Em 2010, assistimos a uma batalha entre dois órgãos jurisdicionais que não possuem qualquer tipo de relação de subordinação entre si que forneceram soluções opostas para o mesmo problema. A disputa entre as cortes constitucionais e os tribunais internacionais certamente não é nenhuma novidade no direito mundial, mas, pela primeira vez, atingiu o Brasil em cheio. É provável que esse tipo de conflito marque o cenário jurídico de agora em diante. Por isso, é essencial compreendê-lo adequadamente para tentar encontrar respostas compatíveis com esses novos tempos de globalização jurídica, onde se tenta construir uma grande rede global de proteção dos direitos.
No caso específico que aqui vou analisar, o que está em jogo é a investigação e punição dos militares que praticaram crimes contra os direitos humanos durante a ditadura militar brasileira. Mais especificamente, discute-se a validade jurídica da Lei de Anistia, promulgada em 1979, que está servindo como desculpa para impedir a busca da responsabilidade penal dos militares.
De um lado, o Supremo Tribunal Federal, em abril de 2010, decidiu que a Lei de Anistia está valendo, de modo que os militares não podem ser processados ou condenados. Do outro lado do ringue, está a Corte Interamericana de Direitos Humanos que decidiu, em novembro de 2010, que a não-punição dos militares configura violação às convenções internacionais de direitos humanos ratificadas pelo Brasil.
O Supremo Tribunal Federal decidiu a questão ao julgar, por 7 a 2, improcedente o pedido da ADPF 153/2008. Na ocasião, o STF declarou que a Lei de Anistia não teria perdido a sua validade jurídica, de modo que os crimes praticados por militares com motivação política durante a ditadura foram anistiados, não podendo os seus autores serem processados ou condenados criminalmente. O julgamento teve como base a idéia de que a Lei de Anistia teria sido fruto de um intenso debate social e representou, em seu momento, uma etapa necessária ao processo de reconciliação e redemocratização do país. Sem ela, o fim do regime militar seria muito mais traumático e, provavelmente, outros crimes seriam praticados de ambos os lados, pois se perpetuaria o clima de desconfiança e rivalidade entre os diversos grupos políticos.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, decidiu a questão ao julgar o Caso Gomes Lund e Outro (“Guerrilha do Araguaia”) v. Brasil. Na decisão, a CIDH entendeu que “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil”.
A CIDH determinou ainda que o Brasil deverá “conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e conseqüências que a lei preveja”.
Temos aí um claro conflito de jurisdição. Como sair desse impasse?
Aparentemente, o STF terá que mudar de opinião, adequando seu entendimento ao que foi decidido pela CIDH. Isso colocaria o Brasil dentro da legalidade internacional, mas geraria alguns constrangimentos que talvez o STF não queira sofrer. Daí porque há grande possibilidade de que o STF não reveja sua decisão, ocasião em que o Brasil terá que descumprir a decisão da CIDH, sujeitando-se, perante a comunidade internacional, às conseqüências daí decorrentes.
Parece ser uma sinuca de bico, pois qualquer que seja a solução adotada haverá o descumprimento de algum princípio importante. Acredito, porém, que talvez seja possível encontrar uma saída conciliatória, onde se poderá cumprir a decisão da CIDH sem que se reveja a decisão do STF. Antes de explicar meu ponto de vista (que ainda está amadurecendo), vou explicar alguns pontos importantes que estão na base dessa questão.
A razão principal da condenação do Brasil perante a CIDH foi a não-apuração dos crimes praticados pelos militares durante a Guerrilha do Araguaia (1972-1974), especialmente o desaparecimento forçado de presos políticos. Foi demonstrado que os militares brasileiros praticaram uma verdadeira chacina na Guerrilha do Araguaia. Mais de 60 estudantes, trabalhadores, artistas, camponeses que lá estavam foram brutalmente assassinados e até hoje os seus familiares sequer puderam saber qual o paradeiro de seus corpos, diante do pacto de silêncio firmado pelos agentes da repressão. Até hoje, as circunstâncias dos desaparecimentos não foram devidamente esclarecidas, os restos mortais não foram localizados, identificados e entregues a seus familiares, e os responsáveis não foram investigados, processados ou sancionados.
