Ponderar regras: um caso interessante

Na teoria dos direitos fundamentais, o debate sobre a ponderação das regras faz parte daquele conjunto de debates que sempre gera polêmica. As regras são ou não são passíveis de ponderação? O que fazer quando uma regra “se choca” com um princípio? Um juiz pode deixar de aplicar as consequências previstas pela regra se a solução daí decorrente for injusta ou desproporcional?

Infelizmente, esse debate, que é altamente promissor e interessante, acaba descambando para um academicismo estéril que não leva a lugar nenhum. Rapidamente, o foco do debate é desviado, e os juristas passam a se debruçar sobre o conceito de regras e de princípios, invocando mil e uma teorias sobre a natureza dessas categorias jurídicas. São criadas diversas classificações para marcar uma precisa distinção entre regras e princípios, às vezes criando-se figura-se híbridas, como regras que se comportam como princípios ou princípios que se comportam como regras e daí pra pior. O problema central é esquecido e entra em seu lugar um debate sobre a interpretação de teorias escritas por juristas estrangeiros e uma tentativa de entificar as regras ou os princípios, conforme o conceito elaborado por um dado jurista. Alexy disse isso. Pera lá: Alexy disse outra coisa. Mas Dworkin pensa assim. Não pensa, não. E assim o debate prossegue até que alguém desista. 90% da produção acadêmica, nessa seara, não passa disso.

Quando caímos na real, verificamos que restou pouca coisa do problema original. Afinal, o que fazer quando a aplicação rigorosa de uma regra acarreta um absurdo jurídico?

A meu ver, a melhor resposta a essa pergunta foi dada por Castanheira Neves, com sua proposta jurisprudencialista, que nos obriga a pensar a partir dos problemas e não das normas, focando muito mais no mundo prático que será afetado por nossas decisões do que na abstração de teorias contidas em livros.

Quando se adota o caso jurídico como “prius metodológico” – vale dizer, como ponto de partida e fim do pensamento jurídico – as regras deixam de ter aquele valor absoluto proposto pelo normativismo e passam a ser analisadas sempre à luz da controvérsia real a ser solucionada. O jurista, ao se deparar com um problema a ser solucionado, busca no sistema normativo o fundamento e os critérios da decisão. Nesse ponto, o jurisprudencialismo não pode ser acusado de ser antinormativo ou antipositivista. Mas os critérios normativos contidos nas regras precisam sempre passar por um processo de adaptação ou de assimilação antes de serem “aplicados” ao problema concreto, pois é o caso concreto que há de orientar a tomada de decisão. Isso sem falar que a regra sempre há de ser pensada e compreendida à luz do problema que justificou a sua elaboração. Afinal, toda regra é uma proposta de solução para problemas típicos e, como tal, deve ser encarada. Sua mobilização deve operar-se em relação aos casos típicos para os quais ela foi pensada. Forçar sua aplicação para outros casos é sempre uma atitude que precisa ser analisada com desconfiança, pois as soluções para os problemas jurídicos não são deduzidas das regras gerais; são as regras gerais que são elaboradas a partir das soluções dos problemas jurídicos mais previsíveis.

Trago aqui um caso recente e interessante que ilustra com perfeição o raciocínio jurisprudencialista.

Na Flórida, um salva-vidas foi demitido por ter abandonado seu posto para salvar um homem que estava se afogando. Pelo que se pode entender do caso, o referido salva-vidas era responsável por fiscalizar uma determinada área da praia. Porém, quando viu um homem se afogando fora daquela área, preferiu salvar a vida do homem a respeitar os limites de sua zona de monitoramento.

A questão é simples: há uma situação real de afogamento. Há uma regra que estabelece os limites geográficos do monitoramento exercido pelo salva-vidas. Por outro lado, há um princípio maior que fundamenta a atividade do salva-vidas que é o dever de agir para proteger a vida dos banhistas.

