere uma boa impressão nas frases iniciais. Faça com o que o leitor goste de você e se sinta animado para seguir seus passos com simpatia e atenção. Se você conseguir fisgar o leitor em dois ou três parágrafos, o resto flui com muito mais facilidade.

Minha sugestão é que, já no início, haja uma sinalização de tudo o que será tratado ao longo do texto. Esclareça qual é o problema e quais serão os passos lógicos que você dará para resolvê-lo. Seja direto, didático e firme. Não enrole. Vá direto ao ponto, riscando todas as frases e palavras desnecessárias até chegar a uma sem a qual não possa prescindir. E aí que você começa.

Mostre ao leitor que você tem algo a dizer e diga com clareza, concisão e confiança. Faça com que ele sinta o poder da sua autoridade sobre aquele assunto. Sem frases escorregadias, nem sinais de insegurança ou de timidez.

Além disso, seja extremamente cuidadoso com as regras gramaticais. Erros básicos (como separar um sujeito do verbo com vírgula) podem destruir um bom texto. Essa preocupação vale para todo o processo de escrita, mas o esforço deve ser redobrado nos primeiros parágrafos.

Dica 4: Diga não ao estilo forense

Regras de gramática devem ser rigorosamente respeitadas. Já as regras de estilo são meras recomendações. Não há estilo certo ou errado. O que há são estilos que cumprem melhor ou pior a função de comunicar uma ideia em um dado contexto. É uma questão de escolha orientada pela função do texto.

E o que queremos em um texto jurídico?

Queremos expor nossas ideias de modo claro, coerente, conciso, cativante e persuasivo. Se é este o objetivo, não use o estilo forense (juridiquês). A linguagem forense é brochante, artificial e sem calor humano. Ela dá sono, quebrando qualquer possibilidade de conexão com o leitor.

Comece abolindo os arcaísmos, como “outrossim”, “destarte”, “ademais”, “decerto”, “posto que”, “empós”. Faça o mesmo com verbos pernósticos, como “afigurar-se”, “olvidar”, “dessumir”, “agasalhar”, “perscrutar”, “emanar”, “vislumbrar”.

Como sugere Zinsser, “nunca diga por escrito algo que você não se sentiria confortável para dizer em uma conversa”. Você fala “outrossim”? Se não fala, então não escreva.

Do mesmo modo, evite latinismos, tais como “ex vi”, “exempli gratia”, “lex fundamentalis”, “codex”, “sub examine”, “ab initio”, “ad cautelam”, “in casu”, “a priori”. As únicas palavras latinas que merecem ser usadas são aquelas com sentido técnico. Por exemplo: habeas corpus, quorum, erga omnes, ex nunc, ex tunc, ad hoc, pacta sunt cervanda, a quo, prima facie, etc. No mais, sem latim.

Na mesma linha, fuja do vício típico do juridiquês de substituir expressões de uso corrente por expressões que exigem do leitor um esforço de compreensão. Chame a constituição de constituição, o código penal de código penal, a CLT de CLT, petição inicial de petição inicial e assim por diante. Não fique inventando sinônimos como “lex fundamentalis”, “caderno repressor”, “digesto obreiro” ou “exordial”. Supremo Tribunal Federal é Supremo Tribunal Federal e não “Pretório Excelso”.

Também evite adjetivos meramente ornamentais, como “respeitável doutrinador”, “ilustríssimo pensador”, “eminente professor”, “augusto tribunal”, “indigitado artigo”, “malsinada lei”, “vergastada norma”, “conspícuo julgador”.

Outro vício a ser evitado é o uso de formas gramaticais que dão ânsia de vômito em leitores mais sensíveis, como “em se tratando”, “em havendo”, “no que tange”, “é cediço que”, “restou provado”, “em que pesem”, “como sói acontecer”, “mormente”, “não há falar-se”, “indubitavelmente”, “mister se faz”, “impende ressaltar”, “com espeque em”. Argh!

O juridiquês é um vício e não uma necessidade. Seu fundamento é uma tradição ultrapassada de uma época em se acreditava que um discurso vazio, mas cheio de jargões pretensamente eruditos, poderia ter algum valor. Hoje, isso não cola mais. Não há nada que justifique a escolha pelo pior estilo de linguagem já inventado pelo ser humano.

Dica 5: Simplifique sem medo

Pessoas tolas acreditam que escrever difícil é sinal de inteligência. É justamente o contrário. Um texto obscuro demonstra a incapacidade do autor de se comunicar. Portanto, é sempre um indicativo de mediocridade de quem escreve e não de quem lê.

