O Bolo, a Justiça e o Direito

Imagine que dois amigos, João e Paulo, resolvam comprar um bolo para comer depois do almoço. Antes de dividi-lo, resolvem fazer o seguinte pacto: João cortará o bolo e Paulo escolherá o primeiro pedaço. Eis um procedimento justo, pois, certamente, aquele que cortará o bolo tentará ser o mais eqüanime possível para não correr o risco de ficar com um pedaço pequeno.

Acho que ouço essa história desde os meus cinco anos de idade. Esse exemplo do bolo é didático e capaz de convencer qualquer criança sobre a essência da justiça, que foi captada por Ralws com a sua ficção do “véu da ignorância”. Mas será que é tão simples assim?

Digamos que João seja um utilitarista radical. Resolve, por conta própria, sem consultar o amigo, repartir o bolo em partes desiguais: um pedaço bem grande e outro bem pequeno. Assim que corta o bolo, João é mais rápido do que o amigo e consegue ficar com o pedaço maior. Mas ele é utilitarista e está preocupado não em satisfazer seus próprios interesses pessoais, mas sim os interesses do maior número de pessoas. Ele vê três crianças famintas que, se não comerem o bolo, certamente irão morrer de desnutrição. João não tem dúvidas e dá o pedaço grande às três crianças, deixando Paulo enfurecido.

Paulo resolve processar o amigo. Eles fizeram um pacto e o pacto foi descumprido. O direito deve castigar os comportamentos socialmente prejudiciais e premiar os comportamentos socialmente benéficos. Paulo alega que a conduta adotada por João irá minar o convício social, pois nenhuma sociedade subsiste se qualquer pessoa resolve descumprir os pactos a seu bel prazer. Dentro da ética kantiana, a conduta adotada por João jamais poderia se tornar uma lei universal, pois irá abalar a confiança entre as pessoas. João não deveria ter feito o pacto se o seu interesse era descumpri-lo, pois tal comportamento é contraditório. Paulo acha que foi traído e usado como um mero instrumento, já que sua vontade não foi respeitada.

João, por sua vez, alegou que nada mais fez do que ajudar três crianças que estavam à beira da morte. Paulo ficou com um pedaço suficiente para saciar o seu prazer naquele momento. Por isso, João não sentiu qualquer remorso em fazer o que a sua razão utilitarista mandou: maximizar a felicidade do maior número de pessoas possíveis.

Temos aqui um conflito jurídico cujos argumentos apresentados pelas partes envolvidas são essencialmente éticos. É uma clássica disputa entre a ética deontológica (kantiana) e utilitarista (benthaniana*). O direito fornece respostas (jurídicas) para os dois lados da controvérsia. Há normas jurídicas que dizem que os pactos devem ser cumpridos e há normas jurídicas que dizem que os pactos devem cumprir uma função social e que as crianças devem ser protegidas com absoluta prioridade. Como se vê, inevitavelmente o juiz, para solucionar essa controvérsia, deverá adotar uma das duas concepções éticas antes mencionadas. O direito, por si só, não fornece uma resposta precisa e unívoca. É nesse sentido que entendo que os juristas, com freqüência, transformam ética em direito, ou seja, adotam concepções éticas para justificar suas decisões jurídicas. Se isso é certo ou errado, não sei dizer. Só sei que é inevitável. E já que é inevitável, melhor então é que os juristas passem a dominar corretamente os fundamentos dessas diversas teorias éticas.

**

* Provavelmente, utilitaristas menos radicais, como Stuart Mill ou R. M. Hare, censurariam a conduta adotada por João. Mill, por exemplo, alegaria que aquele que pratica o mal pensando em receber algum benefício imediato para si ou para outrem “desempenha o papel de um dos piores inimigos da humanidade”. Isso poque:

“As regras morais que proíbem os seres humanos de fazer mal uns aos outros (nas quais nunca devemos esquecer-nos de incluir a interferência incorreta na liberdade uns dos outros) são mais vitais para o bem-estar humano do que quaisquer máximas, por mais importante que sejam, que apenas indiquem a melhor forma de gerir um dado setor da vida humana. (…)

É a observância destas regras morais que, só por si, preserva a paz entre os seres humanos. Se a obediência a elas não fosse a regra, e a desobediência a exceção, cada um veria em todos os outros um provável inimigo, contra o qual teria de se manter permanentemente em guarda”.