Se adotarmos uma perspectiva normativista, teremos que concordar que a demissão do salva-vidas apenas cumpriu o critério normativo contido na regra, ainda que de forma distorcida. A regra foi “subsumida” ao caso, sem qualquer preocupação com o contexto problemático, nem com a razão de ser da regra. O superior hierárquico que aplicou a punição pensou a partir da norma e forçou a sua aplicação a todo custo, gerando uma situação absurda em que a ação do salva-vidas, que mereceria ser aplaudida, foi considerada como uma violação do direito.

O pensamento jurisprudencialista nos incita a olhar primeiro o problema concreto: uma situação real de afogamento. O que fazer diante de uma situação dessa? Há um princípio-guia que obriga o salva-vidas a agir para evitar a tragédia. Há, porém, uma regra que limita a atuação do salva-vidas. Nesse ponto, o jurisprudencialismo nos estimula a fazer os seguintes questionamentos: qual o fundamento dessa regra? Qual foi o problema anterior que gerou a sua aprovação?

Após compreender o problema que inspirou a norma, o jurista tentará fazer uma ponderação analógica entre aquele problema anterior que levou à positivação da regra e o problema atual a ser resolvido, para verificar se os casos se assemelham e merecem a mesma resposta normativa.

Analisando a regra que limita a atuação do salva-vidas, é possível especular vários motivos para a sua existência. Provavelmente, ela visa dar uma maior racionalidade àquela atividade, dividindo a fiscalização da praia por zonas territoriais por conta do pequeno número de salva-vidas. Sem um limite geográfico, o grupo de salva-vidas não conseguiria otimizar o serviço diante da escassez de pessoal. Além disso, aquela regra pode ter sido criada para punir aqueles salva-vidas que abandonam seus postos displicentemente, deixando uma determinada zona da praia sem vigilância. Em todo caso, aparentemente, o problema que a regra pretendia resolver não tem muitas semelhanças com a situação real vivida por aquele salva-vidas que agiu movido por um dever de proteção incondicional à vida humana.

É preciso ter em mente que qualquer regra válida existe em função de um princípio maior, que, nesse caso, é o salvamento de vidas humanas. É o princípio que fundamenta a regra. A regra existe em função daquele princípio e não o inverso. Por isso, a regra não deve ser observada cegamente, pois ela é instrumental em relação ao princípio. Naquela situação concreta em que mobilizar a regra acarretaria uma violação direta ao princípio que fundamenta a regra, só havia uma solução legítima: fazer valer o princípio.

Na linguagem típica do jurisprudencialismo, certamente não seria preciso falar-se em ponderação de regra, nem mesmo ponderação de princípio, mas ponderação de problemas. O que o jurista pondera é o juízo problemático, comparando soluções pressupostas pelo sistema normativo com as soluções adequadas ao caso concreto. A chamada ponderação de regras ou relativização de norma transforma-se no jurisprudencialismo em uma expressão mais elegante: a não-assimilação do critério normativo pelo problema concreto diante de uma peculiaridade do caso decidendo não previsto pelo legislador (assimilação por correção sincrônica). Tal solução seria conforme ao direito, pois o sistema normativo é aberto e dinâmico, justamente para poder se sincronizar com essas situações inusitadas que o mundo da vida sempre nos apresenta, ocasião em que os princípios funcionariam como bússolas a guiar o juristas na busca da melhor solução possível.

Sendo assim, do ponto de vista da validade jurídica, agiu bem o salva-vidas. Errado está o superior hierárquico que não levou em conta o princípio-mor que rege aquela atividade, nem o contexto problemático que levou o salva-vidas a ausentar-se momentaneamente de seu posto. Fosse eu o juiz do caso – e olhando a situação sob a perspectiva jurisprudencialista – não teria a menor dúvida em anular a demissão.

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23 comentários em “Ponderar regras: um caso interessante”

  1. A maior relutância, por parte dos juristas, em aceitar uma flexibilização na interpretação e aplicação das regras, decorre não da negação dos bons serviços que esta pode resultar, mas temendo a distorção e uso indevido quem podem surgir.

