Benefício Assistencial para Estrangeiro – Caso Mama Selo Djalo

Depois de um longo período sem postar, por absoluta falta de tempo, aproveito o feriado para voltar ao blog. E volto com um caso que me orgulho de ter julgado.

No final deste mês, finalizo meu mandato na Turma Recursal do Ceará, que já dura quatro anos. Desde que ingressei na turma, adotei o princípio de que meus votos seriam curtos, objetivos e sem academicismo, pois acredito que este é o espírito dos juizados especiais. No meu último voto, que é o que aqui vou apresentar, resolvi fazer diferente e votei com muito mais profundidade, até porque abri a divergência com o relator e, por isso, precisava enfrentar todos os argumentos que ele apresentou.

O caso é relativamente simples: um estrangeiro pediu um benefício assistencial, que foi negado pelo INSS em razão de ele não ser brasileiro. Portanto, a discussão básica é saber se um estrangeiro faz jus ao benefício. Há um elemento complicador: a situação do referido estrangeiro é precária. Ele ingressou no Brasil como turista e resolveu ficar, violando as leis de imigração. Existem outros fatores relevantes, como o fato de ele ser de Guiné-Bissau, ser portador de uma doença terminal, estar no Brasil há quase dez anos. Enfim, os fatos estão todos narrados no voto.

Vale a pena estudar esse caso, pois ele envolve argumentos de direito internacional, direito constitucional, de análise econômica do direito, de políticas de imigração e assim por diante. Espero que gostem. (Se preferir baixar o arquivo em PDF, é só clicar aqui).

PROCESSO 0507062-90.2009.4.05.8100
RECORRENTE: INSS
RECORRIDO: MAMA SELO DJALO

Voto (George Marmelstein)

Mama Selo Djalo nasceu em Guiné-Bissau, que, assim como o Brasil, também foi colônia de Portugal. O Brasil, contudo, teve a sorte de conquistar a independência desde 1822. Guiné-Bissau, por outro lado, só conquistou a independência em 1974 e, desde então, vive mergulhado em crises internas, guerras civis, golpes de estado e diversos problemas sociais sérios, típicos de diversos países que obtiveram uma descolonização tardia. Guiné-Bissau está entre os vinte países do mundo que possuem os piores Índices de Desenvolvimento Humano, ocupando a 173ª posição do raking do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Em 2001, em virtude dos problemas vividos em seu país, Mama Djalo resolveu sacrificar sua vida familiar, seu trabalho local, seus amigos, sua cultura e, apesar de todos os riscos, incertezas e custos, largou tudo em sua terra natal para tentar construir uma vida melhor no Brasil. Aportou aqui como turista e resolveu ficar de vez. Fixou residência, fez amigos e se integrou na comunidade. Já vive aqui por quase dez anos.

Em 2005, Mama Djalo contraiu uma doença renal crônica terminal (anexo 24). Seu fim seria a morte rápida, se não recebesse o tratamento adequado. Conseguiu ser inserido no sistema público de saúde brasileiro e está recebendo o tratamento na Santa Casa de Misericórdia. No mesmo período, quase foi deportado, pois não possuía visto de permanência e o seu visto de turismo já havia expirado (anexo 7). Graças à sensibilidade de um juiz federal, Dr. Alcides Saldanha, conseguiu garantir a sua permanência no país, por força de ordem judicial, até o fim do seu tratamento médico. Na referida sentença, o juiz federal consignou que: “a permanência do estrangeiro no território nacional revela-se como um dos únicos meios disponíveis, senão o único, para se garantir a continuidade do tratamento médico, mormente quanto ao fato de que o país de origem do autor (Guiné-Bissau) sabidamente não possui estrutura médico-hospitalar adequada para o combate à moléstia que o acomete (insuficiência renal crônica terminal por nefroesclerose hipertensiva)” (Proc. 2009.81.00.000642-6 – 10ª Vara/CE).

Foto de Mama Selo Djalo (Anexo 15)

Mama Djalo, antes da doença, vivia de bicos, pedia esmolas, vendia bebidas na noite boêmia de Fortaleza. Ganhava o suficiente para pagar o aluguel. Depois da doença, sua situação laboral mudou drasticamente, pois, agora, precisa passar boa parte de sua vida fazendo hemodiálise, a qual tem que se submeter durante três vezes na semana. Seu estado de saúde está cada vez pior, já que a doença é progressiva e irreversível. Mama Djalo não tem como trabalhar, pois está muito debilitado fisicamente. Vive da ajuda de amigos. O aluguel já está atrasado há vários meses (anexo 14). No desespero, procurou a Defensoria Pública da União que ingressou com a presente ação, no intuito de receber o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo mensal, previsto no artigo 203, inc. V, da Constituição Federal brasileira: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

Partindo do pressuposto de que restou devidamente comprovado nos autos que Mama Djalo é portador de uma doença grave que o incapacita para o trabalho, impedindo-o de prover à própria manutenção, resta saber se faz jus ao benefício assistencial.  A questão não é simples, pois ele não é brasileiro e, a rigor, mesmo que fosse saudável, sequer poderia trabalhar em nosso país já que não possui formalmente o visto de trabalho.

A juíza federal Cíntia Brunetta, que costuma ser muito criteriosa na concessão de benefícios assistenciais, julgou o pedido procedente, fundamentando a sentença em diversos precedentes que garantem ao estrangeiro o direito ao benefício assistencial (anexo 27). O INSS recorreu, alegando que, por não ser brasileiro nato ou naturalizado, Mama Djalo não teria direito ao benefício. O Dr. Vidal, juiz desta Turma Recursal, após estudar a matéria cuidadosamente, apresentou seu voto acolhendo a tese do INSS, alegando que Mama era um imigrante ilegal que deveria ser deportado; logo, não deveria receber o benefício assistencial. Vidal ainda apresentou várias teses a respeito do benefício assistencial para estrangeiros, mas nenhuma seria útil ao autor da presente ação, pois ele não estaria em situação regular no Brasil. Para o Dr. Vidal, seria incoerente reconhecer a ilegalidade de sua permanência no Brasil e, ao mesmo tempo, concedê-lo um benefício de prestação continuada.

É lógico que há um forte apelo pragmático em favor dos argumentos apresentados pelo Dr. Vidal. Mama Djalo é um imigrante que, no momento, só gera ônus ao Brasil. Nenhum país do mundo seria tão generoso ao ponto de conceder para seus imigrantes ilegais um benefício financeiro mensal. Qualquer país que adotasse tal política certamente seria invadido por imigrantes necessitados. O Brasil não tem dinheiro para servir como fonte assistencial do mundo. Não poderíamos encarar o problema dos outros como se fosse um problema nosso. Há vários brasileiros em situação semelhante ou pior e não recebem qualquer tipo de ajuda estatal, e assim por diante. Enfim, os argumentos desenvolvidos pelo Dr. Vidal para negar o direito ao benefício são muito fortes.

Esses argumentos, de fato, seriam preponderantes se não fosse um detalhe que muda tudo: nossa Constituição nos obriga a não discriminar qualquer pessoa por conta de sua nacionalidade ou origem ou cor da pele ou condição social ou qualquer outro motivo (artigo 3º, inc. IV). Vigora, no Brasil, o princípio da equiparação de direitos e deveres entre nacionais e estrangeiros, com as exceções previstas na própria Constituição e na lei. Portanto, do ponto de vista constitucional, Mama Djalo não pode ser discriminado arbitrariamente. À luz do nosso ordenamento jurídico, não interessa se Mama Djalo é africano, brasileiro ou europeu: é um ser humano e como tal deve ser tratado.

