O que é essa coisa chamada direito?

Como seria de se esperar, o post passado foi bastante polêmico. Sempre que se tenta apresentar uma definição de direito é a mesma coisa.

No texto que segue abaixo, procurei esclarecer essa questão:

O que é essa coisa chamada direito?

Aguardo críticas e comentários, que podem ser enviadas para o meu e-mail (georgemlima@yahoo.com.br) ou serem postados aqui mesmo no blog.

19 comentários em “O que é essa coisa chamada direito?”

  1. Muito interessante. Não é em tom de ironia, achei interessante mesmo. Pelo que pude ver, minha opinião bate com a teoria dos sociologos.
    A questão da definição para o termo “direito” me parece muito interessante se analisada por um outro ponto, o da linguistica. Em ingles, é rights, em alemão é recht, são os que eu sei. Analisando o emprego de right no contexto da lingua inglesa e do recht no contexto da lingua alemã, se chega a uma mesma conclusão: Elas tem rigorosamente os mesmos sentidos. Tanto para direção, quanto para certo, correto, ou mesmo para direito no contexto jurídico.
    Eu acho interessante tal fato principalmente porque ingles e alemão sao idiomas saxoes, enquanto portugues é latino, e portanto, possuem estruturações bem diferentes.
    Com relação ao direito e sua definição, no ambito de estudo, eu tenho a teoria de que o direito surge da necessidade de convivencia e das relações jurídicas. Me parece simples, pois um humano e um cachorro, por exemplo, não terão problemas de convivência, tendo em vista a condição de superioridade intelectual do humano. Entretanto, com duas pessoas, ou mais, acordos surgirão para regular a convivencia.
    Se há uma cama de solteiro de duas pessoas adultas, de condiçoes fisicas relativamente semelhantes, não será interessante que lutem para impor sua vontade unilateral(como ocorreria no caso do cachorro, que seria colocado a ponta-pés pra longe da cama). Haverá ou a criação de “turnos”, onde em cada período haverá o uso da cama por um deles e no outro período, do outro, ou o comum acordo para que um fique com a cama, cedendo vantagem em outro aspecto, ou mesmo as duas pessoas se deitem juntas e durmam conforme se acomodarem.
    Penso que ja nesse exemplo, mesmo não havendo um “julgamento”, houve direito. Em relaçoes com mais pessoas e mais complexidade, haverá uma reprodução em maior proporção de acordos e regras particulares como essa. Depois que se tornar quase impossível mante-las apenas verbalmente (como num pais de 180 milhoes) haverá necessidade de escreve-las.
    A crítica, faço de forma de crítica positiva, o que no caso podemos chamar de elogio.
    Creio que seu livro será muito importante para quem inicia o direito, pois essas noçoes, por mais sociologficas que possam ser, não são ventiladas com seriedade em alguem com 16, 17 anos, ou mesmo mais velho que, por causa de qualquer situação desfavoravel, tenha que trabalhar 8 horas sem cursar uma faculdade, para manter sua vida digna.
    Parabens pela iniciativa.

  2. O texto está excelente, George. Muito didático e instrutivo.

    Apresento aqui, no entanto, alguns questionamentos quanto ao seu posicionamento, exposto ao final. Não os apresento em tom de reprovação, mas para que você possa submeter seu ponto de vista à prova. Isso, segundo o que eu penso, pode ser benéfico e até fortalecer sua convicção, desde que consiga enfrentar os questionamentos de modo suficiente e adequedo – segundo o que você considerar ser suficiente e adequado.


    “O direito antiético e injusto não deveria ser considerado como direito nem mesmo quando é oficialmente imposto por uma autoridade estatal.”

    Quem vai dizer o que é antiético e o que é injusto?


    “Por isso, é perigoso dizer que “o direito do criminoso é direito” ou então “o direito nazista é direito” sem cair numa confusão conceitual desnecessária.”

    E o direito vigente em Cuba é “direito”? E se houver leis que sejam contra a minha noção de justiça, não seriam, para mim, um “direito torto”? Por exemplo, se eu for contra o casamento entre homossexuais e contra o aborto (hipoteticamente), para mim e para as pessoas que concordarem comigo, as leis que permitem essas ações não são “direito torto”? Não é um problema conceitual chamar isso de “direito”, se achamos que isso é “muito errado”?


    “Nesse aspecto, estou com aqueles que vinculam a noção de direito a uma intenção de justiça.”