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33 comentários em “O Bolo, a Justiça e o Direito”

  1. Interessante o ponto que voce colocou. Pois Amartya Sen, em um artigo e no seu mais novo livro, “The Idea of Justice”, coloca uma ideia semelhante acerca da pluralidade dos principios de justica, que em si nao podem ser resolvidos por um apoio a imparcialidade, visto os principios criarem a propria racionalidade da justica, que determina o que seria ou nao imparcial. Somente que no caso do Sen é sobre uma flauta e tres criancas, que reivindicam a flauta de acordo com um tipo especifico de racionalidade, um diz que fez a flauta (libertarismo), outro diz que nao possui nenhum brinquedo (igualitarismo), e um outro ainda diz ser o unico capaz de tocar a flauta (utilitarismo). Assim, ele argumenta da pluralidade da racionalidade da justica e das intuicoes da justica, que existem antes da racionalidade da justica.

  2. Voce eh um fanfarrao, caro George!!!

    Voce distorceu o exemplo do BOLO para que sobrassem duas opcoes morais: cumprir (Kant) ou descumprir o acordo (utilitaristas), ambos os atos aprovados pelo Direito, o que permitiria ao julgador uma ESCOLHA MORAL AO CASO.

    Discuto a propria MORAL. A possibilidade de frear os intintos naturais por qualquer lei natural de boa vivencia.

    Vamos ao exemplo puro e simples do bolo. Nesse ha pura e simplesmente a imposicao de que um corte o bolo e o outro escolha o primeiro pedaco.

    O que temos na especie (como diria o Marco Aurelio kkkk): um ato de justica, como propoe Rawls, ou uma maldade mascarada?
    Veja que o corte do bolo e a escolha do primeiro pedaco feitos por pessoas diferentes tem uma razao: COMO OS HOMENS SAO MALS, EGOISTAS, tendem a usar cada possibilidade de ganho para favorecimento proprio. Isso eh o fundamento para que um CORTE O BOLO E OUTRA ESCOLHA O PRIMEIRO PEDACO. Tambem eh o fundamento para a teoria do veu de Rawls.

    Pois bem. Pela vaga nocao que tenho da moral, essa existe para evitar que o homem exerca todas as suas potencialidades. Afinal, como afirmou Nietzsche, essa PRESCREVE UMA CONDUTA CONTRARIA A NATUREZA HUMANA. Daih o desprezo do filosofo pela moral.

    Aih estah o grande problema. No caso ORIGINAL DO BOLO, A MALDADE NAO EH EVITADA PELA MORAL, MAS SIM ASSUMIDA COMO UM DADO INALTERAVEL. O procedimento do corte do bolo deverah sempre ser feito DA FORMA IMPOSTA, pois o HOMEM EH E SERAH SEMPRE MAL, TENDENDO SEMPRE A ABUSAR DE SUA MALDADE, DE SEU EGOISMO.

    Ora, se o homem eh mal, nao tem como ser modificado. Desse modo, SOH LEIS JURIDICAS PODEM MODIFICAR SUA CONDUTA. Nao ha como impor leis morais aos humanos. Como acreditar numa interiorizacao de regras por sujeitos malvados? Serah que KELSEN TEM MAIS UMA VEZ RAZAO, JAH QUE O AUTOR NAO DIFERENCIA REGRAS MORAIS DAS JURIDICAS, CONSIDERANDO-AS AMBAS HETERONOMAS? Se Kelsen estiver certo, fatalmente havera um empobrecimento das nobres funcoes morais. Afinal, nao haveria uma acao moralmente correta, mas SIM REPROVAVEL OU NAO PELO CORPO SOCIAL, TAL COMO OCORRE COM O DIREITO.

    E mais: no atual estado da civilizacao, o DIREITO TIRARIA DA MORAL QUALQUER POSSIBILIDADE DE EXISTENCIA. Apesar de ambas serem heterenomas, o DIREITO TERIA UMA GRANDE VANTAGEM: A CLAREZA E A PREVISIBILIDADE DA SANCAO.

    INDAGO: NAO EH HORA DE ABANDONAR A MORAL DE UMA VEZ POR TODAS?

    A segunda questao: o cortador do bolo, para nao cometer o risco de cortar o bolo em METADES IDENTICAS, e ser reprovado por DEUS OU PELO CORPO SOCIAL, resolve doar a sua parte
    para o seu companheiro, que iria escolher o primeiro pedaco. O que ha no caso: UMA DOACAO MORALMENTE REPROVADA, SEGUNDO A CLASSICA DEFINICAO DE MORAL. Afinal, a doacao nao teria sido feita com o OJETIVO DE ALIMENTAR DOIS EM VEZ DE UM, TAMPOUCO DE PROMOVER O BEM SEM OUTROS OBJETIVOS. O bolo soh seria doado para que o doador escapasse do FOGO DO INFERNO OU DA CONDENACAO DE SEUS PARES.