Talvez as palavras acima possam ser consideradas demasiadamente utópicas, exageradas ou fora da realidade. De fato, nossa Constituição não é tão taxativa assim, nem tão “cega quanto à nacionalidade”. Ela própria faz inúmeras discriminações para beneficiar os brasileiros. De início, estabelece que os direitos previstos no artigo 5º só são garantidos “aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil”, não contemplando expressamente os seres humanos que não são residentes no Brasil. Mas esse não é o caso de Mama Djalo, que reside no Brasil há dez anos. Mama Djalo, portanto, deve ser considerado como um estrangeiro residente no país, sobretudo porque existe uma decisão judicial em seu favor garantindo a sua permanência no país. A situação atual de Mama Djalo não é de imigrante ilegal: ele está autorizado, por força de uma sentença judicial, a permanecer no país enquanto durar o tratamento médico. Some-se a isso o fato de que Guiné-Bissau, assim como o Brasil, faz parte da Comunidade de Países de Língua Portuguesa – CPLP, que possuem um acordo específico sobre a concessão de visto temporário para tratamento médico, inclusive quando o cidadão da CPLP contraiu a doença após a entrada no país de destino (arts. 3º e 4º). Ressalte-se que os países membros da CPLP estão cada vez mais engajados na busca de uma integração maior entre os seus povos. Isso inclui uma série de medidas para facilitar a migração e a livre circulação no espaço da CPLP, bem como a concessão de direitos aos cidadãos da CPLP.

O fato de Mama Djalo ser estrangeiro residente no Brasil não significa dizer que ele tem todos os direitos garantidos aos brasileiros. Ele não pode, por exemplo, votar ou ser votado, nem ocupar determinados cargos públicos, nem exercer determinados direitos que são garantidos apenas aos brasileiros natos ou naturalizados. Apesar disso, como princípio geral, o estrangeiro residente não poderá ser discriminado, exceto se houver uma justificativa constitucional ou mesmo legal para tanto.

Poderiam ser citadas algumas justificativas para se negar o direito ao benefício assistencial para estrangeiros residentes, já que esse direito tem uma natureza prestacional que gera custos e é financiado por brasileiros. O próprio Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) talvez contenha um dispositivo que poderia ser utilizado contra o direito de Mama Djalo. Ao mesmo tempo em que proíbe qualquer tipo de discriminação por motivo de origem nacional, o Pacto prevê que “os países em desenvolvimento, levando devidamente em consideração os direitos humanos e a situação econômica nacional, poderão determinar em que medida garantirão os direitos econômicos reconhecidos no presente Pacto àqueles que não sejam seus nacionais” (artigo 2º, item II).

Com base nesse dispositivo do PIDESC, o Brasil poderia, sem dúvida, negar o direito ao recebimento do benefício assistencial aos “que não sejam seus nacionais”. O Brasil é um país em desenvolvimento e certamente não teria condições de acabar com a miséria do mundo. Estamos, portanto, inseridos na exceção que o próprio PIDESC estabeleceu. Não estaríamos descumprindo qualquer compromisso perante a comunidade internacional se discriminássemos os “não nacionais” em relação aos direitos de natureza prestacional.

Porém, nosso sistema assistencial não adotou expressamente esse entendimento, pois, em nenhum momento, excluiu os estrangeiros residentes de sua abrangência. Existe um princípio básico na interpretação de tratados de direitos humanos: os tratados não podem ser invocados para piorar ainda mais a proteção institucional dos direitos. Logo, o PIDESC não pode ser invocado na presente hipótese, especialmente porque expressamente estabelece que: “não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer país em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob o pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau” (artigo 5º, item 2).

Nossa Constituição estabelece que o benefício assistencial é devido “a quem dela necessitar” (art. 203), não fazendo, em princípio, qualquer discriminação por conta de nacionalidade. A própria Lei Orgânica da Assistência Social determina que o benefício será devido “à pessoa portadora de deficiência” (art. 20). Pessoa, até onde sei, não é só o brasileiro, mas qualquer ser humano (artigo 1º, do Pacto de San José da Costa Rica). Se Mama Djalo é estrangeiro que reside no país e se não há uma norma expressa que o exclua do rol de beneficiários dos direitos assistenciais, o INSS não está autorizado a discriminá-lo na esfera administrativa por falta de suporte jurídico para tanto.

É certo que o artigo 1º, da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), diz que a assistência social é “direito do cidadão e dever do Estado…”. A redação do referido artigo, segundo o INSS, indicaria que apenas os cidadãos brasileiros teriam direito ao benefício. É fácil refutar essa idéia. Em primeiro lugar, o INSS concede o benefício para menores de idade ou mesmo para portadores de graves deficiências mentais, que, a rigor, não são cidadãos no sentido técnico do termo. Além disso, é bastante claro que o texto não trata dos requisitos para a concessão dos benefícios, mas apenas adota uma linguagem retórica para dizer que todos têm o direito à assistência social. A cidadania não pode ser requisito para a concessão do benefício, até porque a própria Constituição não afirmou isso. Se apenas os cidadãos (i.e. os eleitores) pudessem receber benefício assistencial, tal restrição seria claramente inconstitucional.

Caso se entenda que o conceito de cidadania adotado no artigo 1º da LOAS é uma cidadania no sentido social e cultural, então não vejo porque excluir Mama Djalo da sua esfera de proteção, uma vez que ele já se integrou à sociedade brasileira. Mama Djalo há muito tempo já preencheu os requisitos para obtenção da nacionalidade brasileira. A CF/88 possui uma norma específica que visa facilitar a aquisição naturalização por parte daquelas pessoas que são originárias de países de língua portuguesa. O artigo 12, inc. II, “a”, estabelece que, para a aquisição da nacionalidade brasileira, “aos originários de países de língua portuguesa” deve ser exigida “apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral”. Há pelo menos oito anos, Mama Djalo já preencheu os requisitos para poder pedir a sua naturalização. Talvez não tenha pedido por desconhecimento de seus direitos.

É lógico, contudo, que o conceito de cidadania previsto no artigo 1º da LOAS nem tem um sentido técnico-eleitoral, nem um sentido sócio-cultural. Seu uso decorreu, provavelmente, de uma atecnia legislativa que evocou a palavra “cidadão” num sentido metafórico. Assim, o referido artigo não pode ser interpretado no sentido de exigir a cidadania brasileira como requisito para o recebimento do benefício.

O Decreto 6.214, de 26 de setembro de 2007, que autoriza a concessão do benefício assistencial para brasileiros naturalizados, também não pode servir como empecilho para o reconhecimento do direito aos estrangeiros residentes. Na verdade, o referido decreto é tautológico, já que a Constituição Federal é muito clara ao estabelecer que “a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição” (art. 12, §2º). Assim, seria flagrantemente inconstitucional qualquer lei que concedesse benefícios sociais apenas a brasileiros natos. Perceba que, se o legislador brasileiro quiser, pode excluir os estrangeiros residentes do rol de beneficiários do amparo assistencial, mas jamais poderia excluir os brasileiros naturalizados. No caso, o legislador pátrio incluiu expressamente os brasileiros naturalizados (e não poderia ser diferente), mas não excluiu expressamente os estrangeiros residentes, devendo prevalecer, no caso, a regra geral de igualdade, à falta de norma específica.

