Um diálogo entre Kant e Habermas

dialogo

Habermas: matar é certo ou errado?

Kant: matar é errado.

Habermas: por quê?

Kant: ora, porque essa máxima não pode se tornar uma lei universal. Se fosse permitido que os homens se matassem uns aos outros, não haveria sociedade viável. Logo, uma tal norma seria auto-destrutiva e, portanto, auto-contraditória. Não passaria pelo meu primeiro imperativo categórico.

Habermas: quem disse?

Kant: sou eu que estou dizendo, ora bolas.

Habermas: então, essa conclusão vale só para você. Para ganhar validade universal, todo mundo tem que concordar. As únicas normas que têm o direito de reclamar validade são aquelas que podem obter a anuência de todos os participantes envolvidos num discurso prático.

Kant: existe um pistoleiro lá no sertão do Ceará que acha que matar é certo. Então, a partir de agora, matar não pode ser considerado como errado, já que nem todo mundo concorda que matar é errado.

Habermas: não é bem assim. Estou falando de participantes racionais e bem-intencionados, que estão seguindo uma ética do discurso, ou seja, uma ética discursiva que seja orientada pelo entendimento comum.

Kant: Então, participantes racionais e bem-intencionados, que fizessem parte desse discurso aí, considerariam que matar é certo ou errado?

Habermas: se eles estivessem realmente preocupados em estabelecer normas éticas provavelmente concluiriam que matar é errado.

Kant: Por quê?

Habermas: ora, porque essa máxima não pode se tornar uma lei universal. Se fosse permitido que os homens se matassem uns aos outros, não haveria sociedade viável. Logo, uma tal norma seria auto-destrutiva e, portanto, auto-contraditória. Não passaria pelo teu primeiro imperativo categórico.

Kant: quem disse?

Habermas: sou eu que estou dizendo, ora bolas.

Kant: então, essa conclusão vale só para você. Para ganhar validade universal, todo mundo tem que concordar. As únicas normas que têm o direito de reclamar validade são aquelas que podem obter a anuência de todos os participantes envolvidos num discurso prático. Foi você quem disse.

Habermas: aff, você tá parecendo o Marmelstão.

habermao

14 comentários em “Um diálogo entre Kant e Habermas”

  1. Desde que comecei a ler Habermas, nunca acreditei que pudesse estar certo. Na linguagem, em que se inclui o discurso, não há partipantes neutros e sequer com o mesmo valor de voto, os de uns valem mais do que os de outros, na vida real.

    O discurso não é democrático. De onde tiramos por exemplo, no direito (que é pura linguagem), que a lei é a vontade geral? De onde tiramos que as normas éticas são fruto de inter-relações humanas planas, sem desníveis. Isso não existe, pra mim.

    A linguagem é ideologia, como dizem os hermenêutas, e o discurso bebe da mesma água.

    A filosofia de Kant, quanto à moral, ela deve partir de escolhas pessoais, como se fosse assim: eu escolo ser kantiano e pronto. Essa ideia de lei universal é conversa pra doi dormir, mas é um dogma religioso fantástico, ao menos pra mim, me dá a ilusão de fundamentar racionalmente minhas opções morais e me dá a fé de que podemos viver em um ambiente social melhor.

    Abraços a todos!

  2. Raul,

    com relação à homossexualidade é fácil, mas aí teríamos que invocar o segundo imperativo categórico: o respeito à autonomia (não respeitar a autonomia significa violar a dignidade).

    Hoje, com as técnicas de concepção in vitro, em princípio, ser homossexual não viola mais o primeiro imperativo categórico. Você pode ser homossexual sem que haja uma contradição entre a máxima por você adotada e a máxima que você gostaria que todos seguissem. Em tese, todos poderiam ser homossexuais.

    Com relação ao aborto, o argumento é mais complexo. Passo.

    George

  3. “Kant: então, essa conclusão vale só para você. Para ganhar validade universal, todo mundo tem que concordar.”

    Eu duvido que Kant dissesse isso, pois a universidade da razão prática assenta numa racionalidade previamente partilhada, inscrita na constituição humana, portanto, que não pode ser fruto de uma anuência contingente. Seguir a razão é a única forma possível de liberdade. A razão prescreve um campo de atuação, o espaço da liberdade. Por isso o que é válido o é por razões diversas de um mero acordo. O homem só é livre quando segue a razão e por isso não há outra opção senão cumprir a lei moral.

    1. Leonardo,

      O que me incomoda no Habermas é justamente a fórmula “democracia=emancipação”. Acho o Kant muito melhor resolvido com isso. Será que todas as demandas do mundo da vida são emancipatórias (no sentido kantiano)?

      Que legal te encontrar aqui…

      Maíra (São Paulo)

  4. Leonardo,

    com certeza, Kant jamais diria isso, pois ele não era tão irônico quanto outros filósofos. O tom da afirmação, no texto, foi um tom de ironia, para demonstrar como a idéia de Habermas não ajuda quase nada na prática. No final, o argumento da universalidade se desenvolverá “in foro interno” para somente depois fazer parte da ação comunicativa. E o “voto” moral, mesmo num discurso intersubjetivo, será sempre individual.

    Em outras palavras: leia o post como uma crítica a Habermas e não a Kant. A frase por você destacada foi uma espécie de “deboche” que certamente não é do estilo de Kant. Por isso, Habermas disse no final: “aff, você tá parecendo o Marmelstão”…

    George

  5. Acho que então me faltou o domínio do contexto habermesiano.

    Em todo caso, eu penso que o problema não está propriamente no fato de que sempre vamos passar pelo indíviduo, mas sim na possibilidade de afirmação de aspectos universais partilhados. Pois se pudermos garantir a universalidade da razão, como queria Kant, o fato de que o voto moral passe inapelavelmente pelo sujeito não é problemático, já que estará preservada, no sujeito, a universalidade necessária à força da lei moral. Será que não?

  6. Com relação à homossexualidade pode não ser tão fácil. Se todos forem homossexuais descaberia essa classificação (?) Se todos forem homossexuais não há homossexuais (o que não tem solução, solucionado está). Não existiriam machos ou fêmeas, nem procriação!

  7. Normas não são necessárias ao Universo, nem aos humanos – sobretudo àqueles da Pré-História, que matavam, dentre outros motivos, para ficar com as mulheres de seus “irmãos” neste grande Barco do Amor que é a Existência Consciente (leia-se: vida).

  8. Sobre aplicação prática: entender o porquê da existência de determinados conceitos (morais/sociais), e suas limitações (frente ao Universo), é via fundamental de qualquer possibilidade referente à (utópica, dadas as cricunstâncias atuais da Humanidade) extinção da Hipocrisia.

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