Do Consentimento Político ao Ético

 

Este é mais um daqueles posts escritos para não serem compreendidos. É uma espécie de “braimstorm”, sem muita lógica, destinado a apenas lançar idéias soltas para tentar, no futuro, organizá-las de uma forma mais coerente. Mas quem quiser me acompanhar, seja bem-vindo.

O tema comum da filosofia, da política, da ética e do direito é o exercício do poder. Transformando isso em problema: o que justifica que alguns homens governem outros homens? O que faz com que alguns tenham a prerrogativa de criar normas de conduta a serem seguidas pelos demais? Por que temos que obedecer as ordens vindas de pessoas nem sempre tão virtuosas?

A força como fundamento do poder é a resposta óbvia, e ninguém pode negar que ela está sempre presente quando se trata de exercício do poder. Mas a força como justificativa para o exercício do poder parece ser incompatível com a idéia de que o ser humano é um ser racional capaz de tomar decisões e agir conforme a sua própria consciência. De fato, se não formos capazes de se revoltar contra o poder arbitrário, ainda que baseado na força, perdemos a nossa dignidade, que é capacidade de traçar nosso próprio destino a partir de nossas reflexões. Se somos capazes de nos revoltar contra o exercício do poder, então a força não pode ser o único fundamento do poder. Ela sustenta o poder no curto prazo, mas a constância do poder precisa de algo mais para ser exercida ao longo do tempo.

Até aqui não estou dizendo nada de tão original. A questão é: se o fundamento do poder não pode ser apenas a força, o que sobra então?

O iluminismo levantou a bandeira do consentimento político como fundamento do poder. Nessa ótica, o poder legítimo seria o poder consentido. A teoria do contrato social está na base dessa idéia. Aderimos às regras que, racionalmente, podemos concordar. E concordamos porque elas proporcionam a preservação de nossas vidas no longo prazo. Se os homens não vivessem sob o império de regras, dificilmente seria alcançanda a paz social e, portanto, restaria inviabilizada a convivência entre seres racionais.

Essas idéias forneceram os alicerces teóricos para o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, com todos os seus pressupostos básicos: o princípio da legalidade, a separação de poderes e soberania popular. A partir daí, o poder político foi formalmente limitado pelo poder jurídico. A vinculação do poder à lei, previamente aprovada por uma assembléia popular, seria capaz de fechar o ciclo de validade da justificação do poder. O poder deixava de ser heterônomo, ou seja, estabelecido por estranhos, para ser autônomo, ou seja, estabelecido pelos seus próprios destinatários. E assim, o poder estatal faria as pazes com a dignidade-autonomia que todo ser racional possui. O povo seria auto-legislador de si próprio.  Como o próprio povo participa da elaboração das leis que devem reger a sociedade, as leis não poderiam ser más, pois ninguém seria irracional ao ponto de fazer regras gerais que prejudiquem seus próprios interesses.

O problema é que, além de a idéia do consentimento fundado no contrato social ser uma ficção (logo, uma mentira), os seres humanos são seres facilmente sugestionáveis e, portanto, manipuláveis. O consentimento político nunca é totalmente autêntico, e o poder legislativo apenas com muita ingenuidade pode ser considerado como uma representação fiel da soberania popular, especialmente diante das conhecidas falhas do processo legislativo contemporâneo.

Ao longo do século XX, o mito do “bom legislador” ou do “legislador razoável” foi destruído junto com a queda dos regimes nazi-fascistas. A humanidade percebeu de forma nítida, que, nos momentos de desespero, os interesses de grupo falam mais alto, e os detentores do poder são capazes de fazer qualquer coisa para alcançar seus objetivos, ainda que, para isso, seja necessário passar por cima dos opositores. E o grupo beneficiado pelo exercício do poder não terá qualquer crise de consciência em dar seu aval legitimador às práticas mais atrozes, se isso for capaz de satisfazer as suas necessidades e desejos imediatos. Quando isso ocorre, o poder legislativo pode tornar-se uma máquina de opressão super-eficiente que, ao invés de limitar o poder político, fornece o manto de legalidade para que a culpa individual seja expiada pela culpa coletiva. Os funcionários responsáveis pela aplicação das leis, nessa ótica, ganham um potente anestesiante ético para praticarem as mais cruéis violências contra outros seres humanos, sem serem incomodados de forma tão intensa pela norma moral que cada um carrega dentro de si.

