Na primeira noite eles se aproximam…

Parabéns ao Min. Marco Aurélio pelos seus trinta anos de magistratura. Apesar de pensar diferente dele em muitos assuntos, tenho admiração por sua coragem. E ontem ele orgulhou a toga que veste.

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9 a 1, vencido o Min. Marco Aurélio. Foi o placar da decisão tomada pelo STF no caso da “OPERAÇÃO SATYAGRAHA”, confirmando a decisão proferida pelo Min. Gilmar Mendes que revogou a prisão preventiva de Daniel Dantas. Que a decisão ia ser confimada já era esperado. Ninguém esperava era a fúria dos ministros Peluso e Eros Grau contra o juiz federal Fausto de Sanctis. Parecia que era pessoal.

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Os comentários abaixo dizem respeito não ao mérito em si do processo, mas à questão de ordem levantada.

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Além de confirmar a liminar, tentou-se exigir a punição administrativa do magistrado junto ao Conselho Nacional da Magistratura. Uma clara utilização do CNJ para fins de patrulhamento ideológico. Até o Min. Gilmar Mendes já havia voltado atrás quanto a esse ponto (vide nota da Ajufe logo abaixo). Ainda bem que a tese restou vencida.

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E para entornar ainda mais o caldo, pretendeu-se punir TODOS os demais juízes do Brasil que manifestaram apoio ao juiz Fausto. Isso mesmo: levantou-se a idéia de submeter todos os juízes que assinaram manifesto de apoio ao juiz Fausto ao controle disciplinar do CNJ. Os juízes foram tratados como um bando de insubordinados! Ainda bem que a lucidez de alguns ministros impediram que esse atentado à democracia ocorresse.

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Em meus quase dez anos de magistratura, já estive diante de latrocidas, traficantes e outros criminosos de alta periculosidade. Ontem, foi a primeira vez em minha carreira de magistrado que senti medo. Apesar de as tentativas de se punir disciplinarmente os juízes não tenham prevalecido, é inegável que o CNJ está sendo utilizado como instrumento de policiamento para que os juízes “andem na reta” e sigam a cartilha ditada por seus membros. A simples ameaça de punição certarmente já atingiu a sua finalidade que é gerar um efeito silenciador perante os juízes de primeiro grau.

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E olha que não tenho qualquer interesse pessoal e direto na questão, pois, na época em que houve o ocorrido, eu estava na Argentina, de férias, e não tive como assinar o manifesto de apoio ao Fausto. Assim, formalmente, não posso ser considerado um juiz “insubordinado” e certamente não seria “enquadrado” por uma eventual decisão do STF.

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Na minha ingenuidade, sempre fui favorável à criação de um órgão de controle externo da magistratura, como forma de punir os desvios éticos que costumam ocorrer no Judiciário. Há tanta coisa errada que somente um órgão disciplinar para diminuir as imoralidades institucionalizadas. Jamais imaginei que esse órgão fosse utilizado, ainda que retoricamente, para amendrontar os juízes, controlar o mérito das suas decisões ou até mesmo cercear as suas opiniões. Vã ilusão…

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O CNJ começa a receber as informações “estatísticas” das escutas telefônicas autorizadas judicialmente, conforme aprovado em setembro. Ninguém sabe ao certo o que ele fará com essas informações. Há quem diga que ele chamará todos os juízes que autorizaram mais escutas do que a média para dar explicações. Se isso não for patrulhamento, então tenho que mudar meus conceitos.

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O CNJ chegou a recomendar como os juízes redijam suas decisões. “Aconselhou” que não fossem utilizados os nomes propagandísticos das operações policiais, pois isso poderia afetar a imparcialidade do julgamento!

O curioso é que nunca vi ninguém criticar o uso dos famosos “vulgos” quando se trata de réu pobre, que são muito mais depreciativos. “Fulano de Tal, vulgo, ‘Matador Sanguinário'” – esse já tá condenado!

Sou fã dessa idéia de dar nome aos casos jurídicos. Falar em “Caso Ellwanger” é muito mais didático do que falar HC 3123214219432. Na Alemanha, onde o Min. Gilmar Mendes estudou, todos os casos são conhecidos por “nomes de impacto”. É o caso “Numerus Clausulus”,  “Soldados são Assassinos”, “Aborto I” e por aí vai. Isso facilita tremendamente a compreensão e divulgação do julgamento para o  grande público. Se os nomes são depreciativos e podem induzir a uma condenação antecipada, cabe à Justiça modificar. O próprio Caso Satyagraha também é conhecido como Caso Daniel Dantas.