    O problema maior vai residir em reconhecer os limites da atividade interpretativa. A luz do caso concreto, toda e qualquer norma pode ser relativizada? Será que a regra da irretroatividade da lei penal maléfica, ou da anterioridade da lei penal também podem ser deixadas de lado, diante de crimes absurdos?

    Provas ilícitas sendo produzidas em prol do interesse coletivo. Chegar, até mesmo, por uma via interpretativa plausível, a tantos outros males, que podem ser obscurecidos por uma argumentação que pode seduzir ao ponto de ludibriar?

    Em alguns casos será de grande valia, mas não será que deveria existir limites?

    1. Evandro, a dificuldade é porque você está pensando da norma ao problema e não do problema à norma.
      A norma não é uma abstração descontextualizada. Ela existe em função de um problema para o qual ela foi criada. Sem compreender o problema que justificou a sua criação, não há como utilizar sabiamente o critério normativo nela previsto. Repito: para o jurisprudencialismo, não há que se ponderar regras, nem princípios, mas problemas. Comparem-se os problemas e, se forem normativamente semelhantes, a solução há de ser aquela contida na regra.
      Todo raciocínio jurídico é uma comparação entre problemas: o problema pressuposto pela norma e o problema real a ser solucionado. Se você só pensa na norma como uma solução para todo e qualquer problema (e não para os problemas típicos para os quais ela foi criada), então fica difícil compreender a proposta jurisprudencialista. Pense na norma como uma proposta de solução para casos típicos. Se o caso for típico, o critério normativo é assimilado na sua integralidade, de forma plena, sem qualquer tipo de correção ou adaptação por parte do jurista. Por outro lado, se o problema concreto não for típico, a norma precisa passar por um processo de correção ou adaptação.

    2. Evandro,
      a dificuldade de compreensão por você assinalada ocorre porque você está pensando a partir da norma e não a partir do problema, que é justamente o que o jurisprudencialismo critica.
      Toda norma é a proposta de solução para um problema típico. Se o problema for típico, o jurista tem mesmo é que fazer uma assimilação total do caso ao critério normativo contido na norma-regra. Porém, dada as limitações do legislador, os problemas jurídicos reais costumam ser inusitados, fugindo daquele padrão previsto na norma. Em situações assim, é um equívoco tentar realizar uma assimilação total da norma ao caso, sem realizar um esforço de adaptação ou mesmo de correção do critério normativo.
      Não se trata de descumprir a regra, mas de reconhecer que a regra não foi feita para aquela situação atípica.
      A regra que estabelece a limitação geográfica à atuação do salva-vidas é válida e deve ser aplicada para as situações típicas. Não tenho a menor dúvida de aceitar a punição de um salva-vidas que abandonou seu posto para namorar ou para tomar cerveja. Por outro lado, jamais admitiria a punição de um salva-vidas que abandonou seu posto por conta de um furacão ou de um terremoto. São situação atípicas que não se amoldam na proposta de solução contida na norma.
      Você compreende o que quero dizer. Não se trata de ponderar regras, mas de reconhecer que elas têm um limite de aplicação (ou de assimilação) estabelecido pela tipicidade da situação problemática nela prevista.

      George

  2. O Sr. Evandro foi no cerne da questão.
    Nas sua objetiva observação, o problema a ser enfrentado.

  3. Pouco adianta querer dar objetividade a questões humanas que, por natureza, serão sempre subjetivas. Entendo que é um pressuposto necessário a qualquer sistema, do contrato social à garantia da segurança jurídica, mas não me parece ser A SOLUÇÃO – se é que há uma.

    Impor limites acaba sendo uma forma de “objetivização”. No final, estaremos andando em círculos presos ao famoso dilema do “who watch the watchers”.

    Eis a beleza – e o fracasso – da experiência humana.

  4. Parabenizo o Colega George Marmelstein, tanto poe este espaço quanto pela aula na Esmafe:”A (Des)graça da Justiça: a percepção do judiciário brasileiro pela ótica dos humoristas”

    Processo, por natureza, é um conjunto de movimento e de interação. Isso introduz um paradoxo:

    O Direito, criado para garantir a paz social, quer regular as relações, e – ao longo do desenvolvimento da civilização, desenvolveu um notório pego ao imobilismo.