O defeito maior desse modelo é que tudo se baseia na vontade da maioria. E a maioria, quando manipulada ou mal-informada, pode se tornar opressora. Os pensadores clássicos do iluminismo não conseguiram elaborar nenhum mecanismo capaz de substituir a vontade da maioria por uma vontade eticamente comprometida. O modelo clássico de separação de poderes – onde há dois momentos distintos de realização do direito: a aprovação da lei geral pelo parlamento e a sua aplicação no caso concreto pelo juiz – não é um método satisfatório para alcançar soluções eticamente comprometidas, justamente porque o combustível que move a vontade parlamentar é o voto, e a força das urnas tende a calar a minoria politicamente enfraquecida.

Não se pode negar que, do ponto de vista prático, um modelo político que se baseie exclusivamente na vontade da maioria é muito mais fácil de ser compreendido e implementado. Toda vez que surge um conflito social, submete-se o problema a uma assembléia popular, e o que os representantes do povo decidirem vale como lei. Quem não ficar satisfeito tenta se mobilizar politicamente para mudar os parlamentares, se conforma convenientemente com a situação ou então arruma as malas e vai embora. Parece ser uma lógica bem simples, até porque o voto, que é o instrumento por excelência do consentimento político, é matematicamente mensurável: quanto mais votos, maior é a adesão; e quanto maior a adesão a uma determinada tese, maior será a sua legitimidade política.

É uma lógica simples, mas perigosa. Ela funciona bem em sociedades onde os valores sociais são relativamente homogêneos. Na verdade, esse modelo tende a gerar uma uniformização dos valores sociais, na medida em que apenas protege o pensamento dominante. Se a maioria da população votante considera que o homossexualismo é uma prática censurável, é fácil aprovar uma lei criminalizando a conduta. Se os eleitores majoritariamente seguem uma cultura monogâmica, basta criminalizar a poligamia e o adultério. Se um grupo puritano consegue obter uma maioria política, criam-se regras limitando a prática da prostituição e o comércio de pornografia e assim por diante.

A lógica do princípio majoritário também tende a favorecer grupos com forte poder de mobilização política, ainda que não sejam numerosos. Industriais, comerciantes, sindicatos, associações corporativas costumam ser favorecidos por esse sistema e podem conseguir que sejam aprovadas leis que beneficiem seus interesses, ainda que o conteúdo dessas leis possa gerar um choque de interesses com as necessidades de outros grupos ou indivíduos. Assim, a proteção incondicional do princípio majoritário pode gerar soluções injustas, na medida em que podem discriminar grupos conforme o seu poder político e econômico.

Essa distorção do princípio majoritário ocorre porque as pessoas costumam votar conforme o interesse próprio. Conquista-se o voto, em geral, pela sedução, pelas promessas de uma vida melhor para o eleitor aqui e agora. O incentivo primordial dos eleitores é o benefício de curto prazo. E os agentes políticos tenderão a explorar ao máximo essa característica do sistema eleitoral. Isso faz com que o consentimento político-eleitoral nunca seja capaz de representar, com absoluta precisão, a vontade geral, conforme já havia alertado Rousseau. Apenas eventualmente, a soma das vontades individuais, que fundamenta o consentimento político, coincidirá com o interesse de todos, que está na base da vontade geral.

Como então contornar esse problema?