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Eis a nota da Ajufe sobre a questão de ordem levantada no julgamento de ontem:

A propósito da questão de ordem suscitada durante o julgamento do HC nº 95.009, no Supremo Tribunal Federal, a Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE vem a público rejeitar qualquer tentativa de violação da independência funcional da magistratura.

Esclarece que o movimento surgido espontaneamente entre os juízes federais brasileiros teve por único objetivo defender a independência de os magistrados, de todas as instâncias, decidirem, exclusivamente, de acordo com a sua consciência e a prova existente nos autos.  Daí decorre que as decisões judiciais somente podem ser revistas através dos recursos cabíveis.

Esse movimento foi lançado quando pairava a dúvida de que decisões judiciais poderiam tornar-se alvo de sindicância por órgãos administrativos.

Essa dúvida, no entanto, foi resolvida quando o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, em comunicação trocada com a AJUFE, esclareceu que, “em atenção à mensagem recebida, via e-mail, em 12 de julho passado, dessa Associação, reafirmo que, no caso do Habeas Corpus nº 95.009, o envio de peças a órgãos jurisdicionais administrativos objetivou unicamente complementar estudos destinados à regulamentação de medidas constritivas de liberdade, ora em andamento tanto no Conselho Nacional de Justiça quanto no Conselho da Justiça Federal. Enfatizo, ainda uma vez, que em momento algum houve determinação de que se procedesse a qualquer averiguação de conteúdo, quer sob o ponto de vista técnico ou ideológico, de provimento judicial”.

Em razão desse esclarecimento, amplamente divulgado à época, causa estranheza que isso volte à tona, tendo sido noticiado que seria expedido ofício ao Conselho Nacional de Justiça “para saber em que estado se encontram os procedimentos encaminhados para análise do comportamento do magistrado”, uma vez que o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal já afirmara que o envio de peças a órgãos jurisdicionais administrativos teve o único objetivo de complementar estudos destinados à regulamentação de medidas constritivas de liberdade, o que já se consubstanciou na Resolução nº 59, de 9 de setembro de 2008, do Conselho Nacional de Justiça.

A AJUFE reafirma que nenhum magistrado, seja de primeira instância ou dos tribunais superiores, pode ser punido ou ameaçado de punição porque decidiu de acordo com a sua consciência, nos termos da Constituição e das leis.

Igualmente, nenhum magistrado pode ser punido ou ameaçado de punição porque se manifestou publicamente na defesa da independência funcional da magistratura.

Vivemos em uma democracia e no Estado Democrático de Direito. Os magistrados, como todos os cidadãos, têm o direito de manifestar sua opinião e a Lei Orgânica da Magistratura, que surgiu em triste período da história deste País, deve ser interpretada sob o espírito democrático e participativo da Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadão, mas jamais ser utilizada como instrumento de intimidação.

A AJUFE reafirma o seu compromisso com o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, com a harmonia na convivência entre todos os magistrados e com o aprimoramento constante do Poder Judiciário.

Fernando Cesar Baptista de Mattos

Presidente da AJUFE

28 comentários em “Na primeira noite eles se aproximam…”

  1. Ontem, confesso, fiquei chocado com o julgamento do HC DD. A cada linha que lia do voto do Min. Eros Grau ou, no dizer da Min. Carmem Lúcia, Cúpido, tinha a impressão de que a qualquer momento iria expedir mandado de prisão contra do juiz de Sanctis e, na linha seguinte, canonizar o DD. Trataram o juiz em questão como se fosse subordinado ao STF. Lamentável.

  2. Caro Professor George,

    Espero que o seu medo não seja do STF de agora, mas apenas da ameaça à democracia que ressai do lamentável episódio. Não há como negar que o nosso Tribunal Maior tem dado péssimos exemplos ultimamente. É impressionante como os senhores Ministros conseguiram inverter os papéis no famoso Caso Daniel Dantas, mesmo ele próprio afirmando que teria “facilidades” por ali. Como disse o Promotor, trataram o juiz federal como se ele fosse subordinado ao STF, mas o pior foi a forma desrespeitosa como ele foi tratado por proferir uma decisão fundamentada. Será que não bastava reformar a decisão, era preciso tanta fúria contra o agente político? Essa questão já está “cheirando mal” e, como diz o ditado, “onde há fumaça, há fogo.” É o nosso querido Brasil, bem que o jurista Dalmo alertou o risco que corríamos!!

