Contra as palavras grandiloqüentes (ou contra o embromacionismo)

Muito interessante. Na semana passada, eu havia escrito a seguinte crítica a Habermas  (pra variar) para ser publicada  aqui no blog:

“Já confessei que uma das minhas grandes frustrações intelectuais é não conseguir entender tudo o que Habermas está querendo dizer. Quando leio seus textos (e olha que leio bastante e com muito esforço), ora encontro coisas muito óbvias ora encontro coisas que não fazem o menor sentido, pelo menos para mim. Não sou muito orgulhoso, mas prefiro colocar a culpa nele. Quem manda ele escrever tão complicado? Não é ele que defende que o pressuposto de qualquer diálogo é a clareza da linguagem? Por que ele não aplica a teoria dele à teoria dele?

Mas todo mundo que estuda filosofia a fundo diz que ele é um dos maiores filósofos da história. Então, certamente,  deve ter coisas muito importantes para serem lidas. Por isso, vou continuar lendo seus textos para ver se aprendo por osmose”.

***

Ontem à noite, lendo o livro “Em busca de um mundo melhor”, de Karl Popper, encontrei algo bem parecido, referindo-se especificamente a Habermas e Adorno. Vou citar:

“Todo intelectual assume uma responsabilidade muito especial. Ele tem o privilégio e a oportunidade de estudar. Em contrapartida, tem o dever de transmitir aos seus concidadãos (ou à “sociedade”) os resultados dos seus estudos da forma mais simples. O mais grave – o pecado mortal – é quando os intelectuais tentam arvorar-se em grandes profetas face aos outros indivíduos e impressioná-los com filosofias divinatórias. Quem não for capaz de se exprimir de forma clara e simples deveria permanecer calado e continuar a trabalhar até conseguir a clareza da expressão. (…)

Aquilo que designei mais atrás por pecado mortal – a arrogância dos pretensamente instruídos – é a verborréia, a pretensão de uma sabedoria que não possuímos. A fórmula é a seguinte: tautologias e trivialidades condimentadas com o absurdo paradoxal. Uma outra receita é escrever em estilo empolado dificilmente inteligível e juntar de quando em quando uma ou outra banalidade. Agrada ao leitor, que se sente lisongeado por encontrar numa obra tão “profunda” reflexões que ele próprio já tinha feito. (Como se pode constatar hoje em dia, são as roupagens novas do imperador que ditam a moda!)

(…)

O jogo atroz de complicar o que é simples e de dificultar o que é fácil é, infelizmente, encarado tradicionalmente por muitos sociólogos, filósofos, etc. como sua legítima missão. Foi assim que aprenderam e é assim que ensinam. Não há nada a fazer. Até o ouvido já está deformado: já só consegue ouvir as palavras grandiloqüentes”.

(Citações extraídas do texto “Contra as Palavras Grandiloqüentes”, cujas críticas são claramente dirigidas a Habermas e Adorno. In: POPPER, Karl. Em Busca de um Mundo Melhor. Lisboa: Fragmentos, 1992).

***

E o mais curioso é que, hoje de manhã, lendo o “Tratado da Natureza Humana”, de David Hume, escrito há mais de duzentos e cinqüenta anos, encontrei a seguinte passagem que também está dentro do espírito do post:

“Tudo o que tem ares de paradoxo e é contrário às primeiras e mais despreconcebidas noções de humanidade é muitas vezes avidamente aceite pelos filósofos, como se patenteasse a superioridade da sua ciência, capaz que seria de descobrir opiniões tão afastadas das concepções vulgares. (…)

Estas disposições dos filósofos e seus discípulos geram entre eles uma deferência mútua: os primeiros produzindo grande abundância de opiniões estranhas e inexplicáveis, e os segundos prontamente acreditando nelas” (HUME, David. Tratado da Natureza Humana. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 57).

Parece que tudo está conspirando para eu deixar o Habermas pra lá…

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34 comentários em “Contra as palavras grandiloqüentes (ou contra o embromacionismo)”

  1. Caro G.M.,

    Os filósofos analíticos tendem a valorizar a clareza na linguagem. Os continentais são tão obscuros quanto a obscuridade pode ser. É o caso de Habermas e de tantos outros (já tentou ler Merleau-Ponty?). Penso que a razão da obscuridade está, em parte, no exercício de esoterismo (com “s” mesmo) inerente ao grupo a que pertencem e, em parte, no objeto sobre o que pretendem discorrer: o objeto da filosofia primeira (da metafísica, em termos aristotélicos), que é indizível. Assim, demos o desconto, pois não é tarefa fácil dizer o indizível, ainda mais de forma clara, não é mesmo?

    Aqui vão apenas breves considerações, às quais se somam os meus elogios a você por manter na Internet tão interessante blog.

    Um abraço,
    Lycurgo

  2. George,
    O Popper tem uma passagem – vou procurar para transcrever aqui, posteriormente – em que faz crítica especificamente a respeito de Habermas. Não tenho o livro agora comigo, mas é mais ou menos como você disse: O Sr. Habermas diz banalidades com palavras muito difíceis.

  3. E por que não deixou ainda? Muitas vezes, lendo trabalhos acadêmicos das ciências humanas, sinto falta de um bom jorro de raciocínio próprio. A metodologia do trabalho científico nessa área parece que privilegia o ato de pensar com a cabeça dos (grandes) outros, mais do que pensar com a própria cabeça e, quem sabe, um dia tornar-se um dos Grandes Outros dos outros. Arriscando a chuleza, mande o Jürgen socar a opacidade no Habermas e torne-se um dos Grandes Outros!

  4. Todos ficam falando de habermas. Eu já me aventurei a ler Martin Heidegger “An Introduction to Metaphysics” e devo dizer que Habermas é bem mais claro e facil de intender que Heidegger.

  5. Eu já deixei Habermas de lado há muito tempo. Quanto a Hume, esse é indispensável. Após o Tratado, leia também “Investigação sobre o Entendimento Humano”, é um espécie de “aperfeiçoamento”(na opinião do próprio Hume) do que está dito no Tratado. Interessante também são os seus escritos sobre política, lembrando que os mesmos tiveram grande influência na criação do federalismo norte-americano. Caio.

  6. Interessante. Mais interessante que o estado da mulher em gestação.
    Cada vez mais, aclaram-me as idéias antes não claras. Profundo isso.
    Somente assim, candidatar-me-ei ao time dos próximos outros.No momento sou só um outro, não tão próximo. Adorei o que lí.
    Abraço a todos, Príamo.

  7. Lycurgo,

    também acho que o tema às vezes não ajuda. O próprio Popper, quando quer escrever difícil, escreve.

    O problema do Habermas é que ele escreve difícil sempre, até mesmo quando está falando de coisas “mundanas”, como a democracia ou o judiciário. E, vou ser bem sincero, até agora não vi nenhuma originalidade nas suas idéias.

    George

  8. Hugo,

    acho que o texto do Popper é justamente o que está escrito no post. É uma carta que ele respondeu a um leitor que foi publicada contra a sua vontade. Ele próprio conta a história no livro.

    George

  9. Marcelo,

    sabe que tenho a mesma impressão que você? Até mesmo em teses de doutorado, o que se vê é uma ânsia por citar o máximo de autores possíveis, como se isso fosse o mais importante do que desenvolver idéias próprias.

    E o pior é que, quase sempre, só se cita o que já foi dito. Ou seja, a citação é usada para confirmar o que se quer defender.

    É mais importante tentar “rotular” o autor do que saber o que ele quer dizer.

    George

  10. Caio,

    Hume é mesmo bem interessante, apesar de também “viajar” um pouco. Mas pelo menos é claro no que quer dizer e, em regra, segue o senso comum (a experiência), o que merece ser elogiado, ainda que não se concorde com ele em alguns pontos…

    George

  11. Sven,

    ainda não coloquei Heidegger na minha lista. Talvez Wittgenstein.