    E tem muitos confundindo regras com segurança devido as manipulações e egocentrismo. . Contudo, o mundo transforma-se cada vez mais rapidamente. O “novo” modelo Constitucional de 1988, criou e transformou os direitos. Acentuou a incongruência da ideologia processual herdada do “imobilismo” histórico no direito com a evolução da sociedade e da vida. Novos paradígmas na ciência jurídica podem ser as principais razões da crise jurisdicional. Um pilar para a evitar essa manipulação coletivas, pode ser a compreensão de que os seres humanos atuam em quatro planos: http://www.padilla.adv.br/crenca/

    Atenciosamente
    Prof. PADilla
    Faculdade de Direito da UFRGS
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul
    http://www.padilla.adv.br/processo/tgp/

  5. A resposta da questao parece ser normativa, e nao etica…

    Estah la na convencao americana de direitos humanos que ninguem PODE ser privado da vida arbitrariamente, devendo o Estado proteger esse direito.

    Trata-se de norma de JUS COGENS (conteudo de direitos humanos) que nao PODE SER DERROGADA. Isso nao por conviccoes eticas. O tratado de viena aponta as normas de jus cogens (entre as quais estao indiscutivelmente as normas de direitos humanos) COMO CAUSA DE NULIDADE DE TRATADOS.

    Desse modo, no caso em QUESTAO:

    1) A demissao pode ocorrer sem justa.
    2) A CLT, ao determinar que o abandono do emprego configura justa causa, deve ser considerado em seus devidos termos. Nao se trata, A RIGOR, de incompatibilidade (inconvencionalidade) entre a norma da CLT e o direito a vida previsto na Convencao Americana de Direitos Humanos. Trata-se da necessidade de complementar os preceitos dos dois textos.

    Nao se trata de aceitar o primado do direito internacional, tampouco de aceitar com todo o rigor a teoria monista. Tanto a convencao de VIENA quanto a convencao americana de direitos humanos foram INTERNALIZADOS. Alem disso, o ESTADO DE NECESSIDADE, ateh em relacao aos Estados, EH RECONHECIDO COMO JUS COGENS. Trata-se de normas que independem de CODIFICACAO para serem exigiveis. iSSO, nao por conviccoes eticas, MAS em decorrencia do Tratado de Viena.

    Devemos evitar APOIAR-NOS em decisoes ETICAS quando o proprio Sistema Juridico OFERECE SOLUCAO para o caso.

    No caso em QUESTAO a DECISAO ETICA gera decisao igual a decisao juridica. Mas HA POSSIBILIDADE de a decisao etica ser contraria ao mandamento juridico.

    Aih eh que a porca torce o rabo.

  6. GEORGE, PONDERA ESSA:

    http://judexquovadis.blogspot.com.br/2012/07/inversao-de-valores.html

    Com o advento da lei 12681, de 04 de julho de 2012, a ficha de antecedentes criminais não pode mais mencionar os inquéritos que o indivíduo responde ou respondeu.

    Agora, colocar na internet o holerite dos magistrados e servidores públicos é imperioso legal e constitucional.

    Com tanta transparência, uma hora some.

    Bel. Pinguelas de Miranda

  7. Amigos, lendo o texto me ocorreu uma dúvida. A utilização do raciocínio jurisprudencialista poderia ser equiparada à utilização do método hermenêutico tópico-problemático, aperfeiçoado por Theodor Viehweg?

    1. Rodrigo,
      a única semelhança entre o jurisprudencialismo e a tópica é a valorização do problema como locus central do raciocínio jurídico. Mas há uma diferença substancial, que é a valorização do sistema normativo pelo jurisprudencialismo. O sistema, na perspectiva jurisprudencialista, é composto por vários estratos: princípios, normas, jurisprudência e doutrina. Cada um desses estratos exerce uma função: de fundamentação, de igualização, de estabilidade ou harmonização, de racionalização, respectivamente.
      Além disso, o jurisprudencialismo preocupa-se com a fundamentação material da realização do direito. A tópica é mais “retórica”, por assim dizer. Em princípio, qualquer topos pode ser mobilizado para convencer e justificar a decisão. Os topoi aparecem “depois” que a decisão já está tomada. No jurisprudencialismo, o sistema orientará a tomada de decisão, ou seja, surge antes da tomada de decisão.
      De qualquer modo, você tem razão quando percebe a valorização do problema como ponto comum entre o jurisprudencialismo e a tópica.