No seu “A Arte de Escrever”, que muito recomendo, Arthur Schopenhauer coloca o dedo na ferida de quem escreve difícil para fingir erudição:

“Não há nada mais fácil do que escrever de tal maneira que ninguém entenda; em compensação, nada mais difícil do que expressar pensamentos significativos de modo que todos compreendam. (…) Quem tem algo digno de menção a ser dito não precisa ocultá-lo em expressões cheias de preciosismos, em frases difíceis e alusões obscuras, mas pode se expressar de modo simples, claro e ingênuo, estando certo com isso de que suas palavras não perderão o efeito. Assim, quem precisa usar os artifícios mencionados antes revela sua pobreza de pensamentos, de espírito e de conhecimento”.

Para dar mais clareza ao texto, você deve escrever como se fosse uma conversa planejada. Poucas pessoas usam expressões rebuscadas em uma conversa. Por isso, opte por uma linguagem simples que seja compreensível.

Uma heurística ou atalho mental na escolha de palavras é a do tamanho: em geral, as palavras curtas são mais simples do que as longas.

Outra heurística é a da disponibilidade: em geral, a primeira palavra que vem à mente é a mais adequada, pois está mais próxima daquilo que você quer dizer. Evite apenas o uso de clichês ou palavras que causam algum incômodo ao ser lida. Ou seja, se você se sentir incomodado com a palavra, troque. E se você não usaria a palavra em uma conversa com seu leitor, não a use na escrita. Simples assim.

Além disso, um bom texto não deve conter adornos inúteis. Cada elemento deve servir a um propósito e contribuir diretamente para a narrativa. As frases não devem conter palavras desnecessárias. Os parágrafos não devem conter frases desnecessárias. As seções não devem conter parágrafos desnecessários. O artigo não deve conter seções desnecessárias.

Não inclua o que não precise ser dito. Submeta cada componente a um teste de utilidade, para saber se preenchem uma necessidade real de estar ali. Essa palavra ou frase ou parágrafo ou seção é importante para transmitir o que estou tentando dizer? Se removê-la, o sentido da mensagem é prejudicado? Posso reformulá-la para torná-la mais curta? Aja de acordo com as respostas. O que for dispensável deve ser cortado, abreviado ou reduzido.

Outra fórmula para simplificar é reduzir as orações. Ao invés de escrever uma frase enorme, opte por várias sentenças concisas. Não é que você deva evitar frases longas a todo custo. Mas apenas usá-las com moderação.

Não há como estabelecer um tamanho ideal de palavras dentro de uma oração. Eu costumo acionar o alerta do corte quando vejo mais de 50 palavras ou três linhas. Em todo caso, o objetivo é a compreensão. Fracione se sentir que a frase está longa, truncada e confusa. Mas se a frase estiver limpa, fluida e clara, deixe como está, por mais longa que seja.

Ao fracionar uma oração, lembre-se que cada frase deve ser adaptada para não perder a estrutura gramaticalmente correta. Não basta simplesmente colocar um ponto no lugar da vírgula. Leia cada frase de forma independente e veja se ela conserva um sentido semântico.

Quase todos os guias de estilo recomendam a exclusão do que não é essencial. Por isso, não tenha pena de “matar seus queridinhos”. Stephen King até brinca com uma fórmula que ele recebeu em uma crítica e passou a adotar: 2a Versão = 1a Versão – 10%. William Zinsser vai além e sugere que o escritor deve cortar 50% do texto na primeira revisão e mais 10% na terceira revisão.

Seja como for, o segredo é podar os excessos, deixando o texto com os seus componentes essenciais. Transmitir o máximo de informações com o mínimo de letras é o grande desafio. Menos é mais.

Dica 6: Cuidado com a maldição do conhecimento

O escritor é um telepata. Ele precisa transferir uma ideia que está na sua cabeça para a cabeça de outro ser humano, usando apenas palavras. Sua tarefa é levar o leitor, passo a passo, a uma condição de não saber nada sobre um assunto até um ponto em que ele é capaz de entender e ampliar seu horizonte.

A posição do leitor também é difícil. Ele deve ler algumas palavras, codificar o seu significado e reconstruir o pensamento do escritor em sua própria mente. É um esforço que demanda tempo, energia, atenção, interesse e várias capacidades de compreensão.

O principal risco nesse processo chama-se maldição do conhecimento, que nada mais é do que a ilusão de pressupor que o leitor possui um conhecimento prévio para entender tudo o que está sendo dito.