    Mas a maior preocupação que tenho é nunca sair do básico. Acho que a regra de ouro da vida é esta: não sair do básico.

    Acho que mais importante do que compreender é ser compreendido… De nada adianta entender os grandes segredos do universo e da alma se não conseguir compartilhar esse entendimento. (Acho que viajei).

    George

  12. É mais ou menos por isso que eu não me animei a fazer nenhuma pós ainda, especialmente no Brasil. Falta-me um tanto de saco para as academicagens.

    Lembro de quando fiz minha monografia de conclusão de curso (jornalismo) e alguns professores da banca não sabiam como rotular o trabalho. Por falar em análise de estatísticas, parecia “funcionalista”, mas era crítico por criticar o método de produção do jornalismo. Por criticar o método de produção do jornalismo, parecia “crítico”, mas falava em usar bancos de dados. Por citar autores completamente desconhecidos da faculdade, não sabiam em que gaveta pôr o trabalho. Aí, baseados no fato de eu romper a estrutura-padrão de “introdução/capítulo-teórico/capítulo-metodológico/etc”, organizando os capítulos conforme o encadeamento das idéias (não dava pra dissociar a metodologia da teoria, por exemplo), classificaram como “anárquico”. Bakunin, que muito li anos antes, deve ter ficado feliz. Já eu, que acho besteira que a função da metodologia do trabalho científico nas ciências humanas seja situar a banca sobre a “corrente” do pesquisador, entrei de gaiato no TCC, mas acabei levando uma boa nota.

    Fustigo a aspamania nas ciências humanas em grande parte porque tenho mania de ler todas as pesquisas que encontro nas áreas que me são afins (jornalismo, ciência política, administração pública, etc). Nos últimos anos, passei a saltar direto para a conclusão dos estudos ao lê-los. É onde os autores ousam mais dizer o que pensam. Só se me interessam muito é que eu resolvo ler o raciocínio inteiro, especialmente a parte baseada em pesquisa própria.

    Minha mulher cansou de me ouvir dizer: “arre, que essa tese bem que podia ter 10 páginas, mas como tinha tamanho mínimo o cara encheu lingüiça com citações…”

    (A tua, certamente, deve ter bem mais do que dez páginas do que dizer, mesmo depois de limar as litanias do Habermas.)

  13. Ah, mas partindo da hipótese de que você não o esteja lendo no original (se tiver desconsidere aqui o raciocínio), acredito que pode ser imputada a culpa concorrente ao tradutor!

    A interpretação mais literal é, ainda, uma, err, interpretação! :) uma representação daquilo que se acha que o autor quis dizer.

    Brincadeiras à parte, gostaria de levar em consideração a opinião emitida certa vez por Schopenhauer (em seu livro Parerga und Paralipomena), que chegou a aventar que esse modo de escrita é característico dos eruditos alemães (obviamente intentando alfinetar Hegel, seu grande e eterno desafeto), vejamos:

    “O princípio condutor da estilística deveria ser o fato de que uma pessoa só pode pensar com clareza um pensamento de cada vez; assim, não se pode exigir que pense dois, ou mesmo mais, de uma vez só.

    Mas é isso que exige quem introduz orações intermediárias nas lacunas de um período principal, que fica então despedaçado; de uma maneira desnecessária e proposital, confunde o leitor.

    São principalmente os escritores alemães que adotam essa construção de frases. O fato de sua língua ser mais apropriada para isso do que as outras línguas vivas fundamenta a possibilidade, mas não a louvabilidade de tal procedimento.

    (…)

    O verdadeiro caráter nacional dos alemães é a inclinação para o pesado: ela se revela no seu modo de andar e de agir, em sua língua, em seu modo de pensar, mas especialmente em seu estilo de escrever. Revela-se no prazer que os alemães sentem com as frases longas, pesadas, entrecruzadas, nas quais a memória aprende sua lição pacientemente, sozinha durante cinco minutos, até que, na conclusão do período o entendimento dispare e o enigma seja resolvido”

    Ao final, Schop arremata dizendo que os alemães escrevem como se sua tinta fosse feita de neblina. :) Confesso que também achei Habermas uma bucha, justo ele que fica falando tanto sobre o tal do ‘agir comunicativo’ (puf).

    Mas não posso deixar de dar uma de advogada do outro lado e sugerir que, bem, o fato de não sermos ‘nativos’ nesta linguagem talvez prejudique muito a leitura dos filósofos alemães. Se bem que, Schopenhauer era alemão, né? :)

    Até mais!

  14. Contra a obscuridade tão própria da filosofia alemã (como muito bem notou o alemão lembrado por Helana G.), as reflexões de dois franceses inteligentes, em defesa da simplicidade de expressão:

    Vauvenargues:
    Lorsqu’une pensée est trop faible pour porter une expression simple, c’’est la marque pour la rejeter.”(Quando um pensamento é muito fraco para suportar uma expressão simples, é o sinal de que devemos rejeitá-lo).

    Faço um reparo à reflexão do ilustre autor: se a expressão é obscura, temos pelo menos que ter mais cuidado com ela, desconfiar de sua inteligência, e não rejeitá-la peremptoriamente (e no fundo acho que foi isso que ele quis dizer).

    Montaigne:
    Acredito, e Sócrates o diz formalmente, que quem tem no espírito uma idéia clara e precisa sempre a pode exprimir, quer de um modo quer de outro, por mímica até, se for mudo: não falham as palavras para o que se concebe bem. (…) ‘a verdade precisa falar uma linguagem simples, sem artifícios; e quem fala com afetação, quem fala com artifícios senão aquele que pretende falar afetadamente?’ (…) Assim como é pequenez de espírito querer-se distinguir por maneiras estranhas de trajar, na linguagem o rebuscamento, a procura de expressões originais e de vocábulos pouco conhecidos decorrem de uma ambição escolástica e pueril. Pudesse eu usar sempre a liguagem que se emprega nos mercados de Paris!

    Não endosso completamente a rejeição de toda e qualquer linguagem obscura. Mas a memória de tais advertências sempre tem me guiado, quando me deparo com textos ininteligíveis.

    Abs

  15. Outra preciosa contribuição de um mestre que notabilizou-se lecionando na França (apesar de não ser francês, até onde sabemos), Hugo de São Vítor:

    “(…) nestes nossos tempos costumamos chamar filósofos, os quais, porém, costumam alongar uma matéria breve em longas controvérsias de palavras e obscurecer com palavras obscuras um sentido fácil.”

    É desanimador constatar que tal comentário tem, pelo menos, novecentos anos.

  16. George,
    Acho que o trecho não é precisamente o citado. Isso porque, no trecho a que me refiro, Popper reporta-se de forma explícita a Habermas, nominando-o, o que, pelo que vi, não ocorre com o trecho que você transcreveu. Ou não li direito?

  17. Isso me lembra o filme AMNÉSIA: pessoal fala que gosta, que o filme é inteligente pra cacete… tudo pq o diretor resolveu começar a história do fim para o começo.

    Vá falar que o filme é uma merda… será tachado de burro. Tal como são apelidados os que leem Habermas, e não o consideram nada demais.

  18. Helana,

    acho que a culpa não é só do tradutor. Afinal, acho que o Karl Popper deve ter lido no original e chegou a uma conclusão parecida. E o próprio livro do Karl Popper foi traduzido do alemão. Enfim, talvez a tradução atrapalhe um pouco, mas não acho que seja a única razão para a obscuridade dos textos habermasianos.

    George

  19. George e Colegas,

    Observando o debate, peguei-me a indagar: Será que alguém proporia a adoção de um padrão linguístico, como o “newspeak” de George Orwell em 1984?