    Há quem negue isso? Todo mundo acha que o direito deve ser justo. Em qualquer lugar, sob quaisquer circunstâncias, deseja-se que o direito seja justo. Espera-se que ele seja justo. Muda apenas o que significa “justiça”. E, ainda que seja “injusto”, será “injusto” sob uma perspectiva apenas.


    “Se alguém quiser adotar um conceito bem amplo de direito e opte por chamar o direito dos criminosos de direito, não há problema, desde que se deixe claro que o direito dos criminosos viola o direito oficial do estado.”

    Nenhum problema. Claro que o direito da organização criminosa viola o direito do Estado, assim como o direito do Estado viola o da organização criminosa.


    “Por uma opção ideológica, contudo, é preferível não incluir o direito dos criminosos no conceito de direito, pois isso pode gerar uma má-compreensão sobre aquilo que se quer dizer.”

    Isso porque você não é um “criminoso”. Se fosse um “criminoso” não pensaria assim. Além do que, muitos ordenamentos jurídicos oficiais já foram “direito de criminoso”. Assim acontece nos golpes e nas revoluções.

    Você pelo menos admite que é uma opção ideológica; uma opção ideológica conservadora. Pensa assim porque acha que o direito estatal é bom e o direito dos “criminosos” é ruim. Mas os criminosos pensam que o direito estatal é opressor e usurpa a sua dignidade, mais ou menos como Rousseau achava, razão pela qual “as vítimas do Estado opressor” estão legitimadas a reagir com violência.


    “Por isso, chamar o direito dos criminosos de direito pode gerar uma falsa sensação de que se concorda com a existência de um tal sistema e, creio eu, nem mesmo os sociólogos mais progressistas aceitariam isso. O mesmo raciocínio se aplica ao direito nazista ou um direito ditatorial qualquer.”

    O direito cubano também? E o venezuelano? E o iraniano? E o saudita? O que é uma “ditadura”?

    Espero que perceba que os meus questionamentos têm como único objetivo provocar a reflexão.

    Um abraço.

  3. Belo texto, mas fiquei confuso com alguns factores já bem explicados pelo Raul.

    “O direito dos criminosos não podem ser considerados direito”. Concordo, mas não consigo perceber quais criminosos você dirigi sua palavra. Aonde é que está situado o pandemónio brasileiro? Na favela que não é. Hoje infelizmente é o direito dos criminosos que é considerado como direito, e é esse “direito” que é ensinado nas faculdades do Brasil.

    Se a tribo indígena acatasse a pena de morte, você certamente não concordaria com a pena e acharia que não foi digno de direito. Agora se a organização criminosa adoptasse o banimento, você ainda acharia que o direito dos criminosos não podem ser direito?

    Você tem um preconceito conservador contra os criminosos. Também sou intolerante e preconceituoso contra os criminosos, mas procuro identificar quem são os verdadeiros criminosos e outros que são apenas seus reflexos e espelhos.

    Vale lembrar: Robin Hood em seu tempo também era considerado um criminoso, apesar de não ser pelo meu ponto de vista. Pablo Escobar apesar de ser uma pessoa de alta perigosidade para o restante do mundo, a população pobre de Medellín o reverenciava por dar de comer e uma vida digna a todos daquela cidade.

    Entendi que existe um enorme quiproquó sobre o que é direito, mas também existe um quiproquó sobre quem são os verdadeiros criminosos.

    abraçosssss

  4. Raul,

    nem os sociólogos (Boaventura) nem os positivistas (Kelsen) vinculam a definição de direito à idéia de justiça. E creio que, nesse ponto, eles estão errados.

    Mesmo que existam desacordos sobre se um determinado grupo é criminoso ou não, ou se um regime político é ditatorial ou democrático, ou se uma decisão é justa ou injusta etc…, isso não refuta a minha idéia de direito. Não é isso que está em jogo. O que está em jogo é saber se eu posso conscientemente chamar o direito criminoso ou ditatorial de direito, ou seja, partindo do princípio de que todos concordam que um determinado grupo é criminoso e que um determinado regime é ditatorial, posso dizer que o sistema jurídico deles é direito?

    Só posso responder de forma afirmativa a essa pergunta, se eu deixar claro que o meu conceito de direito não implica um juízo de aprovação. Do contrário, a confusão semântica será inevitável. Como, em regra, a palavra direito possui uma função aprovativa, então é melhor vinculá-la, em regra, à idéia de justiça. Foi isso que quis dizer.

    George

    1. “[…] partindo do princípio de que todos concordam que um determinado grupo é criminoso e que um determinado regime é ditatorial, posso dizer que o sistema jurídico deles é direito?”

