Mea Maxima Culpa

Vale muito a pena assistir o documentário “Mea Maxima Culpa”, da HBO. Não é um filme fácil de assistir, pois o tema é incômodo do começo ao fim: o abuso sexual por padres católicos. A lição de fundo parece ser mais complexa do que um mero deslize ou distúrbio psicológico de alguns sacerdotes. Se olharmos além do problema específico, veremos que há toda uma construção teológico-dogmática, em torno do “perdão”, “arrependimento”, “salvação”, que está por detrás de muitos males praticados por pessoas que enaltecem sua religiosidade e se escondem sob o manto da pseudo-fé para continuarem seus pecados. Os dogmas religiosos, rodeados de alegorias em torno do “homem pecador”, do “livre arbítrio” e da “penitência”, parecem servir para dar um conforto psicológico à prática das maiores atrocidades que, convenientemente, serão objeto de uma futura piedade divina. É muito fácil assim conciliar a retórica religiosa com uma vida impregnada de maldades sem os incômodos provocados por uma sincera reflexão ética.

Entendedores entenderão.

4 comentários em “Mea Maxima Culpa”

  1. Isso mesmo, mas até onde eu sei o nosso sistema jurídico, nem muito menos dos EUA não internalizou nenhum discurso de perdão e misericórdia. Razão pela qual deveria ser aplicada a lei tal qual a outro criminoso.

    A igreja sempre falará de misericórdia, do contrário não teria nascido de Cristo. agora dizer que existe uma construção teológico-dogmática justificadora do pecado, é generalizar, é dizer que a igreja oficialmente defende esses crimes. em todos os casos faça-se a justiça humana.

  2. Paulo, o comentário não teve o propósito de criticar o acobertamento da Igreja aos crimes sexuais praticados pelos padres, embora seja esse o objetivo central do documentário. Meu objetivo foi tentar compreender como muitos criminosos (não só pedófilos, mas também corruptos, sonegadores, lavadores de dinheiro etc.) conseguem viver “em pecado” e, ao mesmo tempo, enaltecer a sua religiosidade sem qualquer crise de consciência. A meu ver, isso decorre, em grande parte, porque a “promessa de perdão” funciona como uma espécie de “anestesiante ético”. Assim, bastaria compensar a maldade praticada com algumas obras de caridade que as portas do paraíso se abrirão. Obviamente, estou fazendo uma leitura muito superficial da ideia de perdão, piedade, misericórdia etc. Além disso, não estou me referindo às pessoas cuja religiosidade é autêntica, ou seja, que seguem os ensinamentos de sua fé sem hipocrisia. A análise mira àqueles que se vangloriam de sua religiosidade, mas vivem praticando crimes. Tal crítica, aliás, já havia sido apontada por David Hume: “escutai as declarações verbais de todos os homens: nada é tão certo como as suas doutrinas religiosas. Examinai as suas vidas: dificilmente pensareis que eles depositam a menor confiança nelas. O maior e mais verdadeiro zelo não nos proporciona qualquer protecção contra a hipocrisia. A impiedade mais aberta é acompanhada de um secreto receio e compunção. Não há absurdos teológicos tão flagrantes que não tenham sido, por vezes, aceites por homens com o maior e mais cultivado entendimento. Não há preceitos religiosos tão rigorosos que não tenham sido adotados pelos homens mais voluptuosos e depravados. (…) O que é tão puro como alguma da moral incluída em alguns sistemas teológicos? O que é tão corrupto como algumas práticas a que esses sistemas dão origem?” (David Hume, Obras sobre a Religião. p. 237).

  3. O documentário é excelente.

    Aponto aos interessados, inclusive ao ilustre Juiz, filmes que versam sobre o tema Justiça:

    – A Trombeta de Gideão, norte americano, baseado em fatos reais.

    -Justiça para Todos, norte americano, com Al Pacino, e direção do notável diretor Norman Jewison. Em resumo, advogado luta contra o sistema judicial norte-americano. A música, de Dave Crusin, torna o filme apaixonante.

    -Cadáveres Ilustres, excelente filme italiano, de Francesco Rosi. Membros de Poder Estatal Italiano, são, misteriosamente, eliminados fisicamente.

    Diante do comportamento dos sacerdotes, pergunto: “Não estamos em uma época na qual a democracia provocou excesso de tolerância com os desviantes da lei? E até que ponto o Poder Judiciário deve atender ao clamor popular? O filósofo austríaco Karl Popper condena o excesso de tolerância com os intolerantes.

  4. George, você é sempre admirado e admirável por ter a coragem de ir (muito) além do trivial. Saiba que sua liberdade de consciência sempre me inspirou. Em um país em que ser magistrado geralmente significa calar diante de tudo o que há de errado, em especial na própria magistratura, você faz a diferença.

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