O desenvolvimento de um sistema de proteção jurisdicional dos direitos fundamentais surgiu como uma forma de remediar essa situação. O consentimento político continuou a ser a base do exercício do poder estatal, mas a vontade da maioria, a partir daí, passou a encontrar limites formais e materiais previstos em normas constitucionais rígidas, que tentam conciliar o exercício do poder com o respeito à dignidade humana, inclusive daqueles que não têm voz nem vez no processo eleitoral.

Por esse modelo, incorpora-se no texto constitucional um conjunto de valores que, em princípio, não podem ficar à disposição da vontade majoritária. São os direitos fundamentais, que, na feliz expressão de Dworkin, configuram “trunfos da minoria”. Esses direitos fundamentais contêm uma dimensão ética que se confunde com a idéia de dignidade humana, baseada na premissa kantiana de autonomia e auto-responsabilidade. Essa dimensão ética dos direitos fundamentais limita materialmente o poder político, funcionando como um escudo de proteção de cada ser humano contra a força institucionalizada.

Esse modelo gera uma série de discussões polêmicas. Em primeiro lugar, o poder legislativo não é mais completamente livre para solucionar os problemas sociais da forma como bem entender. Se antes o legislador tentava criar um código moral uniforme para toda a sociedade, conforme os gostos ideológicos da maioria dominante, no novo modelo o legislador sabe que não pode simplesmente censurar o comportamento divergente a seu bel prazer. A busca da homogeneização dos valores sociais é substituída pela exaltação do pluralismo cultural, pela aceitação das diferenças. Tenta-se não mais impor uma determinada moral ao restante da sociedade, mas permitir que as diversas concepções morais existentes possam conviver dentro do mesmo território.

Mas para que o modelo possa funcionar, é necessário que exista um órgão responsável pela guarda da Constituição. Esse órgão não pode, em princípio, ser eleito pelo povo, pois, se assim fosse, haveria uma repetição dos mesmos vícios apenas com uma roupagem diferente. No fundo, o que se deseja é impedir que a vontade da maioria oprima a minoria. E o voto nada mais faz do que espelhar a vontade da maioria, que pode ser justa ou injusta para com aqueles que não têm força política. Daí porque é necessário um órgão de controle, cujos membros não devem ficar reféns da vontade das urnas. Esse órgão tem a prerrogativa de excluir do mundo jurídico as leis que violem os direitos fundamentais.

A existência de um órgão jurisdicional responsável pelo controle de constitucionalidade das leis, cujas decisões não são orientadas meramente por critérios eleitorais, cria uma espécie de “sistema de alerta” para o legislador, que pensará duas vezes antes de aprovar uma legislação que possa conflitar abertamente com as normas constitucionais. Por outro lado, por pressupor uma desconfiança do legislador, também há o risco de um esvaziamento ou enfraquecimento do poder político-eleitoral. O desprestígio do legislador poderá fazer com que os parlamentares deixem de se sentir responsáveis pelas decisões políticas mais polêmicas, preferindo se omitir quando a matéria não gerar dividendos eleitorais, já que haverá um órgão jurisdicional para suprir esse papel sem os ônus da prestação de contas eleitoral. Com isso, há um grave risco de se transformar o órgão jurisdicional no órgão centralizador do processo de tomada de decisão, excluindo quase por completo a possibilidade da participação popular na elaboração das normas jurídicas mais relevantes.