    O ato SERIA reprovado por QUALQUER MORAL…. no entanto, seria APROVADO PELO DIREITO, QUE NAO EXIGE RAZAO PARA DOACAO.

    Poderia o juizao desprezar a REGRA JURIDICA POR SER O ATO QUE A FUNDAMENTA REPROVADO POR QUALQUER CONCEPCAO ETICA?

    O ESTUDO DA ETICA PARA O DIREITO SOH SERVE PARA CASOS ONDE HA LIBERDADE PARA O JULGADOR?

    Eh necessario explicar aos juizes como fundamentar uma sentenca com uma concepcao de etica? Embora muitos nao saibam da existencia de MILL ou considerem KANT um cara distante, nao parece que as ideias fundamentais desses filosofos sao de facil compreensao?

    um abraco.

  3. George,

    De fato, o exemplo do bolo ilustra bem como a decisão é antes de tudo uma escolha moral entre possibilidades de se “fazer justiça”, cumprindo a fundamentação jurídica um papel derivado daquela escolha.

    A questão sobre como as regras do jogo estão acessíveis às partes e como é possível construir uma racionalidade ou uma teoria da argumentação suficientes a subsidiar tal atividade é que ainda me parece nebulosa.

    Pois bem, sobre o papel dos juízes na aplicação estrita de regras contratuais ou a adoção de uma postura mais “abrangente”, sob o pálio da função social da propriedade, indico um ótimo artigo publicado pelo Latin American and Caribbean Law and Economics Association, da Universidade de Berkeley, intitulado “Os Juízes Brasileiros Favorecem a Parte Mais Fraca?”, de Brisa Lopez Ferrão e Ivan Ribeiro, disponível aqui:

    http://escholarship.org/uc/item/0715991z

    Lá os autores examinaram 181 decisões judiciais e analisaram como o Judiciário brasileiro tem se comportado no julgamento de tais questões.

    Douglas.

  4. George,

    pensei um pouco mais sobre sua questao. Bem, Hare e Mill, e talvez qualquer outro utilitarista de regras, ou tipo de utilitarismo restrito, possa afirmar que houve uma quebra de contrato, que ao longo da historia seja pior para a sociedade como um todo. No entanto, eles com certeza admitiriam “regras de excecao”, onde ha certas excecoes inclusas nas proprias regras, onde poderiamos agir pensando no melhor interesse do individuo naquele momento. Nesse caso, a quebra de contrato e a continua quebra de contrato realmente acaba ao longo sendo algo pior para a sociedade, no entanto, em certos casos quebra de contrato podem ser admitidas em um sentido social, ou seja, quando visam entregar um bem imediato a algum cidadao. P.ex., pegar a parte que concerne a um outro de um bolo e dar a criancas que estao morrendo de fome. Outro exemplo seria o classico dilema de Platao, que um homem quebra o contrato/promessa ao nao devolver as armas a um amigo, que no exato momento nao se encontra no melhor de suas faculdades, evitando assim que tanto o amigo quanto um outro fossem prejudicados. Nesses casos me parecem que um utilitarista, e tambem um liberal igualitarista, assumiriam que ha uma excecao, e que esta excecao deve ser legalmente reconhecida. O problema se torna entao a causuistica legal. Em certos casos uma promessa/contrato pode ser quebrado, em outros nao, o problema é de determinar isso, pois a lei, em sentido geral, nao pode determinar cada caso possivel, somente pode formular a possibilidade de quebra por regime de excecao, desde que essa excecao possua uma racionalidade compativel com os principios que sustentam a estrutura legal em questao.

    Com isso, concordo que um jurista tenha que conhecer o que o Alexy denominou de teorias de argumentacao juridica, que nada mais sao que os diferentes tipos de racionalidades e justificativas que existem em diferentes teorias morais. Por outro lado, o conhecimento de tais teorias morais nao da a base de justificacao da decisao judicial. Caso nao exista a principio um serie de principios ao qual o jurista proprio deva se guiar, ele vai encontrar o problema de arbitrariedade decisoria, onde uma racionalidade nao é melhor que a outra para justificar a a decisao judicial. É necessario um grupo de principios antecedente a propria decisao, que possa guiar essa decisao. Esses principios me parecem serem de diferentes niveis. Nivel cultural, o que as pessoas acreditam como sendo justo e decisoes corretas. Nivel que cria a base de legitimacao da constituicao. Assim, o outro nivel é o constitucional, que cria as leis basicas de uma sociedade, porem leis que podem ser muito gerais. E, com isso por ultimo, ha outros niveis, codigo civil, penal, etc., assim como leis estaduais e municipais. Assim, me parece que alem do jurista ter que ter um bom conhecimento dos tipos possiveis de argumentacao juridica, ha tambem a necessidade de uma apropriacao etica das leis e do que elas representam na sociedade em questao. Me parece que somente assim seria possivel haver uma decisao judicial amplamente amparada na lei.