  3. Ah, e essa intromissão na forma como juiz deve decidir, sem fazer referência ao nome das operações, V. Exas. vão seguir a tal “recomendação”? Cuidado que é realmente como diz o trecho da frase de Maiakovski, na primeira noite eles se aproximam… É o fim da picada mesmo!!

  4. Parabéns pela coragem expressada no post!!

    Só, em seu lugar e com a sua demonstrada coragem, não me sentiria tão seguro quanto a poder ser considerado um “juiz insubordinado”.

    Do jeito que as coisas andam, não demora muito o “Conselhão”, a pretexto de regulamentar, baixa uma lei (disfarçada de resolução) cerceando os juízes de expressar suas opiniões fora dos autos.

    Eu não duvido!!! Pois é evolução demais em apenas 03 anos!! Nunca na história democrática desse País evoluiu-se tanto rumo ao estabelecimento de uma democracia sem minoria, sem oposição.

    E o que há de mais triste neste “caso DD” é saber que não estamos a comentar (e lamentar) mais um desatino de membros dos Poderes Executivo ou Legislativo!! Isso é coisa do passado!!!

    Os lastimáveis episódios estão sendo protagonizados por eles, os guardiões desse Estado que se diz, não apenas de direito, democrático.

    Tudo isso, a meu ver, é resultado do “efeito borboleta”: Falou-se em abrir a “caixa-preta” do Judiciário, mas criaram a “hidra de Lerna”. Falou-se em garantir a celeridade processual, criou-se a súmula vinculante e com ela, outorgaram-se poderes absolutos ao STF que passou a legislar em casos relevantes para os direitos da pessoa humana, enquanto no Congresso aprovam-se leis que dão nomes a rodovias e outras de similar relevância nacional!!

    Mas afinal, certamente neste modelo de democracia que ora se instaura no País, o Congresso deve mesmo se importar com essas questões amenas e delegar as demais relevantes matérias, como o fez, aos Poderes Judiciário (súmula vinculante) e Executivo (medida provisória), desprezando o fato de que o constituinte de 1988 ao implantar a democracia a atrelou ao requisito da representatividade (nos regimes totalitários também há unanimidade, o que o diferencia é relatividade).

    Portanto, Senhores, parafraseado Renato Russo, na música “La Maison Dieu – Uma Outra Estação”:

    “Estejamos alertas porque o terror continua, só mudou de cheiro e de uniforme!!”

  5. Edimilson,

    meu medo não é do STF em si. Felizmente, sei que todos os ministros que lá estão são comprometidos com valores democráticos. E pelo menos a maioria foi totalmente contra qualquer punição administrativa aos juízes.

    O meu medo foi descobrir que a independência da magistratura no Brasil não passa de uma ilusão. Quando ela atinge poderosos, não há nenhum mérito em ser indepedente.

    O meu medo foi perceber que ser corajoso, no Brasil, é um defeito grave, quando se trata de agir contra grupos poderosos.

    O meu medo foi saber que os juízes podem ser punidos por defender uma idéia.

    O meu medo foi pensar que os juízes podem se transformar em meros carneirinhos, seguindo docilmente a cartilha ditada por um grupo específico da sociedade.

    O meu medo foi verificar que há muita gente que acha que o STF está acima do bem e do mal, como se fosse imune às críticas.

    Antes de assumir a magistratura, li a Constituição umas cinco ou seis vezes. Não vi, em nenhuma parte, que o princípio da hierarquia se aplica ao Poder Judiciário. Também não vi nada que diga que independência da magistratura só vale em determinados casos.

    Não me sinto, por enquanto, subordinado ao STF. Tenho muito respeito por suas decisões e, pelo que me lembro, nunca decidi contra a jurisprudência consolidada por aquela Corte. E pretendo continuar assim enquanto acreditar na legitimidade das decisões proferidas pelo STF, ainda que não concorde com elas.

