Mantenho a decisão

Quase todo juiz deve ter a sensação de que os desembargadores sentem um particular prazer em cassar as decisões de primeiro grau. Lembro que, assim que assumi a magistratura, achava que todas as minhas decisões liminares em matéria de SFH (leilão de imóveis financiados) eram reformadas seja qual fosse o meu posicionamento. Se eu concedia a tutela antecipada para impedir o leilão, o tribunal cassava e determinava que fosse realizado o leilão; se eu negava a tutela, o tribunal concedia e mandava parar o leilão. E o mais interessante é que, quanto mais longa fosse a minha decisão, mais curta era a decisão reformadora. Se eu concedia a tutela em 10 laudas, o tribunal cassava em 10 linhas. Se eu negava a tutela em 10 linhas, o tribunal concedia em 10 laudas. Depois disso, decidi que todas as minhas decisões seriam as mais curtas possíveis. Na minha “teoria psicológica da decisão”, desenvolvi a seguinte hipótese: quanto mais longa é a fundamentação, maior é chance de a decisão ser cassada*.

Certamente, essa sensação de que o tribunal gosta de reformar as decisões de primeiro grau é influenciada por uma má percepção das coisas. Como nós costumamos dar mais atenção às informações negativas do que às informações positivas que nos chegam, as inúmeras decisões que são confirmadas pelo tribunal passam despercebidas pelos nossos sentidos e, involuntariamente, não as contabilizamos nas nossas memórias. Por isso, temos essa sensação, que pode ser falsa, de que o tribunal faz questão de reformar tudo.

Mas o certo é que é bastante provável que exista sim um exagero na reforma de decisões de primeiro grau, ainda que a grande maioria das sentenças seja confirmada. No Brasil, não é adotada a prática de, na dúvida, manter a decisão recorrida. Essa prática seria bastante saudável, pois estimularia o sentimento de segurança e de integridade do sistema e prestigiaria os juízes de primeiro grau. “Prestigiar os juízes de primeiro grau” certamente não é uma razão forte, já que o prestígio deve ser conquistado e não entregue por caridade. Porém, “reforçar a integridade do sistema” é sim um valor a ser perseguido, já que essa é uma das funções essenciais do direito como um todo. O direito precisa de uma certa estabilidade. E esta estabilidade é abalada quando um juiz decide de um modo e o tribunal decide de outro modo sem atacar diretamente os fundamentos da decisão de primeiro grau. Esse prende-solta, nega-concede não é salutar se se deseja transmitir a idéia de que o direito é um conjunto ordenado e coerente de normas. O cidadão que vê esse fenômeno de fora deve perguntar ao juiz: “escute, amigo, se foi pra desfazer porque é que fez?”

Logicamente, juiz erra e quando isso ocorre cabe ao tribunal corrigir. Esse é o papel por excelência dos tribunais. Porém, em muitos casos, a reforma da decisão ocorre desnecessariamente, talvez por capricho ou vaidade, como se fosse uma vontade de dar a última palavra só para marcar território. Muitos desembargadores preferem desconsiderar completamente a sentença de primeiro grau e produzir uma decisão totalmente inédita sem levar em consideração as razões e avaliações de prova que já foram desenvolvidas pelo juiz sentenciante. E pior é que, às vezes, a reforma ocorre em situações em que não há uma resposta clara para o problema. Mesmo na dúvida, prefere-se reformar.

Tomemos como exemplo uma ação de dano moral. Digamos que, diante de um abalo de crédito causado por uma cobrança indevida, o juiz condene o que causou o dano a pagar uma indenização de dez mil reais. Há recurso. O tribunal (ou a turma recursal) entende que o valor é excessivo e reduz para oito mil reais ou então para seis mil reais. Também pode ocorrer a situação inversa: o tribunal considera que o valor é insuficiente e aumenta a condenação para treze mil ou quinze mil reais. Ora, qual é o sentido de se mudar a decisão nesses casos já que a redução ou o aumento do montante da condenação foi praticamente ínfimo? Por que não deixa mesmo em dez mil reais e se evita essa reforma desnecessária da sentença só para dizer quem tem o poder de dar a última palavra? De que serviu a decisão de primeiro grau se o tribunal preferiu julgar novamente o caso desconsiderando completamente o montante aplicado pelo juiz?