    A Escritora Doris Lessing tem um texto chamado “Language and the Lunatic Fringe”, em que tece críticas a um tipo específico de “escritos” que podemos observar na linguagem em geral, no sentido de que:

    “papers were written in a language that seemed designed to fill up as much space as possible without actually saying anything. ” (em trad. livr: “escrevem-se em linguagem de modo a gastar o maior espaço possível sem contudo dizer nada”)

    Narra a experiência de um colega que após economizar dinheiro suficiente, viajou para a inglaterra a fim de estudar, e quando ela pediu que lhe mostrasse seu material de estudo, centenas e centenas de páginas acadêmicas escritas em jargões que poderiam ser reduzidos perfeitamente para 10 páginas.

    A autora ressalva que o pedantismo e a verborragia teriam raízes na Alemanha (“the pedantries and verbosity of Communism had its root in German academia”) e se espalhou por todo o mundo, e nos brinda com um pensamento que já fora dito aqui, penso eu, por outras palavras:

    “It is one of the paradoxes of our time that ideas capable of transforming our societies, full of insights about how the human animal actually behaves and thinks, are often presented in unreadable language.”

    (É um dos paradoxos de nosso tempo, que idéias capazes de transformar nossa sociedade, capazes de explicar o comportamento humano e seu pensamento, são expressadas por meio de linguagem incompreensível)

    A autora afirma que idéias poderosas que alteram nosso comportamento somente são visíveis em frases ou parágrafos curtos.

    Com isso eu não concordo. Quem tem a tendência da confusão verbal, até ao saudar o novo dia consegue complicar (“magnificente momento póstero-auroral”). Além do mais, quem pode dizer que compreende as frases curtas de William Blake no livro de “Uresen” ou do casamento do céu com o inferno, em especial nos “provérbios do inferno”?

    A pergunta que Doris (e ao que parece nem mesmo Popper) não responde é bastante acachapante: Se a linguagem a que criticamos não serve para os fins propostos, então, que critério universal deve ser adotado para distinguir o que significa do que não significa, ou ainda, do que serve ou não?

    Eu não digo o que é melhor para a compreensão e expressão da linguagem. Mas digo o que não serve: O “newspeak”. Se é verdade que o texto só se completa com a participação do intérprete, e assim o creio, então que Habbermas auxilie na criação de milhões de interpretações de seu texto, quem sabe não era essa a intenção. Milhões de vezes melhor que o cercado do padrão. “Newspeak”? Milhões de vezes, não!

    Qual seria a decantada “clareza da expressão” a qual se refere Popper, sem a qual se deve emudecer? De certo seria com a qual ele concordasse. Afinal de contas, como conciliar a tese da refutabilidade, se tudo que se fala já é em si claro o suficiente?

    Será que popper concordava com o seguinte pensamento:

    O silêncio é a escolha mais segura para quem desconfia de si mesmo.
    (La Rochefoucauld)

    Afinal de contas, Popper não professa a desconfiança? Posso ter me enganado, e ele professe o silêncio dos que contra ele se opõem (ou se opunham).

  20. Em tempo:

    Que não se adote o Newspeak, em que pese o Grande irmão já zelar por nós, A Guerra ser paz, liberdade ser escravidão, e ignorância ser força.

  21. Thiago,

    vc começou bem. No final, não foi tão bom. Popper escreveu, na minha opinião, o maior livro contra todas as espécies de totalitarismo, seja de direita, seja de esquerda. Ele jamais diria que, na dúvida, é melhor calar. Aliás, ele expressamente disso o contrário.

    Wittgenstein escreveu que “daquilo de que não se pode falar, deve-se guardar silêncio. Ao que Schrödinger retrucou com razão “mas é justamente nessa altura que merece a pena falar!”.

    Essa passagem foi citada por Popper, logicamente elogiando Schödinger.

    Do mesmo modo que o “newspeak” não é, com certeza, um modelo dejado, o obscurantismo deliberado também não é. Assim, não é preciso buscar um “padrão correto de clareza”, mas apenas afastar aqueles estilos que são incompreensíveis. Creio que foi isso que Popper quis dizer.

    george

  22. George,

    E eu que pensara ter ido bem justamente no final!

    Sim, Popper escreveu bem, e muito bem por sinal contra o totalitarismo, seja de esquerda, seja de direita ou de centro, combatendo Heráclito, Platão, Hegel e Marx, e principalmente, os que deles (de seus textos) fazem uso.

    Por isso usei o Newspek (ou Novilíngua na tradução brasileira) para observar uma clara contradição entre o que se escreve e o que se pensa.

    Sei também que Popper possivelmente não proporia o uso do Newspeak, a tirar pela seguinte passagem:

    “(…) a teoria de que, a fim de determinar o que uma palavra significa, devemos estabelecer um critério para seu uso correto, ou para sua aplicação correta, é errada: praticamente, nunca temos tal critério” (in A sociedade aberta e seus inimigos, tomo II, p. 393)

    Sendo possível tal critério, tornaria a mencionada teoria verdadeira, e por conseguinte possível?

    Veja que sendo verdadeira a assertiva que propuz, tornaria possível um controle linguístico totalitário, por meio da redução de significados e sentidos, para levar a um controle e restrição do sentido do pensamento. Usado na “fictícia” obra de Orwell.

    Tanto Popper quanto Orwell eram contra o totalitarismo. Mas o último profeticamente (Karl não gostaria desta palavra) nos advertiu sobre o controle das massas, e o primeiro escreveu contra esse mesmo controle.

    Contudo, eu não encontrei respostas a uma série de indagações. Por certo, talvez eu não tenha indagado o texto corretamente, mas também não li sua obra completa. Se você puder mostrar a passagem em que ele fala mais claramente sobre os padrões que delimitariam a clareza da expressão, já daria sossego a meu espirito, pois tenho encontrado algum alívio lendo Popper.

    Vejo com certa ressalva, e, uma disconfiança de sofisma, a seguinte passagem:

    “Que é verdade? (…) uma asserção, proposição, declaração, ou crença, é verdadeira se, e apenas se, corresponder aos fatos. Contudo, que entendemos ao dizer que uma declaração corresponde aos fatos? (…) Cada um, … responde à questão ‘que é a verdade ?’ precisamente do mesmo modo, embora cada qual só o faça indiretamente, dando as condições para a verdade de determinada declaração – e cada qual para uma declaração diferente.” (in A sociedade aberta e seus inimigos, tomo II, p. 389/391)

    Com isso ele queria banir o ceticismo (relativismo) supostamente reinante. Sim, dizendo que cada um tem sua verdade! Ele usa no livro um exemplo (que reconhece ser trivial) de um senhor (Smith) que entra na casa de penhores pouco depois das 10 e 15, e diferencia o testemunho ocular de quem viu tal cena, e depois a relata para um Juiz.

    Quanto ao critério distintivo da verdade, diz que distinguir o que é verdade não é o mesmo que o meio usado para chegar a verdade. Usa o exemplo da carne boa e da carne que estragou, no sentido de que podemos saber o que é uma e o que é outra, mas não saber distinguir uma da outra. (op. cit. loc tic.)

    O texto de Habermas diz muitas coisas, uma verdade para cada leitor, uma distinção para cada leitor, “parágrafos estragados” e “parágrafos bons”, para cada leitor.

  23. Thiago,

    a crítica que Popper faz de Habermas é bem ácida e bem diferente do estilo normalmente utilizado por Popper, que, geralmente, é bem alegre e otimista. Ele costuma criticar com muito estilo e sempre no campo das idéias. Com Habermas, ele foi mais baixo.

    Na verdade, Popper escreveu a crítica numa carta que não se destinava à publicação, mas que, por sacanagem do destinatário, acabou sendo publicada em um jornal. O próprio Popper narra isso. Nota-se que ele estava meio puto por causa de algumas críticas que Adorno e Habermas lhe fizeram. E devolveu à altura.

    Popper, de fato, prega a humildade intelectual, mas, em várias passagens, é bem arrogante. Por exemplo, o seu “critério de demarcação” não dá pra engolir. Do mesmo modo, o seu otimismo exagerado às vezes incomoda aqueles que vivem um país pobre como o Brasil. Dizer que vivemos no melhor dos mundos é um pouco demais. Às vezes, ele parece o Pangloss de Voltaire.