Poder-se-ia alegar que nenhum país do mundo daria direitos sociais a um imigrante que ingressou ilegalmente no país. Não é bem assim. O mundo está mudando. Até mesmo um país geralmente acusado de ser xenofóbico, como os Estados Unidos da América, reconhece que os imigrantes ilegais não podem ser discriminados arbitrariamente, pois também estão protegidos pela cláusula da igualdade. No paradigmático caso Plyler v. Doe (1982), a Suprema Corte norte-americana estabeleceu que “seja qual for o seu estatuto ao abrigo da legislação de imigração, um estrangeiro é uma ‘pessoa’ em qualquer sentido comum do termo”, razão pela qual os estados-membros não poderiam se negar a matricular filhos de imigrantes ilegais nas escolas públicas. Os estrangeiros “mesmo os estrangeiros cuja presença no país é ilegal, têm sido reconhecidos como ‘pessoas’ e, por isso, não podem sofrer discriminação injusta”. Dito de outro modo: para os juízes norte-americanos, até mesmo os estrangeiros que estão em situação irregular no país podem ser considerados titulares de direitos de caráter social!

Na Europa, que é um continente onde a imigração é muito intensa, existem inúmeras políticas públicas de caráter social extensíveis aos imigrantes. Em Portugal e Espanha, por exemplo, os cuidados de saúde estão acessíveis a todos os imigrantes, independentemente do seu estatuto legal, o que significa que também os irregulares possuem esse direito. A grande maioria dos países reconhece que os imigrantes regulares podem receber os cuidados preventivos e de emergência fornecidos pelo poder público. De um modo geral, na Comunidade Européia, o direito à educação é garantido indistintamente a nacionais e a estrangeiros. Em alguns países, como a Suécia e Portugal, os imigrantes regulares também podem ser favorecidos por medidas financeiras de proteção social. Como regra, os imigrantes são titulares de inúmeros direitos fundamentais, embora, muitas vezes, os serviços sociais disponibilizados aos imigrantes irregulares sejam muito mais restritos. (Fonte: PNUD).

Porém, mesmo que nenhum governo no mundo reconhecesse direitos sociais aos estrangeiros, não creio que um erro de outros países deveria pautar a política brasileira. A toda hora, criticamos a política externa de países hegemônicos por não ser tão solidária. Por que devemos seguir esse exemplo negativo? Em muitos momentos, ficamos indignados com o tratamento discriminatório que os brasileiros recebem quando estão no exterior. Por que devemos repetir as mesmas práticas que censuramos nos outros? O Brasil se orgulha de ser um país hospitaleiro e sem preconceitos, mas parece que esse orgulho não passa de um jogo de marketing. Afinal, por que os antepassados de Mama Djalo, que vieram forçados em navios negreiros para o Brasil, podiam ingressar no país e agora são deportados, como se fossem um fardo indesejável?

É preciso enfatizar novamente que Mama Djalo não deve ser considerado, hoje, como um imigrante ilegal. Ele obteve, por decisão judicial, o direito de permanecer no país para se tratar. Enquanto essa decisão estiver em vigor, Mama Djalo não pode ser deportado e, por óbvio, para fins de proteção jurídica, deve ser considerado como um “estrangeiro residente no país”.  A sua condição, portanto, é de residente, tanto que lhe foi reconhecido o direito ao tratamento médico gratuito. Não é coerente reconhecer a ele o direito de ser tratado no Brasil e não lhe conceder os meios mínimos para a sua sobrevivência. Mama Djalo não pode trabalhar. Mas precisa se alimentar, pagar o aluguel e o transporte para o seu tratamento. O direito constitucional brasileiro previu o benefício assistencial exatamente para esse tipo de situação, onde a pessoa está em condições de extrema vulnerabilidade física e financeira. Negar a Mama Djalo esse direito só porque ele não nasceu em nosso país seria avalizar um preconceito por nacionalidade incompatível com qualquer noção de dignidade humana, especialmente quando não há qualquer norma constitucional ou legal que autorize claramente esse tipo de discriminação.

Seria uma atitude muito hipócrita proclamar, em belos discursos jurídicos, o princípio da igualdade, o combate ao preconceito, a proibição de discriminação e a idéia de que toda a vida humana possui o mesmo valor e, ao mesmo tempo, contraditoriamente, adotar uma postura de falso patriotismo onde os nossos nacionais valeriam mais do que os demais seres humanos. Igualmente contraditório seria condenar o preconceito que os brasileiros sofrem em outros países e, aqui, fazermos o mesmo com pessoas de outras nacionalidades, especialmente de países ainda mais pobres que o nosso.

Em qualquer país civilizado, os imigrantes continuam sendo titulares dos direitos fundamentais básicos. Existem standards mínimos de proteção jurídica que nenhum ser humano pode ser privado. Os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à propriedade, à justa proteção jurídica são garantidos a todos os seres humanos indistintamente. Nossa Constituição, aliás, determina que os “brasileiros e estrangeiros residentes no país” podem invocar os direitos fundamentais em seu favor. O Pacto Internacional de San Jose da Costa Rica, de forma ainda mais abrangente, inclui qualquer pessoa na sua esfera de proteção (artigo 1º). E reconhece taxativamente que “os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana”. O Brasil, portanto, tem um dever de respeitar, proteger e promover os direitos de “toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social”.

Entre os direitos fundamentais, certamente o direito à vida é um dos mais importantes, até porque é pressuposto para o exercício de todos os demais. E o direito à vida não tem apenas uma feição negativa, no sentido de que o poder público não pode privar um ser humano do direito de viver. O dever de proteger a vida humana também gera para o estado uma obrigação positiva, no sentido de adotar medidas concretas capazes de possibilitar a fruição desse direito para aquelas pessoas em situação de desvantagem sócio-econômica. Isso significa que o Estado tem o dever de fornecer os serviços básicos para a proteção do chamado mínimo vital. Existe, portanto, uma obrigação estatal de garantir que todos os seres humanos tenham acesso às necessidades básicas para a manutenção da vida. O fornecimento de medicamentos vitais para a sobrevivência de um determinado paciente é uma decorrência desse dever; do mesmo modo, pode-se mencionar o direito a uma renda mínima que lhe permita suprir as necessidades básicas para a sobrevivência, que é justamente o que se pede no presente caso.

Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal, antes mesmo de ter sido editada a lei regulamentando a assistência social naquele país, reconheceu que o direito à renda mínima para os necessitados é decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição. Isso porque o princípio da dignidade humana não exige apenas a garantia da liberdade, mas também um mínimo de segurança social, já que, sem os recursos materiais para uma existência digna, a própria existência da pessoa humana ficaria sacrificada (BVerwGE 1, 159, 24/6/1954, conforme: SARLET, Ingo. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, especialmente pp. 283/300). Em decisão posterior, a mesma corte, invocando o princípio do estado social, decidiu que: “Com certeza a assistência social aos necessitados faz parte dos deveres mais evidentes de um Estado social (cf. BVerfGE 5, 85 [198]; 35, 202 [236]). Isto inclui necessariamente a ajuda social ao cidadão que, em razão de deficiência física ou mental, tem seu desenvolvimento pessoal e social impedido, sendo incapaz de prover seu próprio sustento. A sociedade estatal deve, em todo caso, garantir-lhe as condições mínimas para uma existência humanamente digna, e deve, além disso, esforçar-se para, na medida do possível, incluí-lo na sociedade, estimular seu adequado tratamento pela família ou por terceiro, bem como criar as necessárias instituições de cuidado” (SCHWAB, Jürgen. Cinqüenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão. Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2006, p. 828).