Arbitrar dano moral é um dos atos mais subjetivos que podem ser praticados por um juiz nos dias de hoje. Os parâmetros são praticamente inexistentes. Portanto, o tribunal somente deveria reformar uma sentença em caso de dano moral quando os valores fixados pelo juiz fossem completamente desproporcionais, seja por excesso seja por insuficiência. Não há o menor sentido em reduzir ou aumentar “só um pouquinho”, como se essa mudança significasse um acréscimo substancial de justiça na decisão. É claro que não acrescenta nada de positivo: só piora a imagem da justiça perante a sociedade que descobre que os juízes não são capazes de chegar a um consenso nem mesmo em situações relativamente simples como o arbitramento de dano moral em caso de abalo de crédito.

Na Turma Recursal, onde atuo há quatro anos, existem muitas questões fáticas bastante polêmicas, envolvendo, por exemplo, a concessão de aposentadoria por invalidez ou benefício assistencial para deficientes físicos. Um dos requisitos para a concessão desses benefícios é a incapacidade para o trabalho, cuja avaliação é extremamente difícil. Um surdo-mudo que sente muitas dificuldades em manter uma comunicação com pessoas fora de sua família é capaz ou incapaz? E o que dizer de uma pessoa portadora de epilepsia que sofre crises numa média de três vezes na semana? E uma pessoa que perdeu um braço, é analfabeta e sempre trabalhou na roça quando tinha plena capacidade física? São casos-limite que, em geral, dividem os juízes da turma. Com freqüência, esses casos são decididos com o placar de 2 a 1, depois de um acirrado debate.

De minha parte, adotei a estratégia de, em regra, sempre seguir o laudo pericial e a decisão de primeiro grau se eu não tiver uma certeza muito forte de que o juiz errou. Não faço um segundo julgamento. Não faço tabula rasa do que já foi realizado pelo juiz de primeiro grau. Tento respeitar ao máximo a convicção do juiz sentenciante, que estava mais perto do conflito, teve oportunidade de ficar cara a cara com a parte e está acostumado a decidir casos semelhantes. Posso cometer erros pontuais, mas prefiro errar em boa companhia a fingir que sou capaz de enxergar mais longe do que outros juízes tão ou mais preparados do que eu. Não faço isso por achar que o juiz sentenciante necessariamente está certo. Algumas vezes, confirmo decisões que talvez eu não tomasse se estivesse no lugar do juiz de primeiro grau. Mas mesmo assim confirmo a sentença por não ter certeza de que aquela decisão foi nitidamente equivocada. Numa situação em que não é possível saber se o juiz errou ou não, é melhor confirmar a decisão, pois a manutenção dos julgamentos de primeiro grau é um aspecto, que por si só, merece ser levado em conta. Pelo menos vou pensar assim enquanto estiver na posição de juiz de segunda instância.

***

Sobre o asterisco lá de cima: lembro que, quando eu estava em Mossoró, havia muitas execuções contra devedores que não moravam naquele município. Desenvolvi uma longa tese de várias páginas defendendo que o juiz poderia reconhecer a incompetência de ofício naquelas situações, pois, do contrário, o executado teria muito prejuízo para se defender, já que teria que contratar advogado em município distante de sua residência para defendê-lo e teria muitos gastos para acompanhar pessoalmente o desenrolar da ação. Enfim, me parecia que não fazia o menor sentido entrar com uma execução em Mossoró quando o executado está morando no sul do país, por exemplo, sobretudo quando o credor tem representantes em todo o país (como a a União, a CEF ou a ECT, por exemplo). Minha decisão era longa e bem fundamentada. O exeqüente sempre recorria. O tribunal costumava cassar as minhas decisões em três ou quatro linhas dizendo que a incompetência territorial não poderia ser reconhecida de ofício. Pois bem. Como estava convicto de que não havia o menor sentido em processar aquele tipo de execução em Mossoró, substituí aquela longa e fundamentada decisão por uma mais ou menos assim, quase ipsis literis: “Considerando que o executado não é domiciliado neste município, remetam-se os autos para a vara competente. Intimem-se”. Curiosamente, o exeqüente não recorria dessa decisão. Enfim, acabou dando certo, o que confirma, a contrario sensu, a minha tese de que “quanto mais longa é a fundamentação, maior é chance de a decisão ser cassada”. Hoje, a jurisprudência se pacificou no sentido de que a execução deve ser proposta no domicílio do executado e que o juiz pode remeter o processo de ofício para o foro competente.