    Ou seja, também não concordo com tudo o que Popper diz.

    Quanto à Habermas, o que tenho a dizer é o seguinte: as partes que consigo entender são óbvias demais para eu discordar. E as partes que não entendo (70%), não posso criticar justamente porque são enigmáticas. Qualquer dia crio coragem para fazer uma crítica quanto ao conteúdo das idéias de Habermas. Até lá, fico criticando só sua linguagem mesmo que já é suficiente.

    Digo com muita sinceridade: até agora não vi nada de original no pensamento habermasiano. Mas ainda espero me surpreender.

    George

    PS. Eis o texto de Popper na íntegra:

    CONTRA AS PALAVRAS GRANDILOQUENTES
    (Uma carta que, inicialmente, não se destinava a publicação)
    Nota prévia: Há cerca de 14 anos recebi uma carta de um tal Senhor Maus Grossner, que não conhecia, e que invocando o nome do meu amigo Hans Albert, me solicitava uma entrevista, por carta, sobre a situação da filosofia (alemã). Muitos aspectos focados na sua carta pareceram-me correctos, outros incorrectos mas merecedores de serem discutidos. Assim, respondi às suas perguntas, apesar de algumas hesitações. Numa carta posterior, o Sr. Grossner solicitou-me autorização para publicar num livro que projectava a parte que a seguir reproduzo na minha carta. A despeito de novas hesitações, dei o meu consentimento, mas exclusivamente em relação ao seu livro. Reservava-me todos os direitos de autor, sublinhando que o meu contributo para o seu livro não podia voltar a ser publicado sem a minha autorização expressa. Porém, pouco depois, apareceu no semanário Die Zeit um excerto (sob o belo título “Contra as palavras grandiloquentes”), sem a minha autorização e sem qualquer referência a direitos de autor. (Na Alemanha e na Áustria, a propriedade intelectual frequentemente tratada com certa liberalidade). Atendendo a que a minha carta já foi publicada duas vezes, sob a forma de excertos, e muitas vezes incorrectamente citada, reproduzo aqui a parte já publicada, apesar da sua agressividade, sem qualquer alteração. Eis o que escrevi:
    Vejamos em primeiro lugar as suas quatro questões (ou grupos de questões). 1. Quando aluno do ensino secundário comecei por ser socialista. Achei a escola secundária pouco estimulante e saí no sexto ano; exame final como aluno externo. Com 17 anos (1919), continuava a ser socialista mas adversário de Marx. (em consequência de experiências tidas com comunistas). Experiências posteriores (com burocratas) levaram-me a concluir, ainda
    antes do fascismo, que o poder crescente do aparelho do Estado constitui o maior perigo para a liberdade individual, pelo que esse aparelho deve ser combatido sem tréguas. Tudo isto não era apenas teórico. Aprendi o ofício de carpinteiro (em oposição aos meus amigos intelectual socialistas) e exerci-o; trabalhei em dispensários infantis; fui professor de instrução primária; não tinha a intenção, antes de concluir o meu primeiro livro (Os Dois Problemas Fundamentais da Teoria do Conhecimento, inédito [saiu em 1979 na Mohr, Tübingen]), de vir a ser professor de filosofia. A Lógica da Investigação apareceu em 1934; a nomeação para a Nova Zelândia ocorreu no Natal de 1936).
    Dos meus tempos de jovem socialista conservei até hoje muitas ideias e ideais, designadamente.
    Todo o intelectual assume uma responsabilidade muito especial. Ele tem o privilégio e a oportunidade de estudar. Em contrapartida, tem o dever de transmitir aos seus concidadãos (ou “à sociedade”) os resultados dos seus estudos da forma mais simples, mais clara e mais sóbria possível. O mais grave – os pecados contra o espírito santo – é quando os intelectuais tentam arvorar-se em grandes profetas face aos outros indivíduos e impressioná-los com filosofias divinatórias. Quem não for capaz de se exprimir de forma clara e simples, deve permanecer calado e continuar a trabalhar até conseguir a clareza de expressão.
    Durante o Congresso de Filósofos de Viena (1968), fui convidado a participar em dois debates televisivos entre filósofos, e num deles encontrei-me também, para minha surpresa, com Bloch. Verificaram-se algumas divergências sem importância de maior. (Eu disse, com toda a sinceridade, que era demasiado estúpido para entender a sua forma de expressão). No final do debate, o moderador, Dr. Wolfgang Kraus, pediu-nos: ” Agradecia que dissessem numa única frase o que, no vosso entender, se afigura mais necessário.” Fui eu o único que respondeu sucintamente. A minha resposta foi: “Um pouco mais de humildade intelectual”.
    Sou um anti-marxista e um liberal. Admito, porém, que tanto Marx como Lenine escreviam num estilo simples e directo. Que diriam os mais gongóricos dos neo-dialécticos? Teriam usado palavras mais duras do que “gongorismo”. (O livro de Lenine contra o empiro-criticismo é, em minha opinião, excelente).
    Relativamente às questões sobre os problemas sociais que subjazem aos meus trabalhos.
    Todos os meus trabalhos filosóficos estão relacionados com problemas não-filosóficos. A esse respeito, escrevi em 1952 (ver Conjectures and Refutations, p. 72):
    “Os problemas genuinamente filosóficos radicam sempre em problemas prementes que se inscrevem em esferas que não pertencem ao domínio da filosofia. Estiolam se as raízes murcharem.” E citei como exemplos de algumas áreas em que tais problemas têm as suas raízes a política, o convívio social, a religião, a cosmologia, a matemática, a ciência da natureza, a história.
    O capítulo 1, pp. 33-38 de Conjectures andRefutations (1957) contém uma descrição dessas “raízes” da minha Lógica da Investigação. (Conjectures and Refutations não se encontra ainda traduzido para alemão, por não ter encon trado ainda um tradutor suficientemente bom. Segue pelo correio um exemplar [para si]).
    Relativamente a A Miséria do Historicismo, ver a minha dedicatória nesse livro (página V), e o final do meu prefácio à edição alemã (último parágrafo da p. XIII até ao fim da p. IX).
    Quanto à Lógica da Investigação, ver também a primeira página do prefácio à terceira edição alemã (p. XXV).
    2. Veja-se mais adiante.
    3. Neste momento estou a trabalhar nos meus artigos para um volume da “Library of Living Philosopliers”, editada por Paul Arthur Schilpp. (Creio que alguns desses volumes estão também editados na Alemanha; entre eles o volume dedicado a Einstein). O volume em que estou a trabalhar tem por título A Filosofia de Karl R. Popper, e inclui (a) uma suposta “autobiografia. intelectual”, (b) artigos críticos de cerca de vinte cinco individualidades (filósofos, mas também cientistas) e as minhas respostas.
    Os meus trabalhos actuais são, na sua maior parte, consagrados à luta contra o irracionalismo e o subjectivismo na física e noutra ciências, e em particular nas ciências sociais. Como sempre, constituem tentativas no sentido da formulação e da solução de problemas imperiosos com o máximo de rigor possível. (Do mesmo modo, os meus trabalhos no campo da lógica científica, v. g. da física, são tentativas de solução de problemas que se prendem com as nossas enfermidades sociais e políticas).
    Estou constantemente a retomar problemas que já havia resolvido há muitos anos, a fim de reforçar a solução encontrada ou acompanhar de perto novos problemas decorrentes da minha proposta de solução – ou explorar novas relações.
    Segue-se uma enumeração desses problemas: Problema da delimitação: ciência/não-ciência; racionalidade/irracionalidade.