É importante ter em mira esse fato porque isso foi decisivo para o reconhecimento da competência da CIDH. É que o Brasil, ao aderir ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, aceitou submeter-se à jurisdição da CIDH com uma condição: a CIDH poderia julgar o Brasil tão somente em relação aos fatos praticados após 10 de dezembro de 1998. Por expressa vontade do Brasil, a CIDH não pode julgar fatos ocorridos antes dessa data.
A CIDH reconhece essa condição temporal, mas desenvolveu um inteligente argumento para justificar a sua competência. Segundo a Corte, a violação aos direitos humanos cometida pelo Brasil foi a não apuração do crime de desaparecimento forçado de seres humanos durante a Guerrilha do Araguaia, cujos corpos continuam sumidos. O crime de desaparecimento forçado seria um crime de caráter permanente, ou seja, o crime continua sendo praticado, já que os corpos ainda não foram encontrados. Tal crime se inicia com a privação da liberdade da pessoa e a subseqüente falta de informação sobre seu destino, e permanece até quando não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e os fatos não tenham sido esclarecidos. Com base nisso, a CIDH reconheceu a sua competência para analisar os desaparecimentos forçados das vítimas da Guerrilha do Araguaia, pois, embora o crime tenha se iniciado em 1972, ele continua sendo praticado até que os corpos sejam encontrados.
Também foi reconhecido o caráter subsidiário da proteção exercida pelos órgãos internacionais de direitos humanos. Isso significa que o propósito de uma instância internacional não é revisar ou reformar a sentença interna, mas constatar se a referida sentença está em conformidade com as normas internacionais. No caso específico, o Brasil, inclusive com o aval do Supremo Tribunal Federal, invocou a Lei de Anistia para se negar a investigar os fatos, identificar os responsáveis e garantir a correta aplicação da justiça penal. De acordo com a CIDH, faz parte das atribuições do tribunal internacional analisar a conformidade desse tipo de atitude com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. A CIDH não agiu como uma instância recursal de julgamento, atuando como um órgão revisor das decisões do Supremo Tribunal Federal. Sua decisão limitou-se a analisar se o Brasil violou suas obrigações internacionais, dentro dos limites do chamado controle de convencionalidade.
Também há outro aspecto importante da decisão da CIDH nessa questão do controle de convencionalidade. Para a CIDH, os agentes estatais brasileiros também deveriam fazer essa análise, verificando se as normas internas estão em conformidade com os tratados internacionais. Isso porque “quando um Estado é Parte de um tratado internacional, como a Convenção Americana, todos os seus órgãos, inclusive seus juízes, também estão submetidos àquele, o que os obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam enfraquecidos pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e finalidade, e que desde o início carecem de efeitos jurídicos. O Poder Judiciário, nesse sentido, está internacionalmente obrigado a exercer um “controle de convencionalidade” ex officio entre as normas internas e a Convenção Americana, evidentemente no marco de suas respectivas competências e das regulamentações processuais correspondentes. Nessa tarefa, o Poder Judiciário deve levar em conta não somente o tratado, mas também a interpretação que a ele conferiu a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana”.
Pois bem. Não há dúvida de que a CIDH é a “intérprete última da Convenção Americana”. Porém, também não há dúvida de que o STF é o “intérprete último da Constituição brasileira”. Como conciliar a vontade desses dois ínterpretes últimos nesse caso em questão?
Vejo uma saída harmônica, que, a um só tempo, respeita os princípios da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade e até mesmo as disposições da Lei de Anistia e das regras de prescrição do direito brasileiro. Acredito que essa saída encontra-se no artigo 211 do Código Penal, que prevê o crime de destruição, subtração ou ocultação de cadáver.
Como bem lembrou a CIDH, o Brasil foi condenado por não haver investigado nem punido o desaparecimento dos guerrilheiros de Araguaia. Esse crime tem caráter permanente. Ele perdura até que os corpos sejam encontrados. Ora, se o crime continua sendo praticado, já que os corpos continuam desaparecidos, então é óbvio que tais crimes não podem ser favorecidos pela Lei de Anistia, que só impediu a punição dos crimes praticados antes de sua promulgação. A ocultação dos cadáveres persistiu mesmo depois da lei de anistia. Logo, sua prática iniciou-se em 1972, mas ainda não terminou.