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22 comentários em “Mantenho a decisão”

  1. George,

    Quanto à necessidade de, na dúvida, optar-se pela manutenção das decisões de primeira instância, creio que o “apetite reformador” refere-se mais a fatores psicológicos de que propriamente jurídicos. Pode ser que muitos desembargadores, ao tomarem posse como membros do Tribunal, passem a ser acometidos de uma espécie de síndrome “do contra”, mais ou menos como aquelas pessoas que fazem questão de nos contrariar apenas para ter o gostinho de não concordar. Eis um bom tema para os estudantes de Psicologia.

    A propósito, esse fenômeno também se verificar aqui no Blog, eis que existem alguns leitores que nunca – eu disse nunca – concordam com nada. É normal – e salutar – adotar pontos de vistas diversos, pois as divergências, ainda que pontuais, enriquecem e legitimam o debate. Porém, há pessoas que jamais – jamais mesmo – dão o braço a torcer.

    No tocante à sua “teoria psicológica da decisão”, segundo a qual “quanto mais longa é a fundamentação, maior é chance de a decisão ser cassada”, lembrei de uma passagem do livro “Eles, os juízes, vistos por um advogado”, de Piero Calamandrei.

    O autor afirma que o advogado será bem sucedido quando conseguir, a um só tempo, ser breve e claro. Nesse sentido, ele assevera que petições concisas e claras facilitam a vida do juiz, pelo que este último, intuitivamente, ou seja, mesmo sem perceber que está fazendo isso, acaba retribuindo a gentileza e, como forma de gratidão, concede aquilo que foi pedido pelo causídico.

    Mas segundo Calamandrei, o inverso também é verdadeiro: petições longas e cansativas – ainda que muito bem fundamentadas do ponto de vista jurídico – tendem a ser indeferidas, como forma inconsciente de “punir” o patrono por ter cansado o juiz e feito com este desnecessariamente perdesse seu precioso tempo com um questão que poderia ser exposta de forma bem mais simples.

    Indaga-se: você, como juiz, se enquadra na tese do Calamandrei? Rs

    A propósito, espero não tê-lo cansado com meu comentário de modo a vê-lo rejeitado liminarmente… rs

  2. George, já pensou em escrever uma espécie de Freakojustice ou Freakolaw? Tem algumas observações tuas sobre o funcionamento da Justiça que são tão fascinantes quanto as do Steve Levitt sobre o funcionamento da economia no Freakonomics.

  3. Raquel,

    a má-vontade dos juízes em relação às petições longas não é uma mera questão de pregüiça. Trata-se, na verdade, de uma impossibilidade prática.

    Então, respondendo a sua pergunta, assumo abertamente que prefiro as petições curtas, objetivas e bem escritas. Se for uma tese nova e muito complexa, é melhor resumi-la no processo e apresentar memoriais mais completos que possam auxiliar o juiz. Não vejo nenhum mérito numa petição de 100 páginas que só faz copiar os textos alheios. :-)

    George

  4. Marcelo,

    a idéia é interessante. Não sei se teria tempo, pois um livro assim exigiria uma profunda pesquisa. Mas tenho um exemplo que já poderia servir para um capítulo:

    Do ponto de vista jurídico, é melhor morrer num acidente de avião ou num acidente de ônibus?

    Certamente, é melhor morrer num acidente de avião, pois, por algum motivo misterioso, as indenizações costumam ser mais altas nesse tipo de infortúnio. A vida de quem morre em acidente de ônibus parece que vale menos. Bem freak, não é mesmo?

    George

  5. Quanto mais longa a decisão, menor a probabilidade de ser lida e efetivamente entendida.
    Quanto menor a probabilidade de ser lida e entendida, maior a probabilidade de ser reformada. ;-)
    Abs.

