
Foi-se o tempo em que o direito deixou de ser visto apenas como um conjunto de saberes teóricos, em que o mais importante era o domínio das normas, dos precedentes e da doutrina. Hoje, há uma consciência cada vez maior de que a atividade jurídica depende de um conjunto de habilidades que são desenvolvidas para além do saber estritamente jurídico.
Por exemplo, o direito exige o domínio capacidades críticas para que o jurista tenha condições não apenas de filtrar informações relevantes, mas também de avaliar o que presta e o que não presta e de produzir, a partir daí, bons argumentos.
Isso também envolve um pouco de persuasão. A linguagem do direito é, por essência, uma linguagem de convencimento e de justificação. Para ser um bom jurista, é preciso saber expor uma ideia de modo claro, elegante e eficaz. Estruturar uma narrativa de modo coerente, consistente e convincente é um passo fundamental para a conquista de resultados jurídicos.
Além disso, o foco do direito são condutas, atitudes e decisões humanas. Juristas interpretam ações e inferem intenções a partir delas para imputar responsabilidades. Juízes a toda hora estão avaliando pessoas e julgando comportamentos. É ilusão achar que basta olhar para um fato para extrair as suas consequências jurídicas. É preciso compreender a psicologia, o comportamento e a cognição humanas.
Por tudo isso, é essencial que o jurista abra os olhos para o que está sendo produzido para além do direito, em especial para a revolução científica que ocorreu no campo das ciências cognitivas e comportamentais.
O campo a ser explorado é vastíssimo, já que envolve mais de cinco décadas de intensa pesquisa, que já rendeu quase uma dezena de prêmios Nobel em várias áreas, da medicina à economia.
Aqui, vou sugerir apenas uma literatura de entrada para aqueles que desejam dar os primeiros passos nesse formidável campo daquilo que tenho chamado de PsicoDireito. É uma pequena lista de 10 livros de divulgação científica, com alguns bônus de literatura científica mais avançada.
Espero que curtam:
10 – Blink / Malcolm Gladwell – O livro do Gladwell abriu as portas para um conhecimento revolucionário que impacta inúmeros campos do saber. É um livro que explica a importância do pensamento automático no processo de tomada de decisões e que já adianta alguns temas relevantes, como o poder do inconsciente e a influência dos preconceitos implícitos. Fora isso, Gladwell é mágico na capacidade de escolher boas histórias e narrá-las de um modo super envolvente.
9 – Subliminar / Leonard Mlodinow – Junto com Gladwell, Mlodinow popularizou as ciências cognitivas. Em certo sentido, pode-se dizer que o livro do Mlodinow é a continuação do livro do Gladwell com novos estudos e boas histórias. E se você já leu, pode testar também o Elástico, que é mais recente.
8 – Previsivelmente Irracional / Dan Ariely – Mais um livro super popular, com o diferencial que Ariely é pesquisador do campo. Continua sendo respeitado, apesar de ter se envolvido em um escândalo de fraude em uma das pesquisas de que participou. Mas o livro é bom independentemente disso. Aqui já entra no campo da economia comportamental, uma área que cresceu a partir dos fundamentos das ciências cognitivas.
7 – Pré-Suasão / Robert Cialdini – Cialdini é o papa da persuasão. Todo mundo que fala hoje em gatilho mental está, no fundo, reproduzindo ideias que Cialdini já havia desenvolvido desde os anos 1980. Neste livro mais recente, Cialdini explica que a persuasão começa antes da linguagem, já com pequenos gestos, símbolos e comportamentos.
6 – As Armas da Persuasão / Robert Cialdini. Para os juristas que querem aprimorar a arte e a ciência da persuasão, todos os livros do Cialdini valem a pena. Este é mais antigo do que o Pré-Suasão, mas igualmente bom, pois explica os princípios do processo de convencimento. A rigor, é um livro para não ser manipulado, mas é claro que os manipuladores leem para aprender estratégias de manipulação. Nós, reles mortais, só precisamos ficar atentos.
5 – O Cérebro Intuitivo / John Bargh. John Bargh é um dos principais psicólogos que estudam o efeito priming, que é um efeito poderoso para mudar o comportamento e as decisões humanas. O princípio básico desse conceito é que o cérebro das pessoas pode ser influenciado por sinais sutis do ambiente, alterando as ações a partir daí. Muito, muito, muito bom o livro.
4 – Incógnito / David Eagleman. O Incógnito é um livro de neurociência popular. Eagleman é um neurocientista pop que consegue explicar as nuances da mente humana de um jeito simples e envolvente. Costumo consumir todo material que ele publica, até porque ele costuma citar muitos estudos envolvendo o direito.
3 – O Poder da Intuição / Gerd Gigerenzer – As ideias de Gigerenzer focam menos os vieses cognitivos e mais as heurísticas, buscando apontar as vantagens de um pensamento frugal. É, portanto, um programa alternativo sobre a racionalidade, que pode ser útil também na perspectiva da inteligência artificial e dos algoritmos.
2 – Ideias Próprias / Cordelia Fine – Cordelia Fina é uma neurocientista de Oxford que traz uma visão diferenciada sobre todo esse movimento de empolgação com o estudo do cérebro. É uma visão mais crítica e um pouco mais pé no chão, sobretudo quando se trata das implicações de gênero. Tenho pra mim que foi ela que inspirou o filme Química do Amor, da Netflix.
1 – Pensar Depressa e Devagar / David Kahneman – Eu sei que é meio óbvio incluir Kahneman em primeiro lugar. Mas não podia ser diferente. Foi o livro que me mostrou que é possível fazer pesquisa de ponta nessa área, e que nós, do direito, devemos ficar de olho no que está sendo produzido. É um livro com muitos insights para o direito, apesar de ser de psicologia comportamental e cognitiva. Mas se você já leu Rápido e Devagar, então parta para o Ruído, que é o novo livro do momento.
BÔNUS
Além do livro Ruído, de Kahenman, trago aqui mais cinco bônus. Não são livros de divulgação científica. São livros mais “sérios”, com pesquisas mais avançadas, voltados ao público acadêmico.
São um pouco mais caros, mas têm uma incrível vantagem: alguns livros têm uma edição espetacular, com uma diagramação de sonho!
5 – Memória / Baddeley e Outros – Um dos campos de pesquisa mais avançados da psicologia é a psicologia do testemunho. Nesse campo, o estudo da memória é uma mão na roda para os juristas. Tem muita coisa interessante, como as famosas falsas memórias e os erros de reconhecimento.
4 – Ciência Psicológica / Michael Gazzaniga– A psicologia cognitiva é o campo que o pensamento, com várias zonas de interesse com o direito: ilusões e vieses cognitivos, decisão humana, linguagem, julgamento etc.
3 – Psicologia Cognitiva / Eysenck – Achei melhor do que o do Sternberg porque a edição é espetacular. Nem vale imprimir, porque há várias imagens em que a cor é fundamental para a compreensão do problema tratado. Ou seja, tem que comprar.
2 – Psicologia social / Aronson e Outros – A psicologia social foi onde tudo começou. Não sei como os juristas ainda não se tocaram disso. Tem estudo avançado sobre agressão, sobre obediência, sobre preconceito, sobre conformidade (influência de grupo) e, por fim e mais importante, sobre psicologia dos tribunais!
1 – Psicologia Social / David Myers – Só compre! Você não vai se arrepender.
Divulguem à vontade!
Muito obrigada!
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