A recente Lei de Transparência, com a divulgação nominal da remuneração de todos os servidores e agentes públicos, tem dado o que falar. Algumas críticas são procedentes, no sentido de que algumas informações pessoais não precisariam ser divulgadas. Informações como CPF, dados bancários, detalhamento dos descontos não-obrigatórios parecem violar a privacidade e colocam os servidores públicos na mira de estelionatários. Acredito que isso poderá ser podado até se chegar a um ponto de equilíbrio em que apenas as informações relevantes que não digam respeito à vida privada do servidor sejam publicizadas.
A transparência das folhas de pagamento dos servidores públicos, que levou os Tribunais de Justiça dos estados a divulgarem os salários pagos, está provocando uma enorme revolta entre os magistrados federais de todo o país. Nos últimos dias é intensa a troca de mensagens eletrônicas na rede que estes juízes mantêm – fala-se em quase 10 mil mensagens em torno do assunto.
A questão que provocou a ira dos magistrados foi descobrir que, enquanto o governo Dilma Rousseff nega um reajuste ao Judiciário federal, as folhas de pagamento de todos os tribunais dos estados mostra disparidade nos salários de juízes e desembargadores.
A comparação demonstrou que um juiz federal, em média, recebe líquido cerca de R$ 15 mil e seus colegas nos estados ganham entre R$ 30 mil e R$ 40 mil, também limpos, ou seja, já com os descontos oficiais do Imposto de Renda e da Previdência Social.
Não há, nas listas publicadas, nenhum desconto para equiparar os pagamentos efetivados ao teto constitucional de R$ 26.700, que corresponde ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal. No Executivo, diversos servidores sofrem este desconto.
O chamado “pulo do gato” usado pelos tribunais para driblar a legislação e pagar acima do que a lei determina, está na rubrica “Vantagens Eventuais”. São ganhos não computados oficialmente para efeito do cumprimento do teto constitucional e sobre os quais sequer incide imposto de renda.
Nesta rubrica acontece de tudo. No Tribunal de Justiça do Rio, cuja lista divulgada não revela nomes, um desembargador recebeu a título de “vantagens eventuais” nada menos do que R$ 111, 3 mil. Outro teve direito a R$ 85,9 mil e um terceiro ganhou R$ 79,3 mil. A estas vantagens ainda se somaram uma “vantagem individual” de cerca de R$ 1,5 mil e uma indenização comum aos 140 desembargadores, de R$ 2,8 mil.
Nestes três casos os salários básicos dos desembargadores estão abaixo do teto constitucional: R$ 24,1 mil para dois deles e R$ 26,6 mil para o terceiro. No final, eles receberam R$ 119,7 mil, R$ 102,2 mil e R$ 95,3 mil no mês de junho.
Mas, entre os 146 desembargadores do TJ-RJ, sete tiveram ganhos líquidos entre R$ 70 mil e R$ 75 mil; para 19, os salários depositados variaram entre R$ 60 mil e R$ 69 mil; outros 19 perceberam valores na faixa dos R$ 50 mil, enquanto 25 ficaram na faixa dos R$ 40 mil. Apenas 29 dos 146 salários divulgados ficaram abaixo do teto constitucional de R$ 26,7 mil.
Com estes pagamentos, os salários líquidos distribuídos a 146 desembargadores do TJ-RJ consumiram R$ 6.252.552,15 apenas em junho. A média foi de R$ 42,8 mil por desembargador.
Já no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, 22 dos 23 desembargadores recebem salário base de R$ 24.117. A presidente, Maria Helena Cisne Cid, ganha um pouco mais: R$ 24.893. Ao salário, 21 deles acrescentam uma indenização de R$ 710 e dois ganham, nesta rubrica, R$ 1,832 cada um. Doze deles percebem ainda “vantagens pessoais” de R$ 2.652 cada um. A da presidente é de R$ 2.738.
