Especulações sobre o HC de Lula e a Judicialização da Megapolítica

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No post passado, expliquei a visão de Hirschl sobre judicialização da megapolítica e concluí que, mesmo que não se concorde com a ideia de “tudo é política”, precisamos reconhecer que pelo menos algumas decisões podem ser compreendidas em um contexto mais amplo de luta pelo poder, sobretudo quando o que está em análise são decisões judiciais que interferem no sistema político. E se ligarmos o desconfiômentro sugerido por Hirschl, poderemos encontrar várias situações em que a roupagem jurídica encobre finalidades ou pretensões de estratégia política, mesmo quando o foco do debate seja a interpretação de textos constitucionais.
Pois bem. O caso do HC de Lula, com certeza, é um caso que se encaixa com precisão no conceito de “judicialização da megapolítica” e vale a pena tentar enxergá-lo em um contexto mais amplo. É o que farei aqui como exercício meramente especulativo.
Primeiramente, não há dúvida de que o HC do Lula é, em vários sentidos, um caso de judicialização da megapolítica. Primeiro, porque Lula é o líder da esquerda política no Brasil há pelo menos quatro décadas e governou o Brasil por dois mandatos, sem falar na sua influência durante o período Dilma. Segundo, porque era (ou é) o principal candidato das esquerdas para a próxima eleição presidencial, liderando as pesquisas de voto, talvez o único representante da esquerda com reais chances de ser eleito. Terceiro, porque a decisão do HC do Lula tem reflexos sobre o futuro da Operação Lava-Jato, que é uma operação com elevados impactos políticos, inclusive sobre o atual Presidente da República, seus aliados diretos e vários membros da elite política e econômica do Brasil. Há muito em jogo na tese da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Logo, a decisão do HC teve e tem um peso político elevadíssimo.
Portanto, sendo o HC do Lula um caso de judicialização da política, vale a pena tentar especular quais são os fatores estratégicos que podem estar por trás de cada voto.
Não vou me deter em todos os votos, mas apenas nos que considero mais decisivos.
Inicialmente, é muito difícil, mesmo a título de especulação, apontar os fatores estratégicos que podem ter motivado cada ministro. Além disso, não é possível ter certeza se o que vou falar aqui corresponde à realidade, pois existem muitas informações de bastidores sobre esse caso que jamais virão à tona. Por isso, os meus comentários aqui são mesmo beeem especulativos.
Vejamos o caso do min. Gilmar Mendes. Parece-me que, no caso dele, o viés foi bastante estratégico não como forma de proteger o Lula, mas sim como forma de pavimentar o caminho para minar a Lava-Jato (e, obviamente, proteger os membros de seu grupo político e econômico que estão no olho do furação). O min. Gilmar é histórica e declaradamente antipetista e teria tudo para manter o seu posicionamento a favor da execução provisória da pena. Ocorre que ele já havia insinuado que ia mudar de posição mesmo antes do HC do Lula, justamente no momento em que os agentes econômicos e políticos da Lava-Jato começavam a ser condenados em segunda instância. Isso sem falar que ele é, dentro do STF, a principal voz contra a Lava-Jato, ao lado do min. Marco Aurélio. Nesse contexto, o min. Gilmar foi um dos grandes articuladores da inclusão em pauta do HC do Lula, seja para garantir a retomada do debate a respeito da execução provisória, seja para mudar de lado sem parecer oportunista (se bem que muita gente percebeu essa atitude, pois, falador como ele é, talvez seja o ministro mais difícil de esconder seus interesses). De todo modo, uma coisa é certa: ele definitivamente não mudou de lado para ajudar o Lula.
O min. Barroso também votou (e quase sempre vota assim em temas polêmicos) estratégica e pragmaticamente. Seu voto reafirmou a sua já conhecida verve retórica, mas talvez com um esforço de impactar além do normal, pois foram incluídos vários chavões e “anedoctal evidences” com o claro propósito de impressionar a plateia. Além disso, ele trouxe uma pesquisa estatística bastante impressionante do ponto de vista pragmático, demonstrando empiricamente como são raras as hipóteses de absolvição pelo STJ e pelo STF em sede recursal. Curiosamente, por se tratar de uma pesquisa interna e inédita, ainda não foi submetida a um debate acadêmico mais profundo. O certo é que ele claramente foi atrás de dados empíricos para convencer, se empenhando para além do normal para vencer o debate ou, pelo menos, para atingir uma grande parcela da população.