Não há qualquer violação da Lei de Anistia, ou das regras de prescrição, se o Brasil iniciar, hoje, uma investigação para apurar a prática dos crimes de ocultação de cadáver ocorridos naquele momento. Esse é o único crime que, a rigor, poderia servir para punir os militares sem desrespeitar qualquer princípio do direito penal. Os demais crimes: tortura, homicídio, seqüestro, maus tratos etc, ou não eram tipificados (caso da tortura) ou estão prescritos ou estão abrangidos pela Lei de Anistia.
Uma eventual condenação dos responsáveis pelos crimes de ocultação de cadáver praticados durante a Guerrilha do Araguaia talvez resulte em penas demasiadamente brandas, diante da gravidade dos fatos. Mas, a meu ver, mais importante do que o quantum da pena é a investigação e punição dos envolvidos, pelo efeito simbólico que isso teria. A maioria dos acusados certamente já tem mais de 70 anos de idade. O mero fato de fazê-los sentar no banco dos réus, forçando-os a contar o que sabem a fim de que a verdade venha à tona, já representaria uma atitude exemplar para transmitir para as gerações futuras a mensagem de que aqueles crimes não podem ficar sem resposta, mesmo tanto tempo depois de terem sido praticados.
Não é uma boa saída?
**
Fonte:
CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil
Excelente artigo.
Já enviei o link aos meus contatos (via e-mail e twitter).
Ainda não consegui lhe achar no twitter (coloque seu endereço p/ que possamos lhe seguir).
E por fim, parabéns.
Abraços.
Na verdade eu acho que foi exatamente essa a conclusão que a CDH chegou, mas pelo voto no Min. Peluzo, ao que parece, a nossa Corte está tentando evitar exatamente isso, que os acusados sentem no banco dos réus e que a verdade venha a tona.
Vamos esperar as cenas dos próximos capítulos…
Na verdade, a CIDH não mencionou expressamente a possibilidade de enquadrar os militares no artigo 211 do Código Penal. Ela não esclarece que tipos de crimes foram cometidos à luz da legislação brasileira.
E estabelece o seguinte: “por se tratar de violações graves de direitos humanos, e considerando a natureza dos fatos e o caráter continuado ou permanente do desaparecimento forçado, o Estado não poderá aplicar a Lei de Anistia em benefício dos autores, bem como nenhuma outra disposição análoga, prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente similar de responsabilidade para eximir-se dessa obrigação, nos termos dos parágrafos 171 a 179 desta Sentencia”.
Ou seja, o que a CIDH determinou foi a não aplicação da Lei de Anistia. Pela proposta que aqui sugeri, não é necessário afastar a Lei de Anistia para atingir o mesmo fim: a punição dos envolvidos, já que o crime (de ocultação de cadáver) continua sendo praticado.
George
Também entendi assim. E se a anistia não vale para os que praticaram as tais violações, eles poderiam ser levados a juízo para responder por tais crimes, certo? Penso que o STF teria que ser provocado, a partir de algum caso concreto, suscitado por algum familiar, a rever sua decisão sobre o tema. Urgente!
Dr. George,
Novamente, concordo com o senhor. Acho uma saída muito interessante.
No entanto, já antevejo um possível contra-argumento: como o conceito de conexação utilizado na Lei de Anistia é um conceito amplo, não identificável, especificamente, com o conceito de conexão previsto no CPP, o crime de ocultação de cadáver também seria conexo com os demais crimes anistiados. (Art. 1º, § 1º da Lei 6683: § 1º – “Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.)
Se não estou enganado, essa interpretação sobre a conexão foi justamente um dos pilares da decisão do STF.
Poder-se-ia afastar tal argumento levando em conta a continuidade do delito de ocultação de cadáver, como o senhor sustenta, mas, de todo modo, parecer disputável a questão.
Respeitosamente,
Emanuel de Melo
Concordo com Vinicius V. A CIDH determinou a não aplicação da Lei de Anistia justamente “considerando a natureza dos fatos e o caráter continuado ou permanente do desaparecimento forçado”. Assim, essa lei não pode ser aplicada porque se está diante de crimes que continuam acontecendo e que, portanto, não foram anistiados.