    Já vi a magistratura brasileira ser ultrajada por questões remuneratórias, negativa de direitos básicos ou outras questões de caráter pecuniário. Isso nunca me atingiu profundamente.

    Na

  6. “pede pra sair”
    “Você é moleque” (Capitão Nascimento)

    Notaram a semelhança? Também me senti impotente, um verdadeiro palhaço, vendo esse julgamento.

    Quando vamos “lavar” o STF?

    Espero que o movimento pelo impeachement do Gilmar Mendes ganhe força. Precisamos de uma imprensa mais corajosa.

  7. Afora meus pensamentos sobre o mérito da questão, me lembrou do caso do “crime de hermenêutica” em que um Magistrado do Rio Grande do Sul foi o pivô do “escândalo interpretativo”. Eu não concordo com muitas idéias agitadas neste caso, principalmente sobre as escutas telefônicas, porém, tolher a independência da Magistratura é um duro golpe na democracia. Para relembrar um caso que deve ser sempre mencionado, uso, emblematicamente, as palavras de Evandro Lins e Silva, ministro escorraçado do STF, posto para fora dessa Corte juntamente com Victor Nunes Leal e Hermes Lima, pelo simples fato de contrariarem os poderosos de plantão, concedendo Habeas Corpus para crimes políticos em favor de comunistas.

    “Crime de Hermenêutica e SÚMULA VINCULANTE

    “A controvérsia é o cerne dos debates judiciários, em qualquer causa, onde os advogados sustentam posições antagônicas quanto ao direito das partes.”

    Faz mais de um século e o assunto se tornou atual em face da anunciada reforma do Poder Judiciário. Nos albores da República, um Juiz de Direito do Rio Grande do Sul considerou inconstitucional e negou aplicação a uma lei estadual, que abolira certas características essenciais à instituição do júri, como o voto secreto e as recusas peremptórias, sem justificação das partes. Os desembargadores do Tribunal de Justiça pensavam de modo contrário, entendiam que a lei era constitucional e resolveram processar o juiz por crime de prevaricação, condenando-o à pena de nove meses de suspensão do emprego.

    Rui Barbosa, autor que parece não ser muito lido ou do agrado dos nossos neoliberais, tomou a causa do magistrado, principiando por dizer que defendia também “dois elementos que no seio das nações modernas constituem a alma e o nervo da liberdade: o júri e a independência da magistratura” (vide: Os Grandes Julgamentos do Supremo Tribunal Federal, de Edgard Costa, 1º vol., págs. 68 a 70).

    À segunda parte da defesa, Rui, com sutil ironia, deu o título de “novum crimen e o crime de hermenêutica”, sustentando a tese da autonomia intelectual do juiz, para que não se converta “em espelho inerte dos tribunais superiores”, quando a sua existência seria “um curso intolerável de humilhações”.

    Havia duas opiniões, na interpretação da lei, ambas proferidas “com a mesma sinceridade”. E Rui sintetiza: “A questão, em última análise, se reduz, pois, a isto: um conflito intelectual de duas hermenêuticas, falíveis ambas e ambas convencidas”.

    A condenação do juiz resultava do “delito de interpretação inexata dos textos”, e o Tribunal Superior não tem o dom da infalibilidade: “Um parecer subalterno pode ter razão contra julgados supremos, um voto individual contra muitos”.

    A controvérsia é o cerne dos debates judiciários, em qualquer causa, onde os advogados sustentam posições antagônicas quanto ao direito das partes. Na aplicação da mesma lei varia a opinião dos juízes. E nos tribunais, é freqüente haver votos vencidos, isto é, interpretações diferentes.

    Rui ainda indaga qual o corretivo a ser dado ao juiz quando o Tribunal reprova o erro da decisão inferior: “A reforma da sentença? Ou a punição do juiz? Se, além da reforma da sentença se houvesse de proceder a acusação do magistrado, uma jurisprudência tal negaria à consciência do juiz singular os direitos que reconhecesse, no seu próprio seio, a todos os seus membros”. a liberdade de julgar dos juízes e tribunais inferiores, escritas em 1985, ecoam até hoje como uma advertência e uma lição.