É lógico que existem múltiplas formas de o estado garantir o mínimo vital para a sobrevivência de um indivíduo que esteja em condições de vulnerabilidade física e econômica, sendo o benefício social de prestação continuada apenas uma delas. Em linha de princípio, em deferência à separação de poderes, deve-se reconhecer que cabe ao governo federal estabelecer o melhor caminho para promover a dignidade humana, garantir o direito à vida e possibilitar a sobrevivência de pessoas necessitadas que estão sujeitas à jurisdição brasileira. Porém, no presente caso, o INSS, que é o órgão responsável pela Assistência Social, não apresentou qualquer medida alternativa que pudesse ajudar Mama Djalo, abandonando-o à própria sorte. Desse modo, à falta de opção melhor, a concessão do benefício assistencial mostra-se adequada e necessária para os fins a que se propõe.

Por fim, é preciso tecer algumas considerações sobre os argumentos do INSS envolvendo os aspectos econômicos do entendimento favorável à concessão do benefício assistencial para estrangeiros.

Não há dúvida de que seria uma atitude inconseqüente se assumirmos um compromisso de financiar o combate a todos os males do planeta sem que tenhamos condições econômicas para tanto. Nesse aspecto, temos que ser realistas. O benefício assistencial gera um custo, e esse custo é distribuído por toda a sociedade brasileira. Por óbvio, os recursos são escassos e, por isso, a sua distribuição deve ser criteriosa e seletiva. Não seria razoável conceder o benefício a pessoas que sequer moram no Brasil ou então que estão aqui meramente de passagem ou então que estão apenas querendo se aproveitar da nossa boa vontade, pois certamente não foi esse o objetivo do legislador brasileiro. Mas esse não é o caso de Mama Djalo. Ele já está inserido na sociedade há mais de dez anos. Boa parte de sua vida foi vivida no Brasil. Ele trabalhou, ainda que informalmente, pagou impostos (tem até CPF – anexo 2) e criou laços de amizade. Com toda certeza, ele não pode ser considerado como um aproveitador que veio ao Brasil apenas para receber tratamento médico gratuito e ainda receber dinheiro do governo federal.

O argumento do impacto financeiro desaparece por completo diante desse fato. Não parece factível que o sistema assistencial brasileiro entrará em colapso em virtude do pagamento do benefício assistencial mensal, no valor de um salário mínimo, para Mama Djalo. É provável que o custo que o estado brasileiro terá com o pagamento desse benefício nesses últimos momentos de vida que lhe restam será inferior ao que teria com a sua deportação, já que só o custo da passagem aérea de Fortaleza para Guiné-Bissau pode chegar a cinco mil reais (via TAP), que é o suficiente para pagar quase um ano de benefício assistencial. Se acrescentarmos a isso os demais gastos que o processo de deportação acarreta, então, sob o ponto de vista financeiro, talvez seja melhor mantê-lo aqui.

E mesmo que se raciocine com a extensão do benefício para estrangeiros em situação semelhante, o que certamente resultaria em um impacto econômico maior, ainda assim não restou provado nos autos qual seria a conseqüência econômica daí resultante. A meu ver, o temor de um impacto excessivo é infundado. No Brasil, residem cerca de 500 mil estrangeiros, conforme dados do IBGE referentes ao ano 2000. A quantidade de estrangeiros residentes que estão com as condições financeiras e de saúde semelhantes à de Mama Djalo é irrisória. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, de 1999, a imensa maioria dos estrangeiros residentes (92%) recebe mais de cinco salários mínimos. Uma quantidade muito pequena (3,3%) ganha menos de meio salário mínimo. Certamente, os que ganham menos de um quarto de salário mínimo e ainda estão incapacitados para o trabalho, representam uma população ainda mais insignificante, já que, entre a população brasileira, a quantidade pessoas que fazem jus ao benefício assistencial não chega a 1,5% do total, incluídos aqui os idosos. Por isso, não vejo aí qualquer possibilidade de exaustão orçamentária caso se interprete a Constituição e a Lei Orgânica da Assistência Social no sentido de que os estrangeiros residentes não podem ser excluídos, tão somente por sua nacionalidade, do rol de beneficiários do amparo social.

O Brasil, cada vez mais, eleva os gastos com ajuda humanitária para países mais pobres, numa elogiável atitude de solidariedade mundial. Seria um contra-senso enviar milhões de reais para o exterior, para ajudar pessoas necessitadas em outros países, e não ajudar os estrangeiros necessitados que residem no país. Se o Brasil pretende ser um país com alguma liderança no novo cenário mundial, tem que começar tendo uma atitude moral coerente e sincera, onde a preocupação com a miséria humana em todos os lugares do planeta não é apenas da boca pra fora.

O receio de que a concessão de benefícios assistenciais para estrangeiros residentes gere um aumento do fluxo de imigrantes ilegais também é infundado. O número de estrangeiros que buscam o Brasil para aqui fixar residência tem diminuído e não aumentado. Esse número já chegou a mais de 700 mil no início dos anos noventa e, no último censo do IBGE, realizado em 2000, girava em torno de 500 mil. Além disso, é muito improvável que uma pessoa que esteja em outro país, distante do Brasil, em uma situação de miséria financeira e com a saúde debilitada, tenha condições de arcar com todos os custos e riscos de uma viagem onerosa para vir ao Brasil receber um salário mínimo por mês. Em geral, as pessoas optam por morar em outro país para fugir de conflitos políticos ou então para buscar novas oportunidades de emprego e não por conta de possíveis benefícios sociais que possam lá receber.

O Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, relativo ao ano de 2009, tratou precisamente da situação dos imigrantes e do impacto da mobilidade humano no desenvolvimento dos países. No referido estudo, foi demonstrado que, ao contrário do que a maioria pensa, a imigração traz diversos benefícios não apenas para o imigrante, mas também para o país de destino. A mobilidade dos seres humanos entre os países do mundo é um fator que estimula o desenvolvimento humano. Por isso, não devemos encarar o estrangeiro como um inimigo, nem como alguém que não é bem-vindo, que gera encargos sociais ou então que traz insegurança e violência. A possibilidade de se deslocar, mudar de local de residência e tentar melhorar de vida em outro lugar deve ser considerada como uma componente fundamental da liberdade humana.

Hoje, é fato, o mundo está se globalizando. As fronteiras estão desaparecendo. A economia é uma só. A ética é uma só ou, pelo menos, almeja ser uma só. O mundo caminha para a construção de um projeto ético comum. Se a idéia de um código moral uniforme para todos os habitantes do planeta é uma utopia irrealizável e, em certo sentido, indesejável (por ser demasiadamente pretensiosa e arrogante), percebe-se cada vez mais a necessidade de se desenvolver um modelo de regulamentação internacional que possa, pelo menos, harmonizar a pluralidade de códigos morais existentes, rumo a uma convivência pacífica entre todos os povos, onde cada ser humano possa ser, de fato e de direito, tratado como igualmente merecedor de respeito e consideração, independentemente de qualquer qualificativo.