      1. Obrigado pelos esclarecimentos Professor! Pelo que entendi então, o jurisprudencialismo pode ser entendido como uma técnica que combina o bom senso jurídico agregado aos elementos que servem de base ao sistema normativo posto.

  8. Professor,
    Considere a hipótese de que no momento em que abandona seu posto, outra pessoa, se afoga na “área de cobertura” abandonada. O que passaria?
    Explico: penso que o “decisionismo” é tão inevitável e fortemente presente, que “simples” idéia de que a regra que trata dos “marcos geográficos de atuação do salva-vidas” é “menos importante” já é, por si só, uma opção interpretativa discricionária.
    Não?

    1. Italo,
      a questão não é de ponderar regras. Não é que a regra que define os marcos geográficos do salva vidas é menos importante do que o princípio da proteção da vida humana. A questão é que aquela regra foi criada para solucionar outro tipo de problema diferente do que ocorreu de fato. A situação concreta não está no âmbito daquela norma. A regra foi criada para racionalizar a atuação dos salva-vidas e para punir os salva-vidas displicentes e não para inibir a atuação do salva-vidas quando se depara com um afogamento à sua frente.
      Se, ao mesmo tempo em que o salva-vidas abandona o seu posto ocorre outro problema na sua zona de atuação, temos aí um novo problema. Se o salva-vidas fizer tudo o que estiver a seu alcance para salvar todas as vidas, ele cumpriu o seu dever de proteção e por isso não pode ser punido. Enfim, toda situação problemática precisa ser analisada em sua singularidade. Não adianta querer impor uma solução padronizada para situações diferentes.

      George

  9. Os novos comentários do prof. George já me proporcionaram uma nova perspectiva sobre a questão. Ainda há muito o que ler e refletir.

  10. Isso, de certo modo, remete as ideias de Geny, professor? Levando em consideração o ‘código’, mas para além deste?

    Essa questão também, posso estar engando, relaciona-se com a ideia que o Humberto Ávila fala quando trata das regras, afirmando que estas também possuem uma dimensão de peso, uma vez que existem as ”razões da regra” e as ”razões acima das regras”, que podem ser utilizada para afastar a incidência da norma-regra e melhorar sua aplicação.

    Em relação ao problema principal, professor, na minha opinião, é que essa questão muito mais hermenêutica e de aplicação do direito. Algumas variantes têm que ser consideradas. A compreensão do ordenamento jurídico como um todo é uma delas.

    As normas consideradas de forma isolada podem levar a decisões estranhas, até mesmo a uma percepção de que não há unidade ou coerência no ordenamento. Mas não existem normas isoladas. A norma que o senhor apresentou não pode ser interpretada isoladamente, existem tantas outras vertentes jurídicas que podem chegar a decisão que realmente é a mais correta, que seria a não punição do salva-vidas.

    Será que realmente é necessário ir além do ordenamento jurídico, buscando uma resposta a partir dessa perspectiva de jurisprudencialismo para resolver uma questão desse tipo? A solução do problema já não está, de certo modo, desenvolvida no próprio ordenamento? Saindo da norma e indo para as demais ferramentas existentes no sistema jurídico?

    E mesmo levando em considerações os problemas, e a possibilidade de que novas e complexas vão surgindo, um problema essencial é a questão da segurança jurídica, previsibilidade das condutas. As regras, em verdade, buscam assegurar esses valores. O jurisprudencialismo deve levar em consideração esses problemas. Uma vez sendo negligenciados um incômodo considerável pode surgir, ou seja, problemas ainda maiores.