Por fim, a CIDH afirma que deverão ser aplicadas as sanções e conseqüências que a lei brasileira prevê. O prof. George acertou ao identificar, no nosso ordenamento, o crime de ocultação de cadáver, provavelmente o único que se aplicaria ao caso sem ferir a decisão do Supremo.
Cordialmente,
Fabrízia
George,
Interessante reflexão, mas discordo quanto a movimentar o judiciário para tentar punir o crime de ocultação de cadáver, ou obter um efeito simbólico com a investigação.
Primeiro porque me parece que afronta o princípio constitucional da razoabilidade iniciar uma persecusão penal após 37 anos, com o simples argumento de que o crime seria permanente. Essa interpretação, na prática, equivaleria a tornar a persecusão penal eterna, comprometendo a segurança jurídica.
Outro aspecto: a natureza permanente do crime interfere na prescrição em abstrato, mas não na prescrição retroativa, baseada na pena em concreto. Isto é, haveria a condenação, mas a prescrição seria fatalmente reconhecida, pois entre a data do fato e o recebimento da denúncia decorrreu o lapso prescricional (lembrando que a esse fato não se aplica a alteração trazida pela lei 12.234/10, que revogou o par. 2 do art. 110 do CP). Seria uma “frustração” processual, que levaria a Justiça ao descrédito [ainda maior].
Sem contar que seria difícil até mesmo oferecer a denúncia, pois seria difícil identificar quais os militares que participaram das operações.
Outra coisa, os restos mortais não seria encontrados, pois os réus não seriam obrigados a revelar o local, produzindo provas contra si mesmos.
Enfim, a tragédia virou apenas fato histórico, sem consequência judicial prática ou útil.
Abraço
André,
quanto à movimentação da máquina judiciária para investigar e punir um crime ocorrido há mais de trinta anos, cuja pena é de 1 a 3 anos, entendo que isso somente seria justificável para cumprir a decisão da CIDH. Seria uma decisão de ‘meio termo’ que certamente não agradaria nem aos militares nem às vítimas, mas, numa situação assim, alguém tem que ceder.
Quanto à prescrição, como o crime ainda não se exauriu, não há que se falar em prescrição seja em abstrato seja pela pena em concreto. Do fato criminoso (ocultação de cadáver) a uma suposta denúncia não transcorrreu prazo temporal algum, pois a ocultação continua sendo praticada.
George
Uma solução bastante interessante é a sugerida timidamente pelo professor Luís Virgílio Afonso da Silva, neste artigo aqui:
Clique para acessar o 2011-Transicao_e_direito.pdf
http://www.teoriaedireitopublico.com.br/vas
Dr. George
Penso que a defesa da soberania nacional tem um preço, e esse preço deve ser pago na defesa de nossa soberania, algo que é muito comum de ocorrer.
Por exemplo, quando o Presidente da República optou por não extraditar o terrorista italiano Cesare Batisti, o fez como uma escolha política, que gerou um certo desgaste das relações internacionais. Foi um preço a pagar na defesa de nossa soberania.
Nesta esteira de raciocínio, como negar ao STF, órgão de cúpula de um dos 3 poderes da república, o direito de reafirmar nossa soberania nacional, mesmo que sobre tal atitude incida um preço político a pagar.
Prezado Leonardo,
confesso que, na minha opinião, o argumento da soberania é o mais fraco de todos. É um argumento ultrapassado e contrário à atitude do Brasil de querer fazer parte de uma comunidade internacional como a ONU ou a OEA. Como o Brasil faz parte da comunidade internacional e aderiu à jurisdição da CIDH de livre e espontânea vontade, não cabe mais invocar o argumento da soberania.
george
Katchanga!
Prezado Dr. George
Com todo o respeito que tenho ao elevado saber jurídico de V.Exa., tenho que discordar e dizer que de certa forma me entristeceu sua resposta.
