Eu já havia comentado aqui sobre o livro “Controle Judicial das Políticas Públicas“, do meu amigo Nagibe de Melo Jorge Neto. A primeira edição esgotou-se em tempo recorde, o que demonstra a inegável qualidade do livro. O Nagibe me informou que a segunda tiragem já está sendo providenciada.
Por força do doutorado, tenho refletido sobre muitos aspectos expostos pelo Nagibe, já que ele se debruça profundamente sobre a questão da legitimidade da jurisdição constitucional, apresentando uma abordagem substancialmente diferente do que se costuma ler por aí. Basta dizer, por exemplo, que ele se vale da filosofia de Habermas (que é crítico da jurisdição constitucional) para demonstrar que a jurisdição constitucional é, afinal de contas, democrática. Parece que ele aplicou um princípio básico do jiu-jitsu (“use a força do adversário contra ele”).
É sobre isso que pretendo discutir neste post.
Nagibe tentou demonstrar que a decisão judicial faz parte de um processo democrático talvez até mais aberto e participativo do que o próprio processo legislativo. Para ele, a sentença não é (ou não deveria ser) um mero ato de vontade unilateral do juiz como defendia Kelsen. Ela faz parte, pelo contrário, de um processo judicial dialético em que os destinatários da solução concreta dada pelo juiz participam intensamente da sua formação.
De fato, o princípio processual da inércia e o princípio dispositivo, atrelado ao princípio do contraditório e da ampla defesa, da imparcialidade e ao dever de fundamentação do julgado, fazem com que o processo judicial se torne um ambiente propício para que os conflitos de interesse sejam solucionados de forma justa e democrática, ou seja, com a participação efetiva dos interessados.
Na esfera parlamentar, com freqüência, vence não o melhor argumento, mas o argumento defendido pelos grupos mais poderosos. Já na esfera judicial, o melhor argumento tem mais chance de vir à tona, pois o juiz deve seguir parâmetros objetivos de racionalidade, obtidos a partir de um debate ético em que se assegure a transparência e a paridade de armas por parte dos debatedores.
Se democracia significa a participação do povo na tomada das decisões que lhe afetam, então não se pode dizer que o processo judicial não é democrático. A participação do povo (ou pelo menos das pessoas que serão diretamente atingidas pelo resultado do processo judicial) seria muito mais efetiva do que a participação do povo na elaboração de uma lei, por exemplo.
Seriam essas, em síntese, as idéias defendidas pelo Nagibe.
Trata-se, de fato, de um argumento engenhoso, mas contém algumas falhas empíricas.
Em primeiro lugar, nem sempre há uma ampla participação popular no processo judicial. No fundo, o processo judicial não é tão democrático assim na prática. O próprio Nagibe reconhece isso. Mas ele não está defendendo um processo tal como ele é, mas como deveria ser.
Além disso, há várias lides individuais que, pela interpretação, acabam afetando outras pessoas que não não participaram do processo. Uma súmula vinculante, por exemplo, afeta uma gama muito ampla de pessoas que sequer sabem da existência do processo judicial.
E mesmo nas lides coletivas, a participação efetiva do povo é muito limitada. Quase sempre é o MP quem patrocina as lides coletivas. Com isso, o resultado do processo não passará de uma conjugação de argumentos apresentados pelo próprio Estado.
Outro ponto: o processo nem semper se pauta pela ética do discurso. A paridade de armas é ilusória. Os advogados estão interessados em ganhar a causa a todo custo. Há ainda os custos do processo. O processo judicial não é tão acessível assim quanto seria o desejável.
Finalmente, o juiz nem sempre está comprometido com a idéia do melhor argumento.
Tirando essas objeções realistas, concordo com Nagibe. Em determinadas situações, o processo judicial acaba sendo mais democrático do que a mera representação eleitoral, já que a participação popular na formação do julgado é mais efetiva do que a participação do povo na elaboração das leis. E isso reforça também a necessidade de se democratizar cada vez mais o processo judicial e o processo de escolha dos juízes constitucionais.
O que vocês acham disso?
*****
Não sei se vocês perceberam, mas eu estou utilizando o blog como uma espécie de “fichamento”. Minha intenção é jogar aqui algumas idéias soltas, engrandecê-las com o debate e depois, quem sabe, aproveitá-las na redação da tese.
Por isso, os comentários e críticas são sempre bem-vindos. Vou até chamar o próprio Nagibe para participar do debate.
George
Dá uma força na divulgação? http://blog.infostf.com/2008/11/26/catastrofe-em-santa-catarina-ajude-e-concorra-a-livros/
A coisa tá séria aqui embaixo (apesar de eu não residir em SC, os caras estão precisando…)
valeu
igor
Com sua permissão George, creio que o pensamento de nagibe, que ainda não tive acesso mas sou um dos que pretendo adquirir o livro assim que puder, é muito bem elaborado e concordo em parte com ele.
Sem dúvida alguma a jurisdição é mais democrática que o processo de elaboração de alguma lei, desde que se desenvolva sob o pálio do contraditório- entendido como poder de influenciar na decisão através da iniciativa probatória e da ampla participação da parte interessada-, agora a democracia participativa precisa ser repensada em nosso ordenamento, no âmbito dos três poderes. Os instrumentos previstos na Constituição de participação direta do povo na elaboração de leis nunca foram devidamente utilizados pelo nosso parlamento, mesmo se diz com a previsão dos instrumentos de participação democratica na jurisdição constitucional e também as audiências públicas para a formulação de políticas públicas.
O que se pode dizer é que a discussão não deve ser feita em torno de qual poder ou órgão é mais aberto ou participativo, mas sim, quais são os instrumentos que o ordenamento jurídico oferece a esses poderes e se eles são efetivos para este propósito?
Abraços George espero ter contribuído um pouco com o debate
Ha uma falha empirica no argumento, concordo.
De que o cidadao participa mais ativamente na formacao da sentenca no processo individual do que na formulacao das leis, ninguem duvida. No processo de formacao da lei, limita-se a escolher os parlamentares. Jah no processo individual, embora sem postular e sem compreender o juridiques que impera na audiencia, na pior das hipoteses fornece o fato que servirah de encaixe para o juiz na sentenca. Ou ainda, quando o fato nao se encaixa perfeitamente na norma em abstrato, aih sua contribuicao aumenta, jah que a criacao da norma concreta pelo juiz pode virar precedente para casos semelhantes de outros cidadaos.
No entanto, o processo individual nao eh visto pelo autor/reu como meio de participacao sua – do povo – na decisao judicial. O unico objetivo do jurisdicionado num processo desses eh resolver egoisticamente a lide a seu favor. Se acaba participando da decisao judicial de alguma forma, criando norma concreta aplicavel a casos semelhantes, eh mera consequencia de que o cidadao nem se dah conta.
Que participacao xoxa no processo democratico eh essa que o cidadao nao se dah conta e nem mesmo estah interessado em realiza-lo?
Mesmo que o fenomeno seja analisado objetivamente, e nao sob a otica da vontade do jurisdicionado, o fato eh que o processo individual tem o objetivo principal de satisfazer egoisticamente o cidadao, recompondo seu bem ou interesse juridico atingido. Como pode o processo servir simultaneamente para a satisfacao de interesse individual e ao mesmo tempo para a participacao desse cidadao no processo democratico? Eh contradicao que nao consigo compreender.
Jah nos processos coletivos, como pontuado pelo George, com objetivos mairores do que a mera satisfacao pessoal, o cidadao nao participa, pois nao tem legitimidade. Eh forcar demais a barra afirmar que entre os legitimados ha associacoes com objetivos dos mais variados, representando os mais variados objetivos dos grupos de cidadaos, e que isso implica a participacao efetiva do cidadao no processo democratico de formacao da sentenca. Dah-se o mesmo no processo de formacao das leis e nem por isso pode-se dizer que a lei tem a marca do povo.
No processo de controle de constitucionalidade, a desgraca aumenta. Afirmar que o povo participa efetivamente na desconstrucao do que foi criado pela democracia artificial( parlamento criando a lei pelos parlamentares) tambem eh uma falacia, pois o cidadao nao tem legitimidade para instaurar o controle de constitucionalidade. Cai-se no mesmo artificialismo da democracia indireta, jah consagrada no parlamento, quando se diz que a legitimidade dos PARTIDOS POLITICOS significa a entrada do povo no debate juridico pela melhor interpretacao da constituicao. Mais uma vez nao se trata de participacao efetiva.
A democracia no constitucionalismo, quando consagra os mais variados principios no texto constitucional, os quais representam as aspiracoes dos grupos da sociedade, eh meramente estatica. A democracia dinamica, a que verdadeiramente importa, pois entrelaca a vida real e o direito, nao conta com a participacao popular.
O povo nao tem legitimidade para instaurar o processo de controle de constitucionalidade. Sumulas de tempos remotos sao utilizadas para fundamentar decisoes, estancando o debate . A razoabilidade eh utilizada a todo tempo, mesmo que essa tecnica nao permita o consenso sobre a sua nocao ou o debate na sua utilizacao. A proporcionalidade desemboca facilmente em duas solucoes possiveis, todas constitucionalmente aceitaveis, o que leva a triste conclusao de que soh a feita pelo orgao autorizado interessa. Ao povo resta propor uma solucao e aceitar a escolhida, nao podendo argumenta-la, pois eh fruto de escolha possivel, inatacavel.
