Perplexidades do regime constitucional do subsídio

O texto abaixo é do Juiz Federal Gilton Bastita Brito e sintetiza as perplexidades que estamos assitindo com a divulgação de supersalários no serviço público de um modo geral, enquanto se nega aos juízes federais o mínimo do mínimo, que é o reajuste anual ou a remuneração por atividades extraordinárias.

Perplexidades do regime constitucional do subsídio – Por Gilton Bastita Brito

Com o propósito de limitar altos salários e conferir transparência, a Emenda Constitucional 19/98 fixou o teto remuneratório no serviço público, estabelecendo que qualquer estipêndio não poderia exceder o subsídio mensal dos Juízes do STF, considerado como tal parcela salarial única, proibindo-se acréscimo de qualquer outra espécie remuneratória (gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação, etc.), em regime obrigatório para todos os agentes políticos e facultativo para os servidores públicos. No ano de 2003, a Emenda Constitucional 41 reforçou a exigência ao criar subteto na esfera estadual e municipal.

Não custa lembrar, todavia, que a instituição do subsídio, com fixação de teto e subteto, foi necessariamente atrelada ao compromisso político de reposição inflacionária, sob pena de se retirar a eficácia de regras constitucionais expressamente mantidas: a própria revisão anual e a irredutibilidade dos vencimentos. Nada obstante, questões políticas e jurídicas relevantes surgiram logo após a alteração constitucional.

Sem dúvida, a primeira delas foi a competência de iniciativa conjunta para envio do projeto de lei de subsídio conferida aos Presidentes do STF, da República, do Senado e da Câmara. A fórmula se mostrou insuperável diante da resistência pública do então Chefe do Senado, o que impediu por cinco anos a regulamentação e comprimiu os vencimentos do serviço público de tal forma que a Emenda Constitucional 41/2003 promoveu nova alteração para eliminar a competência conjunta. Apenas em julho de 2005, com a lei 11.143, foi implantado integralmente o regime de subsídio. Novos questionamentos ressurgiram, então.

Se se trata de parcela única, que deve englobar qualquer espécie remuneratória, como tornar compatível o subsídio com o recebimento do “adicional” de férias e da “gratificação” natalina, vantagens asseguradas pela própria Constituição Federal na forma de direitos fundamentais individuais, portanto, que sequer podem ser objeto de proposta de emenda constitucional?

Mais: a Constituição Federal admite a cumulação remunerada de cargos públicos, com submissão, porém, ao regime de subsídio de teto constitucional. Daí os magistrados do STF até poderiam ser professores na Administração Pública, desde que trabalhassem gratuitamente? Ainda: deveria ser gratuito o exercício da jurisdição no Tribunal Superior Eleitoral pelos Juízes do STJ e do STF? E a retribuição pelo serviço prestado fora do horário normal de trabalho, constitucionalmente assegurada como “adicional” de hora extra?

Além disso, as vantagens de caráter indenizatório e vinculadas ao exercício do cargo público estariam alcançadas pela parcela única que engloba qualquer espécie remuneratória? Assim, um magistrado teria direito a ajuda de custo para cobrir despesas com instalação na sede da unidade jurisdicional? E a indenização de auxílio-moradia assegurada a todos os servidores públicos? Incidiria o princípio geral do direito que veda o enriquecimento sem causa?

Novas perplexidades brotaram com a edição das leis 10.910/2004 e 11.358/2006 instituindo o regime de parcela única para diversas categorias de servidores públicos federais: Auditoria da Receita Federal do Brasil, Auditoria-Fiscal do Trabalho, Procuradoria da Fazenda Nacional, Advocacia da União, Procuradoria Federal, Defensoria Pública da União, Procuradoria do Banco Central do Brasil, Polícia e Rodoviária Federal. A “gratificação” pelo exercício de função de direção, chefia ou assessoramento, prevista na lei 8.112/90, não poderia ser recebida por tais servidores? O serviço seria gratuito, já que os decretos 6.061/2007, 7.392/2010 e 7.482/2011 permitem que tais agentes públicos ocupem essas funções? As diárias e o auxílio-alimentação estariam proibidos, ainda que de natureza indenizatória?

Em 09.10.2009, a lei 12.041 estabeleceu novos valores para o subsídio de modo claramente insuficiente, pois não houve recomposição integral do poder de compra corroído pela inflação oficial calculada desde fevereiro janeiro de 2006, circunstância agravada até hoje pela ausência de nova reposição monetária desde fevereiro de 2010.

Antes, porém, o Supremo Tribunal Federal na ADI 3854 já havia julgado em 28/2/2007 inconstitucional o subteto no ponto em que fixou limites diversos entre a Magistratura Federal e Estadual, invocando, com acerto, a isonomia e o caráter nacional e unitário do Poder Judiciário.

Em 2010, após cinco anos de vigência plena do regime de subsídio, o Decreto Legislativo 805 fixou o subsídio mensal dos parlamentares federais, da presidência e vice-presidência e dos ministros, igualando-o ao de magistrado do STF, o que não impediu, todavia, o pagamento regular de outras vantagens remuneratórias que ultrapassam consideravelmente o teto fixado: cota mensal de passagem aérea, jetons por participação permanente em conselhos de administração, diárias, auxílio-moradia, 14º e 15º subsídios, cumulação de aposentadoria com subsídio. Há impedimento constitucional para tanto?

Diante de tal cenário, o certo é que a Magistratura Federal vem trabalhando de forma gratuita ao prestar serviço extraordinário em plantões e na cumulação de unidades jurisdicionais, ao administrar colegiados, escolas de formação e aperfeiçoamento, diretorias, comissões e quejandos, implicando mais responsabilidade jurisdicional e administrativa sem a devida contraprestação pecuniária. Tampouco tem recebido determinadas verbas indenizatórias regularmente pagas a quem igualmente é remunerado em parcela única. Será que tal interpretação restritiva do regime de subsídio vale para a Magistratura Federal e não vale para outras carreiras? Qual a constitucionalidade de tratamento tão diferenciado, quando a própria Constituição Federal fixa a Magistratura como referência para a remuneração do serviço público?