A maldição do conhecimento ocorre porque, quanto mais conhecemos alguma coisa, menos nos lembramos de como foi difícil aprendê-la. Isso pode fazer com que o escritor atropele algumas etapas do raciocínio na hora de transmitir a mensagem e acabe suprimindo algumas informações necessárias que, para ele (escritor), parecem óbvias, mas que o leitor talvez não conheça.

Para evitar a maldição do conhecimento, é preciso se colocar na posição do leitor e ter consciência de que ele não sabe o que se passa na sua cabeça e provavelmente não leu o mesmo conteúdo que você leu.

Por isso, procure facilitar a vida do leitor. Não tenha receio de ser didático, explicando exatamente o que você pretende dizer com aquelas palavras e narrando os passos que você dará para chegar à conclusão que pretende oferecer. Como explica Pinker, “poupe os leitores de esbanjarem preciosos momentos de vida com a decifração de uma prosa opaca”.

Pense no texto como uma pirâmide invertida, em que cada camada amplia o conhecimento do leitor. Só passe para a próxima camada quando estiver seguro de que o leitor captou as informações necessárias para dar o próximo passo.

Se necessário, guie didaticamente o leitor para que ele possa acompanhar as suas ideias. Por exemplo, ao apresentar os argumentos a favor de uma tese, escreva algo assim: “Os principais argumentos a favor da tese X são os argumentos Y, Z e W. O argumento Y é defendido por Fulano de Tal e pode ser assim explicado...”.

Na apresentação das ideias, organize os elementos de modo que as informações mais fáceis de entender venham antes das mais difíceis. O que for familiar, conhecido e simples deve vir antes do que for novidade, desconhecido e complexo.

Só use siglas após explicar o significado da sigla, mesmo que seja uma sigla comum. Por exemplo, na primeira vez em que for mencionar o Supremo Tribunal Federal, não use de cara a sigla STF. Use Supremo Tribunal Federal (STF) e só depois passe a designar o STF pela sigla.

A mesma lógica se aplica quando você mencionar algum conceito pouco conhecido. Embora o significado do conceito possa parecer óbvio para você que estudou o tema a fundo, provavelmente não é tão óbvio para o leitor. Por isso, se é a primeira vez que o conceito é mencionado, explique o seu significado.

Em síntese, coloque uma ideia depois da outra, em uma narrativa lógica, ordenada e sequencial. E seja explícito e direto quanto ao seu propósito e sobre as ideias que você defende. Um texto científico não deve conter saltos fantasiosos, argumentos implícitos ou clima de mistério.

Dica 7: Instigue o sentido de visão do leitor

Steven Pinker sugere que o ato de escrever deve ser como um tipo de conversa em que o escritor dirige a atenção do leitor para alguma coisa no mundo, preferencialmente instigando os sentidos visuais. A metáfora que ele usa é a da escrita como uma janela para o mundo. Eu gosto de pensar no ato de escrever como um passeio de mãos dadas por um museu, em que o escritor vai mostrando os quadros para um observador interessado.

Esse apelo ao visual pode ser feito de várias formas: (1) utilização de verbos de sinalização que evoquem o senso de visão do leitor (mostrar, olhar, ver); (2) preferência por expressões mais concretas, mais vívidas e mais específicas que permitam ao leitor formar imagens visuais; (3) uso de exemplos com referência ao mundo real, narrando acontecimentos em que pessoas fazem coisas; (4) construção de metáforas e analogias visuais; (5) apresentação de ideias complexas em diferentes pontos de vista.

O objetivo é tornar as coisas mais fáceis de entender. Quando conseguimos levar o leitor a ler com os olhos da mente, ativamos o sentido mais poderoso do cérebro humano e criamos as melhores condições para a recepção da mensagem.

Dica 8: Construa frases amigáveis

O cérebro está preparado para compreender uma estrutura de frase que começa com um sujeito seguido de um verbo. Esse é o modo padrão que o cérebro enxerga o mundo e adota para codificar um texto. Ao violar esse esquema, você frustrará as expectativas do leitor e o forçará a um esforço de compreensão, aumentando os riscos de falha na transmissão da mensagem.

Por isso, o melhor é manter, sempre que possível, a estrutura sujeito – verbo – predicado para transmitir uma ideia. Além disso, procure colocar o sujeito próximo ao início da frase para o que o leitor descubra, rapidamente, quem é ele.

Do mesmo modo, não intercale muitas palavras entre o sujeito e o verbo. Quando fazemos isso, não só aumentamos o risco de erros de concordância, mas também dificultamos a vida do leitor, que terá que fazer um esforço mental para aproximar os dois principais componentes da frase.

