Li em algum lugar que o papel dos cientistas é transformar filosofia em ciência. Achei essa idéia simples e poderosa ao mesmo tempo. De fato, boa parte da ciência que hoje se produz surgiu a partir de especulações filosóficas sem uma base empírica prévia e imediata. Basta ver, por exemplo, a origem da teoria atômica, da teoria do big-bang, da teoria da evolução e os exemplos se seguem… Vários campos filosóficos tornaram-se ciência no sentido mais forte do termo depois de terem demostrado uma fértil possibilidade de aplicação prática.
Essa idéia me inspirou a escrever o meu segundo paper do doutorado, onde tento demonstrar que o papel dos juristas (e dos juízes, em particular) é transformar ética em direito. Afinal, se o direito é uma ciência empírica, então a sua função é transformar também filosofia em ciência. A ética é a filosofia “jurídica” por excelência. Então, nada mais natural do que reconhecer que o papel do jurista é transformar ética em direito.
Achei o assunto tão empolgante e tão rico em termos de possibilidades de desenvolvimento que resolvi adotar esse tema como a base central da minha futura tese. Acho que até mesmo manterei o título, que, sem modéstia, achei fantástico: “Transformar Ética em Direito: o ativismo judiciário na perspectiva da filosofia moral“. Googlei a expressão “transformar ética em direito” ou “transformando ética em direito” e não achei nada, nem em inglês. Então pelo menos o título é original, ainda que a idéia certamente não o seja.
Confesso que ainda não estou nem um pouco satisfeito com essa versão preliminar do paper que ora disponibilizarei, que foi escrita em menos de um mês, incluída a pesquisa bibliográfica mais específica. Há muitas falhas de consistência e de coerência que tentarei corrigir ao longo do desenvolvimento da tese. Conto com a crítica dos leitores nessa tarefa.
A introdução está um pouco longa, mas não consegui reduzi-la. Também sei que algumas notas de rodapé estão um pouco exageradas, mas deverei incomporar aquelas observações no corpo do texto na futura tese, de modo que o defeito é apenas provisório. Além disso, o estilo de Coimbra recomenda o uso (e abuso) de notas de rodapé. Confesso que não gosto disso, mas fazer o quê?
Alguns textos básicos ainda não foram lidos por falta de tempo e alguns temas complexos foram simplificados em demasia por falta de espaço (um paper, em tese, não poderia ter mais de 40 páginas e este já vai com mais de 60).
Enfim: é um texto para ser mesmo criticado e é isso que espero ao disponibilizá-lo aqui. Para aqueles que se derem ao trabalho de ler, peço por favor que sejam feitas críticas, sugestões, recomendações e comentários, ainda que negativos, e sejam enviadas diretamente para o meu e-mail: georgemlima@yahoo.com.br.
Como bem lembrou o Hugo Segundo, são os que nos criticam que nos ajudam a crescer. Ou então, como lembrou o Jânio Vidal, lembrando Santo Agostinho: “Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me elogiam, porque me corrompem”,
Então, aqui vai o texto via scribd:
Transformar Ética em Direito: o ativismo judiciário na perspectiva da filosofia moral
Oi, não consegui fazer o download nesse scribd… Gostaria muito de ler o seu paper, se puder me enviar por e-mail, ou por no rapidshare (esse é o que aprendi, aliás, por causa desse blog) ficarei imensamente grata. Bye!
Tania,
para fazer o download é só se cadastrar. É supersimples e o scribd tem infinitas possibilidades de leitura. Tem praticamente tudo lá. Por isso, recomendo que faça o cadastro. Você não vai se arrepender. Se não conseguir, incluo também no rapidshare.
George
Boa noite George, tb não consegui baixar o paper no scrib. Tenho login, mas não consigo acessar o download.
Abs.
Renan
Ops, esquece a msg anterior, já consegui baixar. Agora, ao texto. Abs!
George,
estive um pouco afastado, mais não posso deixar de comentar, e pretendo fazeê-lo mais fazes, pois apenas comecei a ler o paper. Portanto o comentário é preliminar.
bastante interessante a menção ao clássico diálogo platônico no início, e o link com o texto do ”Parrisídio”.