Sintomático, portanto, que tal status quo tenha começado a ser considerado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Originária 1725, quando decisão monocrática da Relatoria manteve o pagamento do auxílio-alimentação determinado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), invocando simetria plena com o Ministério Público e compatibilidade do regime de subsídio com vantagens ordinária e regularmente pagas aos demais trabalhadores em geral. Seguirá, porém, o Plenário o entendimento, de modo a assegurar a devida valorização e o respeito institucional à Magistratura Federal? Que nova perplexidade surgirá de um julgamento contrário? A manutenção de uma realidade injusta e discriminatória pelo guardião da Constituição?

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*Gilton Batista Brito é juiz Federal.

16 comentários em “Perplexidades do regime constitucional do subsídio”

  1. Por acaso se combate inconstitucionalidade com a extensão do ato inconstitucional? O que querem do STF, uma postura de guardião da corporação?

  2. Grojinha a mais para chefiar escola de APERFEIÇOAMENTO DE JUIZ, ser chefe de cartório ( essa é a pior, é obrigação do juiz cuidar da vara)…

  3. e essa raiva toda por juiz, por acaso é complexo e inveja??? será que foi você quem fez o concurso para advogado da união e ficou no 992º lugar??? é??? hein joão paulo??
    #fracassado, #invejoso!

    1. Por amor a santa coerência, não seria a inveja dos salários de outros membros do juridiário que te move neste comentário deprimente?

  4. A concessão de Auxílio-alimentação foi feita através de resolução, quando só poderia ter sido feita por lei. É legítimo a classe reivindicar a simetria com quem quer que seja, desde que não viole a Constituição

  5. Perdoem a ignorância, mas o que a Magistratura Federal defende é que os “supersalários” se adequem ao teto constitucional ou que a sua remuneração também faça parte dos mencionados subsídios que excedem o valor imposto?

  6. Resposta aos dois olhinhos com um traço no meio,

    Phelps ficou em quarto nos 400 m, medley, perdeu para o Tiago Pereira. Não me parece que o Tiago seja MELHOR que o Phelps…

    992? e sai no DOU uma classificação dessas… Ficar mal colocado em prova de concurso me DESABILITA a escrever na parte de comentários de um blog? Se eu fosse bom, escreveria no New York Times, não aqui…

    1. Imagine se, após o seu comentário, viesse assinado:

      “FULANO DE TAL
      Advogado da União”.

      Inegavelmente, seu comentário teria um peso maior e as pessoas talvez começassem a dar atenção para ele.

  7. George,

    O Judiciário está desmoralizado. O Executivo faz o que quer: manda e desmanda. É lamentável ver o Judiciário implorando por aumento.

    Não seria mais fácil o STF julgar o mandado de injunção da Ajufe e mostrar que os poderes devem ser independentes entre si?

    Quando o Executivo quer golpear o Judiciário, basta deixar os subsídios dos juízes à mercê do processo inflacionário por um certo tempo.

  8. Se existem servidores que recebem por subsídio e laboram em escalas.
    Se a própria JF considera a hora noturna = 1,3714 X hora diurna.

    Tem-se um paradigma que trabalha 8-12/14-18 horas que vai laborar 176 horas em JANEIRO DE 2013!!

    Quem trabalha 24X72 vai laborar 112 h/diurnas+80 h/noturnas EQUIVALE A 221 h/diurnas em JANEIRO DE 2013.

    O maior ABSURDO é ver o paradigma laborar 176 h e receber X, e o mesmo X é pago para quem labora o equivalente para 221 h. E os mesmos servidores tem o mesmo CARGO, classe e padrão.
    ISSO ACONTECE TODO SANTO MÊS.

    Ou seja, não são apenas JUÍZES que laboram e não recebem.

    O que será isso, ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO ESTADO?
    A minoria que trabalha em escalas 24X72, são obrigados por atos infralegais(PORTARIAS), a se submeter a essa escala, e tais servidores tem uma TRAVA de 40 horas semanais(O DIVISOR É 200 E NÃO MAIS 220), e não as 44 horas! Mais uma vez, a tal escala de 24X72 é INCONVENIENTE E INJUSTA. E NÃO HÁ QUALQUER PAGAMENTO nem das horas noturnas, nem dos domingos, nem dos feriados, nem equivalência entre as horas do PARADIGMA, ARBITRARIEDADE EM CENA, E A JUSTIÇA FALA AMÉM A ISSO TUDO.
    Tá virando moda no judiciário ACEITAR TUDO. Vcs já estão sentindo na PELE.

    CELSO BARROS

    P.S.:…se a escala fosse 24X96, o equivalente seria 183 h em JANEIRO de 2013, número ainda acima do paradigma(176 h), a INJUSTIÇA TEM PERPETUADO.

    “difícil é dessacralizar o que está sacralizado”…PRINCIPALMENTE, CABEÇA DE JUIZ.

    1. Esqueci de comentar que o trabalhador da escala 24X72 trabalha 24 dias de 24 horas A MAIS POR ANO, ou seja, TRABALHA DE GRAÇA 4 MESES, os números não mentem! ABSURDO TOTAL!!

  9. Ahora he podido leer el coientarmo entero. Sed tienes toda la razf3n en todo lo que dices nos arriesgamos en todos lado pero deberedamos cuidar me1s nuestra privacidad en internet. No puedo aceptar caramelos de extraf1os? porque9!????????

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