O modelo de jurisdição constitucional não tem como premissa o consentimento político, manifestado pelo voto da maioria da população, mas o consentimento ético, que se manifesta por meio de um processo argumentativo onde os responsáveis pelo julgamento tentarão convencer os destinatários da norma que a solução adotada é a melhor possível numa perspectiva que leve em conta o interesse de todos. A estratégia de convencimento ocorre por meio de expedientes retóricos e argumentativos variados. Esse processo argumentativo pode ser chamado de consentimento ético porque não busca insuflar o interesse próprio das partes envolvidas, tal como o sistema eleitoral faz, mas sim apelar para sentimentos mais nobres, baseados na justiça da solução. Os julgadores não invocam argumentos do tipo “é do seu interesse aceitar a decisão” ou “você tem tudo a ganhar se cumprir o que for decidido”; o argumento, pelo contrário, costuma ser do tipo “a presente solução é a que melhor promove o bem comum”, “em nome da eqüidade, julgo em tal ou qual sentido”, “considerando a justiça social e os valores constitucionais mais importantes, decido o que se segue…” e assim por diante. Na base de tudo isso, está a idéia de que todo ser humano merece ser tratado com igual respeito e consideração e, portanto, os interesses de um determinado indivíduo ou grupo não podem passar por cima dos interesses de outros grupos ou indivíduos.

É lógico que, nos meios políticos, essa forma de mensagem também é utilizada para convencer a platéia, especialmente quando os interlocutores estão diante de uma assembléia mais ampla. Porém, o que vai funcionar como o fiel da balança eleitoral é, sobretudo, o interesse próprio dos eleitores, que avaliarão as propostas dos candidatos de acordo com as vantagens que poderão receber em curto prazo e tenderão a escolher aquelas que lhes tragam o máximo de benefício no menor espaço de tempo. Naturalmente, na seleção natural do jogo político, os candidatos que consigam seduzir o maior número de eleitores com esse tipo de discurso terão muito mais chances de ganhar a eleição. É por isso que há uma grande diferença entre o discurso político e o discurso aqui chamado de “ético”. No discurso político, a invocação das virtudes sociais – honestidade, preocupação com bem comum, solidariedade – não tem um peso tão decisivo na conquista dos votos. O interesse próprio “conta” mais e desequilibra a balança. No discurso ético, por sua vez, a invocação das virtudes sociais tem um peso maior, sendo considerado um despropósito invocar argumentos de interesse próprio para justificar uma decisão.

Isso não significa dizer que a dissimulação não exista no discurso ético. Pelo contrário. Justamente porque os argumentos egoístas não costumam ser bem-vistos nesse modelo argumentativo, as chances de dissimulação são ainda maiores. Com muita freqüência, os julgadores mascaram preferências subjetivas em um discurso cheio de jargões grandiloqüentes supostamente bem intencionados. Assim, sob o pretexto de concretizar a justiça, o bem-comum, os direitos fundamentais, a solidariedade ou qualquer outro valor social relevante, decide-se em favor de determinados grupos de interesse, muitas vezes perpetuando os valores que os juízes carregam desde o berço, sob a forma de “preconceito hereditário”. Mesmo assim, retirando a possibilidade real e freqüente de dissimulação ética, não há dúvida de que as razões argumentativas utilizadas para convencer alguém a dar o seu aval ético são  diferentes da razões argumentativas utilizadas para convencer alguém a dar o seu aval político.

Alguém poderia questionar a palavra “consentimento”, embutida na expressão “consentimento ético”. Afinal, quem está consentindo o quê? Como falar em consentimento, se não há uma forma de “validação popular” da deliberação judicial?

De fato, enquanto no consentimento político baseado em um sistema eleitoral o voto tem elevado valor simbólico de fácil identificação, o modelo fundado num consentimento ético carece de um mecanismo para garantir o “de acordo” popular.

Certamente, essa objeção atinge em cheio a jurisdição constitucional, tal como praticada no mundo contemporâneo. Os juízes julgam, e o povo fica de mãos atadas diante da solução escolhida, seja ela qual for. O máximo que o povo pode fazer é espernear, escrever textos desaforados e esperar que a mídia replique o descontentamento. Se os juízes aceitarem bem as críticas, são capazes até de mudar de opinião e rever o julgamento. Mas a aura de superioridade que circunda a magistratura, na maioria das vezes, impede que os juízes ouçam os gritos das ruas, ainda que sejam gritos consistentes e coerentes.