    Problema da indução em todas as suas variantes; entre elas, as propensões, os universais e o ser (Wesen); o problema da definição (a impossibilidade do postulado da definição e acidentalidade de todas as definições).
    Problema do realismo (contra o positivismo). Metodologia das ciências da natureza e do espírito.
    Papel desempenhado pelos problemas e situações-problema nas ciências sociais e na história. Questão da solução do problema, de um modo geral.
    Problemas de objectividade: Teoria da verdade de Tarski; substância, conteúdo de verdade, aproximação à verdade. Objectividade na lógica (teoria da dedução), matemática, teoria da probabilidade. Probabilidade na física.
    O problema do tempo e a direcção do tempo.
    Status da teoria da selecção de Darwin. Aperfeiçoamento da teoria da selecção (explicação selectiva das tendências evolucionistas). A linguagem humana e a sua evolução. A linguagem
    das propostas políticas.
    O indeterminismo e a selecção. Teoria do “terceiro Mundo” e dos valores lógicos e não lógicos.
    O problema do corpo-alma. Um grande número de problemas históricos, especialmente sobre a história das teorias (de Hesíodo e dos pré-socráticos à teoria dos quanta).
    A lista é longa, e em parte incompreensível para quem não conheça a minha obra. Omiti, no entanto, muita coisa, e continuo a trabalhar em todos estes problemas e nalguns mais. Veja-se a minha “Lista de publicações”, embora muita coisa se encontre ainda inédita.
    4. Nunca escrevi (segundo creio) uma palavra sobre Marcuse. É inútil, em meu entender, embrenharmo-nos nessas tiradas. (Veja-se o ponto 2, a seguir). Se a memória não me falha, encontrei Marcuse pela primeira vez em 1966, na Califórnia, (se bem que estivéssemos na mesma altura em Harvard, em
    1950), mas não discutimos. A opinião que tenho de Marcuse é consentânea com a do meu amigo e colega Cranston.
    Já escrevi sobre o esteticismo no capítulo 9 do primeiro volume de Open Society (infelizmente numa má tradução para alemão). (Veja-se a divisa de Roger Martin du Gard). Na realidade, Marcuse limita-se a repetir o que diz o Mourlan de du Gard. A minha crítica encontra-se no capítulo 9, da Open Society. Naturalmente que escrevi esta crítica, no capítulo 9, muito antes de Marcuse perfilhar o seu actual ponto de vista (” filosofia negativa” ), e du Gard ter o seu livro editado já em 1936-1940.
    Parece-me que a distinção entre a concepção dos fascistas e a de Marcuse acerca dos “idealistas” sob os fascistas é perfeitamente secundária.
    Vejamos agora o ponto 2.
    2. Este grupo de questões da sua carta leva-nos muito longe. Vou começar pela minha teoria do conhecimento.
    Diz que leu os meus trabalhos; mas, por favor, dê mais uma olhadela à minha segunda tese, p. 103 da obra de Adorno sobre a “Polémica do positivismo”. A tese de que nada sabemos deve ser levada a sério. É importante não esquecer nunca a nossa ignorância. Daí que não devamos nunca pretender saber, nem empregar palavras grandiloquentes.
    Aquilo que designei mais atrás (Ponto 1) por pecados contra o espírito santo – a arrogância dos pretensamente instruídos – é a verborreia, o pretensiosismo de uma sabedoria que não possuímos. A fórmula é a seguinte: tautologias e trivialidades condimentadas com o absurdo paradoxal. Uma outra receita é escrever em estilo empolado dificilmente inteligível e juntar de quando em quando uma ou outra banalidade. Agrada ao leitor, que se sente lisonjeado por encontrar numa obra tão “profunda” reflexões que ele próprio já tinha feito. (Como se pode constatar hoje em dia, são as roupagens novas do imperador que ditam a moda!).
    Quando um estudante entra na universidade, não sabe quais os critérios que deve adoptar.
    Assim, aceita os critérios que lhe são propostos. Uma vez que os critérios intelectuais da maior parte das escolas filosóficas (e muito em particular, na sociologia) toleram o gongorismo e a arrogância (todas essas pessoas parecem saber imenso), algumas boas cabeças são completamente afectadas. E os estudantes a quem o falso pretensiosismo da filosofia “dominante” irrita, tornam-se, com razão, detractores da filosofia. E convencem-se, sem razão, que tais pretensiosismos são próprios da “classe dominante”, e que seria então preferível uma filosofia de influência marxista. No entanto, os disparates da esquerda moderna são, em regra, ainda mais suspeitos do que os disparates da direita moderna.
    Que aprenderam os neo-dialécticos? Não aprenderam como é difícil resolver os problemas e aproximarmo-nos da verdade. A única coisa que aprenderam foi a submergir os seus contemporâneos num mar de palavras.
    Daí que me desagrade discutir com certas pessoas – elas não possuem qualquer tipo de critério.
    Talvez lhe interesse saber que até à data, no meu departamento (de filosofia, lógica e métodos científicos) na London School of Economics, durante toda a agitação estudantil, tivemos apenas um único estudante revolucionário. E mesmo a esse eram dadas tantas oportunidades de defender as suas opiniões, que não tinha razão de queixa. No meu departamento, tanto eu como os meus colegas nunca praticámos um ensino autoritário ou dogmático. Os nossos estudantes foram sempre (desde que entrei para o departamento em
    1946) incentivados a interromperem as exposições, quando não entendessem qualquer coisa ou tivessem uma opinião diferente; e nunca foram tratados com sobranceria. Nunca nos arvorámos em grandes pensadores. Deixo sempre ficar muito claro que não pretendo converter ninguém. O que tenho para oferecer aos alunos são problemas e tentativas de os resolver. É óbvio que a minha posição fica sempre muito clara – sobre o que considero correcto e o que considero falso.
    Não exponho, pois, nenhuma doutrina filosófica, nenhuma nova revelação (como faz toda a gente que Você refere na sua carta, com excepção de Hans Albert) mas sim problemas e tentativas de solução; o essas tentativas de solução são analisadas criticamente.
    Isto esclarece de algum modo a grande diferença. São muitos poucos os filósofos que resolvem problemas. Afirmo-o algo hesitante, mas estou convencido de ter resolvido toda uma série de questões filosóficas efectivamente fundamentais – por exemplo, o problema da indução. (Estas tentativas de solução deram origem – como é sempre o caso – a novos e fecundos problemas).
    Muito embora tenha tido tanto êxito imerecido, o facto de ter resolvido alguns problemas continua a ser ignorado. (Hans Albert é a grande excepção na Alemanha.) A maior parte dos filósofos não reconhece um problema, nem uma solução, mesmo quando na sua presença; trata-se de coisas que se encontram muito simplesmente fora da sua esfera de interesses.
    Não me interessa fazer a crítica desses filósofos. Criticá-los significaria (como disse um dia o meu amigo Karl Menger) mergulhar atrás deles, de espada desembainhada, no pântano em que se atolam para, de uma maneira ou de outra, nos atolarmos com eles. (Hans Albert ousou faze-lo, e até à data ainda não se afundou). Em lugar de os criticar, procuro, através da
    discussão de soluções para determinados problemas, elaborar novos critérios, mais perfeitos (novos “padrões”). Talvez isto soe arrogante. Creio, no entanto, que é o único procedimento correcto. E explica a razão porque nunca publiquei uma palavra sobre Marcuse e também (até 26 de Março de 1970, em carta publicada no Times Literary Supplement, que lhe remeto pelo correio) sobre Habermas.