Mama Djalo é um africano, pobre, doente e sem familiares para ajudá-lo. Ele veio ao Brasil de boa vontade com o intuito de melhorar seu bem-estar e fugir das péssimas condições de vida em seu país de origem. Talvez para a maioria de nós seja difícil sentir empatia por alguém que vem de um local que nem sequer sabemos indicar no mapa. Mas a obrigação de qualquer ser humano é ajudar outro ser humano que esteja em necessidade. Essa obrigação, para nós que somos brasileiros, não é uma mera obrigação moral. Trata-se, na verdade, de uma obrigação constitucional, que está claramente prevista no artigo 3º da Constituição Federal: constitui objetivo da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem”. Em razão disso, por obrigação constitucional, deve ser mantida a sentença e reconhecido o direito de Mama Djalo receber o benefício assistencial enquanto permanecer no Brasil.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS.

Fixo os honorários de sucumbência em 10% sobre o valor atribuído à causa.

Fortaleza, 19 de abril de 2010

George Marmelstein Lima

Juiz Federal no Ceará

Publicidade

33 comentários em “Benefício Assistencial para Estrangeiro – Caso Mama Selo Djalo”

  1. Olá, George. Em primeiro lugar, é ótimo ver que voltou a postar no Blog. Sempre procuro acompanhar as postagens e o conteúdo é bem interessante. Sobre o caso acima, me parece que o fundamental é a questão da permanência do estrangeiro no país, garantida por sentença judicial procedente. Neste caso, deve ser considerado “estrangeiro residente” e não ilegal. A partir daí, sua posição jurídica se altera, fazendo jus ao tratamento de saúde e inclusive ao benefício assistêncial. Uma única ressalva: às vezes, me preocupa essa interpretação “máxima” de certos princípios constitucionais como demonstrada em seu voto. Será que essa situação “utópica” e “ampliativa” não poderia representar, em última instância, a absoluta falência do Estado brasileiro? O orçamento público é finito, se o Judiciário mandar gastar dinheiro em determinado lugar, significa tirar de outro, e alterar as políticas públicas de maneira comprometedora. Um abraço, Átila.

  2. Analisando os termos utilizados pela CF/88, verifica-se que essa frequentemente utilizou-se de vocábulos como, “todos”, “ninguém”, “qualquer pessoa”. Garantiu com isso direito fundamentais em carater universal.
    A situação dos autos incomoda politicamente. Porem, supondo que um estrangeiro não residente no país esteja cometendo crimes terroristas, caberia utilizarmos da tortura para obter confissão do estrangeiro? Creio que não. Seria legal/constitucional criar uma lei que autorizasse a tortura a esses casos? Também creio que não, haja vista a dimensão objetiva dos direitos fundamentais.
    Segundo Dimoulis e Martins, a doutrina brasileira procurou caminhos alternativos para reconhecer ao estrangeiros não residentes no país a titularidade dos direitos fundamentais garantidos no art.5 da CF. suas analises podem ser sintetizadas em 4 argumentos, a saber: i) argumento da obviedade(ignoram a escolha do constituinte); ii) argumentos dos direitos naturais(os direitos fundamentais são um atributo natural do ser humano); iii) argumento da dignidade humana (essa possui caráter universal); argumentos dos direitos decorrentes (art.5, §2°).
    Diante do ultimo argumento, vejo a possibilidade do estrangeiro fazer jus ao benefício, até mesmo porque a seguridade social( previdência, assistência e saúde) engloba um conceito amplo e universal. E ressalte-se a espécie assistência social trata de atender os HIPOSSUFICIENTES.
    Concordo com o voto favorável ao estrangeiro, por ser uma demonstração de efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana e proteger os direitos humanos, esses tem sido um problema interpretativo que, com poucas exceções, não despertou interesse da doutrina brasileira, que permanece centrada em outros temas.

  3. Você só não disse uma coisa muito importante. A divergência aberta por você saiu vencedora?

  4. Nem precisava anexar que ele pagou impostos, isso é bem mais que obvio. Só dele comprar alimento para comer já está pagando um alto preço de imposto (de acordo com sua renda, que é mixaria), isso sem contar com a luz, agua e etc… Isso tudo ajuda de alguma forma o progresso do Brasil, não há duvida. É o mesmo caso daquelas pessoas que pagam agua, luz e tudo mais, acontece uma enchente que derruba suas casas, e o governo e a globo ainda tem coragem de dizer que suas casas eram ilegais, e que eles sabiam e pagaram o pato por ter vivido contra a legalidade.. A cada vez penso que a legalidade de legal não tem nada.

  5. Dr. George,

    Para mim o mais interessante de seu Voto foi a desconstrução da falácia do INSS no sentido do profundo impacto financeiro da concessão do benefício assistencial.

    Nós que estamos na Advocacia Pública (sou Advogado da União), infelizmente, nos vemos em situações que, por medo de um PAD ou coisa que o valha, temos que defender a todo custo nosso cliente. Por vezes, lançamos argumentos falaciosos, na esperança de que eles “colem”.

    No seu caso, foi extremamente interessante como, a partir de consultas na Internet, em sites como o do IBGE ou da TAF, conseguiu-se desconstruir o argumento retórico em torno dos pretensos reflexos nefastos da decisão no orçamento público.

    Confesso que não estava concordando com seu entendimento até ver essas considerações econômicas do direito. No entanto, a abordagem posterio convenceu-me, principalmente quando o senhor assenta que, dificilmente, algum probre coitado de outro país tenha alguma condição econômica de tentar se aproveitar do Brasil a partir de decisões como esta. Em outras palavras: o entendimento do senhor em nada contribui para que nosso País se converta num “segurador universal da humanidade” de maneira genérica, pois, como está bem assentado no Voto, a situação de Mama Djalo era bem específica, não se subsumindo num caso de mero aproveitamento.

    Fazer elogios públicos sempre pode parecer algo falso, mas, mesmo correndo esse risco, gostaria de dizer que sou fã do senhor. Fui estagiário da nona vara por um curto período de tempo, de modo que não pude estagiar no cabinente. De todo modo, tenho sorte em acompanhar essas lições através de seu blog e do seu livro.

    Sou mestrando em direito constitucional pela UFC e gostaria que, um dia, o senhor pudesse criticar alguns de meus artigos. Sem dúvida, eu teria muito a aprender.

    Meus sinseros parabéns!

    Cordialmente,

    Emanuel de Melo Ferreira
    Advogado da União
    PRU/1ª

  6. Dr. George,
    Sou suspeito de falar sobre sua decisão, pois apesar de ser servidor do INSS, não concordo com a posição da autarquia em relação ao tema. Acho o assunto tão interessante que estou até escrevendo minha monografia sobre o tema. Achei magnifico seu voto. Gostaria, se possível que me mandassem dicas de mais algum material sobre o assunto

  7. Dr. George.

    Eis mais uma prova de que o Direito não é lei; ele busca a justiça. O seu voto é simplemesmente uma aula de justiça. Obrigado por poder compartilhar da sua sensibilidade.

    LCarlos

  8. Parabéns Dr George exemplo de sensibilidade que um juiz deve ter. Não obstante outro entendimento, vejo que a decisão amparou alguém que realmente precisa do Estado, essa é a verdadeira função da Justiça!