  5. Daniel,
    Não sei se o exemplo citado possui todas as informações necessárias para embasar um juízo seguro sobre a correção ou não do hipotético ato praticado por João, seja qual for a concepção ética adotada. Mesmo numa perspectiva do utilitarismo dos atos, ainda é possível censurar a conduta de João caso se demonstre que havia outros meios para atingir a mesma finalidade sem precisar causar um desprazer ao seu amigo. João poderia, por exemplo, ter comprado um bolo com seu próprio dinheiro e dado para as crianças famintas. Quanto à perspectiva do utilitarismo das regas (que quase um deontologismo mais maleável), concordo com você: é possível acrescentar uma regra de exceção que justificaria o ato. Aliás, essa é a grande objeção ao utilitarismo das regras, pois, no final, tudo poderia ser justificado se fosse acrescentada uma regra de exceção.
    Mas a minha pretensão com o post não foi discutir se o ato de João é justificável ou não. Meu propósito foi apenas demonstrar a insuficiência do direito (visto numa perspectiva redutora – direito como norma) para solucionar tais problemas. Os critérios próprios do direito talvez forneçam elementos para a argumentação, que é posterior à decisão (num sentido psicológico), mas não para a tomada da decisão propriamente dita. Com freqüência, os juízes precisam sair do direito para encontrarem as respostas que procuram.
    Certamente, é possível objetar que também a ética, por si só, é insuficiente para solucionar muitos problemas, já que as diversas concepções éticas entram freqüentemente em conflito. E isso ocorre até mesmo quando todas as pessoas compartilham as mesmas concepções éticas. Dois utilitaristas podem, sem dúvida, entrar em desacordo quanto ao acerto da conduta adotada por João. Não há dúvida de que isso é possível. Porém, uma vez isso ocorrendo, é muito mais fácil compreender as justificativas apresentadas quando as concepções éticas estão abertamente apresentadas e não camufladas em subterfúgios jurídicos que só servem para esconder os reais motivos da decisão.
    George

  6. Prezado George,

    Acho que, nesse exemplo, a “teoria do bolo” ficou sobrando…

    O problema principal não trata, propriamente, da divisão de tarefas: um corta e o outro escolhe. Acho que o dilema que você propõe é mais simples, e dispensa a referência ao “véu da ignorância”.

    Ou melhor, acho que o dilema que surge do seu exemplo é bem mais simples, por mais que você tenha pensado em outro dilema.

    O dilema seria apenas entre o pacto entre João e Paulo (veja, não precisava ser o pacto de um cortar e o outro escolher…) e em seguida a decisão unilateral de João, supostamente mais justa do ponto de vista social.

    Você não estaria questionando a teoria de Rawls com o exemplo errado?

    No mais, concordo com a sua “proposta” de que os juízes deveriam ser mais sinceros quando decidem, e assumir francamente aquilo que os faz decidir.

    Só tenho dúvidas se seria o caso de assumir uma “posição teórica”. Será que uma decisão utilitarista será sempre o resultado de premissas teóricas utilitaristas? Será que as coisas se passam de maneira assim linear?

  7. O Lenio Streck, jah citado por voce aqui no blog, questiona ESSES EXEMPLOS FORA DA REALIDADE criados pela “doutrina”. Dois homens disputando a tabua da salvacao, gemeos siameses sendo atacados por uma bala.

    Acrescentaria a lista o exemplo do bolo x famintos?? Por que nao?

  8. Cristiano,

    meu propósito não foi questinar a teoria de justiça de Rawls. Pelo contrário. Concordo que o procedimento é justo. Não foi isso que estava em questão. O que tentei fazer foi acrescentar um novo ingrediente ao velho exemplo do bolo para demonstrar que a questão não é tão simples quando temos pessoas com concepções éticas diferentes.