Neste sentido, Fiódor Dostoiévski e dois de seus personagens de Crime e Castigo, os famosos Lújin e Raskólnikov et all, mais precisamente do primeiro encontro entre ambos (nº V da segunda parte do mencionado livro), em que travam um diálogo bastante interessante. Primeiro sobre o pensamento de Lújin, ao mencionar que amando o próximo, e citando o exemplo de que dividindo uma sua veste, e rasgando- a ao meio e dividindo-a com o próximo, o resultado seria o de que ficariam ambos, pela metade, nus, e cita um ditado russo que diz: “quando se cassam muitas lebres ao mesmo tempo não se pega nenhuma”.
Na seqüência menciona o que diz a ciência: “ama acima de tudo a ti mesmo, porque tudo no mundo está fundado no interesse pessoal”.
E o diálogo prossegue, até que chega ao ponto em que, ao abordarem a trama central do livro, qual seja o assassínio da usurária da loja de penhor, discutem o aumento do número de crimes, não só da “classe inferior” (palavras do próprio Lújin), mas também de pessoas cultas e com estudo, ponto no qual os interlocutores de Lújin (Zóssimov e Raskólnikov) fazem-no se contradizer de acordo com o que este havia mencionado momentos antes, citando o que um dos criminosos “não pertencente as classes inferiores” respondeu quando de sua prisão por falsificação de papel-moeda: “todos estão enriquecendo de várias maneiras, então eu também quis enriquecer o quanto antes, as custas dos outros, e sem esforço!”
A personagem de Lújin redargüiu “Mas, não obstante, como fica a ética? E, por assim dizer, as regras…”, sendo de imediato interrompido por Raskólnikov “Ora, com que o senhor está preocupado? Saiu segundo sua teoria!” . E o livro nos contempla, obra de arte que é, com outros inúmeros questionamentos, sendo bastante relevante o da teoria das pessoas ordinárias (que não podem fazer tudo) e o das pessoas extraordinárias (que podem fazer tudo ao arrepio da lei).
Essa é uma questào recorrente no brasil. É apenas uma impressão.
Thiago.
Thiago,
um dos tópicos – que tive que tirar por falta de espaço, mas que entrará na tese – versava sobre a “ética do egoísmo”, que talvez seja o princípio “ético” mais seguido nesses tempos “sem Deus”. É a ética do “o que é que eu ganho com isso?” ou do “como posso me dar bem?” ou ainda a do “para quê ser ético e ficar pra trás?”…
Quem consegue destruir esse “princípio ético” com muita propriedade é Peter Singer, no seu “Como devemos viver”. É um livrinho bem inspirador…
George
Quanto ao Crime e Castigo, realmente, é uma obra de arte. Li na época da faculdade e confesso que não lembrava desses detalhes que você contou.
Na verdade, tenho percebido como as releituras são importantes. Eu havia lido “A República” também no início da graduação e não “captei” nem um décimo de todo o seu conteúdo… Só agora é que percebo como os filósofos gregos eram mesmo gênios, pois tudo o que se discute hoje são apenas notas de rodapé do que eles escreveram há mais de mil anos…
George
digo: dois mil…
Professor,
1)Nao acha que o argumento de que a punicao de agentes que atuaram em nome do Estado Alemao nos massacres ocorridos na segunda guerra eh fraco demais para desbancar a tese de que nesse estado havia Direito?
Primeiro, os agentes estatais nao foram punidos em nome da etica, e sim pela violacao de leis e crimes de guerra. Ou seja, foram punidos por executar leis de direito nacional afrontosas as normas de Direito Internacional.
Ora, o ilicito, tal como demonstrado por Kelsen, nao eh a negacao do Direito, eh a essencia do Direito. Quando se age conforme uma norma sancionatoria, como as normas penais, nao ha relevancia para o Direito. No entanto, quando se afronta a norma, hah incidencia e possibilidade de aplicacao de sancao pelo orgao autorizado a aplicar o Direito. No caso, o Tribunal de Nuremberg.
Alem disso, pode-se questionar: qual etica foi utilizada pelos aliados ao montarem o Tribunal de Nuremberg, tribunal de excecao, para julgar os vencidos pela segunda guerra? A maxima de que o vencedor pode impor o que acha mais justo ao vencido?
Pra mim, pouco importa, independente da etica utilizada, houve, com o julgamento em Nuremberg, a confirmacao da tese proposta por Kelsen de que o Direito Internacional prevalece sobre o Direito domestico, ja que foram punidos, por crimes estabelecidos por costumes e tratados internacionais, agentes que atuaram em nome do Estado.