    Na “Polémica do positivismo”, a tese fundamental de Adorno e Habermas é a afirmação (de Mannheim) de que os conhecimentos factuais e as valorações se encontram indissoluvelmente ligados na sociologia. Tudo isto foi por mim abordado na minha crítica de Mannheim (Sociedade Aberta, vol. 11; A Miséria do Historicismo; e ainda, A Polémica do Positivismo, designadamente a páginas 112, desde o último parágrafo antes da 11.11 Tese até à 13.11 Tese), em que tento demonstrar não a falsidade, mas a trivialidade e a irrelevância da sociologia do conhecimento de Mannheim. Em lugar de uma discussão séria, a tese de Mannheini foi repetida continuamente, por palavras velhas ou novas. O que não é, naturalmente, uma resposta à minha crítica.
    Eis-me chegado agora a um outro ponto, que tem a ver com “O Seu Dicionário Filosófico” (no seu Artigo), e em que critico este dicionário.
    1 S. Nunca discuto sobre palavras. Todavia, as expressões “Positivismo” e “Neopositivismo”, introduzidas por Habermas neste debate, têm uma história quase risível. (a) Positivismo. A expressão foi introduzida por Comte. Originalmente significava a seguinte posição em termos de teoria do conhecimento: o conhecimento positivo, ou seja, o conhecimento não hipotético existe. Este conhecimento positivo deve ser acolhido como ponto de partida e como fundamento. (b) Positivismo moral e jurídico. Alguns críticos de Hegel (entre os quais eu, na Sociedade Aberta, por exemplo) têm afirmado que a tese hegeliana de que “O que é razoável é verdadeiro” constitui uma forma de positivismo; valores morais e jurídicos (como seja a justiça) são substituídos por factos positivos (a moral e o direito dominantes). (É precisamente esta confluência hegeliana de valores e de factos que se vislumbra ainda em Habermas. São os resquícios deste positivismo que o impedem de distinguir entre o normativo e o efectivo.)
    A amálgama positivista de valores (normas) e de factos é uma consequência da teoria do conhecimento hegeliana; e um positivista consequente nesta área deverá ser também um positivista ético-jurídico. Isto significa, tal como o expus na Sociedade Aberta,
    Direito=Poder
    ou
    O poder presente=Direito; Uma posição que combati igualmente é a do futurismo moral:
    O poder de amanhã=Direito. (c) O positivismo de Ernst Mach: Mach e, mais tarde, Bertrand Russell aceitaram nalgumas das suas obras o sensualismo de Berkeley:
    esse=percipi, mais ou menos nestes termos: o que existe são apenas as sensações e nada mais. Associaram-no ao positivismo de Cornte: a ciência consiste na descrição de factos (e não em explicações e hipóteses). (d) O “positivismo lógico” do Círculo de Viena fez a ligação entre o positivismo de Mach e de Russell e a filosofia “logística” da matemática de Russe11. (Então e mais tarde frequentemente designado por “Neopositivismo”). (e) Posto
    isto, vejamos.
    Tanto em Viena, de 1930 a 1937, como em Inglaterra, de 1935 a 1936, lutei contra todas as formas de positivismo.
    Em 1934 publiquei o meu livro A Lógica da Investigação, que constituía uma crítica ao positivismo. No entanto, Sclilick e Franck, os mentores do Círculo de Viena, foram de tal modo tolerantes que o aceitaram para publicação numa das suas séries.
    Essa tolerância teve como uma das consequências o facto de todos os que analisaram o livro apenas por fora pensarem que eu era um positivista.
    Foi assim que nasceu o muito propalado mito de Popper, o positivista.
    O mito foi difundido em inúmeros ensaios, notas de rodapé ou comentários à margem. Sempre que alguém “toma conhecimento” deste modo de que sou um positivista, e o assume publicamente, procura normalmente corrigir em seguida a noção de positivismo de modo a que se me ajuste. Isto aconteceu com maior frequência, particularmente com pessoas que não tinham lido os meus livros ou que os leram apenas muito superficialmente. Tudo isto é extremamente irrelevante, já que diz respeito apenas a palavras (“positivismo”) e eu não discuto palavras.
    No entanto, estou tão distanciado do positivismo quanto é possível estar-se. (A única afinidade reside no facto de eu próprio me interessar muito pela física e pela biologia, ao passo que os hermeneutas não estão eivados desse interesse pelas ciências da natureza).
    Eu sou, nomeadamente: um anti-indutivista; um anti-sensualista; um defensor do primado do teórico e do hipotético; um realista; a minha teoria do conhecimento afirma que as ciências da natureza não partem de “medições”, mas de grandes ideias, e que o progresso científico não consiste na acumulação ou na explicação de factos, mas sim em ideias ousadas o revolucionárias, posteriormente objecto de crítica e de verificações rigorosas.
    No domínio do social, ponho o acento tónico na prática: a luta contra o mal, contra os sofrimentos evitáveis e a servidão também evitável (em contraste com as promessas de paraíso na terra), e nas ciências sociais oponho-me aos moedeiros falsos.
    Na realidade, estou tão longe do positivismo como, por exemplo, Gadamer:
    É que descobri – e aí repousa a minha crítica ao positivismo – que as ciências da natureza não avançam positivistamente, antes utilizam essencialmente um método que trabalha com “preconceitos”; porventura, recorrem apenas a novos preconceitos e a preconceitos susceptíveis de crítica, submetendo-se a uma crítica rigorosa. (Tudo isto se encontra na Lógica da Investigação, 1934). Empreguei mesmo a palavra “preconceito” (prejudice) neste sentido e mostrei que Bacon, que se havia insurgido contra os preconceitos, não tinha entendido o método das ciências naturais. Veja-se a minha brochura “Sobre as fontes do conhecimento e da ignorância”, 1960, reimpressa na minha colectânea Conjecturas e Refutações, designadamente p. 14.
    Assim, o que me afasta de Gadamer é um melhor entendimento do “método” das ciências da
    natureza, uma teoria lógica da verdade e a atitude crítica. No entanto, a minha teoria é tão anti-positivista quanto a sua, e demonstrei que a interpretação dos textos (hermenêutica) opera com métodos puramente científico-naturais. Por outro lado, a minha crítica do positivismo foi surpreendentemente bem sucedida. Após vários anos, foi amplamente aceite pelos membros sobreviventes do Círculo de Viena, de tal modo que o historiador da filosofia John Passmore escreveu o seguinte: “O positivismo está tão morto quanto um movimento filosófico pode estar.”
    Palavras e nomes não me dizem nada. Todavia, a designação de (Neo-positivismo” é simplesmente um sintoma do hábito generalizado de criticar antes de ler. Devo dizê-lo muito claramente, a propósito do seu dicionário filosófico. Não discuto com pessoas que discutem com chavões deste tipo. Remeto para a observação de Karl Menger atrás citada. Deste modo, apenas se consegue cair no atoleiro interminável das polémicas verbais. Espero poder aproveitar melhor o meu tempo – com o estudo de problemas urgentes. (Era dever do Sr. Welliner ler a Lógica da Investigação já que os outros frankfurtianos não tiveram tempo de o fazer – e refutá-la. Segundo ele, a Verdade e Método de Gadamer é a antítese da teoria do conhecimento e da metodologia. Mas não bate certo.)
    Adorno e Habermas são tudo menos claros na sua crítica à minha posição. Resumindo, crêem que a minha teoria do conhecimento, dado que é (como julgam) positivista, me força a defender o Status quo social. Ou que o meu (pretenso) positivismo em termos de teoria do conhecimento me impõe um positivismo ético-jurídico. (Foi esta a minha crítica a Hegel). Infelizmente não se deram conta que eu sou, de facto, um liberal (não revolucionário), mas que a minha teoria do conhecimento é uma teoria do crescimento do conhecimento através de revoluções intelectuais e científicas. (Através de novas e grandes ideias).