    George

  9. Frederico,

    o exemplo do bolo surgiu a partir de um comentário do João Paulo no post passado. Daí o nome dos personagens do presente post.
    Também concordo que não é preciso buscar exemplos fora da realidade para explicar o direito. Mas esse exemplo do bolo não é nada fora da realidade. É uma simplificação de diversos problemas semelhantes. No fundo, essa discussão pode ser estendida a questões como a ocupação de terras pelo MST, a redistribuição de renda pela tributação, entre outros exemplos.

    george

  10. Olá, George! Descobri o seu blog, por acaso, há quase um ano. De lá para cá o acompanho, anônima e silenciosamente, mas com vivo interesse. Gosto muito do seu método de abordagem. Por mais que as matérias tratadas sejam complexas e insinuantes, você as analisa de modo claro e objetivo, e ao mesmo tempo sofisticado e profundo. A sua forma de redigir é primorosa. Lendo as suas postagens e o rico material que você disponibiliza, senti o desejo de também criar um blog. Domingo passado eu finalmente lancei na rede o “Ambiência Laboral”. Sem saber, você acabou sendo muito importante para a tomada dessa decisão. Obrigado! Abraços, João Humberto.

  11. George,

    nao discordo do que voce disse. Na realidade so apontei pro fato da possibilidade de regras de excecao, que existem basicamente na maioria das teorias normativas, talvez com excecao do proprio Kant, que acaba por tornar impossivel que regras morais sejam puramente “mecanicas”. É sempre necessario a interpretacao. E com isso, é necessario sempre a existencia de um arbitro que possa, de forma imparcial, determinar aquilo que melhor espelhe dentro da teoria em questao a melhor acao. É sempre necessario um interprete da acao moral.

    O que busquei chamar a atencao é que, concordando contigo, o direito propriamente dito seria insuficiente para determinar uma decisao judicial nao arbitraria. Visto ser sempre possivel adotarmos a perspectiva realista do Holmes. Porem me parece que o proprio uso de argumentacoes juridicas morais acabam sendo em inumeros momentos contraditorios. Nesse sentido, acredito ter ido ainda alem. Pois nao somente teorias morais diferentes, mas como tambem dentro da mesma teoria, como voce bem apontou, ha inumeras discordancias em determinar o valor de uma acao. Me parece que o problema acaba mais sendo axiologico que procedural ou justificativo. Assim, ha sempre a necessidade, acima de tudo, de uma leitura moral da propria constituicao, para usar uma ideia dworkiniana. Claro, aqui alguem ainda poderia alegar acerca da diferenca de valores dentro de uma unica sociedade. Tornando entao o problema dos principios axiologicos assumidos.

  12. Ele poderia cumprir o trato e dar apenas a sua metade?
    Isso não geraria conflito e beneficiaria as crianças, de certa forma.

  13. Eu vou aguardar a resposta do George às questões trazidas pelo JP, frequentador assíduo deste blog.

  14. George,
    Continuo achando que esse novo ingrediente está sobrando. Não sei explicar bem o que quero dizer. Mas faço uma nova tentativa.
    Exemplos são bons recursos de argumentação, mas de certo modo limitados. Quando tentamos contestar alguma conclusão teórica resumida numa imagem ou exemplo acrescentando outros dados ao exemplo original, nem sempre somos bem sucedidos. Acho que você, nesse caso, e excepcionalmente, não foi bem-sucedido.
    Os dados novos que você agregou não demonstram que o problema é menos simples do que o exemplo do bolo quer significar.
    Pelo menos, tenho a impressão de que em nenhum momento o fato de um dos pactuantes não cumprir o pacto invalida a verdade e a justiça da imagem.
    Em suma, acho que você mistura dois problemas diferentes num mesmo exemplo.

  15. George,

    Entendo seu exemplo, mas como os outros discordo da sua valência. Afinal não fica claro o que vc pretende com ele criticar, especialmente depois de vc justificá-los em razão dos exemplos concretos do MST e da redistribuição de renda via tributação.

    Isso pq não:

    1) A questão da redistribuição de renda via tributação está enquadrada pelo problema do véu da ignorância de Rawls, pois ninguém sabe de antemão se e como será tributado, de modo que tributar mais pesadamente quem tem mais para distribuir para quem tem menos é da essência do modelo rawlsiano (Qualquer dúvida sugiro ver o episódio 15 do 4º ano de West Wing e o plano triburário proposto pelo Presidente reeleito Bartlet. Hollywood explica melhor o problema do que eu). Por isso vc poderia dizer que quem ficasse com o maior pedaço deveria repartir com quem precisasse sem recorrer a quebra de qualquer trato, isso para ficarmos numa análise superficial;

    2) Quanto ao MST, fora o fato de a reforma agrária que propõe é um equívoco, seus métodos são mais do questionáveis, pois vai além de pegar o que era para ser em parte seu para distribuir para os outros e terceiro pois não pretende reformar o sistema atual, mas destrui-lo por completo. Dizer então que o ato de dar o bolo para quem precisa se aplica ao modos do MST-João é sem sentido, pois o que ele sempre desejou foi enfiar a faca em Paulo para aí redefinir as regras de repartição do bolo. O melhor exemplo disso foi o que fizeram os regimes socialistas (no qual ele claramente se inspira, especialmente a China de Mao) que impuseram a burguesia e ao campesinato destruição e fome em nome da montagem de um novo sistema.