Houve com a Alemanha Nazista e o julgamento posterior pelo Tribunal de Nuremberg a confirmacao empirica de duas teses Kelsenianas:
1)A existencia do Direito independe de sua formacao por normas eticas. Embora isso nao seja bom, o Cientista do Direito deve estudar um Direito formado por normas mas, normas nao eticas;
2)O Direito Internacional prevalece sobre o Direito nacional. Nao importa que os cidadaos reconhecam-se como pertencentes apenas a nacao, ao Estado Soberano do qual fazem parte. Segundo kELSEN, “a afirmacao de que o Estado seja soberano, feita ‘do poto de vista de quem eh sujeito de diireto’, deve ser refutada pela Ciencia do Direito e do Estado enquanto errada, porque fundamentada numa ilusao” <> O cientista do Direito deve ocupar-se do que efetivamente existe, uma comunidade soberana, formado por Estados soberanos, e nao do Estado conforme visto pela maioria dos cidadaos, onipotente, unico e totalitario.
2)A Teoria Pura do Direito nao eh causa do nazismo, como tambem nao eh causa das normas boas, que prometem o ceu, mas dao o inferno. Kelsen nunca afirmou que o Direito injusto deve ser obedecido, afirmou apenas que o Cientista do Direito deve limitar-se ao direito formalmente estabelecido. Segundo Bobbio: “Poder-se-ia extrair um argumento caso se pudesse demonstrar que, da posicao metodologica da Teoria Pura do Direito, segundo a qual o jurista tem a tarega de ocupar-se do direito efeticamente valido e nao do direito justo, se tira como consequencia logicamente necessaria a regra “que todas as leis, enquanto tais, devem ser obecidas”: mas esta conclusao nao eh dedutivel de modo algum, nem Kelsen, por iniciativa sua, que eu saiba, fez tal deducao”.
Afirma ainda, comparando o Cientista do Direito ao Historiador sobre o absurdo de considerar a etica como possibilidade de conhecimento:
“Ora, fazer depender a existencia da norma de sua conformidade maior ou menor a um ideal de justica equivale a subordinar o juizo que somos chamados a dar, como historiadores, sobre a existencia de um fato ao valor que lhe atribuimos”. Que Brutis tenha matado Cesar eh um juizo de fato; que a morte de Cesar seja uma acao boa ou mah, eh um juizo de valor. Que diriamos do historiador que sustentasse que nai eh verdade que Brutus natour Cesar, pois nao eh bom que o tivesse feito? <>
Ha ciencia na teoria que tenta impor a etica como imposicao ao Direito. Afinal: “toda teoria cientifica “boa” eh uma proibicao: ela proibe certas coisas de acontecer. Quanto mais uma teoria proibe, melhor ela eh”. <>
No entanto, o seu problema eh nao negar uma hipotese de refutacao confirmada pelos fatos. Sob esse ponto de vista eh infantil. Jah que, sob qualquer teoria que busca analisar o processo de conhecimento, a refutacao, o erro da tese, deve ser o suficiente para abandona-la.
JP,
discutir se o direito nazista era direito ou não, jurídico ou não é tão relevante assim. Vai depender de uma opção político-ideológica: o que se entende por direito?
Se direito é um conjunto de normas jurídicas, dentro de uma dimensão de validade espacial e temporal, impostas por uma autoridade estatal, então o direito nazista era sem dúvida direito.
Porém, por uma questão de opção político-filosófica, os juristas optaram por incluir no conceito de direito um elemento material. Chame esse elemento material como quiser: justiça, ética, direitos humanos, dignidade humana. O certo é que o direito que se distancia deliberadamente desse conteúdo material não pode ser considerado como jurídico, nesse sentido específico que se está dando à palavra direito.
O “cientista do direito”, tal como proposto por Kelsen, pode analisar o direito injusto sem problemas. Só que não pode alegar que está sendo neutro: na medida em que ele colabora para aplicar o direito injusto, ele também é responsável pelas conseqüências.
O Tribunal de Nuremberg, que Kelsen ajudou a “esboçar”, é um tribunal de guerra. Sua atividade foi simbólica, mas reforçou a opção político-ideológica que mencinou antes: os juristas, desde então, passaram a reconhecer que os sistemas legais injustos e desumanos não são direito.