Nao estou a defender uma Constituicao composta apenas por regras. Os principios sao necessarios. No entanto, quando o povo consagra milhares de principios numa mesma constituicao, quando escolhe variadas diretrizes de acao, nao faz opcao constitucional. Afinal, quem tem 1000 metas nao tem nenhuma. Com isso, transforma em principios juridicos (neutros, pois podem ser restringidos ou alargados num embate com outro principio) os valores sobre os quais nao houve consenso. Entrega de bandeja para o orgao autorizado para o controle de constitucionalidade a solucao sobre qual o valor aplicavel ao caso concreto. Eh que o valor precede a acao. Ou precede a normatizacao ou a solucao do caso concreto. Nao existe valor enquanto hipotese normativa abstrata.
O povo eh o grande culpado por nao partipar do processo democratico, por nao ter o poder de interferir no processo objetivo de controle de constitucionalidade. Acho que culpa nem eh a palavra certa, pois remete a punicao. E, num ambiente sem leis (inicio de uma nova ordem), ninguem pode ser punido pelo exercicio de liberdade. O povo escolheu delegar ao judiciario a escolha dos valores (opcao), ao transformar em juridico (hipotese) as milhares de escolhas (nao escolhas) no momento da constituinte. Sem metas (1000 metas), sem que os principios representem valores (1000 valores), ficamos na torcida para que os orgaos autorizados sejam compostos por seres humanos bons (eticos).
Afinal, eh pela apatia do povo que sobressaem os grandes lideres, os salvadores da patria ou, no caso em questao, a jurisdicao constitucional compromissada pela etica.
Não concordo com a idéia de que o o processo judicial é mais democrático do que a representação eleitoral. Se, por um lado, a representação eleitoral é cheia de vícios e problemas, ainda assim é representativa de interesses de uma gama considerável de pessoas. Elas votaram naqueles políticos que quiseram e lhes transferiram o poder que do povo emana.
No processo judicial a gente encontra duas realidades bem diferentes: a daqueles que são favorecidos economicamente e a daquelas pessoas que não tem recursos financeiros. Aqueles que tem mais dinheiro contratam advogados mais preparados.
De várias maneiras a própria lei tenta diminuir essa desigualdade, mas na prática, os que tem mais dinheiro tem uma defesa qualitativamente melhor.
Eu lembro de um professor de Fundamentos da Teoria Social que explicava que para que a democracia seja plena a maior luta deve ser pela conquista da condição de cidadão a todo o povo. Existe uma cidadania objetiva e uma subjetiva. A gente ainda não alcançou nem as condições de cidadania objetiva no nosso país (moradia, lazer, trabalho etc.), quanto mais as de cidadania subjetiva, que envolvem a idéia de informação, compreensão do fenômeno da ideologia, estudo das representações sociais e tantas outras coisas mais.
Enfim, o processo judicial só pode ser considerado mais democrático que a representação eleitoral caso se esteja observando o conceito de democracia sob uma óptica específica.
George,
Fiquei bastante interessado em ler a aludida obra do Nagibe, logo que sair a 2ª edição pretendo adquiri-la.
Sobre suas críticas ao Nagibe relativas às falhas empíricas, parecem ser, a princípio, pertinentes apenas de modo parcial.
Elas são importantes pois mostram preocupação com o que ocorre na prática. Mas importa perguntar (isso eu não posso responder porque não li a obra em questão) se a intenção do Nagibe foi discutir uma teoria descritiva do que acontece na prática (perspectiva empírica) ou propor uma teoria normativa de como deveria correr o processo no âmbito da jurisdição constitucional para ele ser considerado legítimo.
Como você leu a obra, creio que pode responder a essa minha colocação. O que acha? Até mais.
George, é um privilégio aos leitores do blog poderem, de certo modo, colaborar com a sua tese de doutorado. Não li a bora do Nagibe. O tema é um dos mais atuais, sem dúvida. Em políticas públicas, a atuação do Judiciário tem que ser excepcional ou até inexistente. Sobre o post em questão, além das ponderações que você fez, há outra – também já mencionada por você – que são os argumentos de autoridade. Há um sentimento da infalibilidade da jurisprudência. Quando há um entendimento consolidade nos tribunais, nem se questiona mais nada, aplica-se o decidido. Como você diz, não se faz ciência agindo sempre assim. Então, vejo também esse problema. Abração.
Meu caro George, se vc deseja uma análise mais aprofundada dessa temática (construção democrática da decisão e do proprio sistema processual) dentro de um marco Habermasiano e de forma muito mais consistente (conheço o livro que vc está comentando do Nagibe) vc deve procurar as obras de alguns autores da PUCMINAS, que já trabalham dentro dessa perspectiva de pesquisa há vários anos, como o Prof. Cattoni de Oliveira e outros. No entanto, creio que a abordagem mais completa seja a realizada pelo Prof. Dr. Dierle Nunes, num livro intitulado “processo jurisdicional democrático”. Este autor desconstrói o mito do protagonismo judicial e aponta inúmeras saídas para uma aplicação legítima do direito democrático, sem viagens teoréticas, mas com enorme consistência de fundamentação. Vale a pena conferir! O livro é tão bom que é apresentado por um dos maiores processualistas da atualidade, o prof. italiano Nicola Picardi.
Prezado George,
Não conheço a obra do Nagibe, mas acho que a discussão proposta passa de maneira indispensável pela pergunta: O processo e a jurisdição constitucionais estão a serviço da democracia ou do constitucionalismo em si?
Sobre o infindável e salutar debate sobre a legitimidade democrática da jurisdição constitucional me atrai bastante o entendimento de Cappelletti em “Juízes legisladores?” ao afirmar (em contraposição a J. H. Ely) que a discussão essa legitimação não deve situar-se em um plano abstrato, pois se a questionada “criatividade” judicial se dá na análise de casos concretos e na interpretação das leis (cuja elaboração se pressupõe democrática), não há que se afasar do juiz essa legitimidade, mas apenas de dosá-la, verificar seus limites e possibilidades diante de uma situação concreta, considerados o seu lugar e tempo, ou seja, o problema deve dirigir-se à medida da criatividade e não à sua existência.
Nesse sentido, Cappelletti defende que é essencialmente democrático o sistema de governo em que o povo tem o chamado “sentimento de participação”, mas alerta que este pode ser desviado por legisladores com mecanismos burocráticos tornando a aprticipação dos cidadãos inacessível, ao contrário do que ocorre no processo judicial, que considerando a oitiva das partes, a iniciativa de intervenção einfluência sobre o julgador, acaba por ser o mais “participatório de todos os processos de atividade pública”, segundo o autor.
Acho, despretenciosamente, que seja por aí…
Abraço e continue postando sobre suas reflexões de doutoramento.
Grande George,
Estou precisando da Exposição de Motivos do decreto que criou a JF, em 1890. Como não consegui manter contato direto com você, resolvi utilizar este blog, que está cada dia melhor.
Se for possível disponilizar, peço que a encaminhe para um dos seguintes e-mails: rubem.paula@trf1.gov.br ou rldpf@uol.com.br.
Grande abraço e bons estudos.
Rubem (seu amigo aqui do Maranhão)
Caro George,
Como afirmado acima, seria importante destacar a “natureza normativa” da teoria de Habermas. A concepção por ele sustentada em relação à jurisdição constitucional (autocontenção), está intimamente relacionada com o modelo de “democracia deliberativa” por ele defendido.
Apenas para ilustrar, escrevi (no livro) em relação ao modelo deliberativo:
“Para os defensores do modelo deliberativo, seria possível, pelo menos no âmbito da esfera pública, exigir dos indivíduos uma conduta desprovida de sentimentos individuais. O modelo deliberativo seria, portanto, a associação de cidadãos livres e iguais que, compartilhando valores mínimos, participam de um processo de discussão e tomadas de decisões sobre as políticas a serem adotadas, e objetivos públicos a serem perseguidos.
O modelo de democracia deliberativa liga-se, portanto, ao ideal republicano de que as pessoas governam-se a si próprias através da ação política e das leis que elas próprias elaboram. Essa compreensão da democracia assenta-se nas seguintes premissas teóricas, segundo Canotilho: a) política deliberativa assente na idéia de virtude cívica (civic virtue); b) igualdade dos participantes no processo político; c) possibilidade de consentimento universal nas disputas normativas através da razão prática; e, d) direitos de participação dos cidadãos na vida pública e controle dos representantes”.
Quanto ao modelo deliberativo de Habermas, destaquei:
“Habermas apresenta, portanto, um modelo de democracia constitucional que não tem como condição prévia fundamentar-se em valores substantivos, mas em procedimentos que asseguram a formação democrática da opinião e da vontade, e que exige uma identidade política não mais ancorada em uma “nação de cultura”, mas em uma “nação de cidadãos”. Daí não concordar com a denominada “jurisprudência de valores”, que desconhece não apenas o pluralismo das democracias contemporâneas, mas principalmente as demandas da economia e do poder administrativo, que são reguladas pela lógica da eficiência. Para Habermas, a concepção de comunidade ética de valores compartilhados, defendida pelo comunitarismo (ou substancialismo) desconhece as relações assimétricas de poder existentes nas sociedades contemporâneas.