  6. Diego,

    o texto é bem interessante, apesar de eu não concordar com as idéias lá apresentadas. Não sou um profundo conhecedor da teoria da retórica jurídica, mas, como bom racionalista, não sou tão pessimista assim quanto aos potenciais do intelecto humano para encontrar soluções objetivas. Não acho que a lógica seja uma ilusão ou mesmo uma ingenuidade funcional. Também não creio que “nada resta senão ter esperança na integridade de cada indivíduo”. Sou um pouco mais otimista. :-)

    Acho que o dever de fundamentar é uma técnica importante para combater o arbítrio, ainda que não seja suficiente. Os entimemas presentes na argumentação jurídica nem sempre significam uma falha argumentativa. Acho que deixamos de apresentar premissas que nos parecem óbvias por uma questão prática. É certo que, muitas vezes, pressupomos a obviedade de premissas altamente polêmicas, mas talvez isso se deve a uma auto-confiança exagerada nas nossas próprias crenças, que precisa ser combatida.

    Acho que as decisões longas e fundamentadas em detalhes são mais suscetíveis de seres reformadas porque isso aciona um alerta (desconfiômetro) na mente dos desembargadores e das partes, indicando que a matéria é polêmica, senão o juiz não teria tanto trabalho para encontrar argumentos em favor de sua decisão. Ou seja, a fundamentação longa aponta para a existência de uma possível tese contrária que talvez tenha argumentos fortes em seu favor. Do contrário, o juiz não escreveria tanto. Eis a minha teoria meramente hipotética.

    No mais, o texto da Katharina Sobota é muito bom e aponta para um aspecto que eu venho pesquisando, que é a diferença entre os discursos e as intenções. As belas palavras que costumam rechear os discursos jurídicos são mesmo sinceras? Ou será tudo uma fraude (dissimulação)? Será possível transformar ética em direito sem transformar o discurso num mero instrumento de manipulação (retórica) onde o jogo das palavras encombrem um subjetivismo supostamente insuperável? A meu ver, estamos longe de conseguir escapar do discusso enganador, mas ainda mantenho a chama da esperança acesa.

    George

  7. “Mantenho a decisão” é simplesmente dar credibilidade à Justiça e acabar com anos de demanda e ocupação aos desembargadores que poderiam ir a praia tentar compreender o sofrimento das pessoas que eles mesmo chamam de comuns.

  8. O que significa o termo sistema no seu texto? Sinceramente nao entendi.

    Se for o sistema formado pelo ordenamento juridico, nao posso concordar. Eh que o SISTEMA PREVE A POSSIBILIDADE DE DUAS DECISOES SOBRE o mesmo tema. De maneira que nao ha nenhum abalo sistemico num DESEMBARGADOR QUE JULGA UM RECURSO TAO-SOMENTE COM FUNDAMENTO NAS RAZOES DO ADVOGADO, sem preconceitos.

    De outro lado, se o sistema a que se refere EH O SISTEMA BURGUES, tenho que concordar com voce. Eh que os burgueses ateh gostam de correr um risco, MAS DESDE QUE TENHAM O CONTROLE DELE. Eh o caso dos investimentos em acoes e outros mercados de especulacao, onde faturam bilhoes de dolares sem perderem uma gota de suor. Ha meritos nisso, claro…!!! Afinal, quem ARRISCA POUCO DEVE GANHAR POUCO MESMO. No entanto, QUANDO O RISCO EH INCONTROLAVEL PELAS LEIS DO MERCADO, ha aversao dos burgueses. Eh o caso, por exemplo, de leis trabalhistas e, porque nao, DE MUDANCA NO ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS.