No mais, não sei se você percebeu, mas meu paper adere quase integralmente à teoria da aplicação do direito de Kelsen. Concordo com Kelsen quando ele diz que o direito é, em grande medida, um instrumento da política e que o papel dos juízes, diante da indeterminação normativa, é agir como se fosse um legislador preocupado em elaborar as leis mais justas possíveis.
George
Prof. George,
Perdoe interromper o debate para falar de assunto diverso ao tema. Irei direto ao ponto. Sou estudante de direito da PUC-Rio e acompanhei seu blog durante o último ano inteiro, desde que a Prof. Maria Celina Bodin o indicou. Ciente de que o senhor possui também livro publicado, ao qual eu infelizmente ainda não tive acesso, confio que o senhor, se não for um inconveniente muito grande da minha parte, poderia ter alguma boa dica sobre o seguinte. Estou fazendo uma pesquisa sobre o direito à vida e até o momento estou estudando a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Gostaria de saber se o senhor possui em suas anotações algum precedente da Corte Européia ou mesmo da africana sobre o tema que chame a sua atenção e que possa indicar. Na verdade, qualquer precedente ou até fonte doutrinária que desenvolva bem o tema seria muito bem-vinda. Pergunto por que lembro de ver o senhor falando, por exemplo, sobre a Suprema Corte da África do Sul, além de saber, obviamente, que seus estudos se direcionam para esta área. Trata-se de um projeto muito interessante, o qual eu teria o maior prazer de compartilhar com o senhor. Porém, vou me privar de fazê-lo agora. Se o senhor puder me ajudar a esmiuçar as minúcias desse direito com algum apontamento de precedente jurisprudencial ou doutrina que já esteja na ponta da língua eu agradeço muito. Meu foco é compreender, por exemplo, se o descumprimento da obrigatoriedade de determinado Estado de investigar um assassinato pode constituir violação do direito à vida. Se a violação levada a efeito por um Estado pode se estender no tempo, como se fosse uma violação continuada, caso sucessivos descumprimentos da obrigação de proteger a vida fossem observados (não exame de corpo de delito, parcialidade do magistrado, recurso ineficaz, investigação insatisfatória, prazo não razoável do processo etc.). Não sei se me fiz claro e se o senhor poderá indicar alguma coisa específica. De uma forma ou de outra, o blog é inspirador para qualquer busca relacionada aos direitos fundamentais e continuará a me ajudar direta e indiretamente.
Obrigado,
Fabio Cascardo.
George,
Kelsen afirmou que a norma indeterminada é uma moldura preenchível de acordo com as opções políticas, filosóficas, sociológicas do juiz. No entanto, não estudou a forma de preencher a norma, de áplicar normas desse “naipe”, já que qualquer opção do juiiz seria permitida pelo ordenamento. Até aí estamos de acordo!!!!!
Vem os pós-positivistas e afirmam que, ao contrário do afirmado por Kelsen, há como controlar a decisão do juiz. No entanto, esse argumento não contraria Kelsen pela simples razão de que o argumento é filosófico, a racionalização do discurso judicial faz bem para a ética, para o bem da ciência, mas não é determinado por norma jurídica, não devendo ser estudado pela Ciencia do Direito. O processo de aplicação da norma jurídica indeterminada pode ser estudada por outras ciencias, como a filosofia, sociologia, já que baseada na VONTADE do intérprete e não em norma jurídica. Até aí estamos de acordo, já que, como voce mesmo disse, você tem aulas no doutoramento com o tal do Boaventura, e que sua tese tem alta carga FILOSÓFICA!!! Estamos de acordo novamente…
No primeiro paper você falou sobre o processo de aplicação do Direito, í nada mal para um jusfilósofo querer impor aos juízes uma decisão ética, racional, falsificável…. etc… No entanto, no segundo paper você vem com o “papo” de que o PRÓPRIO Direito, só pode ser assim considerado, se baseado em normas jurídicas éticas. Aqui você deu um passo longe demais, afrontando a teoria pura do Direito (não importa que tenha sido criada pelo maior jurista de todos os tempos) sem fornecer argumentos suficientes para contrariá-la.
É só essa a crítica.