  16. As perguntas do João Paulo não me pareceram tão relevantes assim para merecerem uma maior reflexão. A idéia de que “os homens são maus” é facilmente refutada. Mas é totalmente diferente da frase “os homens são egoístas”, essa sim pode ser discutida, desde que o egoísmo que aqui se trata seja um egoísmo no nível dos genes. Genes egoístas geram sujeitos cooperativos. A moral nada mais é do que a percepção de que, agindo em favor dos outros, esse coportamento será recompensado numa perspectiva de longo prazo (ver ‘A ética da eternidade’).
    Não creio que o pensamento básico dos utiilitaristas e do kantismo seja mais complicado do que os princípios da proporcionalidade ou da concordância prática, por exemplo, que os juristas estão utilizando com muita freqüência, ainda que de forma distorcida, na sua atividade diária.
    Separar o direito da moral é uma visão que não faz o menor sentido quando se sabe que o próprio direito está incorporando em seu texto expressões nitidamente de origem ética. O melhor é exigir que, no próprio conceito de direito, esteja embutida a idéia de ética, de justiça, de dignidade e me parece ineável que o direito positivo já atingiu esse patamar. A hora agora é de saber trabalhar com essas noções jurídicas materiais.

    George

  17. Júlio,

    como afirmei, minha pretensão não foi refutar a teoria da justiça de Rawls que acho muito superior em relação a dos libertários, como Nozick, por exemplo. É lógico que não acho que as reinvidicações do MST ou a redistribuição de renda pela tributação ou a quebra de patentes de medicamentos sejam injustos de per si. O que acho é que também nesses exemplos há um conflito entre o utilitarismo e o deontologismo, tal como no caso do bolo. A solução para os problemas pode ser diferente, mas as ferramentas argumentativas para solucioná-los são as mesmas. Acredito que, muitas vezes, é justificável descumprir uma regra em nome da maximização do bem-estar geral. Ou seja, o deontologismo não pode ser tão radical, ao mesmo tempo em que o utilitarismo também não pode ser levado às últimas conseqüências sempre. Rawls cria um procedimento bastante plausível para solucionar esse problema, ainda que seja de difícil aplicação prática, já que parte de uma ficção.

    George

  18. George,
    Insisto. No exemplo do bolo não há nenhum conflito entre utilitarismo e deontologismo. E o exemplo que você imaginou tampouco ilustra esse conflito.

    Quanto à questão da ética e do direito, não será ela pouco mais do que óbvia?

    E penso que você não irá esclarecê-la conclamando os juízes a estudarem teorias sobre a ética. Difícil encontrar parâmetros teóricos que permitam a previsibilidade de decisões que se baseiam na ética. Já não advertia Kant (e poderia ser uma criança de 12 anos) que é impossível estabeler previamente as regras para um juízo correto?

    Não é aderindo teoricamente ao utilitarismo que um juiz tomará decisões utilitaristas. Ética é praxis, não teoria.

    Você alcançou um belo mote: “o juiz transforma ética em direito”, mas talvez não se tenha dado conta da dificuldade de extrair algumas conclusões úteis a partir dessa frase. Grandes temas dificilmente se deixam capturar. Corre-se sempre o risco de ficar no plano das obviedades.

    Cristiano.

  19. Cristiano,

    sei perfeitamente dos riscos de abordar esse tema. De fato, há duas possibilidades de desastres nítidas: cair na obviedade ou na mera retórica. É isso que tentarei evitar e, para isso, ainda há muito o que conhecer no campo da filosofia moral. Tenho pouco mais de três anos para aprofundar o tema.

    Acredito firmemente que serei capaz de desenvolver algo que possa ser útil para a práxis jurídica (sim, também acredito que a razão do direito é pratica). Peço que faça o seguinte exercício de comparação: leia um texto sobre eutanásia escrito por algum filósofo moral contemporâneo e depois veja um texto sobre o mesmo assunto escrito por um jurista. Me diga qual você acha mais convincente. Se o papel do jurista é convencer, então porque não aproveitar dos argumentos desenvolvidos pela filosofia moral? Melhor ainda: por que não aprender a usar o próprio método argumentativo que eles utilizam?