Os tribunais constitucionais, segundo a teoria discursiva, têm como tarefa essencial a compreensão procedimental da Constituição, isto é, devem limitar-se a proteger o processo da gênese democrática do Direito. Os tribunais constitucionais não devem ser um guardião de uma suposta ordem suprapositiva de valores substantivos, mas “zelar pela garantia de que a cidadania disponha de meios para estabelecer um entendimento sobre a natureza dos seus problemas e a forma de sua solução”.
Por último, tendo em vista que alguém fez referência ao Prof. Marcelo Cattoni, segue a sugestão do livro dele:
“CATTONI, Marcelo. Devido processo legislativo: uma justificação democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.”
Forte abraço.
Jânio
O processo judicial é realmente democrático, como analisa o autor e o escritor Nagib. Mas, é uma democracia limitada. Advogo a tese de que nas causas coletivas, em que a interferência do MP às vezes extrapola a vontade coletiva, deveria ser acompanhada de uma grande manifestação popular, isto é, de um amplo abaixo-assinado. É comum uma causa coletiva nascer, na realidade, da menifestação de uma meia dúzia, ou de um só. Isso ocorre, comumente, nas questões ambientais e, também, na esfera do Código de Defesa do Consumidor.
Vou dissentir quanto a localização da falha empírica. Para mim ela reside no fato de se alegar que a participação popular no processo é muito maior do que na de sugestão/debates e aprovação das leis. Sei que se falou que o Nagib se refere ao processo como ele deveria ser, e não como é, e até por isso mesmo, verifica-se a falha argumentativa, pois se o sistema não está funcionando da maneira como deveria, ou seja, democraticamente, não vejo planificação de soluções para os problemas. Via de regra as partes são intermediadas por advogados, que como o George mencionou, querem ganhar a lide a todo custo. Os advogados: Públicos ou Privados não podem atuar como filtro democrático (exceto quando os próprios causídicos usam o ius postulandi em causa própria).
Foi mencionado que: “De fato, o princípio processual da inércia e o princípio dispositivo, atrelado ao princípio do contraditório e da ampla defesa, da imparcialidade e ao dever de fundamentação do julgado, fazem com que o processo judicial se torne um ambiente propício para que os conflitos de interesse sejam solucionados de forma justa e democrática, ou seja, com a participação efetiva dos interessados.”. Em tese seria isso mesmo, com o acréscimo de que, para ser realmente democrática, a decisão deveria ser tomada pelas partes, ou pelos Advogados conjuntamente. Nem mesmo o Amicus Curiae (ou os Amici Curiae) age democraticamente, quanto mais a utópica “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição” com sua aporia do Balão Mágico.
As partes, geralmente não sabem que possuem determinado direito, e se o sabem, não sabem como funciona a “lógica da existência” deste hipotético direito. Até mesmo pelo fato de não terem participado dos debates acerca da aprovação do ato jurígeno que lho concede. Aceitar que a intermediação dos advogados legitima a participação popular, tal qual a democracia indireta (dita representativa), não equivale, mutatis mutandis, a participação no “jogo do poder”.
Os parlamentares podem constituir, modificar e extinguir modelos jurídicos, no âmbito das três funções do Poder. Já os advogados não. Diga-se a verdade, muitas vezes os advogados sequer participam do convencimento do magistrado, que já estes tem concepções (pré-concepções ou pré-conceitos) prévias inabaláveis. Isso serve, a meu ver, para afastar o primeiro ponto que se venha a constituir, sentando praça, sobre a pseudo legitimidade democrática judicializada.
Outro ponto, in casu, é afastar a idéia de que o Juiz Constitucional seria o “incumbido” de desenvolver este mister, qual seja, o de legitimado decraticamente. Não pesa contra ele apenas a forma de investidura que passa ao largo das predileções do Povo/Jurisdicionado. Pesa contra eles (juízes constitucionais) o fato de que as pré-compreensões de todo e qualquer julgador irão pesar, e muito, diga-se inclusive de maneira preponderante, nas decisões do Julgador.
E nesse último ponto, sem adentrar nos escritos de Gadamer no que tange a chamada espiral hermenêutica, podemos citar algumas ponderações feitas pelos jusphilosofos do Direito, e acredito que em Coimbra, pela fama que tem, deve haver muitos. Cito aqui, entre nós, alguns ensinamentos do pouco lembrado, e na minha ótica, bastante importante professor Luiz Fernando Coêlho, mais especificamente em sua obra Teoria Crítico do Direito (ed. Del Rey, 2003).
Sem maiores aprofundamentos, critica o referido autor, com escólio na Teoria Crítica do Direito, uma série de princípios (de e) do Direito, ai incluídos alguns atinentes a neutralidade ideológica do magistrado, divididos em dois grupos distintos, conforme se refiram a conceituação da “Ciência Jurídica” ou sobre a prática da interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas, quais sejam: 1) Princípio da Onticidade ou da objetividade ontológica do direito; 2) Princípio da positividade axiológica do direito; 3) Princípio da cientificidade do conhecimento jurídico; 4) Princípio da neutralidade ideológica do direito; 5) princípio da unicidade do direito ou da unidimensionalidade; 6) Princípio da Estatalidade do Direito; 7) Princípio da racionalidade do Direito; 8) Princípio da Autolegitimidade do Direito; 9) Princípio da sistematicidade analítica do Direito; 10) Princípio da Plenitude do Ordenamento Jurídico; 11) Princípio da autopoiese do Sistema jurídico; 12) Princípio do Primado da Lei; 13) Princípio do Legalismo dogmático do Direito; 14) princípio do legalismo hermenêuitico; 15) Princípio da autonomia significativa da lei; 16) Princípio da univocidade significativa da lei; 17) Princípio da referencialidade semântica da lei; 18) Princípio voluntarista; 19) Princípio da função descobridora da interpretação jurídica; 20) princípio da subsunção jurídica; (op. cit. p. 396/407)
Segundo o mencionado autor “o conjunto desses princípios dogmaticamente aceitos pelo senso comum dos juristas, a mais das vezes, até mesmo inconsciente, forma o quadro ideológico dentro do qual vão erigir-se os mitos da teoria e experiência jurídicas; com eles é possível à concepção dogmática assegurar a crença na neutralidade do Estado, do Direito e de seus operadores, em virtude de suposta cientificidade e racionalidade vinculadas ao trabalho legislativo e às decisões da autoridade em face dos conflitos individuais e coletivos; e o Estado passa a hispostasiar-se como algo acima e além da história, cuidando dos fracos e oprimidos e administrando a distribuição da justiça com a segurança e a certeza exigidas pela razão jurídica” (ob. cit. p. 406)
Antes de mencionar a construção e demolição (implosão) dos princípios que ora importa mencionar, veja-se que antes de entrar em uma contradição lógica, pertinente esclarecer meu ponto de vista. Afirmando-se que os referidos princípios não “legitimam” os Atos e Decisões do Juiz Constitucional, eles tampouco legitimam o Legislador, exceto nos casos da democracia DIRETA, pela qual cada um seria responsável pelo menos pelos debates pré-legislativos, vencendo uma hipotética maioria em pro forma a ser estabelecida. Com o esclarecimento dado, retomemos os princípios, que ora importa mencionar:
1) Princípio da Onticidade ou da objetividade ontológica do direito: Segundo este princípio o direito teria um ser, seja ele empírico, ideal, cultural ou metafísico. Penso, com base em tudo que já li neste blog, e na Obra sobre direitos fundamentais, que George creia que, se existe um fundamento ôntico no Ordenamento Jurídico, no que tange a idealidade, este seria o pp. da Dignidade da Pessoa Humana. Isso é hipótese, que logo, acaso respondida esta mensagem in totum, logo saberemos. Contudo, afirma o mencionado autor: “o Direito não tem um ser-em-si que se possa considerar objetivamente; ele não se autoconstitui em virtude de potencialidade ontológica, mas é permanentemente constituído pela experiência social à medida que se problematizam os conflitos sociais e respectivas soluções normativas; a essa falsa objetividade ontológica a Teoria Crítica do Direito opõe o princípio da objetividade ideológica do direito, enfatizando que o ser jurídico consiste numa criação ideológica comprometida com um status de dominação e manutenção de privilégios de toda ordem.”
Por mais que se critique a generalização feita in fine, é inegável que o princípio da Dignidade da pessoa humana, acaso adotado por alguém, não é derivação ôntica, e sim ideológica, por razões óbvias.