    Adorno e Habermas ignoram aquilo que criticam e não sabem que a sua própria tese da solidariedade analiticamente indissolúvel dos valores e dos factos constitui um positivismo ético-jurídico que entronca em Hegel.
    Resumo do livro sobre a chamada “Polémica do Positivismo”. Este livro navega sob uma falsa bandeira. De mais a mais, o meu artigo, que foi o primeiro tanto cronologicamente como no desenvolvimento lógico e esteve na origem de todos os outros, foi entendido como constituindo uma base de discussão. Consistia em 27 teses, clara e rigorosamente formuladas, que deveriam e poderiam ter sido discutidas. Todavia, nessa obra volumosa, as
    minhas teses apenas merecem uma breve menção, e o meu artigo, a meio do livro, sossobra num mar de palavras. Não houve qualquer crítica que assinalasse o facto de as minhas teses e argumentos terem ficado sem resposta.
    O processo foi eficaz (quando falham os argumentos recorre-se à verbosidade), e o esquecimento submergiu as minhas teses e os meus argumentos.
    Tudo isto, porém (toda a “polémica do positivismo”) não passa de um subterfúgio e de banalidade perfeitamente grotesca.
    Resumo geral: Muito embora eu trabalhe quase sempre com problemas científicos nitidamente demarcados, um princípio director atravessa toda a minha obra: pró argumentos críticos, contra as palavras ocas e a imodéstia e arrogância intelectuais – contra a traição dos
    intelectuais, como a designou Julien Benda (ver 4.11 e 5.1’edição em língua inglesa, da Sociedade Aberta, vol. II, p. 393). Tenho a convicção (Sociedade Aberta) de que nós, os intelectuais, somos responsáveis por praticamente todas as desgraças, na medida em que lutamos muito pouco pela integridade intelectual. (Ao fim e ao cabo, e talvez por isso, é que o anti-intelectualismo obstinado leva a melhor). Na Sociedade Aberta afirmo-o de múltiplas formas, num ataque frontal aos falsos profetas e sem papas na língua. Fiz, por exemplo, alguns comentários breves e muito severos sobre Jaspers e Heidegger (ver o índice onomástico de Open Society, vol. II, em inglês e alemão).
    Gostaria de saber, segundo creio, quais as razões porque não quero discutir com o professor Habermas. Hei-las: assentam em (1) citações extraídas da “Polémica do Positivismo” pelo Professor Habermas, no princípio do seu aditamento à controvérsia entre Popper e Adorno (nota bene, até 26 de Março de 1970 nunca publiquei uma ú nica palavra sobre Adorno ou sobre Habermas) e (2) em traduções por mim efectuadas. Muitos leitores serão de opinião que não consegui traduzir de forma adequada o texto de base. Talvez. Sou um tradutor com bastante experiência, mas possivelmente demasiado estúpido para esta tarefa. No entanto, fiz o melhor que sabia:
    “Impõe-se-me perscrutar o texto primitivo com o sentimento honesto de um dia transpor o original sagrado para a minha amada língua alemã.”
    Não é propósito da minha tradução evitar estrangeirismos quando o seu sentido é claro (cooperação-trabalho em colaboração; antagonismo=oposição), mas interessa-me tão só tomar tão claro quanto possível o conteúdo informativo, um tanto insuficiente, de uma proposição, ainda que a tradução resulte, desse modo, mais longa do que o texto original.
    Habermas começa com uma citação de Adorno, que aplaude (p. 155). [citação do ensaio de Habermas] A totalidade social não tem vida própria acima do que é por ela concatenado, e de que ela própria é constituída.
    Ela produz e reproduz-se através dos seus momentos singulares.
    Tão pouco é de dissociar esse todo da vida, da cooperação e do antagonismo do individual,
    [minha “tradução]
    A sociedade é constituída por relações sociais.
    As diferentes relações produzem de qualquer modo a sociedade.
    Entre essas relações encontra-se a cooperação e o antagonismo; e uma vez que (como já foi dito) a sociedade é constituída por tais relações, não pode ser dissociada delas; tão pouco pode um elemento, qualquer que seja, ser entendido meramente no seu funcionamento, sem a discernimento do todo, que tem a sua própria essência no movimento do individual.
    Sistema e singularidade são recíprocos e só podem ser entendidos na reciprocidade.
    O inverso é igualmente válido: nenhuma relação pode ser entendida sem as outras.
    (Repetição do precedente).
    (Observação: A doutrina da totalidade aqui exposta tem sido desenvolvida inúmeras vezes e,
    frequentemente, em termos mais correctos; porém, as palavras tornam-se cada vez mais impressionantes).
    É o próprio Professor Habermas quem diz:
    Adorno entende a sociedade em categorias, que não denegam a sua origem na lógica de Hegel.
    Ele entende a sociedade como totalidade no sentido estritamente dialéctico que impede que se conceba o todo organicamente, segundo o princípio: ele é mais do que a soma das partes; tão pouco é a totalidade uma classe que se deixe definir como é vulgar na lógica mediante colecção o de todos os elementos que a constituem.
    Adorno serve-se de um estilo que faz lembrar Hegel.
    Ele não diz, pois (sic) que o todo é mais do que a soma das partes; tão pouco é (sic) o todo uma classe de elementos.
    E continua. Mais adiante aparece, por exemplo, na mesma página: a totalidade das conexões sociais da vida…ou na página 157 As teorias são esquemas de ordem que construímos livremente dentro de um quadro sintacticamente obrigatória.
    Elas revelam-se, pois, úteis em relação a um domínio concreto de objectos, quando a diversidade real se lhes submete.
    todos nós estamos de algum modo em relação uns com os outros…
    As teorias não devem ser formuladas fora da gramática; de outro modo dirás o que te apetecer.
    Elas são, pois, aplicáveis num domínio específico, quando aplicáveis em geral.
    O jogo atroz de complicar o que é simples e de dificultar o que é fácil é, infelizmente, encarado tradicionalmente por muitos sociólogos, filósofos, etc. como sua legítima missão. Foi assim que aprenderam e é assim que ensinam. Não há nada a fazer. Nem sequer Fausto conseguiria mudar alguma coisa. Até o ouvido já está deformado: já só consegue ouvir as palavras grandiloquentes.
    Gewõhnlich glaubt der Mensch, werm er nur Worte hõrt, Es müsse sich dabei doch auch was dcnken lassen.
    Olabitualmente o Iloment acredita que sempre que ouve palavras Elas têm de ter um significado grandioso.)
    Eis porque Goethe diz da força oculta e súblime desta feitiçaria:
    Und wer nicht dcnkt, (E quem assim não pensa, Dem wird sie geschenkt, Tê-la-á de graça, Er hat sie ohne Sorgen. E sem se afligir.)
    “O chefe ofendido lê isto com admiração”, escreveu Morgenstem no seu Palmstrõm (” O repartição”).
    Como certamente sabe, sou um adversário de Marx; no entanto, entre as suas muitas observações, que respeito, encontra-se a seguinte: “Na sua forma mistificadora, a dialéctica convcrteu-se em moda alemã … ”
    E continua a sê-lo. É esta a minha justificação para o facto de não me querer envolver em tal discussão, e ter preferido trabalhar no sentido de formular as minhas ideias do modo mais simples possível. O que não é fácil, muitas vezes.
    Nota (1984)
    A citação de Marx (na parte final da minha carta) é extraída de Das Kapital, 2.’cd., 1872, pág.
    822. Nessa mesma página, escreve Marx mais adiante: “O lado mistificador (sic) da dialéctica hegeliana foi por mim criticado há cerca de 30 anos, numa altura em que ainda estava na ordem do dia.”
    Marx não suspeitava que pudesse continuar a estar, talvez para sempre.