  9. Prezado George, ao ler essa brilhante decisão, tive a oportunidade de reconhecer toda a sua elogiável capacidade jurídica. Porém, dentre vários pontos positivos, destaco o seu papel social de magistrado, que de uma maneira criteriosa, combate os argumentos da elite tecnocrata brasileira de exclusão aos desprotegidos. Esse é o o papel que a sociedade delegou aos agentes politicos e aos detentores do poder de dizer o direito ao caso concreto. Meus sinceros parabéns, de um leitor, que a cada vez que entra em seu blog, se encanta com sua luta pelos direitos fundamentais.

  10. George,

    Não somente como estagiário da Defensoria Pública da União, mas, sobretudo, por me considerar cidadão no sentido mais amplo da palavra, gostaria de parabenizá-lo pela aula dada com seu voto.
    Qualquer comentário que faça a respeito do teor do voto será mera repetição dos que aqui já existem.

    Grande abraço!

  11. Aos que perguntaram se a divergência prevaleceu, respondo que sim. O assistido da DPU se encontra hoje recebendo o benefício. Aliás, devo dizer, Prof. George, que seu voto causou grande repercussão aqui na Defensoria, os estagiários ficaram em polvorosa. É sempre bom ver que existem juízes que ainda fazem valer a pena ter um pouco de fé no Judiciário. Belíssimo voto. Parabéns!

  12. Dr. George,

    No pequeno contato que tive pessoalmente com V. Exa. há pouco mais de um mês, tive a oportunidade de demonstrar minha admiração por sua dimensão de juiz e doutrinador, ao mesmo tempo em que comentei que as suas posições e observações teriam um caráter revolucionário, no sentido de provocar reflexões sobre o que origina todo o arcabouço jurídico, indo à origem primeira e principiológica. Fico feliz com a dedicação e compromisso com o aprimoramento e construção de um estado democrático.

  13. Por óbvio, o objetivo da postagem não foi receber elogios. Mas expô-la à dialética.

    Judicioso, o voto expressa alto senso de constitucionalidade. É verdadeira exceção no pensar jurídico ainda preso ao paradigma da subsunção à lei.

    Nos milhares de votos, sentenças e pareceres ministeriais que se produzem no país dia dia, se pergunta: onde está a Constituição?

    Invertem a ordem das coisas. Interpretam a Constituição conforme as leis!!!

    Da máxima efetivade, os direitos fundamentais são esquecidos nos porões empueirados.

    Mais do que um voto, as palavras são um clamor: clamor pela Constituição.

    Abraços a todos.

  14. Vale ressaltar que Mama Djalo, depois de tanto tempo vivendo e trabalhando no Brasil, obviamente contribuiu indiretamente para a Seguridade Social. Não há como escapar dos IMPOSTOS.

    Definitivamente, uma obra de arte jurídica. Desse jeito, até o relator tem de acompanhar a divergência. HEHE!

  15. Prezado professor,

    A utilização da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, recepcionados pelo Brasil pelo Decreto 6949 de 2009, não poderiam dar um (ainda) maior embasamento a sua tese Jurídica.

    Trata-se da Primeira Convenção Internacional recepcionada com força de norma Constitucional, por força do art. 5 § 3 da Constituição Federal.

    Um abraço,

    Pedro

  16. Interessante o caso, bastante complexo do ponto de vista hermenêutico. Gostei da solução encontrada.

    Foi procurar a sentença de permanência do Mama Selo Djalo, e também vale a leitura.

    SENTENÇA Nº. 0010. ____________ /2010 TIPO A
    PROCESSO Nº. 2009.81.00.000642-6
    CLASSE 029 – AÇÃO ORDINÁRIA
    AUTOR: MAMA SELO DJALO
    RÉU: UNIÃO

    EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA. ESTRANGEIRO. SITUAÇÃO IRREGULAR NO PAÍS. CONCESSÃO DE VISTO PERMANENTE. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. TRATAMENTO MÉDICO-HOSPITALAR. PERMANÊNCIA NO TERRITÓRIO BRASILEIRO EM CARÁTER PRECÁRIO POR RAZÕES HUMANITÁRIAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL.
    – Da simples leitura dos dispositivos da Lei 6.815/80 e do Decreto 86.715/81, constata-se que a postulação autoral, consistente na concessão de visto permanente, não tem respaldo legal.
    – A situação do autor, todavia, deve ser analisada à luz dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e do direito à vida, assegurados na Constituição Federal, de forma que as regras que disciplinam a permanência do estrangeiro no território nacional deverão ser relativizadas.
    – No presente caso, a permanência do estrangeiro no território nacional revela-se como um dos únicos meios disponíveis, senão o único, para se garantir a continuidade do tratamento médico, mormente quanto ao fato de que o país de origem do autor (Guiné-Bissau) sabidamente não possui estrutura médico-hospitalar adequada para o combate à moléstia que o acomete (insuficiência renal crônica terminal por nefroesclerose hipertensiva).
    – Pedido julgado parcialmente procedente.

    1.RELATÓRIO

    Trata-se de Ação Ordinária ajuizada por MAMA SELO DJALO, estrangeiro procedente da República da Guiné-Bissau, em face da UNIÃO, visando a obtenção de provimento jurisdicional que determine à União a abstenção de efetuar quaisquer procedimentos tendentes à deportação do autor, bem como a concessão de visto permanente ao autor.

    Relata o autor que, no ano 2000, veio ao Brasil como turista. Em 2005, ainda no Brasil, descobriu que estava acometido de Insuficiência Renal Crônica terminal por nefroesclerose hipertensiva, razão pela qual desde 1º de maio de 2005 vem se submetendo à tratamento de hemodiálise três vezes por semana na Santa Casa de Misericórdia. Em 02 de junho de 2005, foi autuado pela Delegacia de Polícia de Imigração – DELEMIG, uma vez que estava em situação irregular no país, razão pela qual poderia ser deportado em 08 (oito) dias.

    Alega que como em Guiné-Bissau não há tratamento para enfermidade que o acomete, deseja e necessita permanecer no Brasil. Argúi que, em virtude da gravidade da doença, não tem condições de trabalhar para se sustentar. Ademais, não pode requerer benefício assistencial ante o fato de estar em situação irregular no país.

    Documentos anexados às fls. 17/50.

    Intimada acerca do pedido de antecipação de tutela, a União sustenta que o deferimento do pleito antecipatório esgotaria o objeto da ação. Defende, ainda, que a legislação que trata da permanência de estrangeiro no país não ampara a permanência irregular do estrangeiro por motivo de saúde.

    Pedido de antecipação de tutela deferido parcialmente (fls. 65/69).

    A União interpôs recurso de agravo retido (fls. 76/82) da decisão liminar.

    Regularmente citada, conforme certidão de fl. 72v, a União deixou transcorrer in albis o prazo para apresentar defesa.

    O autor atravessou a petição de fls. 89/91, na qual requer a concessão de residência provisória, com fulcro na Lei 11.961/2009.

    É o que importa relatar.

    2. FUNDAMENTOS

    A concessão de visto permanente vem disciplinada na Lei 6.815/80 e no Decreto 86.715/81.