    George

  20. George,

    O sistema jurídico já parte de uma ficção: o de que todos conhecemos a lei!! Deus me livre de isso virar verdade para mim, pois nesse dia estarei louco!!!!

    Mas ficando no campo da filosofia jurídica, qual sistema filosófico não parte de uma ficção, afinal, pois todos os filósofos tomam algumas premissas em geral não verificáveis na realidade, como povo, zoom político, mundo das idéias, véu da ignorância, contrato social e por aí vai.

    Essa sua crítica ao Rawls é das mais fracas possíveis, até pq o que ele procura demonstrar é a necessidade de um sistema de justiça na repartição das vantagens e desvantagens que todas sociedade oferece, a começar pela situação insuperável de já falar a lingua de uma cultura e viver segundo as suas regras só porque nasci nela.

    No mais, quanto ao MST não fui claro e meu texto talvez permita uma dupla interpretação: a de que de per si eu o considero injusto e por isso não pode ser discutido nos termo que vc propôs.

    É certo que não apoio o MST, pois para mim o problema brasileiro é prioritariamente urbano, bem como considero que o modelo de reforma agrária proposto por ele será insuficiente para gerar comida e riqueza para o campo e para a cidade. É um equívoco que custará ao Brasil caro daqui a 20-30 anos.

    Para além disso, o que afirmei é que a postura do MST frente ao sistema atual é de franca oposição, não porque ele ainda gera exclusões, pois mesmo que elas venham a ser corrigidas como aconteceu na Europa Ocidental com o Estado de Bem Estar Social, ainda assim o MST é contra o modelo social-democrata mantenedor do capitalismo, pois se alinha a uma visão maoista de mundo, não só pelas táticas de ação como pelo objetivo final, a derrubada do capitalismo, tal qual propõe a vangarda desse movimento.

    Partindo desse ponto, o MST-João, na hora de pegar a faca, não vai partir o bolo, mas tentará matar o Paulo, para implantar um novo sistema, e nesse momento irá matar de fome o menino se isso for necessário para a formação de uma nova sociedade.

    Quanto a questão da repartição de renda via tributação, sou daqueles favoráveis a alíquota maiores em tributos como IR, IPTU, IPVA, ITB e ITB para que quem possui renda e propriedade perca em favor de quem não tem. Mas como quem tributa e distribui o arrecadado é o Estado, por meio de critérios definidos em lei pactuadas em sociedade via parlamento, não consigo imaginar de que modo o seu exemplo se ajusta a questão da redistribuição de renda.

    Nesse caso, qual a legitimidade de João para quebrar o pacto e fazer essa distribuição de renda? E como vc pode dizer que Paulo não entregaria o seu pedaço para 04 crianças cegas e famintas?

    Acho que esse bolo está solado.

  21. Júlio,

    repito mais uma vez: não pretendi fazer nenhuma crítica a Rawls. Pelo contrário.

    O exemplo do bolo deve ser lido dentro de um contexto. O João Paulo, no post passado, invocou o velho exemplo do bolo para dizer que perdeu seu tempo para tentar compreender a teoria dos jogos a partir desse exemplo banal que qualquer criança consegue compreender. Por isso, achei interessante usar esse mesmo exemplo banal para justificar o sentido da minha tese. Não entrei no mérito sobre o acerto ou não da conduta adotara por João ou por Paulo. Só disse que ela reflete um conflito moral que, como qualquer conflito moral, é de difícil solução.

    Ficou claro?

    George

  22. George,

    Não sei se foi claro, especialmente frente ao que disse nesse post e suas respostas a comentários meus a ele:

    “George Marmelstein Lima Diz:
    Novembro 17, 2009 ás 2:23 pm | Responder
    Frederico,

    o exemplo do bolo surgiu a partir de um comentário do João Paulo no post passado. Daí o nome dos personagens do presente post.
    Também concordo que não é preciso buscar exemplos fora da realidade para explicar o direito. Mas esse exemplo do bolo não é nada fora da realidade. É uma simplificação de diversos problemas semelhantes. No fundo, essa discussão pode ser estendida a questões como a ocupação de terras pelo MST, a redistribuição de renda pela tributação, entre outros exemplos.

    george”

    Foi vc quem iniciou o debate sobre o tema de um ângulo que me intrigou. Da minha parte, concordo com a impertinência de meu questionamento, pois me foi dada resposta que não me satisfez a curiosidade sobre esses pontos.

    Também considero que outros não consideram seus posts claros, mas essa é uma interpretação minha.