    Em alguns casos, sou realmente a favor de uma interpretação mais ampla das regras, mas acho que algumas situações limítrofes não podem ficar sujeitas a uma modificação judicial, mesmo diante de problemas que em uma primeira vista seriam injustos.

    Pode-se levantar a questão em sede judicial, mas o debate deve ser mais amplo. Mesmo nos casos em que será feita uma inovação, ainda poderia se cogitar que algumas regras antes de sua efetiva aplicação sejam utilizadas, como anterioridade, legalidade, para que as pessoas não sejam pegas de ‘surpresa’.

    O reconhecimento da atividade judicial como criação do direito é inegável, mas com isso algumas condições têm que ser impostas também.

    Só para ilustrar, seria possível afastar a determinação legislativa para a caracterização do estado embriaguez o imprescindível uso do bafômetro, como definido pelo STJ, em função do problema que se caracteriza os acidentes de trânsito e da má técnica legislativa que foi utilizada?

    De qualquer modo, muito interessante essa doutrina do jurisprudencialismo! Vou tentar pesquisar mais sobre isso.

    1. Gustavo,
      sem dúvida, a perspectiva teleológica é um elemento crucial para a justa realização do direito. Porém, para Castanheira Neves, o que vale não é a ratio legis (vontade da lei ou do legislador), mas a ratio iuris, vale dizer, a conformidade com os princípios fundantes da juridicidade. Além disso, o jurisprudencialismo não é uma perspectiva voltada à interpretação de textos. Perceba que, para solucionar um problema como o que foi comentado, sequer foi necessário conhecer a letra da regra. A interpretação é apenas um momento – relativamente menos importante – de compreensão global do problema jurídico.
      Logicamente, estou aqui simplificando bastante o jurisprudencialismo. Se contarmos os 3 volumes do digesta, a tese de doutoramento, o metodologia, o interpretação, temos cerca de cinco mil páginas de ideias que dão corpo ao jurisprudencialismo.

  11. Caro George,

    Acho que, se o caso houvesse ocorrido no Brasil, e digo isso pois não conheço o direito da Flórida, não haveria problema algum.

    De fato, o salva-vidas teria extrapolado os limites geográficos de sua atuação profissional porque impelido pelo estado de necessidade de terceiro.

    Isso, pelo direito positivo brasileiro, retiraria a ilicitude do seu ato.

    Assim, não se defrontaria com colisão de princípio e regra, mas com a simples aplicação de regras existentes no direito positivo.

    E penso que muitos casos – aos quais se quer aplicar ponderação de princípios ou de princípios e regras – possam ser solucionados com a análise simples do que há no ordenamento positivo.

    Abraço,

  12. Castanheira Neves nao inventou nada. Jurisprudencialismo eh outro nome para jurisprudencia dos interesses. Isso eh plagio. Vide Heck, que nasceu bem antes de Castanheira.

  13. Fundilhos

    http://judexquovadis.blogspot.com.br/2012/07/fundilhos.html

    Divulgaram o salário na internet.

    Não teve mais desconto no comércio.
    Não teve mais crédito bancário.
    Não teve mais sossego com os credores.
    Não teve mais privacidade.

    O senhorio quer o reajuste do aluguel,
    a ex-esposa a revisão da pensão,
    os parentes dinheiro emprestado,
    e a bandidagem já calculou o preço do resgate.

    Vai ter que vender as vísceras para os arúspices populistas de plantão.

    Bel. Pinguelas de Miranda

  14. Já é a segunda vez que me valho das luzes do Dr. George Marmelstein. Com alegria, sinto o seu grande mérito como formador de opiniões. Digo, sem medo de errar, que nesta sua coluna ele cumpre, magnificamente, a sua função social:aquele que consegue enxergar bem mais longe e, por isso, torna-se o nosso guia. Parabéns, Dr. George!

  15. Doutor George Marmesltein Lima é um dos melhores magistrados da Justiça Federal. Sabe tudo de constitucionalismos e de jurisprudências. Juiz intelectual e dos mais preparados na defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana. Saudações jurídicas do Blog do Professor Tim.

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