Difícil dizer quais os interesses políticos por trás dessa atitude, mas não considero que sua pretensão primária tenha sido prejudicar deliberadamente o Lula ou a esquerda, porque sua posição política parece ser bem afinada com a esquerda. É mais provável que o seu voto tenha um olhar para frente, para a dimensão política da Lava-jato. A defesa que o min. Barroso faz do fim do foro privilegiado e as suas decisões na ação criminal contra o Temer indicam que ele sabe que a disputa pelo poder passa necessariamente pelo que virá nas próximas etapas da Lava-Jato, especialmente as etapas que tramitam no âmbito do STF e envolvem a elite política que atualmente controla o poder estatal.
Parece-me que o voto do min. Fachin também teve uma preocupação com o futuro da Lava-Jato e com o legado de Teori Zavascki. O min. Fachin é um aliado histórico do PT e seu grupo de influência é predominantemente de esquerda. Logo, ele não tinha nenhum motivo político em particular para negar o HC do Lula. Muito pelo contrário. E humanista como é o min. Fachin, certamente poderia facilmente aderir à tese mais garantista contra a antecipação da execução da pena sem parecer contraditório. A não-adesão à tese de defesa demonstra uma forte convicção pela necessidade da prisão após a condenação em segunda instância e, provavelmente, esta forte convicção decorre de sua experiência prática como relator da Lava-Jato no STF. Com certeza, ele deve ter informações sensíveis sobre a alta corrupção que poucas pessoas possuem e sabe que o fim da execução provisória da pena significaria um grande baque para os processos sob sua condução.
Já a min. Rosa Weber, que foi a peça-central desse tabuleiro, talvez tenha sido mais influenciada por questões de micropolítica interna do próprio STF. Como se sabe, há um jogo de bastidores muito claro ali, e ela está do lado do min. Barroso, do min. Fachin e da min. Cármen Lúcia. Talvez esse tenha sido um dos fatores decisivos que a fez sacrificar seu entendimento pessoal em nome da “colegialidade”. Pode ter sido também algum tipo de pressão externa ou algum tipo de informação sensível que ela recebeu, sei lá. É muito difícil analisar os fatores reais de uma decisão quando esses fatores são encobertos por uma linguagem escorregadia como a dela. Os argumentos jurídicos que ela apresentou – de observância de precedentes, respeito à jurisprudência consolidada, risco de mudanças constantes de entendimento, colegialidade etc. – são bem pertinentes, mas esse nunca foi o forte do STF. Ou seja, ela poderia muito bem tê-los contornado e isso seria aceito com tranquilidade, até porque havia a expectativa de que a mudança de jurisprudência ocorreria. Mas acho que preferiu não entrar no jogo do min. Gilmar ou dos demais membros do grupo contrário ao dela, pois talvez ela saiba que a decisão sobre esse tema transcende e muito o caso do Lula em particular. De qualquer modo, o certo é que foi estranha a sua mudança de postura entre a primeira sessão que conheceu o HC e a segunda sessão que julgou o mérito.
Para mim, também surpreendeu o voto do Min. Alexandre de Moraes. Embora sua posição histórica fosse a favor da execução provisória da pena, sabe-se que o grupo político que o apoiou (PMDB e PSDB) tem interesse em mudar esse entendimento para “estancar a sangria” da Lava-Jato. Por isso, do ponto de vista da estratégia política, seria esperado que ele mudasse de entendimento e se aliasse ao grupo do min. Gilmar. Como ele manteve sua posição pessoal a favor da prisão após a condenação em segunda instância, é provável que o seu lado punitivista tenha falado mais alto. (Emoji de carinha pensante).
Enfim… aqui são apenas tentativas simplificadas de compreensão de um julgamento complexo onde o jogo de bastidores teve uma influência muito grande. Como é impossível ter acesso a todos os detalhes desse jogo, só resta especular. E torcer para que o Brasil volte a caminhar para frente.

 

2 comentários em “Especulações sobre o HC de Lula e a Judicialização da Megapolítica”

  1. A Ministra Rosa Weber por cumprir a lei e ser ética, porque não antecipou o seu voto como os demais Ministros, foi censurada pela mídia.

  2. Quando pensamos na decisão constitucional pelo prisma da melhor estratégia, dos grupos de interesse aos quais cada ministro tende a agradar, em detrimento da correta hermenêutica que deveria ser aplicada a norma, chego apenas a uma conclusão: o Direito perdeu. Estudemos a sociologia, a psicologia, a ciência política e até estatística, mas não percamos mais tempo com os “inúteis” juristas!

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