2) Princípio da positividade axiológica do direito: Consistente em semear as valorações positivas, benéficas, decorrentes do sistema jurídico, omitindo ou minimizando-se os valores negativos da experiência jurídica, como a escravidão, o despotismo e o desprezo pelos direitos humanos. Ou seja: Pense no lado positivo. Não posso deixar de mencionar uma piada de George Carlin em um stand up comedy chamado “Religion is bullshit”. http://www.youtube.com/watch?v=MeSSwKffj9o
Em síntese, o grande humorista (*realista) diz que a Religião é “bullshit”, ou “besteirol (para ser amável com os religiosos)”, pois tenta convencer as pessoas de que existe um homem invisível, vivendo lá nas nuvens, que assiste e vê tudo que você faz, a cada minuto e a cada dia, e que o homem invisível tem uma lista especial contendo 10 coisas que ele não quer que você faça, pois se você fizer alguma dessas 10 coisas, ele tem um lugar especial com fogo, fumaça, fome, sofrimento, tortura, amargura, para o qual ele te mandará para morar até o final dos tempos……MAS EI, ELE TE AMA! Ele te ama, e ele precisa de dinheiro, ele sempre precisa de dinheiro, ele é perfeito, poderoso, não tem olhos, porém ele não consegue segurar o dinheiro. A religião movimenta cerca de bilhões de dólares, não paga tributo, e sempre precisa de um pouco mais de dinheiro.” (e continua)
Enfim, retomando o fio da meada, sempre se fala mais do aspecto positivo, porém, deveria se falar do Ordenamento Jurídico como se fala das Armas de Fogo “Elas podem ajudar a te defender, porém, podem te matar, fazer refém ou te ‘roubar'”. Porque também não se tentar formas alternativas de controle social, com maior debate sobre a coercibibilidade inerente ao Direito? O mencionado autor afirma que o uso da positividade axiológica do Direito serve para camuflar o uso nefasto e perverso que se pode fazer dele, como semear o ódio, a discórdia e o desejo de vingança, além da manutenção dos privilégios da classe dominante. Em nome desses valores negativos são cometidos os crimes mais bárbaros da humanidade. Nesse sentido, “a bondade essencial do Direito não passa de artifício retórico para sua imposição ideológica ao consenso da macrossociedade dominada e seu caráter ético está na dependência de seu uso como instrumento de controle social. Tal perversão do jus deve ser continuamente denunciada, e assim, a teoria crítica do direito opõe o princípio da polaridade axiológica do direito, enfatizando que ele, sem deixar de ser direito, pode ser utilizado tanto para o bem, quanto para o mal, e que essa escolha depende do grau de alienação da sociedade regida por tal direito”.
Portanto, imaginando-se aqui uma comparação bifrontal entre “A decisão Judicial e o Discurso Democrático”, já demandaria formação cultural da sociedade, e que essa sociedade de fato participasse ativamente das decisões jusfundamentais, e que estas deveriam ser tomadas pelos próprios atores em conflito, sendo que a ideologia teria que ser definida caso a caso, como comumente ocorre, e o uso benéfico ou maléfico estaria a depender de uma série de fatores. Com efeito, se se quer aplicar os Direitos Fundamentais à espécie, seria ideologia, uma espécie de filtro, que estará adstrita ao subjetivismo do Julgador. O que pode ser aplicação de direito fundamental para um juiz constitucional, pode não o ser para outro. Afinal de contas, via de regra, sempre estará em colisão um direito fundamental com outro direito fundamental. E a decisão a favor de um, em detrimento do outro, sempre será arbitrariedade, razão pela qual, qualquer decisão nesse sentido não pode ser democrática. O referido autor menciona ainda, pertinentemente a este assunto do post, a questão dos microlegisladores (no sentido Foucaultiano), que seriam todos os chamados operadores do Direito, desempenhando um papel manipulador da ideologia, cada um a seu favor, e não a favor do povo. Deixo aqui de mencionar os outros princípios, acima mencionados, pois já me alonguei demais. Contudo, fica a ponderação: Um juiz Constitucional não age (hodiernamente no Brasil) democraticamente, na verdade: O CONTRÁRIO.
Jânio,
a pergunta que faço é a seguinte: na medida em que os juízes constitucionais sigam, ipsis literis, o modelo teórico proposto por Habermas eles não estariam violando a própria Constituição?
Isso porque o modelo constitucional – pelo menos o brasileiro – não aceita qualquer resultado. Mesmo que se observe os procedimentos democráticos, existem fins sociais a serem atingidos (redução das desigualdades sociais, por exemplo).
O que se parece mais com a democracia deliberativa: o processo legislativo ou o processo judicial?
Como comprovar que a democracia deliberativa “funcional mal”? Ou seja, se o papel dos juízes é apenas o de liberar os canais democráticos, o que fazer se não conseguir atingir isso? Caso a democracia deliberativa funcione mal, como é que o juiz pode corrigir isso? Manda decidir de novo até atingir o resultado desejado?
São algumas dúvidas que tenho.
George
Thiago,
seu comentário foi muito bom. Apresentou vários argumentos que estou desenvolvendo em um paper sobre as objeções e contra-objeções à jurisdição constitucional.
Aliás, à medida em que vou colhendo argumentos contra a jurisdição constitucional (objeções) tenho sentido cada vez mais dificuldades em refutá-los, justamente porque são bem construídos.
Na verdade, estou enfrentando alguns dilemas argumentativos que estão me fazendo sempre voltar para o mesmo problema, que é a imperfeição das instituições.
Tenho uma visão muito pragmática do direito. E é por isso que os modelos bonitinhos como o de Habermas, que não guardam qualquer vinculação com a realidade, para mim não servem.
Estou cada vez mais convicto de que a jurisdição constitucional só funciona bem quando a democracia representativa funciona mal. Logo, se não há espaço para a jurisdição constitucional num modelo idealizado em que a democracia representativa funciona bem, é certo que sempre haverá espaço para a jurisdição constitucional quando o parlamento tiver defeitos graves de legitimidade.
Por outro lado, e é aqui que está o paradoxo que não estou conseguindo resolver, a própria jurisdição constitucional também é imperfeita. Ela surge da imperfeição, mas também funciona de forma imperfeita. O que fazer então?
ainda não encontrei a resposta…
george
Muito obrigado pelo elogio George.
Realmente fica muito difícil recusar as benéficas intervenções da Jurisdição Constitucional quando se tem em mente os 513 deputados e os 81 senadores que temos. O funcionamento da democracia representativa, talvez, pudesse ser repensada, já que a democracia Direta parece estar distante de ser implementada (no sentido não só técnico, mas de interesses: não se larga osso com sabor, assim diria meu cão, acaso falasse). O atual bicameralismo não está com tanta “vontade de constitucional”, e não saberia responder como faria tê-la (vontade de constituição, ainda que com um mínimo de “vontade de poder”, já que reputa-se impossível a neutralidade). O prof. Luiz Ferdando Coêlho tem outro livro chamado: Direito Constitucional e Filosofia da Constituição, editado pela editora JURUÁ, em 2006, que aborda de maneira interessante o aspecto da falência moral das instituições e aparelhos do Estado e da sociedade. Tenho que as instituições, são como um espelho da sociedade, e são tão falíveis ou mais que os seres humanos, pois só existem por meio de ações humanas, e que agregam geralmente muitas pessoas, agregando também, e de maneira mais explícita, as falhas inerentes ao ser.
Tudo em paz Professor. ?? Acompanho seu blog já faz um bom tempo, aprecio muitas das suas idéias, varias delas me fizeram observar o direito de outra forma ( típico daquele garoto que entra nessa vida acadêmica, almejando ser Delegado da Federal, eca…rsss ), muitos de seus pensamentos contribuíram para minha formação (formação ideológica e moral, pois fui para o 4 semestre agora, falta muito), e também, fazendo aflorar meu amor pelos Direitos Fundamentais, eu já possuía esse conceito de um mundo melhor, mas estavam trancado em um baú, e sua pessoa disponibilizou a chave, não apenas para mim, como para vários estudantes do Brasil. Certamente tem conceitos seus, que eu não vou de encontro aos meus, mas isso não importa no momento.
Como eu mencionei logo acima, acompanho esse blog a um tempinho, e fiquei impressionado que não consegui encontrar nenhum comentário seu, sobre o Direito a Educação, vejo muito valor nas suas palavras, e acho que seria uma boa, e eu, como vários outros estudantes também gostaria de ver o seu ponto de vista, falando sobre desde precariedade e ausência de nossas instituições ( pois tem crianças na favela, que continuam indo para as escolas, mesmo sem nenhum incentivo, ou por falta de profissionais), ate aqueles que já completaram seus 21 anos de idade e teve o pedido de extensão de pensão civil indeferido ( pois um nobre amigo meu de sala, que cursava direito comigo aqui no UniCeub e fazia estagio, perdeu ao mesmo tempo, seu direito aos estudos, como aquela mixaria reservada para os estagiários, pois cancelaram sua pensão quando completou 21 anos). ABSURDO !!!
Abraços Professor.
Caro George,
A sua visão “muito pragmática do direito” (e não há nada de errado nisso) não pode atrapalhar, todavia, a sua busca (projeto de doutoramento) por novas respostas. Estas respostas, muito provavelmente, não serão definitivas, mas podem apontar no “rumo certo”.
O Prof. Luís Roberto Barroso, após sustentar que “o constitucionalismo democrático foi a ideologia vitoriosa do século XX”, pois nele estariam condensadas “as promessas” da modernidade (limitação do poder, dignidade da pessoa humana, centralidade dos direitos fundamentais, justiça material, pluralismo, diversidade e tolerância), faz a seguinte observação:
“PARA EVITAR ILUSÕES, É BOM TER EM CONTA QUE AS GRANDES CONQUISTAS DA HUMANIDADE LEVAM TEMPO RELATIVAMENTE LONGO PARA PASSAREM DO PLANO DAS IDÉIAS VITORIOSAS PARA A PLENITUDE DO MUNDO REAL. O CURSO DO PROCESSO CIVILIZATÓRIO É BEM MAIS LENTO DO QUE A NOSSA ANSIEDADE POR PROGRESSO SOCIAL”.