No mais, concordo com várias críticas suas, até de outros trabalhos, principalmente aquela que considera o ROBERT ALEXY um “impostor intelectual”. Não pelos mesmo motivo seu, qual seja, o de que Alexy complica em demasia o discurso. E sim porque a teoria da PROPORCIONALIDADE, ou qualquer outro nome mais pomposo que queira dar a ela, não é jurídica – por obviedade, já que trata da VONTADE do intérprete, da aplicação da norma jurídica, e não de norma jurídica – tampouco é científica, pois não é falsificável, já que a teoria nada nega, todas as soluções resultantes de aplicação do princípio são confirmadas pela PROPORCIONALIDADE.
abraço
Fábio,
há muito assunto a tratar sobre o direito à vida e muitas decisões que podem ser citadas. Uma que li recentemente e que impressionou foi a tomada pela Corte Constitucional da Colômbia em matéria de eutanásia.
Mas pelo que pude perceber, você pretende abordar a questão do dever estatal de proteção, em particular o dever de investigar e punir as violações ao direito á vida.
Recomendo, sobre o tema, a leitura do seguinte post que talvez possa ajudar:
https://direitosfundamentais.net/2008/09/09/direitos-fundamentais-e-impunidade-em-defesa-da-aplicacao-do-principio-da-proibicao-de-abuso-de-direitos-fundamentais/
George
JP,
a questão é precisamente esta: para que serve o direito? e mais importante ainda: para que serve a teoria do direito?
O direito é uma ferramenta cultural; logo, criada pelo homem, para homem. Foi criada com um propósito ou vários propósitos: controle social, proteção do mais fraco, segurança jurídica etc…
O prólogo do Código de Hamurabi contém, na minha opinião, a finalidade desejável do direito: proteger o mais fraco contra o mais forte e garantir o bem-estar do povo.
Essas finalidades, na minha opinião, são as finalidades originárias do direito (eu poderia chamar de “essenciais”, mas daria confusão filosófica desnecessária). O que quero destacar é que quando o direito caminha em direção contrária, ele perde parte de seu sentido.
Minha visão do direito é, portanto, em alguma medida, funcionalista – nesse sentido de que o direito visa a fim. E por uma questão de opção político-ideológica, acho que esse fim deve ser um fim ético.
O primeiro paper teve a missão de apontar uma idéia muito debatida filosoficamente: a de que até mesmo as ciências empíricas (humanas ou sociais) podem ser analisadadas objetivamente através de uma crítica racional constante. Esse ponto é um passo necessário para avançar na segunda idéia: a de que é possível analisar objetivamente as decisões éticas, que discuto no segundo paper.
Então, não vejo qualquer contradição entre as idéias postuladas no primeiro paper e do segundo. Aliás, o próprio Popper tem um livro muito bom intitulado “O Mito do Contexto” em que ele combate com muita ênfase o relativismo ético-epistemológico.
A questão base não propriamente se é possível controlar as escolhas éticas do juiz. Entendo que nem mesmo as escolhas normativas podem ser controladas. A questão é saber se é possível fornece base racional para as escolhas éticas. Penso que, em alguma medida sim, caso não se confunda racionalidade com exatidão. Ou seja, se o “racional é o razoável”, então até mesmo os juízos de valor podem ser objetivamente analisadas.
Talvez o terceiro ou quarto paper seja precisamente sobre a objetividade na ponderação. Mas ainda não estou muito seguro quanto a isso, pois é um tema espinhoso.
George
E quanto ao Alexy, jamais o chamei de impostor intelectual. Eu disse apenas que ele usa uma linguagem matemática de forma desnecessária.
A idéia de proporcionalidade nem sequer é dele. É uma idéia que começou a ser desenvolvida jurisprudencialmente e, hoje, é aceita como válida por 9 entre 10 Cortes Constitucionais pelo mundo afora.
No post da Katchanga, demonstrei que há um abuso das idéias de Alexy, mas não disse que ele está errado. Particularmente, acho que ele deu um grande avanço no direito constitucional ao desenvolver a sua teoria dos direitos fundamentais, tentando dar mais objetividade ao processo decisório.
George
Só mais uma última coisa. Uma breve passagem do paper que se aplica a essa discussão:
“não há uma profunda incompatibilidade entre o reconhecimento da força normativa dos princípios tal como proposta pelo pós-positivismo e a teoria da interpretação proposta por Kelsen ou por outros positivistas mais radicais. (…)
A teoria da interpretação de Kelsen é bastante diferente da sua teoria pura, que se referia apenas ao “cientista do direito” e não ao aplicador do direito. O juiz, para Kelsen, não era um cientista do direito, mas uma espécie de político do direito. A “purificação” pretendida por Kelsen somente abrangia a figura do direito. Na verdade, a luta de Kelsen não foi propriamente para purificar o direito, mas para separar a tarefa do cientista do direito da tarefa do profissional do direito. O grande erro de Kelsen, na minha ótica e analisando tão somente a sua teoria da interpretação, foi achar que os critérios da escolha do juiz, dentro da moldura normativa, não deveria ser objeto de preocupação do “cientista do direito”. Creio que uma das principais funções do jurista (cientista do direito) deve ser a de fornecer argumentos capazes de orientar o aplicador do direito a tomar a decisão mais justa, ainda que para isso tenha que se valer de argumentos éticos ou extra-normativos de um modo geral”.
Portanto, dentro dessa lógica, se a finalidade principal da ciência do direito é proporcionar um conhecimento “objetivo e exato”, tal como sugerido por Kelsen, então a teoria do Alexy veio foi ajudar numa área que a teoria de Kelsen mais se aproximava do “direito livre”. No fundo, Alexy é mais “positivista” do que o próprio Kelsen, já que visa “amarrar” ainda mais a atividade do juiz.
George
George,
E o fato de que qualquer decisão envolvendo princípios pode ser fundamentada com a técnica da proporcionalidade? Se a discussão é sobre o feto anencéfalo, com o uso da proporcionalidade, eu mato o feto e salvo a mãe, já que o sofrimento imposto à mãe (saúde), à dignidadade da pessoa humana (????), por carregar algo que não vingará, não é restrição adequada para a promoção do direito dundamental à vida. Por outro lado, com o uso do mesmo “princípio”, matar o bebê não é necessário para salvar a vida da mãe, que estará sâ e salva após 9 meses com uma aparência de mulher grávida.
Se ambas são toleradas por Alexy, é porque a norma é mesmo uma moldura que não pode ser controlada, nem pelo Cientista do Direito, nem por qualquer outra ciência.
Não acha que isso é o bastante para desmascarar o princípio da proporcionalidade? Não foi esse o argumento usado por Popper para desmascarar a pscicologia de Freud, que busca explicar todos os problemas humanos com idéias vagas, com uma teoria aplicável a todos os casos?
Que ciência é essa que não pode ser falsificável? Não discuto a racionalidade da teoria, que pode ajudar os juízes a fundamentar uma sentença envolvendo conflito de direitos fundamentais, mas sua cientificidade?
Por isso entendo que a Teoria Pura do Direito ainda não foi falsificada. Não estudou a VONTADE DO INTÉRPRETE, relegando a outras ciências não -jurídicas a tarefa de estudá-la, e olha no que deu? Até hoje não apontaram método científico para fundamentar as decisões judiciais?
Pelo menos a sua tese, a meu ver, é uma tentativa, ou não:???
JP,
você está analisando apenas um dos três critérios da proporcionalidade e, certamente, o mais polêmico, que é proporcionalidade em sentido estrito. Os outros dois critérios (adequação e necessidade) são bem objetivos e bastante úteis para a solução dos problemas do dia a dia.
Mas a objetividade da ponderação é, de fato, uma questão um pouco mais complicada. O princípio da proporcionalidade diz apenas que, havendo uma colisão de princípios, o aplicador deve escolher aquele que, no caso concreto, é o mais importante. Aqui é uma questão de custo/benefício, vantagens/desvantagens e assim por diante… Não é, portanto, uma “teoria” no sentido popperiano, mas apenas um método. Aliás, o próprio método falsificacionista também não é uma teoria.
Mas perceba que, nesse ponto, o “pós-positivismo” (chame como quiser) tem muito mais vantagens do que a teoria pura de Kelsen, pois é mais rigoroso, exigindo que o juiz justifique até mesmo as escolhas dentro da moldura.
Quanto à “falsificação” da teoria pura, também me parece que ela é muito mais um método do que uma teoria propriamente dita. O que falsificaria a teoria pura?
Particularmente, não conheço nenhum cientista puro do direito. Você conhece? Logicamente, isso não falsifica a teoria pura, mas a tona inútil. Se não há nenhum jurista nos dias de hoje que siga as sugestões metodológicas da teoria pura do direito então ela não serve de nada. Perceba que não estou falando da teoria de Kelsen como um todo, nem mesmo da teoria pura como um todo, mas apenas da figura do “cientista do direito”, que só existe na cabeça do Kelsen.
George
Ora. ora…no Brasil há o Pontes de Miranda, que, apesar de não ser seguidor das idéias kelseninas, era um ferrenho positivista. Se não seguiu à risca às idéias totais da teoria pura do Direito, pelo menos a idéia de que o cientista do Direito deve ater-se à norma jurídica foi levada bastante a sério pelo Pontes.
Na área do Direito Penal, há o Nelson Hungria… chegou a perguntar, num seminario para juizes, segundo informa o Ivo não sei das quantas, professor no rio grande do sul, pra que serve a criminologia para o estudo do Direito Penal. Serve para formação de um bom aplicador da lei, isso, sem dúvida. Mas, para a solução de problemas meramente penais, é um conhecimento inútil.
O problema é que os jovens querem livros fáceis, bobos, tolos… que afirmem em pleno século XXI que o Direito Civil recebe as luzes da Constituicao. Esses dias vi o professor Luis Flavio Gomes comentar que o Kelsen não se importava com a validade, o que importava era a norma jurídica…. falou isso em rede nacional, na TV Justica… vai ver tenha esquecido de que foi Kelsen quem inventou esse negócio de Jurisdição constitucional.
Voltando a conversa, acho que os cientistas do Direito farão um bom papel se não entrarem em êxtase com os direitos fundamentais ou os direitos sociais. Kelsen afirmou, sem exercer juizo de valor, sem afirmar que não pertenciam à ciencia juridica, que as normas premiais não iam dar certo.
Olha no que deu, entre vários outros problemas: “apelo ao legislador”, “reserva do possível”
De que adianta convencer um juiz progressista de que é necessário cautela, de que a aplicação da norma deve levar em conta as limitações financeiras? Ele dirá: “isso é conversa para boi dormir, isso é desculpa – ratificada pelos CIENTISTAS DO DIREITO CORROMPIDOS – dos donos do poder para evitar a concretizacao dos direitos sociais.
Fatalmente outra solução, não menos correta, será adotada por um juiiz conservador, cauteloso.
Até aí nenhum problema…. o problema é escrever um livro determinando qual a solução deverá ser tomada pelo juiz no caso concreto, um manual que sirva tanto para o juiz progressita, quanto para o juizao conservador? Pra que serve um manual desses? Seria uma espécie de catecismo jurídico? De ciencia do Direito não se trata. E admiro os bons juristas, que não são poucos, que se mantém afastados da análise desse tipo de discussão.
Não sei se o Pontes de Miranda que você está falando é o mesmo que eu conheço. O Pontes que conheço não era kelseniano (ou seja, adepto da purificação da ciência do direito) nem aqui nem na China. Seus textos jurídicos estão pemeados de política, de ideologias (liberdade, democracia) e até mesmo de outras ciências (bilogogia, antropologia, etnologia, por exemplo). Com toda certeza, ele não fica só no normativismo e, em várias passagens, apresenta argumentos para jutificar pontos de vista nitidamente valorativos (o que Kelsen abominaria). Basta ver seus comentários à Constituição para perceber que o quanto de ideologia tem ali.
George
Professor, obrigado pelo texto. A pesquisa é exatamente sobre o que você descreveu. Trata-se do caso Sétimo Garibaldi vs Brasil, que está na CIDH. O texto que enviou ajudou, sim. Apesar de não ir direto ao ponto da pesquisa já deixou algumas pulgas atrás da orelha, o que é ótimo. Mais uma vez, obrigado.
Fabio
Professor,
É a primeira vez que posto em seu blog e gostaria de parabenizá-lo. è muito bem feito e de muito bom gosto. Tbem comrei seu livro e gostei muito. Sobre o tema escrito pelo sr., embora ainda não tenha lido, resolvi escrever para sugerir a leitura do livro de Rudolf Von Ihering entitulado A finalidade do Direito, que trata de assunto correlato ao de seu texto.
Espero que ajude.
Um abraço
Renee Souza
sou estudante finalista de Direito da Universidade Jean Piaget em angola e escolhi o tema ética no Direito para a minha defesa de tese e gostaria de ler e saber mais sobre o assunto
Profº George Marmelstein, o seu texto está inacessível no scribd. O site cobra uma “taxa” de download. Há a possibilidade de se ter acesso ao seu texto livremente em outro site?
De antemão grato,
Rodrigo Pereira.