    Desse modo, POSSO ATEH ADMITIR QUE HAJA, por opcao de boa politica, UM ONUS ARGUMENTATIVO DOS DESEMBARDORES, CASO QUEIRAM REJULGAR A CAUSA, POR “RESPEITO” AOS JUIZES DE PRIMEIRO GRAU. No entanto, falar em RESPEITO AO SISTEMA NAO FAZ O MINIMO SENTIDO. Eh que, como dito, O ORDENAMENTO JURIDICO NAO ESTAH NEM AIH COM O USO OU NAO DA FACULDADE DE RECORRER. De outra forma, o unico POSSIVEL GRUPO DE PREJUDICADOS COM ALTERACOES DEJULGADOS sao os burgueses. Soh a eles interessa a PADRONIZACAO dos julgados, o que implicaria A DIMUICAO DOS RISCOS INCONTROLAVEIS PELAS LEIS DE MERCADO. Nao acredito que a opcao de defende-los APRIRIORISTICAMENTE SEJA UMA POLITICA PERMITIDA PELO TEXTO CONSTITUCIONAL OU AO MENOS TOLERAVEL COMO OPCAO DE BOA POLITICA.

    No que se refere ao RESPEITO AOS JUIZES DE PRIMEIRO GRAU, ACHO QUE AS COISAS NAO PRECISAM SER DITAS DESSA FORMA, PODEM SER TRADUZIDAS PARA O DISCURSO CIENTIFICO SEM NECESSIDADE DE POLEMICA. Ora, todo JULGADO DE TRIBUNAL SUPERIOR QUE REFORME DECISAO INFERIOR TEM, por essencia, a NECESSIDADE DE JUSTIFICAR O DESACERTO DO JUIZ INFERIOR, O ONUS ARGUMENTATIVO DE PROVAR SEREM FALSOS OS ARGUMENTOS UTILIZADOS PELOS JUIZES INFERIORES. Se um Tribunal nao consegue fazer isso a contento, mas mesmo assim muda a decisao do juiz de primeiro grau, HA UMA DECISAO EQUIVOCADA SOB O RIGOR DA CIENCIA DO DIREITO, QUE PODE SER RECORRIVEL OU NAO DENTRO DOS RIGORES PREVISTOS NO ORDENAMENTO JURIDICO. Mesmo que nao haja recurso contra a decisao, PODE O ESTUDIOSO DO DIREITO CONSIDERA-LA EQUIVOCADA. Pergunto: pra que falar em RICHAS DE CLASSE, RAIVINHAS, CRITERIOS PSICOLOGICOS, QUANDO A CIENCIA DO DIREITO PODE RESOLVER O PROBLEMA A CONTENTO?

  9. Mais um ótimo post.

    Retrata bem que o chamado “1º grau de jurisdição” no Brasil, que não passa de mera etapa processual preliminar, visto que o processo, em (absurda) regra, só é resolvido mesmo nos tribunais superiores.

  10. Peço desculpa pelo erro de redação acima. Ter uma noite de sono ruim e acordar no meio da madrugada ocasionam essas situações… hehehehe

    Abraços e saudações alagoanas,

    Mário.

  11. George,
    Você tem razão. E isso não ocorre só em relação ao juiz de primeira instância. Em matéria tributária, é quase certo: se o STJ decide de uma maneira, o STF altera o entendimento. Não importa se a favor ou contra o contribuinte. O importa é STF ser contra o entendimento do STJ. Confiram-se, a propósito, cofins de sociedade de profissionais, icms na importação de bens por não-contribuintes (antes da EC 33), ICMS-ST e devolução do excesso pago de forma antecipada etc.
    Por que será?
    abraço!

  12. George,

    A pergunta que faço na seqüência não tem nada a ver com o presente post, mas está relacionada com o Blog, eis que é uma pergunta relativa aos direitos fundamentais.

    Em posts anteriores, já se abordou a questão da titularidade dos direitos fundamentais, inclusive quanto à possibilidade de um animal ser detentor de algum direito fundamental.

    Diante disso, na sua opinião, seria correto falar que a eficácia horizontal dos direitos fundamentais abrange a relação entre seres humanos e animais (CF, art. 225)? Noutras palavras, a relação homem/animal está no plano horizontal ou vertical?

    Penso que, se a vida é bem jurídico de valor inestimável, de modo que todos os seres vivos, humanos ou não-humanos, devem gozar da tutela constitucional. Toda e qualquer forma e expressão de vida (inclusive a flora e a fauna) carece da proteção estatal, eis que proteger a natureza é, em uma perspectiva de análise, proteger o próprio ser humano.

    Obrigada pela atenção.