Na mensagem anterior, você pergunta: “na medida em que os juízes constitucionais sigam, ipsis literis, o modelo teórico proposto por Habermas, eles não estariam violando a própria Constituição?”
O modelo normativo de Habermas, como destaquei acima, assenta-se em algumas premissas: a) política deliberativa assente na idéia de virtude cívica (civic virtue); b) igualdade dos participantes no processo político; c) possibilidade de consentimento universal nas disputas normativas através da razão prática; e, d) direitos de participação dos cidadãos na vida pública e controle dos representantes.
Como se vê, no Brasil, ainda estamos distante do modelo de democracia deliberativa, defendido por Habermas. Vivenciamos, por aqui, o que denominamos “democracia agregativa”.
Sobre a “democracia agregativa”, destaquei (no livro):
“No modelo agregativo, a democracia é vista simplesmente como um processo pelo qual os cidadãos, em virtude de suas preferências comuns, são levados a se agregarem para a escolha de candidatos e políticas públicas, na defesa de seus interesses. Daí afirmar-se que o modelo agregativo traduz um tipo de democracia centrada puramente em interesses, isto é, os diversos partidos buscam a adesão de um maior número de cidadãos às suas propostas para, dessa forma, poderem determinar as ações dos responsáveis pela elaboração das leis e dos negócios públicos em geral. Dá-se, nesse modelo, uma espécie de competição entre grupos, na qual cada partido está mais preocupado com a satisfação de seus próprios interesses.
Nessa democracia centrada nos interesses, há uma compreensão privatizada do processo político. Os cidadãos não precisam deixar de lado seus interesses particulares quando, no âmbito público, vão tratar dos objetivos coletivos. Nesse modelo, nada obstante cada um determinar racionalmente a melhor maneira de atingir seus objetivos privados, o resultado final do processo agregativo não tem, necessariamente, racionalidade. As pessoas não deixam seu próprio ponto de vista subjetivo para adotar uma visão mais geral ou objetiva dos assuntos públicos”.
Na realidade brasileira, apenas para ilustrar (debate acadêmico – Mestrado/UFC), podemos destacar uma experiência em que vislumbramos “traços” do modelo de Habermas: “o orçamento participativo”, praticado por algumas prefeituras municipais.
Se os “cidadãos” decidem a “lei orçamentária”, democraticamente (princípio democrático), no espaço de deliberação pública em que todos têm o compromisso com a “melhor solução” para comunidade (princípio do discurso), no tocante às políticas públicas a serem implementadas, não resta dúvida que o papel do “juiz constitucional”, no controle jurisdicional das políticas públicas, ficaria reduzido, ou seria, até mesmo, desnecessário (parece que agora chamei o Nagibe para o debate).
Forte abraço,
Jânio.
Caro Jânio,
No seu comentário, achei interessante esta passagem:
“Se os “cidadãos” decidem a “lei orçamentária”, democraticamente (princípio democrático), no espaço de deliberação pública em que todos têm o compromisso com a “melhor solução” para comunidade (princípio do discurso), no tocante às políticas públicas a serem implementadas, não resta dúvida que o papel do “juiz constitucional”, no controle jurisdicional das políticas públicas, ficaria reduzido, ou seria, até mesmo, desnecessário (parece que agora chamei o Nagibe para o debate).”
Apenas para mencionar, parece que foi em 1985 a primeira experiência Brasileira acerca do orçamento participativo, no município de Diadema-SP, na gestão do então prefeito Gilson Menezes (no sentido de convite aos munícipes para efetivamente decidirem acerca da dotação orçamentária).
Você mencinou que os cidadãos, ao debaterem/decidirem acerca da lei orçamentária, em local propício ao debate aberto e democrático, com o compromisso da melhor solução, possivelmente o juiz constitucional não seria necessário, ou teria papel reduzido. Contudo,verifica-se que o acréssimo do texto menciona que a “melhor solução” seria atinente as políticas públicas. Vejo ai uma arbitrariedade. Será mesmo que “a melhor solução” se adstringe as políticas públicas? E segundo, imaginando um circulo maior de debates, mesmo dentro das necessidades de determinada municipalidade, no sentido de que num hipotético município “X”, existam 10 bairros, todos eles carentes da mesma infra-estrutura (e.g. Esgoto inexistente). Supondo-se ainda que o orçamento seja suficiente apenas para suprir a carência de dois dos dez bairros, qual deveria ser o privilegiado, ou quais dos munícipes deveriam ter maior peso na decisão?
Não quero desvirtuar o debate, mas para mim Habermas é tão realista quanto John Rawls ao construir sua “Teoria da Justiça”, criando uma fictícia igualdade entre os “contraentes” por meio de um “véu de ignorância” que os cobre todos, de modo que permita que os participantes na tomada de decisão não vejam que cada um está mais interessado em si mesmo do que no bem da comunidade. Nelson Rodrigues para mim é um gênio, pelo simples fato de pensar “A vida Como ela É!”. A vida como ela é também foi retratada por Victor Nunes Leal em “Coronelismo, Enxada e Voto”. Teorificar sobre o que não é, tem tanta serventia quanto construir uma máquina de lavar espaçonaves ou construir uma roupa adequada para usar em outro universo. Desculpe a sinceridade, que me faz parecer até mesmo um ignorante. Não quero aqui dar um “salto de tigre”, tal qual denunciado por Walter Benjamin, no sentido de agir, tal qual um predador, buscando uma vítima no passado, e trazendo-a para o presente, na tentativa de legitimação histórica, mas o município de Diadema-SP, citado no início da postagem, mesmo usando o “orçamento participativo”, não se tornou mais democrático por isso. Tal participação não vincula a decisão final acerca da dotação orçamentária, e mesmo que vinculasse, não seria só isso o pressuposto do princípio democrático.
Abraços.
Thiago.
Caro Tiago,
A minha intenção não foi fazer a defesa do “orçamento participativo”, nem do modelo “normativo” de Habermas.
A título ilustrativo, ressaltei, tão-somente: “uma experiência em que ‘vislumbramos traços’ do modelo de Habermas: ‘o orçamento participativo’, praticado por algumas prefeituras municipais”.
Cuida-se apenas de um “esforço” acadêmico (um exemplo), para tentar explicitar as idéias do filósofo.
Quanto à sua pergunta (1) “Será mesmo que “a melhor solução” se adstringe as políticas públicas?”, ESCLAREÇO que, no exemplo por mim formulado, os cidadãos se reuniram para discutir especificamente este “assunto” (as políticas públicas). Daí, ter aludido ao compromisso da comunidade com a “melhor solução” para esta questão.
Todavia, se há “espaço de deliberação pública” para debater/decidir acerca das “políticas públicas”, não haveria também a possibilidade de discutir, neste “modelo”, acerca de “todas as questões da comunidade”, ou seja, como ressaltei anteriormente,“estabelecer um entendimento sobre a natureza dos seus problemas e a forma de sua solução”?.
No tocante à pergunta (2), considerando o município “X”, com 10 (dez) bairros carentes (esgoto) e orçamento para 2 (dois) apenas, VOU TENTAR provocar a reflexão com outra pergunta: “Se a comunidade (municipal) não é capaz, no espaço de deliberação pública, debater / decidir acerca da questão, estabelecendo um compromisso com a ‘melhor solução’, então esta solução (‘melhor’) seria dada por quem? (prefeito, legislador-representante, juiz?).
Por último, embora não tenha alinhamento político-ideológico com o “modelo de Habermas”, não posso deixar de reconhecer sua importante contribuição teórica, na busca por uma ‘resposta’ para organizar a vida social.
Por outra vertente (“comunitarista”?), temos, por exemplo, Paulo Bonavides falando de “democracia” como “direito fundamental” de “quarta dimensão” (o direito de todos os povos). Será que vale a pena?…
Abs.
Jânio.
Thiago,
parece que você está lendo meus pensamentos. Estou com um post praticamente pronto cujo título é “O mundo mágico e imaginário dos jusfilósofos” em que pretendo criticar a construção de modelos ideais totalmente desvinculados da realidade que costumam povoar a imaginação dos filósofos do direito.
Só estou colhendo um pouco mais de embasamento teórico para concluí-lo.
George
Caro George,
Não sei onde está “colhendo um pouco mais de embasamento teórico” para enfrentar o “mundo imaginário dos jusfilósofos”, mas, se me permite uma sugestão, segue abaixo:
“ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Trad. GuidoAntônio Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.”
Forte abraço.
Jânio.
Valeu pela dica, Jânio.
A propósito, nessa mesma linha, sugiro um site de compartilhamento que tem me ajudado muito:
http://www.esnips.com
Tem muitos livros em PDF e em DOC na íntegra. A maioria, eu tenho na minha biblioteca aí no Brasil. Mas como não pude trazer todos, a consulta à versão digital tem me economizado bastante tempo e dinheiro.
George Marmelstein
Caro Prof. George,
Primeiramente gostaria de lhe parabenizar pelo blog. Não somente pelo
conteúdo e inigualável contribuição para o mundo jurídico daqueles que
buscam conhecimento, mas também pelo fato de utilizar a internet – e
especificamente um blog – para tal. Agrega ao mundo desses “diários” a seriedade
que eles merecem.
Bem, decidi há alguns meses – 4, para ser exato – prestar concursos e
fui surpreendido – positivamente – pela oportunidade de lutar por uma
vaga de técnico administrativo do TRT. Após utilizar o TRT da 18ª como
“treino” – dado que este foi meu primeiro concurso – prestei também 2ª
região e agora me preparo para o tão almejado TRT da 15ª que inclui a
minha cidade – daí meu tão grande interesse em me tornar um
funcionário público federal em meados de março de 2009 (época em que
dizem este concurso ocorrerá).
Decidimos então, eu e minha namorada, comprarmos algum livro que nos
desse uma visão mais “ampla” do Direito do Trabalho, dado que a grande
surpresa do concurso do TRT de SP da última semana foi justamente o
uso de situações hipotéticas que levavam o candidato a vivenciar casos
que certamente se depararia em uma Vara do Trabalho.
Bem, tal foi minha surpresa hoje na livraria – disposto realmente a
investir pesadamente neste concurso da 15ª – ao ver o livro que tanto
queria (Curso de Direito do Trabalho do Amauri Mascaro Nascimento)
como uma obra que, grosso modo, não “ia direto ao assunto”. Me
desculpo aqui com o autor mas não encontrei palavras melhores para lhe
descrever minha experiência de minutos atrás.
Aproveito para dizer, talvez tardiamente, que não curso Direito, e
talvez aí resida tal problema. Por isso, espero e clamo por uma ajuda
sua: afinal, compro este livro (ou outros de outros autores) e busco
com muito suor o entendimento do Direito do Trabalho em sua plenitude
ou busco algo mais “direto”, tal como resumos, apostilas de qualidade
(Vestcon??) ou até mesmo a CLT (comentada??) me valendo de entender (e
decorar) as leis secas?
*
Um fato engraçado é que enquanto escrevia este email li seu post “Dicas de Concursos” em que você diz estar 100% antenado quanto ás dicas de livros de Constitucional. Por isso, já me alegro em saber que encontrei a pessoa certa para tal questionamento.
Também compartilho sua dica sobre a leitura de artigos jurídicos e também gostaria de dicas de grandes sites em que eu possa encontrar tais textos.
Desculpo-me pelo longo email, mas estou certo que sua resposta será de
uma inigualável valia e tal gratidão sentirei com a mesma fé com que
venho estudando para almejar meu sonho de me tornar um funcionário público federal.
Abraços,
Fernando Henrique
Jânio,
Quanto ao orçamento participativo, percebi o esforço acadêmico. Mas é que, não me leve a mal, e já comentando sua mais recente mensagem, soa um pouco mimética tal qual o esforço de Adorno e Horkheimer em busca de Homero na Odisséia com o canto das sereias para tentar dialetizar a questão do esclarecimento.
O quanto eles realmente criticam o iluminismo e o quanto eles criticam a si mesmos, era o que eu gostaria de saber. No seu curso de DF George já menciona, ao menos em imagem, as peripérsias de Ulisses. Será mesmo que a interpretação deste dois Frankfurtianos não pode ser refutada com base neles mesmo? Ai é que me confundo.
Como a escola de Frankfurt está em voga desde o final dos anos 20, pertinente citar um pensador que, se não tivesse sido morto por causa de suas idéias, possivelmente teria feito parte deste tão prestigioso grupo de pensadores. Pelo menos influenciou-os, assim o penso. Refiro-me a Evgeny Pashukanis (parte da obra traduzida do Russo para o Inglês disponível em: http://www.marxists.org/archive/pashukanis/index.htm ).
Na vertente defendida pelo Jurista Marxista Russo, o Direito está atrelado ao Estado e serve ao ideal dominante capitalista. Em grossas linhas, o Direito só serve para regular e coercitivamente agir, na regulação da troca de bens (quaisquer que sejam eles, inclusive e possivelmente principalmente, a “Mais-Valia”). Sim, o homem como objeto, e ai vejo uma vinculação com a realidade (ao menos a minha). Talvez “não tão infenso” a polêmicas como Francis Fukuyama e sua inspiração Hegeliana em “o Fim da História e o último Homem”, posso dizer que a tão decantada igualdade jurídica não serve para a democracia que se idealiza como adequada ao bem estar comum, físico e psicológico.
Voltando a carga, debater um orçamento, não pode significar alcance pleno da democracia, ou mesmo a concepção de Habermas para discussões entre a sociedade civil linguisticamente interligada. A linguagem é, de fato, muito importante. Segundo alguns é a única coisa que nos diferencia dos animais, e não a razão e a lógica.
Contudo, um grupo de cidadãos sentados em círculo, debatendo a dotação orçamentária de determinado município não quer dizer que seja isso democracia. Em cuba, segundo relatos, também já existia desde a época de Fidel, discussão pública orçamentária (comunitarista), e não se pode dizer que a ilha era democrática. Não era livre, e não era igualitária, pressupostos que são das bases e dos pilares da democracia.
Em outras palavras, sentar para apresentar os problemas e as respectivas soluções, pode ser feito até mesmoa dentro de uma cadeia, quando o problema do segregado é a perda da liberdade, e a solução é a liberdade. O que não quer dizer muita coisa. Sem exageros retóricos: um grupo discutindo problemas e soluções para comunicade é interessante, sim, sem dúvida. Mas de acordo com Karl Marx, perdoe-me por usar esta construção tão batida: O que os filosofos fiseram até hoje foi apenas debater a realidade. Precisamos na verdade, modificá-la.
Gostaria de saber de você, que se propôe a debater dialeticamente, se vê realização da democracia sem a desagregação prospectiva da propriedade e sem solidariedade, agregada aos outros dois piralres liberdade e igualdade?
No que tange a seu outro questionamento, provocativo, que achei interessante, acerca da substitutividade do povo, acaso não seja capaz de decidir por si só, respondo com outra pergunta, após tentar responder a provocação: Acaso ao povo, já foi dada a oportunidade de decidir por si mesmo com condições ideais de debate, liberdade, igualdade? Tenho que o povo é capaz de decidir por si mesmo, conceda-lhe as condições ideais.
Contudo, o que será preciso para que o povo tenha as condições ideais, revolução com violência? E mais, o que impediria um eventual, possível e consequente retorno “a granja do solar” com a também eventual eleição, ainda que tácita, de outro Napoleão? A democracia efetiva deve valer a pena, posto que nunca a tenhamos vivenciado, a não ser por meio do ideário imaginativo dos pensadores.
Proponho aqui, e agora, que discutamos três textos fundamentais, escritos em forma de teses (obviamente acompanhado do texto que oferece subsídio à tese), sem desabono a todos os outros.
1) Teses sobre Feuerbach, de Karls Marx;
2) Teses sobre a Filosofia da História, de Walter Benjamin;
3) Teses de Democracia Radical, de Roberto Mangabeira Unger;
Se aceitar, pode começar com o primeiro. A escolha foi pura e simples, pelo motivo de que os debates acadêmicos hodiernos, estão estacionados na Escola de Frankfurt, de viés Marxista, razão pela qual proponho debate no original, passando por um importante Frankfurtiano, e terminando com outro pensador bastante em voga, e que foi professor do próximo presidente da superpotência que mais inquieta os Sociólogos, Políticos, Filósofos e Juristas: os E.U.A.
Abraços,
Thiago.
George,
se me permite, um texto bastante interessante sobre um comparativo entre Rawls e Habermas pode ser encontrado em:
– AUDARD, Catherine. O princípio da legitimidade democrática e o debate Rawls-Habermas. in: ROCHLITZ, Rainer (Org). Habermas. O Uso público da razão. Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro. 2005
e um crítica bastante contundente a Rawls em:
– KUKATHAS, Chandran; PETTIT, Philip. Rawls: A theory of Justice and its Critics. Cambridge, Basil Blackwell. 1990.
Talves você já conheça, mas eu só vim a conhecer muito recentemente.
A propósito, eu havia esquecido de mencionar, para este site, parece interessante a discussão da 4º e da 5ª Tese de Mangabeira Unger, que são:
4ª”Do Conceito de Direitos Fundamentais”
5ª “A proteção aos Direitos Fundamentais”,
que devem ser analisadas, obviamente, dentro do contexto de todas as outras:
“Quarta tese: Do conceito de direitos fundamentais – Os progressistas devem reinterpretar, em vez de rejeitar, a idéia de direitos fundamentais. Existe uma relação dialética entre a proteção aos indivíduos em um abrigo de interesses vitais e a capacidade dos indivíduos de prosperar em meio a um experimentalismo acelerado. O papel dos direitos é garantir às pessoas os equipamentos políticos, econômicos e culturais de que elas precisam para se levantar, progredir e se relacionar. Esses direitos devem
protegê-las contra as inseguranças que podem tentá-las a abandonar sua
liberdade. Devemos retirar da agenda política de curto prazo a definição e a atribuição desses equipamentos, para que possamos ampliar tal agenda com maior eficácia. Assim, a relação dos direitos fundamentais com o a reforma generalizada de uma democracia aprofundada é como a relação entre o amor que uma criança recebe de seus pais e a capacidade da criança de se fazer e refazer por meio de experiências. As pessoas deveriam herdar da sociedade, e não de seus pais: deveriam ter uma conta de dotação social. A herança por morte ou por meio de doação deveria ser limitada ao patrimônio exigido por um padrão convencionalmente estabelecido de modesta independência. A conta de dotação social deveria incluir tanto uma parte fixa quanto uma parte
variável. A parte variável deveria aumentar, por um lado, segundo um índice medido de acordo com um princípio de compensação por necessidades especiais – desvantagem física, social ou cognitiva -, e por outro, de um princípio contraposto de acordo com um critério de recompensa por habilidades especiais, por meio da competição entre os indivíduos para incrementar suas contas. A educação, continuando por toda a vida, salvando as pessoas, enquanto crianças, do controle imaginativo de suas famílias, sua classe, seu país e seu tempo, e dando-lhes, quando adultas, o acesso a um repertório de capacidades práticas e conceituais genéricas, representa o mais importante fator de capacitação da liberdade individual e coletiva. É, portanto, o principal objeto da conta de dotação social. Para manter o impulso experimentalista precisamos investigar e comparar diferentes formas de compor as contas e de restringir seu uso. Dessa forma, uma parte pode ser recebida do governo como concessão em dinheiro e outra parte pode ser mantida como ações ou participações – negociáveis, mas não conversíveis em
dinheiro vivo – em ativos produtivos. Parte do dinheiro terá de ser gasto de
acordo com formas predeterminadas, e regras fixas. Outra parte ficará em
disponibilidade para uma escolha entre usos alternativos e fornecedores
alternativos. Além disso, se essas estruturas de substituição de herança
impuserem um custo sobre a produção e a prosperidade, precisamos
determinar qual é esse custo e decidir que parte dele queremos assumir em favor de uma forma de vida que nos equipe e nos una melhor. Redefiniremos os assim, como escolha, algo que, de outra maneira, permaneceria como destino.” (MANGABEIRA UNGER, 1999, p. 210/211).
“Quinta tese: Da proteção dos direitos fundamentais- Os direitos, especialmente os direitos sociais e econômicos, não devem
ser considerados simplesmente como esquemas de bem-estar social e de
seguro social, dependentes de recursos. As reivindicações de direitos entram em conflito com determinadas organizações sociais, ou com áreas de prática social quando:
(a) surge uma estrutura de desigualdade ou exclusão nas organizações ou práticas, ameaçando o gozo efetivo dos direitos; e
(b) o indivíduo não pode desafiar prontamente essa cidadela de privilégios pelas formas normais de atividade econômica e política de que dispõe.
Precisamos então de um tipo de intervenção e reorganização corretiva que, ao mesmo tempo, (a) defina direitos e estruturas; e (b) seja um fato episódico e 50
localizado. Exemplos: a intervenção em um sistema escolar para corrigir as
desvantagens de crianças dotadas de certas aptidões ou deficiências; a
intervenção em uma fábrica para reorganizar um sistema de trabalho que
imponha formas extremas de hierarquia, mais por preocupação de controlar
os operários do que por exigência de coordenação e eficiência técnicas.
Nenhum dos poderes existentes do Estado está inteiramente adaptado, em
razão de legitimidade política ou de capacidade prática, para servir como
agente de tal intervenção. Um novo poder do Estado deve ser designado, eleito
ou escolhido conjuntamente pelos eleitos. Ele deve gozar de recursos
orçamentários e técnicos apropriados para suas responsabilidades de
reconstrução”. (MANGABEIRA UNGER, 1999, p. 211).”
– MANGABEIRA UNGER, Roberto. Democracia Realizada – a Alternativa Progressista. Tradução de Carlos Graieb, Marcio Grandchamp e Paulo César Castanheira. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999.
Teses sobre Feuerbach : http://www.marxists.org/archive/marx/works/1845/theses/index.htm
Teses sobre o materialismo histórico:
Clique para acessar o Theses_on_History.PDF
Teses sobre a democracia radical não achei na internet propriamente ditas, mas se encontram no livro seguinte:
MANGABEIRA UNGER, Roberto. Democracia Realizada – a Alternativa Progressista. Tradução de Carlos Graieb, Marcio Grandchamp e Paulo César Castanheira. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999.
Abraços a todos.
George,
A criatura humana é imperfeita.
Tudo o que ela fizer será imperfeito.
Inclusive a jurisdição constitucional.
A questão é imaginar se o mundo seria menos imperfeito, ou mais imperfeito, sem a jurisdição constitucional.
Acho que, por pior que ela seja, sem ela seria pior ainda.
hugo,
você tem razão. É essa a conclusão a que cheguei. E a consciência das imperfeições das instituições, inclusive a jurisdição constitucional, é algo essencial para que se estabeleçam limites e controles.
O direito existe porque as pessoas são imperfeitas. A separação de poderes existe porque o governante é imperfeito. A jurisdição constitucional existe porque o legislador é imperfeito. E é preciso estabelecer limites e controles à jurisdição constitucional precisamente porque ela também é imperfeita.
George
Também acompanho essa tua última colocação. Aliás, Habermas não é contrário à jurisdição constitucional, mas se preocupa com os seus limites, em razão do princípio democrático. O problema é que Habermas, no capítulo anterior do seu Faticidade e Validade, ainda que com a procedimentalização de Hércules, manifesta seu apreço pela teoria do direito como integridade. Ora, mesmo a integridade inclusiva de Dworkin implica enormes poderes ao juiz, em especial ao juiz constitucional. Tanto é assim que Dworkin fala da leitura moral da Constituição, na introdução do seu Freedom’s Law. Mesmo Habermas, em O Futuro da Natureza Humana, chega a afirmar em nota de rodapé que, em certas circunstâncias, a jurisprudência deve seguir princípios morais. Como compatibilizar as duas posições de Habermas? Um colega meu defendeu no doutorado a tese de que as teorias minimalistas do direito poderiam servir para solucionar esse problema (se é que ele existe) em Habermas, particularmente aquela esboçada por Cass Sunstein (uma obra na qual o autor resume bem a sua teoria data de 2005: Radicals in Robes). Não há pura e simplesmente uma negativa da jurisdição constitucional, na estrutura do estado constitucional democrático, mas uma defesa de que produza, tanto quanto possível, decisões estreitas e superficiais (a argumentação deve ser apenas aquela estritramente necessária para resolver o caso posto a julgamento). A idéia é que não se vedem prematuramente as vias do debate político democrático. Enfim, a idéia de autocontenção do judiciário constitucional, com novos argumentos e idéias.
Perdoem apenas a quantidade de “idéias” enviadas na msg anterior.. Escrevi meio apressado
Caro George,
Também tenho acordo com a sua conclusão: a necessidade de estabelecer “limites e controles” para a atuação da jurisdição constitucional.
Como já sustentei nessa “tribuna virtual”, a (suposta) impossibilidade de alcançar a “solução definitiva”, não impede a elaboração de ‘alternativas consistentes” à questão por você colocada (democracia x jurisdição constitucional).
Quando escrevi sobre o tema, mesmo sem a profundidade reclamada, apontei no sentido da sua conclusão:
“Assim, a principal discussão, na atualidade, já não seria tanto a admissibilidade da jurisdição constitucional, no tocante à exigência de uma justificação legitimadora, mas, principalmente, o ‘estabelecimento de limites para a sua atuação’, em face do princípio democrático.”
Por último, encerrando nossa participação nessa polêmica (acadêmica), devo destacar que você, aí em Portugal, está em “boas companhias”:
BRITO, José de Sousa. Jurisdição constitucional e princípio democrático. In: BRITO, José de Sousa; SANCHES, Sydy; STARK, Christian et alii. Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Colóquio no 10º Aniversário do Tribunal Constitucional. Coimbra: Coimbra, 1995.
CABRAL PINTO, Luzia Marques da Silva. Os limites do poder constituinte e a legitimidade material da constituição. Coimbra: Coimbra, 1994
CANOTILHO, J. J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra, 1994.
MIRANDA, Jorge. Nos dez anos de funcionamento do tribunal constitucional, In: BRITO, José de Sousa; SANCHES, Sydy; STARK, Christian et alii. Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Colóquio no 10º Aniversário do Tribunal Constitucional. Coimbra: Coimbra, 1995.
MOREIRA, Vital. Princípio da maioria e princípio da constitucionalidade: legitimidade e limites da justiça constitucional. In: BRITO, José de Sousa; SANCHES, Sydy; STARK, Christian et alii. Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Colóquio no 10º Aniversário do Tribunal Constitucional. Coimbra: Coimbra, 1995.
PIRES, Francisco Lucas. Legitimidade da justiça constitucional e princípio da maioria, In: BRITO, José de Sousa; SANCHES, Sydy; STARK, Christian et alii. Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Colóquio no 10º Aniversário do Tribunal Constitucional. Coimbra: Coimbra, 1995.
Forte abraço,
Jânio.
Jânio,
Dois comentários que fiz, em resposta a seus questionamentos aguardam moderação, possivelmente porque cito alguns links em proposta de debate acerca das teses de Marx sobre Feuerbach, das teses de Walter Benjamin sobre a filosofia da História, e de Mangabeira Unger sobre a Democracia radical, além de mencionar brevemente o jurista Marxista Russo Pashukanis.
De toda forma, muito bom o debate. Com M. Unger subscrevo , portanto, “abaixo os dogmas — não só os deles, mas também os nossos. É mais importante dar braços e asas à energia frustrada da nação do que
homenagear nossas teses.”
Hugo Segundo,
Não pude deixar de notar que uma postagem no seu site Direito e Democracia, menciona o assunto ora em debate, isso na minha visão, sob outra ótica, qual seja, a indagação sobre a possibilidade de afastamento da Metafísica, no sentido mesmo de ideal, direito posto e direito pré-suposto. Me chamou atenção porque acabei de ler um texto de Martin Heidegger – (Introdução à Metafísica. apresnt e trad. de Emmanuel Carneiro Leão. 4ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999), em que me chamou muita, mas muita atenção mesmo, a seguinte passagem.
“Como exposição da estrutura formal do pensar e o estabelecimento de suas regras, a lógica só pôde surgir depois que já se havia concretizada a distinção entre Ser e Pensar, e de acordo com uma visão particular e numa determinada maneira. Por isso, em si mesma e em sua História, a lógica nunca poderá dar uma explicação suficiente sobre a Essencialização da distinção entre Ser e Pensar nem sobre a sua origem. Ao contrário. É a lógica que necessita de explicação e fundamentação, no tocante à sua própria origem e ao direito de sua pretensão de ser a interpretação normativa do pensar. Não nos ocupa aqui a origem histórica da lógica, como disciplina acadêmica, nem o seu desenvolvimento em particular. Ao invés, temos que considerar as seguintes questões:
1. Por que teve que nascer na Escola Platônica algo assim como a ‘Lógica’?
2. Por que a doutrina sobre o Pensar se tornou uma teoria sobre o logos no sentido da enunciação (proposição)?
3. Em que se funda , desde então, o poderio sempre crescente do Lógico, que, por fim, terminou por expressar-se na seguinte frese de Heger : ‘O Lógico (é) a forma absoluta da verdade e muito mais que isso, a verdade pura em si mesma’ (Enciclopédia, § 19, Obras Completas, t. VI, 29)? A esse poderio do lógico corresponde o fato de Hegel chamar conscientemente de Lógica a doutrina, que, em geral, se denominava ‘Metafísica’. Pois sua ‘Ciência da Lógica’ nada tem a ver com um manual de lógica comum.
Em latim pensar é ‘intelligere’. É coisa do ‘intellectus’. Quando lutamos contra o intelecualismo, devemos então, para lutar realmente, conhecer o adversário.Isso significa saber que o intelectualismo é apenas um rebento e uma decorrência moderna e muito precária, de uma proeminência longamente preparada e edificada com os recursos da Metafísica ocidental. Eliminar as escrescências do intelectualismo moderno é tarefa importante. Nem por isso, todavia, sua posição se deixa, no mínimo que seja, abalar. Não é nem tocada. Ao contrário, persiste até o perigo de recairem no intelectualismo justamente aqueles que o pretendem combater. Uma luta, somente moderna, contra o intelectualismo de hoje faz com que os defensores do uso devido do intelecto tradicional surjam com aparência de direito. (continua)” (op. cit. p. 146/147)
Nesse sentido, qual seja, o de que possivelmente o excesso de intelectualismo, daqueles que pretensamente tentam porpor soluções para as demandas da vida moderna (pós-moderna), pode gerar o que se pode chamar de “mundo fantasioso” ou como alusiu George, “mundo mágico e imaginário dos Juristas”, ou como você mesmo afirmou no outro site, mundo Metafísico, com a distinção entre “o Direito que é” e “o Direito que deveria ser”. Lá a sua indagação, após apontar que o que deveria ser é impropriamente alcunhado de Direito Natual, é no sentido de se saber se há possibilidade de se dissociar o que é (Ser) do imaginário do que Deveria Ser. Isso é interessante, pois, segundo a leitura que aqui faço, episódica que seja, leva a uma hipótese de que em imaginando de mais e fazendo de menos, o indivíduo se torna um nefelibata. Mas então, o que fazer, quando se repudia também a resignação? Segundo Adorno e Horkheimer por não terem percebido a ligação entre razão e dominação as idéias iluministas devem ser olhadas de esgueira. E então, como encarar os problemas pós-modernistas ou de modernidade líquida?
PS: não respondi no próprio site porque não consegui postar, apresentou erro de página.
Caro George,
Como já lhe falei, a minha demora em atender ao seu chamado deu-se exclusivamente em razão da viagem da qual acabo de chegar.
A sua análise do que pretendi expor no Controle Jurisdicional das Políticas Públicas está absolutamente correta, creio.
As sua objeções às teses que desenvolvo no livro também são muito apropriadas. No doutorado, eu gostaria de desenvolver justamente a idéia da decisão judicial como discurso democrático (cap. 3). E, então, aprofundar o estudo quanto a essas objeções. É difícil ultrapassá-las, mas tenho as seguintes idéias:
A decisão judicial é resultado de um discurso democrático, onde muitos envolvidos: partes, advogados, ministério público, juízes, desembargadores e ministros, esgrimem suas teses de modo a chegar ao melhor argumento, à melhor interpretação do texto normativo.
Qual o melhor argumento? É impossível dizer, mas é possível constatar se a argumentação está viciada ou serve a algum outro interesse. Neste caso, à decisão judicial faltará legitimidade.
Qual o resultado disso? Juridicamente falando nenhum, pois a decisão continua válida e deve ser cumprida, mas essa idéia tem um efeito importante na dimensão política. O Direito Constitucional é o espaço por excelência onde o jurídico encontra-se com o político.
Assim, em uma discussão jurídica, podemos chegar a dois ou mais resultados igualmente razoáveis, mas podemos descartar, igualmente os irracionais. A meu ver a jurisdição constitucional somente se legitima pela argumentação racional em um processo discursivo democrático.
Voce pode dizer é pouco, pois quem garante que a argumentação é, afinal, racional? Quem garante que o processo discursivo é, afinal, democrático? Todos nós. Nas sociedades pós-tradicionais já não podemaos mais falar em um garantidor de última instância. Quem confia no STF como garantidor da ordem constitucional? Digo, na sua exclusiva autoridade?
Recentemente o próprio STF deu mostras de que ainda não está em harmonia com esse modelo discursivo. O STF ainda se confia e quer ver suas decisões prevalecerem com base exclusivamente em sua autoridade. Pensou até em abrir procedimento correicional contra os juízes que não pensam como ele! Triste página da história da Corte… Pior para o STF. Mas quais as consequências jurídicas reais disso? Não sei ao certo, mas pelo menos podemos apontar, de imediato, uma crise de legitimidade.
Voltando ao ponto: todos nós, a sociedade como um todo, a imprensa e os operadores do Direito que participam dia-a-dia dos debates que acabam por firmar as interpretações dos textos normativos somos os garantidores da democracia do processo e da racionalidade da argumentação. É preciso, portanto, envolvimento de todos. Não há mágica. Não há salvadores, nem o legislador nem o julgador nem o administrador. É um equilíbrio precário que, admito, o Brasil ainda não está nem perto de alcançar. Mas isso não significa dizer que esse estágio não possa ser alcançado e venha a se transformar em um instrumento poderoso em defesa da sociedade.
Você diz que nem todos participam do processo judicial. Eu respondo que todos podem participar. O acesso à justiça é uma garantia jurisdicional. Se presumirmos que o acesso à justiça é amplo, podemos concluir que a melhor interpretação dos texto normativo é dada por todos os interessados. É claro que isso não ocorre na prática, seja porque o acesso ainda não é tão amplo assim; seja porque os meios de comunicação muitas vezes bloqueiam ou obnubilam essas discussões.
Vc diz que, no processo judicial, as pessoas envolvidas defendem seus próprios interesses. Eu digo que não há nada de errado nisso. Errado é os representantes do povo não defendenrem os interesses dos representados. Mas vc tem razão em um ponto que talvez esteja implícito nesse argumento: a defesa dos próprios interesses não pode afastar a boa-fé na discussão. Quem controla esse aspecto? Mais uma vez, todos os envolvidos no processo, com destaque para o juiz e para a própria racionalidade.
Admitir que a argumentação jurídica pode ser racional é admitir que a ausência de racionalidade pode ser vista e apontada, algumas vezes, como ausência de boa-fé. Já viu isso acontecer alguma vez nas decisões judiciais?
Vc também tem razão quando diz que nem sempre o juiz está comprometido com o melhor argumento. O mesmo pode ser dito das Cortes Constitucionais. Aliás, foi assim que entendi o termo “juiz”. É verdade, mas, então, o que faremos? Destituiremos os juízes? Nomearemos um salvador à altura?
Penso que o único caminho é uma vigilância constante por meio de um processo argumentativo aberto e democrático.
Por fim, muito obrigado pela sua análise do livro e pelo seu comentário. A coisa aqui está do mais alto nível. Só tem fera… Vamos estudar e continuar discutindo.
Tudo de bom para você.
Um grande abraço,
Nagibe
George, muito bom o seu texto (como de hábito, por sinal). Gostaria de autorização para publicá-lo em meu blog. Abraços.