      Mas, George, esse pressuposto pode ser demonstrado? Será que TODOS concordam que o PCC é um grupo “criminoso”? Será que TODOS concordam que o MST é um grupo “criminoso”? Se você levar em conta o ordenamento oficial, sim, claro que são “criminosos”. Mas se o referencial for este (“criminoso” é aquele que viola o direito oficial) as ações revolucionárias contra um ditador/tirano também são “criminosas”.

      De qualquer modo, se você levar em conta as normas do PCC ou do MST, “criminosos” são os agentes do Estado.

      Em Cuba, por exemplo, houve época em que o ordenamento preparado pelo Exército Rebelde Cubano, vitorioso em derrubar o governo oficial, era considerado “criminoso”, pois violava o ordenamento estatal vigente. Hoje, é o direito oficial.

      Em que o ordenamento oficial se mostra “verdadeiro” e o ordenamento daqueles que violam o ordenamento estatal “falso”?

  5. Hugo,

    não sou preconceituoso em relação ao direito “não-oficial” e muito menos acredito nas virtudes do direito “oficial”. Acho que, por exemplo, o direito estudado por Boaventura no Jacarezinho, nos anos 70, era direito. Ali, a própria comunidade criou um sistema jurídico com regras de equidade e julgamento imparcial. É diferente dos julgamentos paralelos do PCC, cujo fundamento não é a ética ou a justiça, mas a força e a violência.

    Do mesmo modo, não acho que todo regime estatal é direito.

    George

  6. A propósito, não considero que o julgamento do empresário pedófilo citado no texto seja direito. Ele é formalmente válido, mas eticamente errado. Para mim, não basta que um julgamento seja formalmente válido para ser direito. É preciso também que seja eticamente correto.

    George

  7. Raul,

    mas, dentro da minha definição, a compatibilidade ou não com o sistema oficial é irrelevante para saber se um determinado sistema jurídico é direito ou não. O direito não-estatal, mesmo que viole as normas estatais vingentes, pode também ser direito. O aval das autoridades oficiais não é um fator preponderante para caracterizar um regime com “de direito”.

    Minha definição é uma junção da proposta filosófica (direito = justiça) e da proposta sociológica (direito = resolução de conflitos).

    O direito do PCC, mesmo que fosse compatível com o direito positivo, não seria direito, na minha ótica, pois ele não respeita a dignidade do ser humano, ou seja, ele não trata o ser humano como alguém merecedor de respeito e consideração. Seu fundamento não é a pretensão de justiça, mas a força.

    George

  8. Perceba que eu não estou entrando na controvérsia sobre a possível objetividade em ética. O que, a meu ver, é contraditório é chamar de direito algo que não se pode aprovar. Kelsen não aprovava o direito nazista, mas considerva-o como de direito. Do mesmo modo, é provável que Boaventura não aprove os atos de barbárie de PCC, mas chama o seu sistema de regras como de direito. Não vejo problema nisso, desde que se deixe claro que o uso do direito, no caso, não significa reconhecer a legitimidade de tais sistemas opressivos.

  9. Então, vejamos se eu etendi. Você pensa que:

    (1) O “direito” é uma solução justa para um conflito, seja em acordo com o ordenamento estatal ou não.

    (2) A solução dada pelo chefe do tráfico ao conflito hipoteticamente analisado não é “direito” porque não é justa. Sim, porque a violência e a força não podem ser manifestações de justiça.

    (3) É inadequado chamar de “direito” aquilo que eu penso ser injusto.

    Até aqui, alguma ressalva?

  10. Uma pequena correção.

    Você pensa que:

    (1) O “direito” é uma solução justa para um conflito, seja em acordo com o ordenamento estatal ou não.

    (2) A solução dada pelo chefe do tráfico ao conflito hipoteticamente analisado não é “direito” porque não é justa. Sim, porque a violência e a força não podem ser manifestações de justiça, exceto se (1′) a violência e a força tiverem como objetivo a justiça e (2′) o infrator for tratado com respeito e consideração.

    (3) É inadequado chamar de “direito” aquilo que eu penso ser injusto.

    Então… Até aqui, alguma ressalva?

  11. A única ressalva é que não excluo outros sentidos que a palavra direito possa ter. Não acho a definição de Kelse errada, muito menos a do Boaventura. Definições não são proposições. Definições são rótulos utilizados para facilitar a comunicação. No meu caso, vou tratar da atividade dos juristas. Então, chamo de direito as soluções justas para os conflitos. Por isso, o item 1 está OK.

