Na semana passada, escrevi sobre o efeito backlash das decisões judiciais, conceituando esse fenômeno como sendo uma reação política (geralmente, conservadora) ao ativismo judicial (geralmente, liberal). Na ocasião, mencionei que o processo costuma se desenvolver do seguinte modo: (1) Em uma matéria que divide a opinião pública, o Judiciário profere uma decisão liberal, assumindo uma posição de vanguarda na defesa dos direitos fundamentais. (2) Como a consciência social ainda não está bem consolidada, a decisão judicial é bombardeada com discursos conservadores inflamados, recheados de falácias com forte apelo emocional. (3) A crítica massiva e politicamente orquestrada à decisão judicial acarreta uma mudança na opinião pública, capaz de influenciar as escolhas eleitorais de grande parcela da população. (4) Com isso, os candidatos que aderem ao discurso conservador costumam conquistar maior espaço político, sendo, muitas vezes, campeões de votos. (5) Ao vencer as eleições e assumir o controle do poder político, o grupo conservador consegue aprovar leis e outras medidas que correspondam à sua visão de mundo. (6) Como o poder político também influencia a composição do Judiciário, já que os membros dos órgãos de cúpula são indicados politicamente, abre-se um espaço para mudança de entendimento dentro do próprio poder judicial. (7) Ao fim e ao cabo, pode haver um retrocesso jurídico capaz de criar uma situação normativa ainda pior do que a que havia antes da decisão judicial, prejudicando os grupos que, supostamente, seriam beneficiados com aquela decisão.
Embora, no texto, eu não tenha mencionado o debate sobre a legalização do uso da maconha, proferi duas palestra neste mês sobre o assunto, em que citei expressamente o risco de um efeito backlash à provável decisão do STF a favor da não-criminalização do porte de droga para uso próprio. Quem tem um mínimo de noção do que acontece no parlamento sabe que a chamada “Bancada da Bala” tem uma grande força política e, provavelmente, essa força política tenderá a aumentar caso haja a liberação judicial do uso de drogas. Nessa matéria, a sociedade ainda tem um perfil conservador e pode ser facilmente seduzida pelo discurso “da lei e da ordem”. De qualquer modo, o debate ainda está no campo das especulações, pois nem o STF decidiu definitivamente a questão, nem se sabe qual será o desdobramento de uma possível decisão liberal.
O certo é que, em recente entrevista, o ministro Luís Roberto Barroso mencionou explicitamente o efeito “backlash” como um dos fatores que influenciou sua decisão de liberar apenas o uso da maconha e não de todas as demais drogas. Para ele, seria preciso ser mais cauteloso nessa matéria, tanto para “conquistar a maioria do tribunal” quanto para evitar “o risco de haver uma reação da sociedade contra a decisão, o que os americanos chamam de backlash“. Em seguida, defendeu: “a minha ideia de não descriminalizar tudo não é uma posição conservadora. É uma posição de quem quer produzir um avanço consistente”. (Ver a entrevista aqui)
A confissão do Min. Luís Roberto Barroso certamente pode suscitar muitas discussões acadêmicas interessantes. Por exemplo, é de se perguntar se é legítimo que razões de natureza estratégica (como “conquistar a maioria” ou “evitar o backlash”) sejam incorporadas às decisões judiciais (implícita ou explicitamente). Em segundo lugar, é de se perguntar se a atuação do STF como catalisador da agenda política, visando produzir um “avanço consistente”, é ou não constitucionalmente adequada e socialmente desejável. São duas questões difíceis de responder e prefiro deixar em aberto o debate. O que não posso deixar de reconhecer é que, goste-se ou não, o Min. Luís Roberto Barroso, como esperado, tem elevado o nível do debate para um plano que dá gosto de ver.
PS – Agradeço ao amigo Rodrigo Uchôa, por haver me alertado sobre a entrevista do Ministro Luís Roberto Barroso.
As drogas liberadas são as que mais causam danos na sociedade, o judiciário está se metendo onde não devia, vai dar m*rda, diferentemente de outras questões como as uniões homoafetivas, esse tema pode causar sérios prejuízos à sociedade.