  24. George,

    Belo texto, em que pese a extensão; transformei em .pdf, ficou com 12 páginas (TNR fonte 11 esp. simpl.)

    Sobre o texto, essa passagem é enigmática:

    “A tese de que nada sabemos deve ser levada a sério. É importante não esquecer nunca a nossa ignorância. Daí que não devamos nunca pretender saber, nem empregar palavras grandiloquentes.”

    O Simplismo empregado, com ares de anti-indutivismo, cheira a empirismo rasteiro e pueril. É socrático, e parece que não apenas sócrates, mas o próprio Popper fora informado pelo oráculo de delfos sobre sua missão, sua ignorância, que, tal como sócrates, parecia apenas uma alegoria para realçar sua superioridade. Como se dissesse: “se sou ignorante, porque pensas que não é?” ou ainda “se eu não posso compreender tal assertiva, por que pensas que podes?”

    Tomar o geral pelo específico. Sei que Popper foi professor primário, e isso o difere de sócrates que era um vagabundo, que vivia as custas de uma herança, permitindo-lhe dedicação total ao ócio, mas por outro lado o transforma em sofista, quando recebe para transmitir conhecimento, mas será que a mãe dele (Popper) também era parteira?

    Afirma no texto que não se envolve em certos debates, e nem critica certos filósofos, como Hebert Marcuse, e que, os que o criticam são de duas espécies: Ou não leram seu texto, ou se leram, o fizeram superficialmente. Bela maneira de debater idéias.

    Diz não se envolver nos debates mencionados por que tem problemas mais urgentes a resolver. Seria o Grandiloquente problema discutindo em outro texto chamado “Three Worlds”?

    Nele debate o monismo (reconhecimento apenas do mundo físico), dualismo (físico e mental) e a transcendência destes por meio de multiplicidades de realidades, como a idéia dos três mundos, por ele apresentada.

    Quando Popper fala dos três mundos:

    Mundo 1 (Mundo físico – subdividido em mundo de objetos físicos não vivos e mundo dos organismos vivos),

    Mundo 2 (Mundo mental ou psicológico – do prazer e da dor) e

    Mundo 3 (produtos da mente humana, como a linguagem, contos e mitos e histórias religiosas, conjeturas científicas e
    teóricas, construções matemáticas, musicas, sinfonias, pintura, esculturas, e demais construções das imaginações)

    Seria esse grande e urgente problema que o tolhe dos debates sobre seus críticos e suas idéias? Prefiro pensar que o oráculo de delfos não fora bem compreendido, talvez porque tenha usado palavras grandiloquêntes.

  25. Republicanos……

    Que remete a esse video (se não tiverem visto)

    Alan Shore sustentando oralmente na U.S Supreme Court

    Na minha opinião, grandiloquente :-)

  26. Caro George,
    Para mim Habermas é um mistério, porque quando alguém me fala de suas idéias, adoro, mas quando tento ler alguma coisa dele, não entendo uma vírgula.
    Sei que é muita ignorância minha, mas a impressão que tenho quando leio algo de Habermas é que ele não faz idéia do que quis dizer ao final do texto. Pra falar a verdade, sou tão ignorante que às vezes penso que ele não sabe o que quer dizer sequer antes de escrever o texto. Seus escritos são prolixos e confusos. Minha esperança, já que de alemão não sei nada, é que o problema esteja na tradução.
    Posso estar enganado – aliás, devo estar enganado -, mas penso que Habermas é um grande egoísta, já que centra sua filosofia em torno do discurso, mas não procura melhorar nem o dele. E o pior é que segundo me disseram alguns amigos que manejam bem o alemão, ele é muito mais confuso falando. Dizem que é oralmente que ele se complica todo! Portanto, amigo, prefiro continuar ignorante do que ficar doido de vez. Diabo é isso?!

  27. Para descontrair, declara-se que tudo se revolve no âmbito de salsicheiros e Pasteleitos, conforme o texto abaixo.

    “Salsicheiros e Pasteleiros

    Thomaz Wood Jr.
    C. C. Dez/2008-Jan/2009. ed. nº 32, p. 29

    Outubro tem lugar reservado na agenda científica: é o mês de distribuição do conhecido prêmio Ig Nobel, uma paródia do prêmio Nobel. A premiação é organizada pela revista Annals of Improbable Research e apresentada em uma cerimônia em Harvard, nos Estados Unidos. Em 2008, dois brasileiros receberam a duvidosa láurea, por seus estudos sobre o impacto dos tatus nas escavações Arqueológicas. Merecido! A área de gestão nunca recebeu um Prêmio Ig Nobel, o que é uma grande injustiça, dada a quantidade de inutilidades curiosas produzidas pelo campo.

    Hoje, a pesquisa científica em gestão é uma atividade globalizada, organizada na forma de uma grande e complexa linha de montagem. Curiosamente, esse sofisticado sistema produtivo, frequentemente movido por recursos públicos, produz apenas para si mesmo. Funciona como uma grande fábrica de salsichas, gerida por doutores salsicheiros, que produzem suas tripas recheadas nas mais variadas qualidades, mas sempre para consumo próprio.

    O Sistema Internacional de Salsichas (SIS) organizou-se, a partir dos EUA, e continua sendo dominado pelos Ianques (sempre eles!). Três componentes dominam o modelo: os centros de pesquisa, sediados nas escolas de negócios, os eventos acadêmicos e as revistas científicas.

    Nos centros de pesquisa trabalham os Ph.Ds. São tipos sofisticados que zelam pelos mais rigorosos métodos de produção de salsichas. De tempos em tempos, eles selecionam noviços, que serão socializados nas artes e artimanhas da produção de salsichas. Formados, eles darão continuidade aos rituais e tradições do métier.

    Quando o sol dá as caras e a temperatura se torna mais amena, os doutores salsicheiros internacionais se delocam para os mais aprazíveis locais do planeta, hospedam-se em bons hotéis e apresentam orgulhosos, aos colegas e admiradores, suas mais belas criações. Nessas ocasiões, bebem, dançam e, apresentando-se a ocasião, cometem adultério.

    O principal objetivo de vida dos doutores salsicheiros é revelar ao mundo suas salsichas científicas, o que acontece nos principais periódicos acadêmicos. Tais periódicos, sabe-se bem, raramente são lidos. De fato, nem mesmo os próprios doutores salsicheiros costumam ler esses volumosos e impenetráveis compêndios. Porém, isso é de importância menor, já que o que movimenta suas carreiras são as publicações, não a utilidade de suas idéias.

    Enquanto isso, o mundo real das empresas segue seu ritmo enfurecido, algumas substantivas e radicais, outras aparentes ou efêmeras. Como os doutores salsicheiros não lhe atendem as necessidades de conhecimento e análise, recorre-se a um outro oráculo, formado pelos mestres pasteleiros.

    Os mestres pasteleiros são diferentes dos doutores salsicheiros. Eles não se prendem a questões de rigor e desconhecem métodos científicos. Gostam mesmo é de falar de sua experiência prática, nem sempre comprovada, e de suas maravilhosas poções mágicas, capazes de curar qualquer mal corporativo.

    O produto principal dos mestres pasteleiros é o pastel de vento, que é oferecido na forma de palestras, livros ou artigos em revistas de grande circulação. A falta de recheio é amplamente compensada com simpatia, pirotecnia e obviedades.

    O sucesso dos mestres pasteleiros foi tanto que, à semelhança do Sistema Internacional de Salsichas, criou-se também um Sistema Internacional de Pastéis (SIP), com seus gurus, congressos, revistas e livros.

    Pindorama, nos últimos anos, produziu clones dos dois sistemas. Temos tanto um Sistema Nacional de Salsichas (SNS), quanto um Sistema Nacional de Pastéis (SNP). Nossos doutores salsicheiros desenvolvem suas salsichas nas nossas melhores universidades, formam noviços e encontram-se, anualmente, à beira-mar ou no campo, para trocar receitas e dançar ao som de New York, New York.

    A produção de salsichas é acompanhada com cuidado nos nossos mais afamados templos do saber. O foco é a produtividade. Para aumentar a produção, empregam-se as mais variadas artimanhas. Enquanto isso, fora das torres de marfim, os mestres pasteleiros espalham palestras motivacionais e técnicas infalíveis de gestão. Eventualmente, um doutor salsicheiro torna-se mestre pasteleiro ou um mestre pasteleiro entra para a confraria dos doutores salsicheiros. E por que não?

    Nota: O escriba reconhece que a metáfora pode ser considerada ofensiva e conta com a compreensão dos verdadeiros produtores de salsichas e pastéis (mesmo os de vento), do tipo utilizado para alimentação.”

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