    Quanto ao item 2, você poderia me retrucar: algumas pessoas considerariam que a solução foi justa. Então, essas pessoas poderiam chamar essa solução de direito. Nesse caso, eu acho que uma pessoa que considera a solução justa poderia tranquilamente chamar a decisão do traficante de direito. No entanto, meu desacordo seria sobre se a solução é justa e não sobre o uso da palavra direito.

    Quanto ao item 3, OK.

    george

  12. Pronto. Entendi perfeitamente.

    O problema, George, é que você vai ter que enfrentar a questão da objetividade dos valores. Como você mesmo diz, “meu desacordo seria se a solução é justa e não sobre o uso da palavra direito”.

    Até porque, de acordo com o item 3, qualquer pessoa pode achar uma solução justa (e chamá-la de “direito”), enquanto você, Geroge, acha que ela é injusta, recusando chamá-la de “direito”. Ou, pior, qualquer pessoa poderia violar o direito estatal e alegar que a solução prevista é injusta para o caso dela. Até um juiz poderia pensar assim também e afastar a solução prevista no direito estatal para aplicar ao caso concreto uma solução que ele considere ser justa.

    Você não vê problemas nisso?

  13. Raul,

    digamos que duas pessoas estejam diante de uma pintura moderna, daquelas que não fazem o menor sentido. Alguém poderia dizer: que bela pintura, isso é que a verdadeira arte. Outro poderia objetar: pois eu acho uma porcaria, isso não é arte de jeito nenhum…

    Aqui eles não estão em desacordo quanto à definição de arte. A discussão é sobre a qualidade da pintura. Aí entra, de fato, a questão da objetividade dos valores (no caso, estéticos), que é uma questão muito mais relevante e difícil.

    O que, a meu ver, é de fácil solução é a definição de direito, pois basta que se diga se, na sua definição, esté embutida ou não a idéia de justiça. Isso não soluciona o problema sobre saber exatamente se um regime é de direito ou não, do ponto de vista objetivo. Porém, evita desacordos inúteis. Se todos concordam que o nazismo era abominável, então é irrelevante saber se o regime legal era de direito ou não, pois isso vai depender do tipo de definição adotada.

    George

  14. George
    Voce ja foi ou ainda é professor, se ja deu alguma vez IED em alguma universidade. O que voce esplicaria como sendo Direito?
    A sua concepção, ou a existência de mais concepções?

  15. George,

    o texto é bom, e merece elogios e ressalvas, do meu ponto de vista.

    Elogio porque coloca-se o pensamento de uma forma clara, simples e objetiva. O fato mesmo de colocar seu próprio pensamento já merece ser louvado. Dentro do elogio, cabe um a crítica: pretensão de formar asseclas, como toda doutrina, mas nesse ponto, não deixa claro a pretensão, como toda doutrina.

    Diz que a discussão é inútil (no que tange ao etiquetamento), mas gasta bastante tinta e papel sobre ela, quando no fundo não epreende uma discussão mais séria sobre o assunto ideológico do etiquetamento.

    Pratica reducionismos e definições negativas. À pergunta o que é direito?, disse o que não é direito, no seu ponto de vista. Nesse ponto, ao menos foi honesto e reconheceu o estratagema, indicando uam série de leituras.

    Na discussão empreendida entre George e Raul, tenho como correta e quase insolúvel a questão da distinção entre tipos de arte e seus caracteres. Alográficas e Autográficas.

    Artes alográficas (ex. musica e teatro), a obra só se completa com o concurso de de dois personagens, o autor e o intérprete.

    Artes autográficas (ex. pintura, romance) o autor contribui sozinho para a realização da obra.

    Esse o detalhe que confere relevo a discussão quanto ao exemplo da obra de arte moderna, pois o direito, não obstante a divergência por ventura instaurada sobre ser ou não arte (do bom e do justo), é de caráter alográfico, precisa do intérprete a desvendar os signos contidos na normas ou paradigmas de conduta, ai tembém incluídos, posto estarem presentes em cada intérprete, questões como moral, ética, justiça e correção, e seus respectivos contrários.

  16. O texto é muito elucidativo, porém, muito extenso. Talvez, possa lançar mão do seu poder de síntese e “dar uma enxugada” no mesmo…

  17. DIREITO não é aquilo que alguem tem que lhe dar DIREITO é sómente aquilo que ninguem pode lhe tirar

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