Parece não restar dúvida de que o modelo atual ainda está muito longe de representar um consentimento ético no sentido mais ideal do termo.  Não que a opinião pública seja um mecanismo fiel. Longe disso. O consentimento ético pressupõe algo muito mais do que a revolta da multidão. Pressupõe uma assembléia de anjos ou quase isso.

Ainda não foi desenvolvido um mecanismo que consiga conciliar plenamente a soberania popular com o respeito aos direitos fundamentais. Uma terceira via – que não seja o modelo de legislação nem o modelo de jurisdição – certamente surgirá. Enquanto isso não ocorre, é preciso tentar fazer com que o modelo atual de jurisdição constitucional, com suas imperfeições, possa alcançar resultados melhores.

Sem me comprometer incondicionalmente com o pensamento de John Rawls, entendo que a sua reformulação da teoria do contrato social consubstancia um inegável avanço para a solução do problema que estamos enfrentando. Melhor dizendo: a proposta de Rawls não ajuda a solucionar o problema, mas oferece alguns caminhos para dribá-lo.

Para ele, o problema do exercício do poder seria contornável se o produto da atividade estatal pudesse receber um consentimento, ainda que meramente hipotético, concedido por agentes livres e racionais. A teoria do contrato social se transformaria em um mero método de raciocínio para permitir que os seres racionais verifiquem se seriam capazes de concordar com a estrutura política da sociedade, inclusive com as leis aprovadas pelas instâncias competentes e com as decisões proferidas pelos juízes.

Com isso, seríamos obrigados a voltar ao nosso ponto de partida: nem o poder legislativo, nem o poder judicial, seriam, necessariamente, legítimos, pois estariam sujeitos a uma avaliação ética por parte dos seres racionais que somente dariam seu aval legitimador se fossem obedecidas algumas condições de justiça imaginadas a partir de uma situação hipotética de plena imparcialidade e eqüidade. Essas condições de justiça desenvolvidas por Rawls, a partir de seu próprio método de raciocínio, seriam, em síntese, alguns direitos fundamentais básicos, como a máxima proteção da liberdade, a defesa da igualdade de oportunidades e a redução das desigualdades sócio-econômicas. E o curioso é que Rawls chegou aos seus famosos princípios de justiça a partir de um raciocínio essencialmente fundado na teoria da escolha racional, que tem como ponto de partida a idéia de que os agentes racionais tentarão sempre maximizar os seus próprios interesses pessoais na hora de decidirem.

Seja como for, parece que a sua proposta conseguiu substituir o mero consentimento político, que era a base das teorias contratualistas tradicionais, por um consentimento mais preocupado com o produto ético das deliberações políticas, já que os agentes racionais terão que pensar nos interesses alheios quando estiverem deliberando.

Obviamente, sua preocupação não era fornecer uma base teórica para justificar a jurisdição constitucional. Mas, pelo menos indiretamente, ele forneceu bons elementos argumentativos para que os juízes responsáveis pela jurisdição constitucional possam utilizar quando estiverem fiscalizando o produto das deliberações legislativas. Também forneceu algumas ferramentas intelectuais para que os indivíduos possam, por si só, avaliar a justiça ou injustiça de uma decisão ou de uma lei,  bastando para isso que sejam capazes de se colocarem na “posição original”, cobertos com o “véu da ignorância”.

O maior problema prático disso tudo é que ainda não há um procedimento seguro – tão fácil de mensurar quanto o voto – capaz de permitir o reconhecimento de que o povo, coletivamente, concedeu, de fato, o seu consentimento ético a uma determinada norma ou decisão. Tudo fica no campo das hipóteses e das especulações filosóficas, cercado de ficções e alegorias, como a idéia de “posição original” e “véu da ignorância”, que apenas uns poucos iluminados conseguem, honestamente, alcançar.

Se algum dia fosse criado um prêmio Nobel para a filosofia, certamente este iria para aquele pensador que conseguisse desenvolver um método prático capaz de detectar, com segurança, o consentimento ético.

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14 comentários em “Do Consentimento Político ao Ético”

  1. Ao contrário do autor do texto, muito bem concatenado, por sinal, não acredito que a Jurisdição, atualmente, é melhor que a Legislação. Só para lembrar, não foi a força de Justiça que derrubou o nazismo, mas sim o capitalismo liberal americano e britânico, aliado ao comunismo Russo e Chinês, que se viam ameaçados pelo nazismo e fascismo. Quando esses dois foram derrotados, seus berços (Itália e Alemanha) abraçaram o capitalismo (com fortes cores socias, mas sem deixar de ser capitalismo, é certo) e, juntando-se aos dois primeiros, derrotaram o comunismo. Tanto é verdade que não foi a Justiça quem venceu os nazistas que eles foram submetidos a um tribunal de exceção (a existência de um juízo prévio e imparcial não seria um direito fundamental, portanto um valor supremo da Justiça?).
    Mas voltando um pouco ao texto, gostaria apenas de pontuar que o ser humano médio (ou seja, tanto a maioria como a minoria) não é capaz de se desvincular de interesses imediatos e carnais, no sentido de ligado ao prazer hedonista que envolve a condição humana de animal – racional, é certo, mas tão animal de carne, sangue e ossos como os demais. Parece-me, assim, que a resposta procurada no final do texto nunca via ser encontrada. Ou, talvez até tenha sido encontrada – escrevendo isso lembrei do famoso, e bem pouco estudado, socialismo utópico, que nossos livros de história fazem questão de dimunir em favor do chamado socialimos ‘científico’, o que deixa claro o viés ideológicos deles – mas não tenha sido aceita justamente por não satisfazer o outro lado do homem, qual seja, aquele não estritamente racional.
    Enfim, excelente texto, parabéns.

    1. Paulo,

      no texto não há nada que diga que o sistema de legislação é melhor ou pior do que o sistema de jurisdição. Diz apenas que o sistema de legislação se fundamenta no consentimento político e o sistema de jurisdição se fundamenta no consentimento ético.
      Como o consentimento ético é impossível de ser verificado, a jurisdição constitucional, atualmente, não consegue alcançar, a contento, esse consentimento ético.
      A jurisdição constitucional, hoje, se tem algum mérito, é o de funcionar como um “sistema de alerta” para o sistema de legislação. Assim, não vejo como substituir o sistema de legislação pelo sistema de jurisdição, mas apenas justificar um papel corretivo do sistema de jurisdição.
      Enfim, as idéias ainda estão confusas, mas certamente tentarei chegar a um resultado a contento.
      obrigado pelas considerações.
      George

    2. Quanto à sua segunda colocação, acho que nem o ser humano médio, nem o mínimo, nem o máximo, consegue deixar de ser influenciado pelas sensações de prazer proporcionado pelas reações químicas no cérebro. Faz parte da constituição humana sentir prazer e sentir dor e reagir a esses sentimentos. Sem esse tipo de sensação, o ser humano sequer conseguiria tomar decisões morais, como bem demonstra a neurociência contemporânea.
      A questão é justamente saber distinguir entre os prazeres que geram benefícios de curto prazo e os prazeres que geram benefícios no longo prazo. Então, não sou tão pessimista quanto você. Acho que é possível estabelecer um mecanismo de medição da felicidade, ainda que em caráter sempre contingencial. Enfim, mais uma questão complicada.

      George

  2. NOTA 10!! Pode-se discordar aqui e acolá. Mas o texto está tão bem escrito que merece nota 10. E olha que ele foi escrito “sem muita lógica”. Imagina se fosse…

  3. O texto sugere que o problema da distorção do princípio majoritário poderia ser contornado com o desenvolvimento de um sistema de proteção jurisdicional.