No geral, o TRF pagou R$ 166.517,64 a título de “Vantagens Eventuais” a 13 magistrados, uma média de R$ 12.809 a cada um, menos da metade dos R$ 29.465,58 que o Tribunal de Justiça do Rio pagou, em média, aos seus 146 desembargadores e que totalizaram R$ 4.301.974,15 nesta rubrica.
Todos estes dados estão mobilizando os juízes federais que se sentem injustiçados salarialmente e consideram que o simples pedido de reajuste ao Executivo é o mesmo que “mendigar” junto ao segundo escalão e ouvir promessas que jamais serão cumpridas.
Felizes os juízes federais, que não têm passivos trabalhistas porquanto recebem tudo em dia, de modo que os valores nunca se acumulam, já que pagos religiosamente.
Felizes os juízes federeais, cujos tribunais têm orçamento suficiente para pagar em dia tudo o que é devido, ao contrário dos juízes estaduais, que recebem os valores atrasados em infinitas parcelas a perder de vista.
Felizes os juízes federais, que trabalham bem menos que os juízes estaduais.
Felizes os juízes federais, que atuam numa vara federal composta por um juiz titular e um juiz substituto, ao contrário da organização judiciária da justiça estadual da maioria dos estados, em que o juiz titular atua sozinho na vara e o juiz substituto existe apenas para tapar buraco e cobrir ausências, como se fosse um estagiário de luxo.
Felizes os juízes federais, que têm vários assessores motivados e capacitados, já que a remuneração não raro é igual à do próprio magistrado, ao contrário dos juízes estaduais, como os do estado de São Paulo.
Felizes os juízes federais, cujas varas são instaladas apenas nas capitais e nas cidades de médio ou grande porte, enquanto os colegas juízes estaduais atuam em praticamente todas as cidades do país, inclusive naquelas em que não há sequer hotel para se instalar.
Felizes os juízes federais, que se instalam nas cidades mais interessantes, enquanto que nas pequenas cidades o juiz de direito toca os processos de competência federal, a fim de não deixar a população desamparada.
Felizes os juízes federais,cuja polícia judiciária é a polícia federal, muito mais aparelhada e capacidade, enquanto que os juízes estaduais têm à disposição apenas a polícia civil, sabidamente deficitária e mal remunerada.
Felizes os juízes federais, que trabalham em instalações condignas e algumas até luxuosas, ao contrário dos juízes de direito, que, em alguns casos, têm que levar de casa a cadeira para sentar e tirar do próprio bolso o dinheiro do ar condicionado.
Em onze anos de carreira, o único passivo “trabalhista” que me foi reconhecido foi o auxílio-alimentação (R$ 700,00), cujos atrasados, por sinal, ainda não foram pagos.
Talvez se o Judiciário estadual revertesse um pouco de sua folha de salário para o aparelhamento das instalações a situação não estaria tão caótica quanto a que você está dizendo.
Além disso, recomendo que você conheça melhor a realidade da Justiça Federal. Há um grande descontentamento com a carreira, com várias propostas para alterar o modelo atual que exige do juiz federal uma dupla caminhada do interior para a capital: uma como substituto, outra como titular. Além disso, nenhuma função administrativa é remunerada, nem mesmo substituições. Apesar disso tudo, se você fizer uma comparação estatística, verá que a Justiça Federal têm excelentes resultados em termos de produção e bons índices de satisfação do jurisdicionado. Não gosto de ficar comparando jurisdições, mas certamente não é por medo.
George,
Também não gosto de comparações, mas em vez de Ajufe fazer um discurso unindo a magistratura NACIONAL, sempre leva a coisa só do seu lado.
A magistratura como um todo está numa situação delicada. Sofremos ataques externos de todos os lados.
O que não podemos é aprofundar ainda mais a desunião interna da magistratura, pois assim ficamos ainda mais frágeis.
De nada adianta à Ajufe criticar os tribunais estaduais para ficar bem com a populacho. De nada adianta à Ajufe arvorar-se na condição de única defensora da moral.
É hora de promover a união da magistratura brasileira, de todos os ramos de jurisdição.