    Dispõe a Lei 6.815/80:

    Art. 17. Para obter visto permanente o estrangeiro deverá satisfazer, além dos requisitos referidos no artigo 5º, as exigências de caráter especial previstas nas normas de seleção de imigrantes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Imigração.

    Art. 5º Serão fixados em regulamento os requisitos para a obtenção dos vistos de entrada previstos nesta Lei.

    O Decreto 86.715/81, por sua vez, assim preceitua:

    Art . 26 – O visto permanente poderá ser concedido ao estrangeiro que se pretenda fixar, definitivamente no Brasil.

    Art . 27 – Para obter visto permanente o estrangeiro deverá satisfazer as exigências de caráter especial, previstas nas normas de seleção de imigrantes, estabelecidas pelo Conselho Nacional de Imigração, e apresentar:
    I – passaporte ou documento equivalente;
    II – certificado internacional de imunização, quando necessário;
    III – atestado de saúde;
    IV – atestado de antecedentes penais ou documento equivalente, a critério da autoridade consular;
    V – prova de residência;
    VI – certidão de nascimento ou de casamento; e
    VII – contrato de trabalho visado pela Secretaria de Imigração do Ministério do Trabalho, quando for o caso.

    Art. 28 – A concessão do visto permanente poderá ficar condicionada, por prazo não superior a cinco anos, ao exercício de atividade certa e à fixação em região determinada do território nacional.

    Da simples leitura dos dispositivos da legislação que rege a matéria afeta à concessão de visto permanente, constata-se que a postulação autoral, consistente na concessão de visto permanente, não tem respaldo legal. Em verdade, a permanência do estrangeiro por tempo superior ao prazo de estada configura, em tese, hipótese que dá ensejo à sua deportação. Senão vejamos:

    Decreto 86.715/81

    Art . 98 – Nos casos de entrada ou estada irregular, o estrangeiro, notificado pelo Departamento de Polícia Federal, deverá retirar-se do território nacional:
    I – no prazo improrrogável de oito dias, por infração ao disposto nos artigos 18, 21, § 2º, 24, 26, § 1º, 37, § 2º, 64, 98 a 101, §§ 1º ou 2º do artigo 104 ou artigos 105 e 125, Il da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980;
    § 1º – Descumpridos os prazos fixados neste artigo, o Departamento de Polícia Federal promoverá a imediata
    deportação do estrangeiro.
    § 2º Desde que conveniente aos interesses nacionais, a deportação far-se-á independentemente da fixação dos prazos de que tratam os incisos I e II deste artigo.

    Lei 6.815/80:

    Art. 125. Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas:
    I – entrar no território nacional sem estar autorizado (clandestino):
    Pena: deportação.
    II – demorar-se no território nacional após esgotado o prazo legal de estada:

    A situação do autor, todavia, deve ser analisada à luz dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e do direito à vida, assegurado na Constituição Federal, de forma que as regras que disciplinam a permanência do estrangeiro no território nacional deverão ser relativizadas. No presente caso, a permanência do estrangeiro no território nacional revela-se como um dos únicos meios disponíveis, senão o único, para se garantir a continuidade do tratamento médico, mormente quanto ao fato de que o país de origem do autor (Guiné-Bissau) sabidamente não possui estrutura médico-hospitalar adequada para o combate à moléstia que o acomete.

    O declaração do médico da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, que repousa à fl. 33 dos autos, confirma a necessidade da permanência do autor no território brasileiro. Diz o referido documento que “o Sr. MAMA SELO DJALO é portador de Insuficiência Renal Crônica terminal por nefroesclerose hipertensiva, iniciando programa de hemodiálise crônica em 01 de maio de 2005, 3 vezes por semana, neste hospital. Deverá permanecer neste tratamento regularmente, correndo risco de morte se não cumprir rigorosamente esta orientação terapêutica”.

    Por oportuno, colaciona-se o aresto a seguir:

    EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. REEXAME NECESSÁRIO. ESTRANGEIROS. LEI 6.815/80. VISTO DE TURISTA. PRORROGAÇÃO. POSSIBILIDADE DE PERMANÊNCIA NO PAÍS ALÉM DO PRAZO LEGAL. TRATAMENTO MÉDICO DA FILHA. APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À VIDA.
    1. A negativa de prorrogação de visto de turista, acompanhada do alerta acerca das possíveis conseqüências decorrentes da permanência em território nacional reproduz os exatos termos da lei que regulamenta a situação jurídica do estrangeiro no Brasil (Lei nº 6.815/80);
    2. No entanto as circunstâncias fáticas devem sempre ser analisadas à luz dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e do direito à vida, assegurados na Constituição Federal, relativizando-se a rigidez das regras que disciplinam a permanência do estrangeiro no território nacional.
    3. A permanência dos estrangeiros no território nacional revela-se como o meio disponível para garantir o direito à vida, quando o país de origem não dispõe de recursos suficientes para proporcionar o tratamento de saúde necessário à doença que acomete um deles;
    4. Conforme os princípios constitucionais, o direito à vida sobrepõe-se ao dever de sair do território nacional pela expiração do visto de permanência.
    (TRF 4ª Região, REOHC 2007.71.00.005153-5/PR, 7ª Turma, Rel. Des. Fed. TADAAQUI HIROSE, DJU 18.07.2007, p. 155)

    Assim, muito embora seja descabida a concessão do visto permanente ao autor, posto não preencher os requisitos legais necessários para tal, é de se assegurar sua permanência no território brasileiro, em caráter precário, até o final do tratamento a que está submetido.

    No que toca ao pedido de concessão de residência provisória (fls. 89/91), é de se notar que sua análise trasborda os limites da presente lide. Isso porque após a fase de saneamento não há falar em modificação ou alteração do pedido inicial (art. 264, parágrafo único, CPC).

    3. DISPOSITIVO

    Diante do expendido, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido, tão-somente para assegurar a permanência do autor no território brasileiro, em caráter precário, enquanto necessitar de tratamento médico-hospitalar.

    Sem custas. Sem honorários.

    Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

    Fortaleza, 18 de janeiro de 2010.

    ALCIDES SALDANHA LIMA
    Juiz Federal da 10ª Vara/CE

  17. Sou estudante de Direito da Unifor e acompanho há um bom tempo o blog do senhor, e dessa vez me senti mais do que obrigado a parabenizar-lhe pelo voto proferido, acerca do benefício assistencial, que, em princípio, parecia ser “utópico” (como o senhor mesmo disse) concedê-lo ao M. Djalo, mas que, ao fim, deu-nos uma lição de humanismo. É estimulante, como estudante, ter oportunidade de saber que há meios legais de ser justo e humano em questões que, à primeira vista, parecem não ter proteção jurídica, como era o caso de Mama Djalo. Como brasileiro, só tenho a parabenizá-lo pelo voto defendido.

  18. Prof. George,

    Que aula BRILHANTE de Justiça e cidadania o senhor nos brindou. Obrigada, por ter sido meu mestre e Parabéns por ser um ser humano. Pois dificilmente vi figura com tanta importância e humildade.
    Um forte abraço,

    Evania Izídio
    Aluna da Fa7

  19. Caríssimo professor George Marmelstein Lima,

    Parabenizo Vossa Excelência pelo brilhante voto prolatado, oi qual concretiza os mais basilares princípios constitucionais.

    Certamente serve de exemplo para os demais membros da magistratura.