    Ocorre que os direitos fundamentais, pedra de toque da jurisdição constitucional, também são fruto da vontade da maioria: no plano nacional, os direitos fundamentais são obra da assembléia constituinte originária (composta de representantes eleitos pelo povo com o propósito específico de elaborar a nova constituição); já em escala mundial, a declaração universal dos direitos humanos e outros documentos congêneres também não passam de uma mera convenção dos países dominantes (geralmente os países mais ricos, os quais atuam conforme suas conveniências, deixando de fora os países que, no plano internacional, compõem uma espécie de minoria).

    Além disso, em razão do grau de abstração inerente aos direitos fundamentais (que por natureza são “plásticos” a ponto de suportar adptações), abre-se margem ao excessivo subjetivismo e à arbitrariedade dos juízes, violando a segurança jurídica e a igualdade. Ocorria, em tese, uma inversão de papéis: os direitos fundamentais, ao invés de evitar excessos e arbitrariedades, transformar-se-iam eles próprios em instrumento para realização de abusos.

    A crise do princípio majoritário persiste, descortinando a realidade de que os direitos fundamentais estão longe de ser a panacéia da humanidade.

    1. Os direitos fundamentais não necessariamente são frutos da vontade da maioria. Eles são fruto de um compromisso ético assumido por algumas pessoas, inclusive em escala internacional, como você bem mencionou. Esse compromisso ético pode coincidir ou não com a vontade da maioria.

      É possível que uma carta de direitos fundamentais seja outorgada, sem passar por um processo constituinte autêntico. Aliás, a Lei Fundamental alemã foi aprovada precariamente.

      Além disso, como bem demonstrou Jon Elster, o processo constituinte não é tão imaculado quanto parece. Os legisladores responsáveis pela redação do texto constitucional também são movidos por interesses individuais, paixões nem sempre nobres e desejos inconfessáveis de poder.

      O que quero dizer é que não podemos jogar a legitimidade dos direitos fundamentais à cova da aprovação da maioria, pois, em momentos de dormência da razão, o povo vibra com a degradação alheia. Há uma aura de eticidade nos direitos fundamentais que não pode ficar à mercê da vontade da maioria. Daí porque eles são “trunfos da minoria”.

      george

  4. Parabéns pelo texto. E quanto o próprio representante resolvi banir as instâncias de seus representados? Por exemplo em nossa Constituição Federal, em que ao povo (Poder Constituinte Originário) não é permitido sequer fazer emendas a atual constituição.
    No tocante aos Juízes em suas decisões, creio que o ego insuflado (forma de tratamento e outras mordomias) acabe atrapalhando as suas decisões, muitas vezes se tem a impressão que estamos tratando com Deus e não com meros servidores da Justiça.

  5. George,
    É de se admitir que, realmente, estamos muito longe ainda de encontrar um fundamento plausível e crível que nos faça aceitar e legitimar o exercício do poder tanto legislativo quanto judiciário.
    Entretanto, alguns juízes, mesmo carregando o “preconceito hereditário – já que a maioria deles advém das classes mais abastadas – têm agido de modo muito importante para tentar aliviar a intensa corrente de injustiças e de desrespeitos – que tenta ganhar cada vez mais fôlego – aos direitos fundamentais.
    Você mesmo é uma amostra da nova geração de juízes que está atenta ao que deve ser buscado pelo direito: a justiça.
    Duas provas disso são, por exemplo, as suas decisões no Caso Mama Selo Djalo e no caso da “moradora de rua” que foi presa por ter danificado, ao tentar tomar banho, uma tormeira do DNOCS, ali na região da Praia de Iracema.
    Achei maestral o seu modo de decidir em ambos os casos, principalmente quando você evocou o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana como manto protetor do direito de liberdade da senhora que quis banhar-se no DNOCS. Outro princípio muito bem aplicado, em minha opinião, foi o princípio da insignificância no crime cometido pela senhora em situação de rua. Certamente, não haveria sentido em acionar a máquina persecutória do Estado para punir uma pessoa que apenas danificara uma torneira, mormente quando essa pessoa não tem respeitado sequer seu direito à moradia, apregoado pela Carta Cidadã.
    Achar um fundamento respeitante a todos os cidadãos e que atenda ao interesse destes é tarefa difícil – para não dizer impossível. Todavia, pode-se tentar implementar cada vez mais decisões como as suas, que se coadunam com o bem comum e a justiça social, de modo que se respeitem os direitos fundamentais insculpidos na Lei Maior e que se concretizem os seus preceitos.
    Os fundamentos filosóficos ganharão mais densidade à medida que se encontrem respostas racionais que justifiquem o exercício de poder que se impõe aos seres humanos.