Tudo isso pode ser resumido em uma dica: escreva para os outros como você gostaria que os outros escrevessem pra você. Se você não gosta de uma frase fora de ordem e repleta de intercalações, não entregue isso ao seu leitor.

Dica 9: Saiba usar o jogo de vozes

Compare as duas frases abaixo:

(1) “evite a voz passiva”;

(2) “a voz passiva deve ser evitada”.

A primeira opção é mais direta, mais eficiente e mais fácil de entender, porque se aproxima mais de uma conversa. E o cérebro humano está equipado para captar as informações transmitidas no formato de uma conversa. É a mesma lógica do tópico anterior, em que você deve preferir a opção que seja mais fácil de codificar.

Além disso, um texto precisa transmitir segurança. E a voz passiva é escorregadia, sem força, tímida. Geralmente, ela é usada para esconder o sujeito real, tornando o texto mais impessoal e monótono.

Mas há alguns contextos em que a voz passiva pode ser usada.

O leitor tende a focar a sua atenção no sujeito da frase. Se o texto diz “o cão mordeu a criança” (voz ativa), cria-se na mente do leitor a imagem de um cachorro mordendo uma criança. O cão é o personagem principal.

Por outro lado, se o texto diz “a criança foi mordida pelo cão” (voz passiva), a primeira coisa que virá à mente do leitor é a imagem de uma criança sendo atacada por um cachorro. A criança se torna o personagem principal.

Apesar de ser exatamente a mesma cena, o uso da voz ativa ou da voz passiva pode provocar uma mudança de foco, dando ao escritor poder sobre a perspectiva que o leitor adotará.

Isso é bem legal. Quem explica com maestria é Steven Pinker.

Dica 10: Saiba conectar frases e ideias

Um texto deve ser como uma rede de ideias que se expande. O ideal é que essa expansão ocorra de modo orgânico, levando o leitor a acompanhar com atenção cada tópico abordado, sem quebras de raciocínio. O uso de palavras de sinalização, de transição e de conexão pode facilitar esse processo.

Se perceber que a mudança de tópicos não está ocorrendo de modo fluido, faça uma breve retrospectiva do que foi visto no tópico anterior, indicando logo em seguida o será visto naquele momento (por exemplo: “Vimos no tópico anterior os principais argumentos contra a tese X. Neste tópico, veremos os argumentos a favor da tese X”). Mas não abuse muito para não tornar o texto cansativo.

Outra opção é usar perguntas que antecipam o tema a ser abordado para instigar a curiosidade do leitor. Quer saber como conectar ideias? Basta saber usar os conectores apropriados ou palavras de transição para dar uma maior fluidez ao texto.

Palavras de transição (ou conectores) indicam qual é a relação entre duas frases. Por exemplo, a expressão “por exemplo” está indicando que a presente frase é uma ilustração da anterior.

Quando estiver usando conectores, prefira os simples aos rebuscados. A linguagem cotidiana está cheia deles. Aqui uma lista exemplificativa:

(a) conectores de adição ou de reforço para acrescentar uma nova ideia: além disso”, “do mesmo modo”, “de igual forma”, “além do mais”, “no mesmo sentido” etc.). É recomendável usar também para esse fim conectores que sinalizam uma sequência (“em primeiro lugar”, “segundo”, “por último”) ou a elegante fórmula “não só/mas também”;

(b) conectores de contraste para refutar um argumento ou mudar a linha argumentativa: “mas”, “por outro lado”, “apesar disso”, “no entanto”, “em sentido oposto”;

(c) conectores de conclusão para fechar um raciocínio: “portanto”, “desse modo”, “em conclusão”, “logo”, “dessa forma”;

(d) conectores de ênfase para reforçar uma ideia: “a propósito”, “aliás”;

(e) conectores de esclarecimento para explicar a mesma ideia de um ângulo diferente: “em outras palavras…”, “dito de outro modo”, “ou seja”, “explicando melhor”. (Evite, contudo, a mera redundância. Não basta inverter a ordem da frase ou substituir algumas expressões. A ideia é, de fato, mudar a perspectiva da explicação para que o leitor possa ter uma visão mais ampla da ideia que está sendo apresentada).

Um teste prático para medir a conexão entre as frases e parágrafos é ler o texto em voz alta ou mentalmente. Se a leitura for fluida, é um bom sinal. Se for truncada, é melhor reescrever até chegar a um resultado satisfatório.