    De qualquer forma, se ainda quiser expor e debater sua posição, estou no aguardo.

    Júlio

  23. Júlio,

    em nenhum momento do post ou dos comentários pretendi apresentar qualquer solução substancial para o problema. Apenas apresentei o problema para demonstrar que, muitas vezes, os problemas jurídicos envolvem dilemas éticos e a argumentação jurídica enriquece se assumir esse pressuposto.

    Quando invoquei o problema do MST (ocupação de terras como forma de pressão) ou da quebra de patentes de medicamentos ou da redistribuição de renda via tributação, quis dizer que também esses problemas envolvem dilemas éticos, ainda que a solução possa ser diferente para cada problema.

    Em síntese, o post não teve nenhuma pretensão de causar polêmica quanto a questão de fundo (utilitarismo vs. deontologismo), mas tão somente chamar a atenção para a existência desse debate, que está subjacente a muitos debates jurídicos.

    George

  24. George,

    Dizia Bordieu que o “campo jurídico” transforma, através de um idioma peculiar, as questões morais em questões jurídicas. No entanto, os profissionais do direito (nisso compreendida toda a classe de pessoas que oferece “serviços jurídicos”, na expressão de Bordieu: juízes, advogados, professores, notários, etc) decidem o que pertence ou não ao campo jurídico. Ou seja, o que pode ou não de ser resolvido pelo “jurídico”.

    Louvável o seu esforço, que parece significar a subversão da ordem natural do “campo jurídico”, ao fazer o caminho inverso. Ao invés de raciocinar os problemas “jurídicos” com categorias jurídicas, aguçar a capacidade de raciocinar os problemas com categorias filosóficas, mas fazer isso dentro do “campo jurídico”.

    Ou mais além: ao invés de ficar aprisionado pela linguagem jurídica (que confere a legitimidade, dentro do campo jurídico, ao seu raciocínio e às suas conclusões), tentar compreender os problemas a partir de uma perspectiva mais integral, completa.

    Torço pelo seu sucesso. Pela coragem e porque aprecio essa “subversão”.

    Esse caminho abarcará questões que estão normalmente fora do campo jurídico, ou apenas tornará o seu raciocínio “jurídico” mais refinado?

    Estou ansioso pelo produto de suas reflexões.

    Cristiano.

  25. Só para complementar.

    Bordieu falava numa “cisão social entre os profanos e os profissionais”, que aumenta “cada vez mais o desvio entre os veredictos armados do direito e as intuições ingênuas da equidade”.

    Cristiano.

    PS: acho que não apenas os filósofos morais escrevem melhor do que os juristas. Porque, de modo geral, ninguém escreve pior (rectius: de maneira menos convincente) do que os juristas.

    1. Cuando has visto a Ramf3n, ha estado por tu tirrea?? Creo que mejor te guedes por lo que he publicado, la informacif3n proviene de fuentes bien informadas ( Ramf3n Saavedra).Si quieres saber algo me1s de los vinos de la PVN ya sabes, aqued estamos.Saludos

  26. Cristiano,

    a intenção confessada é tão somente aprimorar o trabalho dos juristas. No fundo, acho que o objetivo é diminuir a tal da especifidade do direito para tornar o direito mais simples. Talvez, se tirarmos os juristas do caminho, isso se torna mais fácil. Mas aí, há muito mais do que uma tese pode proporcionar. Nem quero eu ser tão polêmico.

    George

  27. “É injusto repartir o igual entre os desiguais e também injusto repartir desigualmente entre os iguais.”

    Aristóteles

  28. Hola chicos, la vdeard es que me dajais un poco descolocado. Tal vez puede que haya sido la botella o el corcho, pero tal vez no.La af1ada 2008 es muy diferente a la 2007, la uva no consiguio madurar tanto y tan bien en la cepa y hubo que esperar me1s a la botritis para que se concentrase me1s la uva. La maceracif3n pelicular de la uva fue de 10 dias, algo me1s que en 2007, de ahed su color me1s ambarino.Como veis este af1o no pongo aire9n, porque no lo es 100%, lleva una pequef1a parte de verdejo, intamos ver como funcionaba esta variedad muy plantada aqued y que no aguanta tan bien el metodo de elaboracif3n que nosotros utilizamos. Esta pequef1a parte desde el inicio ya tubo unos aromas muy ajerezados aunque el vino se mantubo estable analiticamente.No se chicos, os invito a que proveis otra botella, le deis un decantado, que desde mi opinif3n le viene bien, y a ver que tal.Aun asi, se agradece la critica, esto nos hace seguir trabajando duro para mejorar.Gracias y Salud y buen vino.

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