Primeiro porque a soberania é um dos fundamentos da República (art. 1, I) e portanto cláusula pétrea (art. 60, 4o., I). Bom, sabemos que com recente emenda constitucional, os tratados internacionais foram elevados ao patamar de norma constitucional. Porém, é precisa ressaltar que até mesmo as normas constitucionais, podem ser declaradas inconstitucionais elas mesmas, pois são oriundas do poder constitucional derivado e não do originário.
Segundo, o que me entristece, é ver um juiz de direito jogar no lixo de forma tão simplória a soberania de nosso país, um valor que deveria ser defendido por todos os brasileiros.
Não sei até que ponto o viés ideológico de esquerda contamina V. opinião, mas para fazer uma analogia a um tema caro a V.Exa, poderia dizer o seguinte:
A simetria entre a Magistratura e o MP é um argumento ultrapassado na questão dos benefícios, um vez que o governo concedeu mais benefícios ao MP de espontânea vontade, então não cabe mais invocar este argumento.
Bom, espero que V.Exa., não se ofenda com este comentário, o objetivo é somente o debate de idéias. Obrigado
Não creio que a minha ideologia “de esquerda” tenha afetado a minha conclusão. Antes da decisão da CIDH, eu já havia afirmado aqui mesmo no blog que não achava razoável abrir as feridas da ditadura no intuito de punir, mas tão somente de descobrir a verdade. Ou seja, se eu tivesse me guiando pelos meus ideais ideológicos deveria defender a punição dos militares antes mesmo da decisão da CIDH. Só mudei de opinião porque acho que o Brasil deve respeitar a decisão da CIDH.
Não nego que fiquei feliz com a decisão da CIDH não tanto pelo seu resultado (que, afinal, não era totalmente afinado com a minha opinião), mas sobretudo pelo fato histórico de um órgão internacional se contrapor ao STF. Acredito que esse fato fará com que o STF baixe um pouco a sua bola e talvez torne os seus membros menos arrogantes. Isso por si só já é um grande avanço para a melhora da jurisdição constitucional brasileira.
Quanto ao mérito em si da discussão, acredito que o argumento da soberania é o mais fraco. O Brasil faz parte da comunidade internacional. Se ele quer continuar assim, tem que se submeter às deliberações dos órgãos internacionais. Quer fazer parte do Mercosul, da OEA, da ONU? Que cumpra o que for decidido pelos respectivos organismos internacionais. Se não quer fazer parte, basta não aderir aos tratados. A opção do Brasil foi a adesão à comunidade internacional; logo, não pode invocar o argumento da soberania para escolher quais decisões vai cumprir quais vai descumprir.
Nossa Constituição, lida em seu conjunto, contém várias indicações de que o Brasil deve seguir a comunidade internacional. Basta ver o artigo 4º para perceber isso.
A questão é: a CIDH obrigou o Brasil a punir os militares que causaram o desaparecimento forçado de militantes de esquerda durante a guerrilha do Araguaia. Se o Brasil tiver a intenção de cumprir suas obrigações internacionais, terá que se curvar àquela decisão. Trata-se de uma opção fundamental para saber como o Brasil vai se comportar perante o direito internacional daqui em diante. Caso o Brasil submeta-se à decisão – que, a meu ver, é a escolha mais sábia – parece-me que a única maneira de fazer isso sem comprometer gravemente os valores de segurança jurídica previstos no nosso direito interno (prescrição, anistia, legalidade etc.), será mirando-se no crime de ocultação de cadáver que é o único que ainda pode ser punido, já que tem um caráter permanente.
George
Caro Professor, tenho dúvido se todos os crimes contra Direitos Humanos podem ser classificados como permanentes ou se só o de desaparecimento forçado!
Por favor tire essa minha dúvida.
HwtBjo I’m not easily imrpesesd. . . but that’s impressing me! :)
GY1u3l ffnlznopnyxl
O que acontece quando há conflito entre um compromisso internacional e a Constituição? A resposta que me deram quando estudei Direito Internacional foi a de que não deveria haver conflito, pois um Estado, ao assinar um tratado, deve tomar em conta sua Constituição, e fazer, à época da assinatura, as reservas, ou cláusulas interpretativas, necessárias.
O Brasil, pelo visto, tomou este cuidado ao declarar que só aceita a soberania da Corte para crimes cometidos após 1998.