Dica Bônus: Dê elegância ao texto

A elegância importa. Um texto frio não gera interesse. E um texto desinteressante dificulta a comunicação, porque dispersa o leitor.

O segredo da elegância é estruturar bem as ideias, escolher as palavras certas e dar ritmo ao texto. Isso tende a ocorrer no processo de revisão, quando reconstruímos mentalmente cada frase até encontrar o encaixe perfeito.

É difícil explicar como ocorre esse processo de reconstrução mental, porque é introspectivo. É uma conversação interna entre o escritor e o texto, em que são simuladas várias opções de estilo até chegar a uma que agrade. É um jogo de tentativa e erro com a substituição e corte de palavras, reconstrução e quebra de frases, mudança de pontuação, correção gramatical e várias outras estratégias para dar mais clareza, coerência e musicalidade ao texto. Esse talvez seja o trabalho mais árduo do escritor, e onde a experiência conta mais.

Mas há algumas dicas que podem ser usadas deliberadamente para ir pegando jeito.

Uma delas é a regra de 3 da comunicação.

A regra de 3 é uma fórmula simples, elegante e poderosa. Quando usamos essa regra, tornamos a nossa ideia mais fluida, mais efetiva e mais memorável.

E o que é a regra de 3?

É uma técnica de estilo em que o comunicador usa três palavras ou frases para expressar a ideia que pretende transmitir. “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. “Simples, elegante e poderosa”.

Mas não abuse colocando sinônimos só pra cumprir a regra. O objetivo não é ser repetitivo, mas acrescentar valor com ritmo. Um texto não precisa ser simples, fácil e descomplicado. Basta ser simples.

Outra dica é escrever como se estivesse compondo uma música. Gary Provost mostra como fazer:

“Esta frase tem cinco palavras. Aqui estão mais cinco palavras. Frases com cinco palavras estão bem. Mas várias juntas tornam-se monótonas. Ouve o que está a acontecer. A escrita começa a ficar aborrecida. O som começa a afogar-se. É como um disco riscado. O ouvido exige alguma variedade.

Agora ouça. Eu vario o comprimento da frase e crio música. Música. A escrita canta. Tem um ritmo agradável, uma melodia, uma harmonia. Eu uso frases curtas. Eu uso frases de médio comprimento. E, por vezes, quando tenho a certeza de que o leitor está calmo, eu envolvo-o com uma frase de um comprimento considerável, uma frase cuja energia queima, construindo com todo o ímpeto de um crescendo, o rufar dos tambores, o bater dos címbalos – sons que dizem ‘Ouça isto’, isto é importante.

Assim, escreva com uma combinação de frases curtas, médias e longas. Crie um som que agrada ao ouvido do leitor. Não escreva apenas palavras. Escreva música”.

Por último, uma dica poética de Eduardo Affonso: use proparoxítonas. É uma dica que viola o princípio da simplicidade, mas produz elegância. Confira:

“As proparoxítonas são o ápice da cadeia alimentar do léxico. (…)

Sob qualquer ângulo, a proparoxítona tem mais crédito.
É inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o vândalo.
O inclinado e o íngreme. O irregular e o áspero. O grosso e o ríspido. O brejo e o pântano. O quieto e o tímido. (…)

Quer causar um impacto insólito? Elogie com proparoxítonas.
É como se o elogio tivesse mais mérito, tocasse no mais íntimo.
O sujeito pode ser bom, competente, talentoso, inventivo – mas não há nada como ser considerado ótimo, magnífico, esplêndido. (…)”.

Fantástico!

Pronto. Fiz a minha parte. O resto é com você. Como qualquer soft skill, o domínio da escrita depende de um esforço deliberado, consistente e disciplinado. Saiba apenas que o esforço compensará, porque uma boa escrita abre muitas portas, inclusive a da aprovação!

PS. Toda sexta, publico uma newsletter gratuita com várias dicas para aprimorar a inteligência. Quer conhecer a Brain Hacks? É só cadastrar seu melhor email e conferir.

Aqui a relação dos livros citados e consultados:

The Elements of Style”, de William Strunk e E. B. White

“Guia de Escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância”, de Steven Pinker

“Como Escrever Bem”, de William Zinsser

“Sobre a Escrita”, de Stephen King

“A Arte de Escrever” – Arthur Schopenhauer

“Mapas Mentais” – Tony Buzan

“100 ways to improve your writing: proven Professional techniques for writing with style and Power” – Gary Provost

“Style: Lessons in Clarity and Grace” – Joseph M. Williams

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