  13. George,
    Suas observações – especialmente no que diz respeito ao tamanho das decisões – são muito interessantes e mostram como o processo decisório, que deveria ser estritamente racional, ainda é muito permeável a emoções e impulsos.

    A motivação, quando existe, parece mais justificativa da decisão tomada do que exposição do processo decisório. E isso não é exclusividade das decisões jurisdicionais, mas do exercício de poder de um modo geral.

    Aproveito para parabenizá-lo pelo blog, do qual virei freguês desde me foi apresentado pelo Eduardo Bim.

    Abraços,

  14. Bom post professor.
    Talvez seja a falta de clareza e objetividade um dos maiores problemas dos grandiloquentes juristas brasileiros.
    Abraço,
    Edvaldo

  15. Perfilho da idéia do Douto Magistrado, no sentido de que as petições devem ser objetivas, não pelo que o conteúdo não seja importante, mas sim para evitar, em grandes casos, que a leitura “ad aeternum” do intróito e dos fundamentos e postulação que, conforme foi mencionado pelo Magistrado, na sua maioria é cópia de texto alheios, perder tempo com coisas que, nem sempre é pertinente ao caso.

    Tenho que quando se escreve muito, ou se tenta transmitir mais do que realmente deveria, o peticionário se perde em seu desenvolvimento, fugindo, inclusive do assunto e, quase sempre (há exceções à regra), nem chegam a um objetivo claro dos fatos, o que, diga-se de passagem, já bastaria.

    Quero dizer, que cabe às partes indicar os fatos e explicar as conseqüências pretendidas, porque se presume saber o Juiz, o direito. Há um velho brocardo que diz “da mihi factum dabo tibi jus”, ou seja, dêem-me os fatos que lhes darei o direito.

    Isso significa não ser imperiosa a exatidão na indicação dos dispositivos legais aplicáveis, nem mesmo a nomeação da figura típica configurada pelo fato que narrou, cumprindo-se apenas narrar o fato com clareza e precisão, concluindo postulando as conseqüências que desse fato juridicamente decorrem, salientando que o Judiciário não se furtará de efetivar a Justiça.

    George, passei a ser um seguidor de seu blog, que está de parabéns e sei que seus ensinamentos e conceitos, serão determinantes para muitos que pretendem seguir a carreira de Magistrado.

    Forte abraço.

  16. Caro George,

    Certa feita, alguns anos atrás, testemunhei uma situação extremamente inusitada em um processo, que revela bem essa ânsia dos Tribunais em reformar as decisões de primeira instância.

    Em uma determinada ação, o juiz atendeu à parte autora e concedeu a liminar requerida. Irresignada, a parte ré interpôs agravo de instrumento perante o Tribunal. O juiz de primeiro grau, impressionado pelas razões trazidas no agravo, retratou-se e revogou a liminar. Desta vez foi o autor que agravou dessa decisão. Como o juiz esqueceu de informar ao Tribunal que revogara a liminar, os dois agravos – um da parte autora, pedindo a reforma da liminar; outro da parte ré, querendo restaurar a liminar revogada – foram normalmente processados e julgados. Detalhe: ambos foram providos! E na mesma sessão de julgamento! Pelo voto do mesmo relator!

    De toda forma, a partir de recente experiência minha no TRF da 5a Região, tenho tido a oportunidade de perceber que, ao contrário do que imaginava, as decisões negando provimento a recursos são muito mais numerosas. E mesmo quando os recursos são providos, normalmente diz respeito a apenas algum ponto acessório da sentença (p. ex.: taxa de juros, índice de correção monetária, valor dos honorários etc.).

    Abraços,

    Leonardo

  17. Caro Hugo,

    Se o STF não altera o entendimento do STJ, o próprio STJ cuida de fazê-lo. E desfazê-lo… E refazê-lo…

    Abraços,

    Leonardo

  18. George,

    É genial a sugestão do Marcelo sobre o “Freakojustice”! E se tem alguém por essas bandas apto para escrever esse livro é você! Pense seriamente nisso! E reserve 10% dos lucros para o Marcelo (pela ótima ideia) e uns 5% para mim (pelo apoio e incentivo).