    Alexandre Mendes Lima de Oliveira
    Defensor Público Federal

  20. Sou estudante de Direito e tive agradável surpresa de entrar em contato com seu voto, material fornecido pela professora , para me ajudar a apresentar um trabalho sobre capítulos do livro de Eduardo Cambi:”Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo…”, na disciplina de Teoria da Costituição.Um voto com esse me trouxe diversas certezas: estou no curso certo, acredito sim na justiça pois ela pode deixar de ser utopia, quando se tem convicções e sonhos de fazê-las reais!Com certeza este voto me acompanhará para o resto da vida e norteará meus passos como operadora do Direito”

  21. Existem momentos em que você começa a ler um livro, ouvir uma música ou assistir um filme e percebe que está diante de algo especial. Existe ali uma reunião de elementos que fazem algo que ficará na sua memória, será objeto de conversas, formará sua visão, influenciará em alguma medida sua vida.

    Quando comecei a ler o post, foi exatamente assim. Senti que estava diante de algo diferente, um texto que separa antes e depois.

    A começar pelo linguajar, completamente despojado de juridiquês. As referências às demais decisões, aos magistrados e aos próprios posicionamentos são expostas com a simplicidade e clareza que todos deveríamos usar.

    Depois, pela construção. Qualquer pessoa sensível ficaria tentada a negar provimento ao recurso do INSS. Mas como fazê-lo de forma fundamentada? E como lidar com a possibilidade de transformar o caso em uma autorização a que necessitados de todo o planeta procurem assistência estatal no Brasil?

    O julgamento enfrenta todas essas questões. Não foge de nenhum argumento e reconhece as dificuldades envolvidas. Inexiste aqui aquela certeza que muitos magistrados expressam, como se fosse impensável qualquer outra decisão. Decidir a favor de Djalo enseja problemas, mas tudo é avaliado de forma extremamente lógica e coesa.

    Parabéns, George. Faço votos que sua decisão seja amplamente divulgada e ajude a formar magistrados que associem o desejo de promover a justiça com a análise criteriosa dos fatos e leis.

  22. Poxa, surpreendente. Parabéns. Nunca li decisão tão simples e esclarescedora. Nem sabia que que dicisões tinham possibilidade de serem desse jeito, pois nosso cultura jurídica caminha em direção diversa.

    Abraços e mais uma vez parabéns

  23. Professor; sou angolano ( africano ) …feliz de quem tem a oportunidade de estudar com um grande mestre da vida e sa justiça quanto o senhor!

    Deus te abençoe

    Pv. 21:21

  24. Com todo o respeito, a decisão trata “ética” e “moral” como palavras sinônimas. A “ética” é coletiva, enquanto a “moral” é individual e intransferível.

    Não se trata de simples filigrana terminológica.

    As autoridades públicas, no exercício de suas funções, não podem impor sua moral aos cidadãos, pois toda vez na história da humanidade que um governante pretendeu fazer prevalecer seu conceito subjetivo de moral às outras pessoas houve ditadura, tal como ocorreu no nazismo e no fascismo.

    Por esse motivo, o juiz, ao julgar, deve se nortear pela ética eleita pelo corpo social e que foi cristalizada através da lei, que nada mais é do que a expressão da soberana vontade popular.

    O magistrado não deve, a pretexto de realizar o “justo”, impor sua moral intrínseca ao caso concreto que lhe foi submetido, sob pena de convolar a atividade da jurisdição, ato genuinamente estatal, em mero exercício de vontade pessoal.

  25. Prezado George, a questão não é saber se há ou não artigo de lei a embasar a pretensão, mesmo porque meu comentário não diz respeito especificamente ao presente artigo, mas trata desse suposto socialismo e desse pseudo moralismo que reduz a ciência do Direito a uma mera questão de opinião pessoal. Ora, o processo é espaço público no qual deve imperar a ética, não havendo lugar para a moral particular do julgador. No processo não há lugar para ideologias, eis que estas devem ser exercidas em outra seara. Além disso, o juiz não é a panacéia da humanidade.

  26. Anônimo,

    O dever de respeito ao outro não é simplesmente uma “moral” particular do julgador, mas um dever constitucional. Os valores de igualdade, não discriminação, solidariedade, liberdade, dignidade, assistência social etc. fazem parte do direito positivo brasileiro. O mais legalista dos legalistas não pode deixar de levar em conta esses valores, pois eles foram escolhidos pelo poder constituinte e são de observância obrigatória. Só um juiz muito ativista poderia deixar de lado várias normas constitucionais e julgar contra a Constituição. Eu – como sou contra todas as formas de ativismo e sou um bom legalista – prefiro seguir a Constituição. :-)

    George

  27. O Dr. George Malmenstein utilizou-se da hermenêutica para construir uma compreensão que privilegiasse o valor maior da dignidade humana e o papel constitucionalmente previsto para o Estado de efetivação da proteção aos direitos humanos. Não há que se falar em moralismo, ética e o que mais se relacione. Estamos diante do cumprimento do mandamento constitucional concretizado por uma brilhante construção jurídica. Nosso colega anônimo não leu, ou não entendeu ou não quis entender. Creio que tenha ficado no titulo e estabeleceu pré-julgamentos. Podemos não concordar com a decisão, mas não podemos atribuir-lhe desvinculação do ordenamento jurídico constitucional.

  28. Primeiramente, só tenho que somar os elogios feitos pelos leitores do blog. Uma verdadeira louvável decisão.
    Desde já, prof. George, peço a venia – só a título de acréscimo ao já tão bem fundamentado – para a possibilidade de aplicação da Convenção 118, da OIT – promulgada pelo Decreto 66.497/70 -, a qual se refera à igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros em matéria de seguridade social. Convenção esta que, com fulcro no §2º do art. 5 da CF, teria status de norma constitucional (material).
    Abraços desde Sergipe.

  29. Fascinante. Eu como aluna do 2º período do curso de Direito fiquei lisonjeada por me conceder a oportunidade de aprender um pouco com V. Exa. Foi minha primeira visita em seu blog, e concerteza não será a única.
    Pessoas com alto potencial merecem ser elogiadas sempre! Eis aqui os meus votos.

    Att,
    Denise

  30. Caro George, boa tarde. Parabenizo pela decisão, mas faço uma pergunta e ponderação. A assistência social se submete aos princípios gerais da seguridade social estampados no art. 194. Entre eles nós temos a seletividade e a distributividade. Segundo os princípios desse artigo permite o constituinte que o poder público faça as suas escolhas e uma vez assim feito, que se passe à segunda parte.
    A LOAS somente estende o benefício aos “cidadãos”, razão pela qual se criou uma forte tendência a não se pretigiar os estrangeiros, e o pior, nem se arvorando na possibilidade de lhes conceder o benefícios.
    Agora eu pergunto: diante do quadro de bolivianos e peruanos em situação totalmente irregular no Brasil, estender o benefício não é criar um perigoso precedente, em razão de se deslocar para cá, os problemas que teoricamente deveria ser resolvido em seu país de origem? Não criaremos assim, um incentivo para o deslocamento, em massa, de pessoas com situação de empobrecimento tal, que não encontra solução em seu país de origem?
    Em relação à sua sentença, quero parabenizar, pois no caso, não vejo como deportar uma pessoa para a morte, possa nos dar consciência tranquila.

Os comentários estão encerrados.

%d blogueiros gostam disto: