O filme/livro “O Leitor” e o Direito à Memória

“Queríamos abrir as janelas, deixar entrar o ar, o vento que finalmente faria redemoinhar o pó que a sociedade deixara acumular sobre os horrores do passado. Iríamos zelar para que se pudesse respirar e ver. (…) Quem estava a ser julgada naquele tribunal era a geração que se serviu dos guardas e dos esbirros, ou que não os impediu, ou que pelo menos não os marginalizou como deveria ter feito depois de 1945. E o nosso processo de revisão e esclarecimento pretendia ser a condenação dessa geração à vergonha eterna”.  (SCHLINK, Bernard. O Leitor. Alfragide: ed. Asa, 2009, p. 62)

Assisti recentemente o filme “O Leitor”, que ganhou um Oscar este ano (de melhor atriz, para Kate Winslet). Aproveitei também para ler o livro correspondente, com o mesmo título, escrito pelo alemão Bernard Schlink.

A temática do filme tem tudo a ver com um problema atual que se passa no Brasil que é o direito à verdade sobre o que ocorreu nos bastidores da ditadura.

O filme/livro retrata um processo envolvendo o julgamento de algumas mulheres nazistas que foram guardas da SS em campos de concentração no final da guerra e, nessa qualidade, foram responsáveis por muitas mortes, especialmente de judeus.

A discussão jurídica é apenas o pano de fundo para debates muito mais complexos sobre a natureza humana, a questão da culpa dos alemães, o conflito de gerações, o conteúdo contextual e histórico de justiça, o dever moral de agir diante de uma injustiça, a inexigibilidade de conduta diversa, o direito à memória e à verdade, o direito de defesa e assim por diante. Nesse ponto, o livro é um pouco mais rico do que o filme, embora o filme tenha se mantido muito fiel ao conteúdo do livro.

Enfim, recomendo tanto o livro quanto o filme.

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Uma curiosidade é que o livro foi escrito, como já disse, por Bernard Schlink, que  é jurista de formação. Schlink, além de ser professor de direito público e de filosofia do direito, é juiz do Tribunal Constitucional da Renânia Sentrional-Vestefália, segundo consta na orelha do livro e na Wikipédia.

Em 1985, ele escreveu, em parceria com Bodo Pieroth, um manual acadêmico de direitos fundamentais que talvez seja o mais influente livro sobre o assunto na Alemanha. Pelo menos, é citado demais nas obras específicas e eu sempre tive vontade de ler.

Recentemente, tive oportunidade de adquirir o referido livro (“Direitos Fundamentais – Direito do Estado II“) que foi traduzido aqui em Portugal e publicado por uma editora universitária do Porto. Ainda não li todo, mas já percebi que é bastante didático e pode ser muito útil para conhecer a interpretação dos direitos fundamentais na Alemanha.

25 comentários em “O filme/livro “O Leitor” e o Direito à Memória”

  1. Olá, George!

    Parabéns pelo blog, que está cada vez mais interessante.

    Preciso de uma ajuda de você, que é um grande magistrado e constitucionalista de renome.

    Estou fazendo meu projeto de monografia sobre a súmula vinculante, e gostaria de dar ao trabalho um enfoque constitucional. Você poderia me ajudar nesta tarefa? Pensei em falar sobre súmula vinculante e acesso à justiça ou esta junto com a independência dos magistrados. Você teria alguma sugestão?

    Agradeço,

  2. Leonel,

    infelizmente, não tenho nada específico sobre o assunto. Mas sei que é um tema que tem despertado o interesse de muitos juristas.

    Escrevi alguma coisa há bastante tempo, neste texto aqui:

    Clique para acessar o ref.pdf

    Não foi lá grande coisa, mas talvez possa servir de alguma coisa.

    george

  3. Olá George.
    Não irei por ora comentar o presente post, até porque não vi o filme, tampouco li o livro. Acabei de ler seu paper do doutorado, sobre Popper e o judiciário. GOstei muito, adianto. Mas uma questão referente à discussão me intriga: quanto à ação comunicativa e à ética do discurso, vejo como algo utópico, até em razão da lei, em alguns pontos do ordenamento. Por exemplo, no direito penal, sabemos que o pro reo é um princípio deveras valorizado. Nesse caso, cansamos de nos deparar com crime de uma hediondeza repugnante (se é que isso não é redundante). Mesmo nesses fatos, o réu necessita da defesa eo advogado, por mais consciente que esteja sobre a culpabilidade de seu cliente, deve promover a sua defesa, com todas as forças e meios legais possíveis. Em resumo, no processo penal, a ética do discurso no processo judicial, visando a justeza da decisão, não fica totalmente obstaculizada pelos princípios do favor rei?
    Abs.
    Renan

  4. Renan,

    o processo judicial, de um modo geral, não segue a ética do discurso. Aliás, a ética do discurso, sob uma ótica ideal habermasiana, só existe na cabeça do Habermas.

    George

  5. Sobre o tema da relação entre ética do discurso e direito, caso não conheçam, há o livro de Klaus Günther, “Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação”, publicado pela Landy. Este autor foi orientando de Habermas na década de 80 e sua posição é aceita pelo filósofo. É um tema muito intrincado.
    Apenas a título de comentário, nunca foi intenção de Habermas identificar os processos judiciais com a ação comunicativa e a ética do discurso. Muito embora se possa pensar de que modo o direito poderia ser influenciado pela racionalidade comunicativa, o que é algo bem diferente de reduzir o processo judicial à ação comunicativa. Por exemplo, o próprio princípio da situação de fala isenta de coerção, que me parece ser a de um processo judicial, já possui relação com o discurso, pois este é um de seus pressupostos. Por o discurso não ser plenamente realizado no cotidiano é que as instituições (Estado) antecipam isto evolutivamente para que as pessoas possam nelas ser formadas e aprenderem isto. No mais, envio saudações e parabéns por abordar um assunto deste tipo em seu blog.

  6. Caro George, sou professor na UFPB e doutorando na UNB. Estive semana passada por Coimbra, mas todos já estavam de férias. Estou aqui na Alemanha, hospedado na casa de um colega da UnB que cursa doutorado sob a orientação do Schlink.
    O valor do passado está presente em outros romances do Schlink e na própria orientação que ele confere aos seus alunos. Interessante essa percepção ao conhecer a história da RFA, em especial Berlin e os campos de concentração. Com mais vagar escreverei sobre essas experiências e compartilharei com você!
    Parabéns pelo excepcional blog!
    Abs
    Gustavo Rabay
    rabay@unb.br

  7. Gustavo,

    realmente, aqui em Coimbra, estamos no intervalo da páscoa. Não tivemos aula durante a semana. De qualquer modo, se você passar por aqui na volta, posso te mostrar a faculdade, a temida Sala dos Capelos e famosa Biblioteca Joanina, se é que você não conhece.

    Quanto ao Schlink, pensei que ele tivesse deixado os “ossos do ofício acadêmico” depois da fama. Ele faz muito bem à humanidade escrevendo romances. Mas talvez ele seja tão bom escritor quanto professor e juiz.

    No mais, pode enviar o que escrever que publico por aqui.

    George

  8. Olá George…
    Estou fazendo um trabalho sobre esse filme “o leitor”, e gostaria se você pudesse de me mandar falas ou atos da relação afetiva entre o protagonista e a protagonista do filme ético, anti- ético, moral e imoral.
    Ficarei grata se me ajuda-se.

    1. Vi o filme. Parece-me um argumento escrito por Hannah Arendt.Mais do que culpabilizar há que compreender. Não podemos aceitar os crimes contra a humanidade, nomeadamente, o genocídio. O filme não perdoa os actos humanos mas o homem.O filme parece-me uma homenagem à pensadora política quanto à sua posição no julgamento de Eicheman.
      Bibliografia – A Promessa Política – Hannah Arendt

  9. Gostei do que argumentou sobre um tema mais atual a respeito do que acontece aqui no Brasil, com relação à verdade sobre a ditadura militar.

    O filme mostra bem isso, e vemos que o militar é sempre fantoche do governo e do seu povo, ele é o bode expiatório de tudo o que acontece de ruim em uma época, mesmo que não seja ele quem decida. O povão na época da ditadura militar queria aquilo, era um povo mais rígido do que é hoje, mais a favor dos limites do que pela liberdade. A parcela que era contra era uma parcela de estudantes que achavam que teriam mais liberdade e lutavam para isso. Porém esqueceram que o homem é egoísta e liberdade tem a ver com responsabilidade, por isso o Brasil está do jeito que está, ninguém respeita o direito do outro e isso que nós temos não é a liberdade sonhada (se bem que eu não sei o que eles sonhavam), mas o melhor nome pra o que acontece hoje é liberalidade.

    Queremos ter direitos, mas não queremos ter obrigações. E isso transforma o mundo em país da Lei dos Mais Fortes. Forte em todos os sentidos. Hoje universitário é quase um analfabeto. Sabem tudo de computação, tudo sobre o que acontece no mundo, mas nada do que acontece ao redor, na sua comunidade, e nem interessa. Sabemos reclamar, mas queremos saber apenas do nosso direito e que se danem os outros. Isso é liberdade?

    Ainda bem que existiu ditadura, senão ao invés de 500 pessoas mortas dos dois lados, seríamos como Cuba. Lá quem foi contra o Gobierno, morreu (cerca de setenta mil!). E liberdade é o que não existe mesmo lá. Nem na China, nem em nenhum país comunista. Acho que o jovem que lutou naquela época não queria um Brasil como estes. Mas não sei se também queria um Brasil como o de hoje.

    Votaram uma lei que vai aumentar o número de vereadores em milhares no Brasil. E ninguém luta contra isso! O que mais vereadores vai fazer de útil que o que os que já existem não fazem? Por que não aumentam o salário dos funcionários públicos? Por que hoje aquela molekada que fazia papel de guerrilheiro, faz papel de ladrão, no governo de hoje, e sabem que precisam de vaga política pra colocarem seus apadrinhados…

  10. Olá George. Sou aluna do curso de pós-graduação em Literatura da Universidade do Sudoeste da Bahia -UESB. Percebi que além do campo jurídico você transita com muita propriedade pelo campo literário. Meu foco no filme “O leitor” é o tipo de narrativa. Por favor, você poderia discorrer sobre esse assunto? Parabéns pelo excelente blog e um abraço.

  11. PARABÉNS PELO BLOG!!!! Eu acabei procurando informações suas por causa de uma interdição e estou se palavras em face de tão boa surpresa. Uma pena não conhcê-lo pessoalmente, mas francamente você está sendo desde já uma referência. Abs.

  12. Olá George, eu estou ingressando na faculdade Direito ( meu grande sonho) e tenho estadocom tempo livre antes da faculdade começar. VocÊ me indica algum livro que vai ser util nesse meu inicio? Como vc acha que devo encarar esse primeiro semestre? Qual disciplina, ou que livro como jah perguntei, vão ser indispensavel para introdução do meu curso?

  13. Quem bom que esse blog trás realmente comentários inteligentes e construtivos. Gostei de todas as observações. Esse filme na minha concepção, deveria ser levado aos estudantes, principalmente universitários, para que ao analisarem a ótica abordada possam tecer suas próprias criticas. A classe universitária tem alto potencial a ser explorado principalmente o pessoal da docencia, fica ai entao quem sabe uma boa dica aos professores. Academicos…se mostrem, digam a que vieram !

  14. Olá, George! Gostei de sua impressão sobre o livro e o filme O leitor. Estou trabalhando em um projeto para o doutorado. Minha
    área é literatura. Pretendo realizar um trabalho comparativo entre livro e filme. Já vi o filme alguma vezes e li o livro uma vez. Ainda estou em dúvida. Tenho de estabelecer uma tese já no projeto, ainda que seja como uma hipótese a ser confirmada no decorrer do trabalho. Acho que terei de conhecer um pouco do direito alemão. Talvez não para a elaboração do projeto, mas mais tarde, sim. Isso quer dizer que a obra que vc citou e que está lendo me será muito útil.

  15. Olá! gostaria que voçê pudesse me ajudar algo sobre o processo de esccrita e leitura da Obra “O leitor” de Bernhard Schlink , sou estudante de Pós graduação na discciplina: Reccepção e produção de texto, ficaria agradecida ,pois preciso escrever um artigo neste assunto. Rose

  16. Olá! Gostaria de saber se o senhor pude me ajudar, respondendo se possivel esses questionários, pois o mesmo é para um trabalho da faculdade da disciplina produção textual, Agradeço desde já sua atenção e ajuda sobre o FILME: O LEITOR

    • QUAL O PROCESSO DE LEITURA ABORDADO NO FILME;

    • QUAIS AS INFLUÊNCIAS E OS EFEITOS CAUSADOS PELO ‘NÃO-LETRAMENTO’;

    • QUAIS AS INFLUÊNCIAS DA LEITURA NA VIDA DA PERSONAGEM. HOUVE? COMO?

    Mais uma vez obrigada!

  17. Prezado Dr. George

    O tema “direito à memória” é uma de minhas paixões. Recentemente publiquei a minha tese de doutorado em Direito Constitucional pela Editora Juruá, intitulada “Direito Fundamental à Memória”.
    A questão da recorrência de violações aos direitos fundamentais, como aquela relatada no filme o Leitor é a preocupação central de quem estuda a memória coletiva, especialmente nos períodos de transição democrática ou de guerras.
    Um documento interessante para a análise do tema é o Relatório “Direito à memória e à verdade”, disponível no sítio da Presidência da República no link abaixo:

    Clique para acessar o livrodireitomemoriaeverdadeid.pdf

    Para quem se interessa sobre o assunto, também estou construindo um blog.
    Obrigada,
    Fabiana Dantas

  18. opa, recentemente vi esse filme e achei bem legal a sua visão do mesmo.
    Comecei a cursar direito e foi pedido um trabalho em cima do filme, e esse texto me ajudo a compreender melhor o filme valeu rs

  19. Olá George…
    Estou fazendo um trabalho sobre esse filme “o leitor”, e gostaria se você pudesse de me disser, do julgamento uma justificativa ética e jurídica.
    Ficarei grata se me ajuda-se.

  20. Olá Gerge, meu nome é Elza e estou fazendo um trabalho sobre esse filme “o leitor”, e gostaria se você pudesse de me disser, do julgamento uma justificativa ética e jurídica, estou no 1° semestre ainda e preciso explicar onde e como a solicologia,o direito penal,civil,constitucional e talvez argumentos caberiam para descrever o filme.pf. me ajude estou meio perdida

  21. Es burra todos os dias, nao dizes nada de jeito neste resumo !
    Dedica-te a ler e a resumir so psara ti e para as tuas paredes insignificantes !

  22. Olá George! Gostaria de saber se o senhor pode me ajudar. Quero desenvolver um projeto de incentivo à leitura com os alunos do 1º ano de Ensino Médio. Achei interessante a temática abordada neste filme “O leitor”, referente ao processo do não-letramento vivido pela personagem.
    Poderia responder para mim as seguintes questões?
    – Qual o processo de leitura abordado no livro?
    – Quais as influências e os efeitos causados pelo não-letramento?
    – Quais as influências da leitura na vida da personagem? Houve? Como?
    Obrigada pela atenção
    Tânia

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