    Quanto às indenizações por morte em acidente aéreo serem arbitradas em valores superiores às por morte em acidente de ônibus, tenho um palpite para explicar isso: a EMPATIA. O juiz costuma viajar mais de avião do que de ônibus. Por isso, ele se identifica mais com o passageiro aéreo. Assim, quando cai um avião, o juiz tende a se sensibilizar mais, porque ele se coloca mais facilmente na posição de vítima. Já quando um ônibus se envolve num acidente, o drama tende a impactar menos.

    Na minha opinião, isso também explica porque o Judiciário é tão receptivo às ações que pedem medicamentos (muitos deles, caríssimos), ao passo que ainda é bastante refratário a demandas coletivas que, fundadas no mesmo direito fundamental à saúde, visem, por exemplo, a determinar ao Poder Público a realização de uma obra de saneamento básico numa favela. Nesta última hipótese, a invocação da “discricionariedade administrativa” ou da impossibilidade de interferência do Judiciário nas escolhas do Executivo costuma ser fatal! Por que isso? Porque o juiz se vê efetivamente na possibilidade de eventualmente sofrer de uma doença que venha a lhe exigir a aquisição de remédios caros, além das forças de sua remuneração.

    Mas, repito, é só um palpite.

    Abração,

    Leonardo

  19. Concordo com o Leonardo, assim como acho muito pertinente, além de interessante, a proposta de Katarina Sobota, indicada por Diego.

    Em que pese a defesa, por muitos dos que se dizem “procedimentalistas” e principalmente de outros que defendem o Direito como sistema que deve se reproduzir de acordo com seu próprio código de sentido (lícito/ilícito), com base na teoria dos sistemas de Luhmann, a prática judicial, seja dos juízes de primeiro grau ou dos desembargadores, mostra que os magistrados recorrem sempre à sua consciência sobre o que é justo ou não para depois fundamentar a decisão.

    É a velha história da pré-compreensão e o seu papel na interpretação jurídica no ambiente pós-positivista, ou seja, a nova hermenêutica resguarda o papel criativo-político do juiz que deve usar a interpretação para adotar a solução mais adequada entre as possível para aquele caso, escondendo, por outro lado, como entende Sobota, os reais motivos que o levaram a decidir, pois alguns deles são, ne verdade, “inconfessáveis”.

    Como lembra o Prof. João Maurício Adeodato em “Ética e Retórica”, quando se desconstrói o discurso judicial, revelam-se os fundamentos alopoiéticos da decisão. Aliás, o próprio STF, ao julgar a fixação de uma indenização em desapropriação, já admitiu julgar dessa maneira.

    É exemplo disso o acórdão do RExt nº 111.787/GO, rel. Marco Aurélio, assim ementado:

    “Ofício judicante – postura do magistrado. Ao examinar a lide, o magistrado deve idealizar a solução mais justa, considerada a respectiva formação humanística. Somente após, cabe recorrer à dogmática para, encontrando o indispensável apoio, formalizá-la”

    Por isso a crítica de muitos sobre o ativismo decisionista, sob a alegativa de efetivação dos direitos fundamentais, da força normativa da Constituição e de todo o blá-blá-blá que conhecemos.

    Ora, para expor entendimento pessoal nos autos não precisa o juiz ou desembargador “mencionar a norma”, basta afirmar seu entendimento com a autoridade que possui… Parece-me bem salutar essa crítica em se tratando da atividade de alguns juízes que aproveitam o discurso neoconstitucionalista pra dizer que água pode ser vinho ou vice-versa.

    Inegável o papel da pré-compreensão, e sobre isso ensina com propriedade o Prof. Inocêncio Coelho, mas até quando vamos continuar admitindo que juízes possam valorar situações semelhantes de maneira distinta porque estão acostumados a viajar de avião e não de ônibus??? Ou que um Tribunal demore dois ou três anos pra julgar um recurso e, ao fazê-lo, mude a sentença pela “vontade de afirmar por último” em que consiste a “vontade de constituição”???

    Abraço.

  20. bom…caro senhor George….
    o senhor só postou os contras….
    por que não postar os prôs?
    afinal de contas…eles também são humanos!
    bom dia…

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