STF e Anencefalia

Amanhã (11 de abril de 2012), será um grande dia para a jurisdição constitucional brasileira. Depois de quase uma década, o STF finalmente enfrentará o mérito da ADPF 54/2004. Há uma probabilidade grande de o STF julgar a favor da procedência da ADPF. O fundamento, porém, é imprevisível, embora, a meu ver, seja o aspecto mais relevante da discussão.

Há, pelo menos, duas linhas possíveis (pela procedência da ação): (a) a atipicidade da conduta; (b) ponderação de valores favorável à liberdade de escolha da mulher.

A solução pela aticipicidade da conduta, na minha ótica, é o argumento mais forte e mais técnico. Baseia-se no fato de que o problema é inédito e não existia em 1940, quando foi elaborado o Código Penal. Trata-se, portanto, de uma questão jurídica nova, atípica, razão pela qual não pode ser punida. A referida solução teria a vantagem prática de não entrar na discussão sobre o conflito entre a liberdade e a vida do feto, não interferindo na discussão sobre outros casos de aborto. Se o STF for nessa linha, a sua decisão talvez seja mais facilmente assimilável pelo grupo “pro life”, que teme a ladeira escorregadia. Ao fim e ao cabo, o STF apenas estaria dizendo que a matéria não possui tratamento jurídico-penal, mas o legislador, se assim desejasse, poderia criar um tipo penal específico para o aborto com fetos anencéfalos, valendo pro futuro.

A outra linha argumentativa seria enfrentar o conflito valorativo propriamente dito e decidir se o estado tem o poder de interferir na escolha da mulher em situações tais. Se o STF entender que, na referida colisão de direitos fundamentais, há de prevalecer a autonomia da mulher, estaremos dando um grande salto a favor de uma sociedade que valoriza a capacidade individual de tomar decisões por conta própria. E isso certamente terá reflexos em outras questões relevantes e nos obrigará a refletir sobre uma série de normas legais que restringem a liberdade individual em nome da tradição.

Infelizmente, o modelo deliberativo do nosso STF é falho em diversos aspectos e, provavelmente, teremos mais uma vez um monólogo de onze vozes, onde cada qual fala por si e não há qualquer tentativa de buscar uma vontade minimamente unitária. Com isso, teremos um relevantíssimo julgamento, com belos votos em vários sentidos, que não se comunicam. Ao final, haverá por certo uma resposta (sim ou não), mas inúmeros fundamentos nem sempre coerentes entre si e incapazes de oferecer um verdadeiro guia de orientação para casos futuros.

6 comentários em “STF e Anencefalia”

  1. Estimado George,

    quem sabe se a corte fosse formada por filósofos e médicos a solução não seria mais justa. A retórica seria espancada por quem entende do assunto, e não por leitores amadores, como os juristas. Por outro lado, os médicos parecem ser MAIS que meros amigos da corte. Amigo é quem ajuda, quem dá o conselho, não quem resolve o problema. Saber o grau de desenvolvimento do feto é o principal para determinar qual a norma aplicável. A solução preenche a norma e resolve o problema. Os juristas ficam com a parte de resolver o então: liberar ou não a gestante da punição. Grande merda!

    Sobre a parte de ENCONTRAR A VONTADE DO LEGISLADOR…

    A vontade do legislador é argumento velho e caído aos pedaços, é peça de museu. Carl Engisch afirma que não sabe como esse princípio de hermenêutica ainda consta em manuais introdutórios ou na mente de juristas. É autoritário, porque a lei sempre depende da vontade do ditador, de katchangadas, para ser aplicada. Sempre que há vazio normativo lá estará o legislador e sua vontade, que coincidentemente sempre coincide com a do aplicador….

    Defendo uma corte para o caso concreto, tal como defendia Sócrates. E defendo uma Corte de especialistas. Não apenas de filósofos, como propunha Platão. Mas com predominância deles. Os Ministros da Corte seriam transformados em amigos da corte, porque resolvem o problema mais fácil, o jurídico, o problema do “se… entao” ou da norma aplicável ao caso….

    João Paulo…

  2. George,

    Salvo engano, há debates, sim, a portas fechadas, tanto entre ministros quanto entre assessores. Tanto é assim que, em muitas ocasiões, as linhas argumentativas são bem parecidas, diferindo apenas os aspectos secundários da argumentação.

    Não sei se esse é o melhor modelo, mas um em que houvesse o debate, ao vivo, entre os ministros, mais do que acontece hoje, seria absolutamente enfadonho, impraticável, eu diria mesmo intolerável, em face da quantidade de questões postas atualmente à decisão do STF.

  3. Debate fora da vista não vale. O confronto entre opiniões permite a crítica, e poderia demonstrar a a fragilidade de algum argumento.

    A proposito, se o julgamento fosse interessante,

    SERIA TRANSMITIDO NA ÍNTEGRA pela TV Globo…

    Por que não é:

    1) portugues pomposo e não raro com erros crassos. O que se houve de INEXORAVEL com o som de CS, “eis que” como sinônimo de JÁ QUE. não está no Gibi…
    2) A dificuldade do discurso pomposo não atrai o público
    3) Os erros no discurso e o DIREITO como coadjuvante na solução do caso também não anima os mais aculturados…
    4)Os cultos se interessaram mais pela AUDIENCIA PUBLICA…lá sim havia especialistas. Se assistem a decisão, será mais por curiosidade do que por interesse acadêmico….

    O que proponho: ESPECIALISTAS NA CORTE. Debates no estilo socrático com filósofos de primeira linha… Loucura? Penso que não. O Direito está dominado há tempos por FILÓSOFOS POLÍTICOS.
    A melhor obra de Justiça ainda é de Rawls, filósofo político. Habermas é o nome mais citado em qualquer monografia sobre Jurisdição Constitucional…. Todos eles, INSISTO, não são juristas!!!!

    Se têm autoridade para TRATAR DO DIREITO, por que nao poderiam julgar? O Direito posto está cada dia menos normativo. A abertura necessária para a respiração do Direito por outros áreas ( a tal atopoiose) TORNA A FILOSOFIA OU OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO a parte fundamental da decisão.

    Ministros do STF: amigos da Corte?

  4. Pior que ser julgado pelos ministros do STJ seria ser julgado por filósofos, que entendem tanto da realidade e da aplicação do Direito quanto os ministros entendem de Medicina….
    Acredito que o George tenha razão, os Ministros vão escapar pelo caminho mais fácil da atipicidade, para não terem que enfrentar a questão valorativa e a pressão dos grupos religiosos.

  5. Mais uma previsão certa! Como o Dr Geoge disse, os ministros optaram pela tese da atipicidade e seus votos foram tão diversos que pouco poderão servir como linha argumentativa para casos futuros.

    Mas em um quesito mostraram consonância: ainda não é comum no Brasil utilizar uma discussão jurídica-dogmátic, técnica – a qual, inclusive, justificaria a escolha por juristas e não por filósofos nos tribunais.

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