Dito isso, o argumento de que “desaparecimento” é crime “continuado” parece ter pegado nossos diplomatas e juristas de surpresa, embora houvesse jurisprudência da CIDH a esse respeito pelo menos desde 1988 (estou olhando as notas de rodapé da decisão da Corte). Nós não teríamos assinado a cláusula de jurisdição da Corte se imaginássemos que esta tentaria julgar crimes que, no nosso entendimento, estão cobertos pela Anistia.
No entanto, a pressão de grupos de familiares de vítimas veio a criar essa estranha figura jurídica que é o “desaparecimento”. O que, efetivamente, é um desaparecimento, se não um assassinato, e especificamente um assassinato politicamente motivado? O que ocorre é que encontraram uma prática que foi cometida principalmente por ditaduras de direita contra militantes de esquerda, e portanto um subterfúgio para poder punir seletivamente um dos lados que cometeram crimes durante a Guerra Fria, deixando o outro gozar de toda a reabilitação que tem direito (não há preocupação quanto ao regime do Fidel, pois este não é parte da CIDH mesmo).
É uma tremenda artimanha. Tarso Genro tentou aplicá-la para a tortura, dizendo que “não é crime político”. Mas não achou nenhum argumento jurídico para a tese, por tortuoso que fosse. É preciso correr para achar logo um jeito, senão não se acha mais nenhum torturador vivo para a vingançazinha.
Quanto à idéia da ocultação de cadáver: nice try, mas não satisfaz a sentença da Corte.
Caro Professor Dr. George,
Com muito louvor que admiro às posições aqui tomadas pelos colegas acima e pelo senhor, mas concordo com o André, quando diz que movimentar a maquina judiciária e reaver crimes ocorridos há 37 anos, em que a pena é de no máximo 3 anos, além de levar ao banco dos réus, pessoas com mais de 70 anos, só para satisfazer a vontade de uma corte internacional de direitos humanos seria mais um ato de descrédito para justiça brasileira. Um dos principais objetivos, senão o fundamento máximo, do direito penal é a punição do transgressor com a consequente ressocialização deste e este fim não será atingido.Portanto, o sr. não acha que é desarrazoável punir essas pessoas que, ao ser levado em conta todos os direitos que um devido processo legal lhes dará, caso sejam condenados, não terão mais que um ano de pena para cumprir?
Além disso, não vejo possibilidade de penalizar cada um conforme a sua culpabilidade, pois, tendo em vista, o pacto de silêncio firmado entre eles, não há como se mensurar a devida culpabilidade de cada um deles!!!
Caro Professor Dr. George,
Com muito louvor que admiro as posições aqui tomadas pelos colegas acima e pelo senhor, mas com pedido de vênia concordo com o André, quando diz que movimentar a maquina judiciária e reaver crimes ocorridos há 37 anos, em que a pena é de no máximo 3 anos, além de levar ao banco dos réus, pessoas com mais de 70 anos, só para satisfazer a vontade de uma corte internacional de direitos humanos seria mais um ato de descrédito para justiça brasileira. Além disso, um dos principais objetivos, senão o fundamento máximo, do direito penal é a punição do transgressor com a consequente ressocialização deste e, na lide em questão, este fim não será atingido. Portanto, o sr. não acha que é desarrazoável punir essas pessoas que, ao ser levado em conta todos os direitos que um devido processo legal lhes dará, caso sejam condenados, não terão mais que um ano de pena para cumprir? E o princípio da economia do processo e sua razoável duração, não podem ser invocados?
Além disso, não vejo possibilidade de penalizar cada um conforme a sua culpabilidade, pois, tendo em vista, o pacto de silêncio firmado entre eles, não há como se mensurar a devida culpabilidade de cada um!!!
Eis um assunto importante que se encaixa na discussão e que espero será levado em conta.