    1. Concordo plenamente ! Avril Lavigne ne3o nos moortsu nada de novo. Jessie J tem mfasicas bem boas no cd, mas nenhuma em potencial para a baladinha, tirando “Do it Like a Dude”, e siim, o Cd de Clare Maguire e9 lindoooo ! Sf3 ne3o conhee7o o Eisley inda! mas vou ouvir e volto aqui pra falar. haha !

  6. A propósito do distanciamento ético do direito, vale a leitura do muito bom artigo do Tércio Sampaio Ferraz Jr. chamado “O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência?”. Bem bom, mesmo!

  7. Muito interessante o texto. Apesar do autor falar que lhe falta lógica, acho que ajudou bastante a pôr as minhas idéias em ordem.

    Bom, também acredito que o caminho faz-se caminhando. Estamos tentando melhorar o exercício do poder a partir dos terríveis acontecimentos da 2a Guerra Mundial e só sendo muito pessimista e um pouco paranóico para acreditar que tais acontecimentos e suas consequências se resumem a um jogo econômico, apesar de incrivelmente influenciados por eles.

    Tenho para mim que um caminho bem proveitoso para a busca da legitimidade do consenso ético seria trazer para o plano prático as idéias de discussões em um espaço público, o que torna a ser bem difícil.

    Acho que estamos precisando vincular mais a filosofia à sociologia, aos fatos. Assim, no que diz respeito à busca pelo consentimento ético, acredito que seria mais uma questão de contínuo melhoramento e de relação dialética construtiva do que propriamente averiguação. Ao meu ver, quando não apenas os teóricos do direito, mas outros estudiosos, grupos de minorias e pessoas comuns discutissem as áreas de proteção dos direitos fundamentais, as decisões judiciais sobre esses direitos e outros aspectos éticos, poderia-se ter uma jurisdição constitucional constantemente analisada e, com sorte, melhorada a partir dessas discussões, como ocorre (ou deveria ocorrer) na ciência.

    Mas talvez esse “plano” também seja muito utópico e as forças com poder de influência saíssem vitoriosas…

  8. O texto é brilhante, muito bem escrito! Mas penso que a noção de um “consentimento ético” – ou seja, que concilie soberania popular com respeito aos direitos fundamentais – é tão metafísico quanto o conceito de Justiça Absoluta. Não é à toa, aliás, a afirmação, do próprio autor, de que a solução do problema pressupõe uma “assembléia de anjos ou quase isso”.

    Mesmo no plano teórico-filosófico, onde todo tipo de abstração é possível, parece infrutífera a busca por um procedimento capaz de identificar o consentimento ético (ou ético-popular). A necessidade moral de proteção das minorias e dos direitos fundamentais constantemente contradiz a vontade da maioria, que, portanto, não outorga o seu consentimento em muitas questões.

    Os números jamais servirão para legitimar, eticamente, uma decisão. Daí porque tão questionáveis os métodos do Utilitarismo.

    Como aplausos e vaias não servem como critério de justiça, parece que a argumentação e o uso do livre convencimento motivado/persuasão racional, por falhos que sejam, continuam sendo os melhores para resolver as questões de Justiça, mesmo não espelhando a vontade da maioria.

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