No último post, comentei que existem diversas pesquisas científicas que ajudam a entender a mente dos julgadores a partir da análise de casos envolvendo o arbitramento de dano moral. Alguns desses estudos foram comentados pelo psicólogo social e prêmio Nobel de economia Daniel Kahneman, no seu livro “Pensar, depressa e devagar” (na edição brasileira: “Rápido e Devagar – duas formas de pensar”). São pesquisas muito interessantes, em particular, as que envolvem o efeito da ancoragem na tomada de decisões.
O efeito da ancoragem é produzido a partir da inclusão de uma discreta sugestão numérica no problema a ser resolvido. Considere, por exemplo, as seguintes perguntas: (1ª) quanto você estima que é o custo unitário de um processo de execução fiscal? (2ª) em sua estimativa, o custo unitário de um processo de execução fiscal é superior ou inferior a R$ 20.000,00? Quanto seria esse custo? (3ª) em sua estimativa, o custo unitário de um processo de execução fiscal é superior ou inferior a R$ 1.000,00? Quanto seria esse custo?
Conforme se pode notar, a primeira pergunta não contém nenhuma ancoragem, ao passo que, na segunda e na terceira, foram incluídos valores estimativos, que funcionam como um parâmetro capaz de influenciar a resposta a ser apresentada. Certamente, um questionário contendo apenas a primeira pergunta resultará em números bastante diferentes de um questionário contendo apenas as segundas e terceiras perguntas. Provavelmente, o valor estimado do segundo questionário será superior ao valor estimado do terceiro questionário, apesar de a pergunta central ser exatamente a mesma.
Fica fácil perceber como isso pode afetar o arbitramento do dano moral. Analise agora as seguintes perguntas: quanto deve ser o valor da indenização em caso de tortura policial? O valor deve ser superior ou inferior a R$ 200.000,00? O valor deverá ser superior ou inferior a R$ 50.000,00? A depender da forma como a pergunta for elaborada, o valor poderá aumentar ou diminuir.
Nos Estados Unidos, há um grande debate em torno dos elevados valores de indenização por dano moral. As grandes corporações tremem diante de uma ação de indenização. Há, inclusive, um forte lobby visando estabelecer tetos indenizatórios nas ações judiciais. Aqui no Brasil, também há projetos de lei no mesmo sentido, embora exista uma jurisprudência pacificada no sentido da inconstitucionalidade do tarifamento do dano moral. De qualquer modo, não custa perguntar: estipular um limite máximo para o valor da indenização aumentará ou diminuirá o valor das condenações pecuniárias?
Há estudos que demonstram que o efeito de ancoragem do teto indenizatório evita eventuais condenações estratosféricas, mas aumenta o montante do valor da condenação em situações em que a indenização seria pequena em relação ao teto. Assim, um teto de um milhão de reais produziria o efeito de ancoragem para cima nos casos banais. Por outro lado, em situações muito graves, o juiz não poderia dosar o montante da indenização, salvando a empresa de um grande prejuízo mesmo diante de uma grave violação dos direitos de personalidade da vítima. Desse modo, pequenas empresas que causaram pequenos danos morais seriam mais prejudicadas do que as grandes empresas que causaram grandes danos morais. (Para acessar o estudo, clique aqui).
Por fim, vale ressaltar que existem técnicas para evitar o efeito provocado pela ancoragem. Os psicólogos Adam Galinsky e Thomas Mussweiller, por exemplo, sugerem que o efeito da ancoragem pode ser reduzido se forem criados expedientes mentais para anular a sugestão causada pela âncora. Se o propósito da âncora for elevar o valor para cima, é preciso pensar no valor mínimo que seria aceitável. Se o propósito da âncora for elevar o valor para baixo, o raciocínio se inverte. Ou seja, devemos tentar perceber a ilusão causada pela âncora e refletir conscientemente com nossa própria cabeça, tentando neutralizar os efeitos a partir de nossa própria percepção e experiência.
Como defende Daniel Kahneman, mesmo que sejamos influenciados por diversos fatores inconscientes que não podemos evitar, também temos instrumentos cerebrais para “sair do automático” e “pensar devagar”.
Prezado George: a Ancoragem é um dos muitos aspectos da transdisciplinaridade inerente ao Direito, e que começa a ser descoberta, como revela a TGP-Transdisciplinar: http://www.padilla.adv.br/processo/tgp/