Há necessidade de assegurar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos seja respeitada na cidade de São Paulo já que Kassab planeja atacar, ainda neste primeiro semestre, os artigos 17º, 23º e 30º desta Declaração através da implantação das nefastas Leis 14917 e 14918 da Concessão Urbanística e do seu Projeto Nova Luz. Kassab planeja desapropriar imóveis da classe média pagando 5% a 10% do seu valor real a fim de liberar terrenos com custo baixo aos especuladores imobiliários; ainda mais, a Prefeitura não reconhece qualquer outro tipo de direito às pessoas da área e não tem previsão de quaisquer indenizações às diversas categorias de pessoas trabalhando ou morando na área; isto atinge o Artigo 17º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Kassab também planeja substituir os trabalhadores atuais desta enorme área comercial por trabalhadores da área de serviços de alta tecnologia (que talvez sejam mais charmosos?); isto atinge o Artigo 23º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. As Leis da Concessão Urbanística, de Kassab e de Police Neto, ferem o Artigo 30º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de praticar algum ato destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados”. Socorro! Salvem os cerca de 100.000 moradores e trabalhadores do bairro Santa Ifigênia! Salvem todos os paulistanos das novas Concessões Urbanísticas que se seguirão! Obrigada.
Suely Mandelbaum / Arquiteta Urbanista
Apos ler os devidos comentario e chegado a uma opiniao,vejo que a posiçao do senhor esta mostrando uma soluçao para o caso,pois o Brasil prescisa se adequar tanto a decisão da CIDH quanto a do STF.Haja vista o descumprimento das medidas conercitivas da CIDH o país sofreria sançoes economicas,politicas e sociais que mudariam a imagem do mesmo no cenario internacional,por outro lado no plano interno mostraria a segurança juridicas das decisoes do STF.Os crimes cometido por agentes estatais no periodo da ditadura como:lesoes corporais,prisoes arbitrarias,homicidios como sao crimes intantaneos,houve uma lapço temporal ocorrendo assim prescrição como tambem serem abrangidos pela lei de anistia.Já os crimes de desaparecimento ou ocultaçao de cadaveres,que são permanentes e seus efieito ainda se prolongam no tempo, haveria sim uma investigaçao para mostrar a familiares e a sociedade informaçoes relevantes ao caso mesmo que dificilmente os militares sejam punidos devido muitos ja estarem mortos ou com algum lapço de memoria devido o tempo e ate mesmo os corpos dos desaparecidos ter sofrido decomposiçao.Outra irrelevancia seria se o STF mudar sua decisao haveria uma drastica repercuçao no mundo juridico tanto na segurança juridica como no pacto de San Jose de 1992 que derragaria a lei de anistia de 1979,pois ambas são leis ordinarias conflitando-se no tempo e no espaço,sendo solucinado por cronologia,o pacto seria superveniente de forma que teria validade e assim haveria puniçao dos agentes estatais tanto em relaçao as crimes permanente como tambem os outros.
Entao concordo tanto na posiçao do STF como no da CIDH e que seria resolvida da forma de o senhor citou assima.
Abraço
Professor, sou um seguidor ainda oculto de suas opiniões desde a leitura de um texto sobre a teoria da “katchanga” (ou algo parecido) que já tem adeptos no âmbito do Direito Tributário (o professor Hugo de Brito M. Segundo). Entretanto, ao ler o texto acima decidi sair do anonimato para tentar colaborar pelo necessário diálogo com o intuito de continuar a eterna caminhada na direção de uma racionalidade do discurso democrático que temas como estes (o princípio da veracidade) impõem aos cultuadores de uma sociedade verdadeiramente democrática e plural (conceitos estes de tão custosa compatibilização. Nesse sentido, apenas gostaria de indicar aqui uma bibliografia que entendo ser essencial à compreensão do tema: trata-se de um livro intitulado “O direito dos cidadãos à verdade perante o poder público”, de Paulo Klautau Filho. O problema está no que o autor denomina de princípio constitucional da veracidade, que tem como ponto de partida a análise do art. 5, XXXIII, da CRFB. Vale a pena ler. Vale o registro, sem prejuízo, lógico da ideia exposta acima, que leva em conta a aplicação de regras no tempo para que se concretize o princípio da veracidade.
Atenciosamente,
Roberto Tuma.
Devo concordar com o que Leonardo disse com relação a SOBERANIA. Como pode um Juiz de Direito falar que a soberania é um conceito ultrapassado?
Se assim o é, por quê ainda continuam enganando os estudantes de direito ao ensinar-lhes que Soberania é um dos elementos do Estado?