    O Supremo Tribunal Federal absolveu o juiz, mas não decidiu sobre a inconstitucionalidade da lei em causa, porque mesmo se julgada constitucional, teria havido erro na sua apreciação, mas não delito. O juiz voltou a considerá-la inconstitucional e foi novamente processado e condenado pelo tribunal local. Embora considerando a lei constitucional, o Supremo absolveu de novo o magistrado, que mal a interpretou, mas não cometeu os crimes que lhe foram atribuídos, “de desobediência, ou de falta de exação no cumprimento dos deveres do cargo, o abuso de autoridade, ou prevaricação ou outro que se averigúe segundo a prova de intenção do réu”.

    Esse episódio revela que a tentativa de submeter os juízes à obediência, à submissão, às decisões dos tribunais superiores, não é nova. Vem de longe, é um resíduo castilhista dos começos da República.

    Que são as “súmulas vinculantes” senão uma repetição dessa força obrigatória que se quer dar às decisões sumuladas pelos tribunais superiores?

    Para os não iniciados, para o público em geral, diremos: Súmula foi a expressão de que se valeu Victor Nunes Leal, nos idos de 1963, para definir, em pequenos enunciados, o que o Supremo Tribunal Federal, onde era um dos seus maiores ministros, vinha decidindo de modo reiterado acerca de temas que se repetiam amiudadamente em seus julgamentos. Era uma medida, de natureza regimental, que se destinava, primordialmente, a descongestionar os trabalhos do tribunal, simplificando e tornando mais célere a ação de seus juízes. Ao mesmo tempo, a Súmula servia de informação a todos os magistrados do País e aos advogados, dando a conhecer a orientação da Corte Suprema nas questões mais freqüentes. Houve críticas e resistências à sua implantação sob o temor de que ela provocasse a estagnação da jurisprudência ou que pretendesse atuar com força de lei. Seu criador, Victor Nunes, saiu a campo e, em conferências proferidas na época, explicou e deixou bem claro que a Súmula não tinha caráter impositivo ou obrigatório. Ela era matéria puramente regimental e podia ser alterada a qualquer momento, por sugestão dos ministros ou das partes, através de agravo contra o despacho de arquivamento do recurso extraordinário ou do agravo de instrumento. Nunca se imaginou a possibilidade de conferir à Súmula o poder vinculante ou de cumprimento obrigatório, imutável para o próprio tribunal que a edita ou para as instâncias inferiores. Do contrário teríamos a revivescência dos Assentos do Superior Tribunal de Justiça, na esteira dos Assentos das Casas de Suplicação, considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, desde a fundação da República. Súmula “vinculante” seria um novo nome para os velhos Assentos. O grande Ministro Pedro Lessa já estigmatizara a figura do “juiz legislador”, não prevista “pelos que organizaram e limitaram os nossos poderes políticos”.

    A Súmula é um valioso instrumento, que pode ser invocado pelos advogados como elemento de persuasão, mas não vincula nem mesmo os juízes de primeiro grau. Único sobrevivente dos ministros presentes à sessão de sua criação, reivindico o conhecimento da sua origem, da sua razão de ser, da sua finalidade e das suas limitações.

    Em nosso sistema, a fonte primária do direito é sempre a lei, emanada do Poder Legislativo, para isso eleito pelo povo diretamente. Os juízes não têm legitimidade democrática para criar o direito, porque o povo não lhes delegou esse poder. A sua função precípua, na organização estatal, é a de funcionar como árbitros supremos dos conflitos de interesse na aplicação da lei.

    O efeito vinculante só se aplica às decisões do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional. Declarada a inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, a lei está fulminada, desaparece do ordenamento jurídico. A competência dada ao Senado para suspender a execução no todo ou em parte da lei declarada inconstitucional pelo Supremo é supérflua e excrescente, não tem razão de ser e deve ser suprimida.

    A idéia das “súmulas vinculantes” tem sua origem em três passagens da Constituição portuguesa, condenadas, desde logo, pela abalizada opinião de Canotilho, que observa: “Os assuntos autenticamente interpretativos das normas legais são hoje inconstitucionais, porque são verdadeira legislatio, violando o princípio da tipicidade das leis”.

    Mais do que isso, ouvimos, agora, na XVI Conferência da OAB, em Fortaleza, do Dr. Júlio de Castro Caldas, bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal, que a “força obrigatória” de certos acórdãos foi suprimida da legislação portuguesa. Lá não existem “decisões vinculantes”.

    Segundo as queixas dos eminentes magistrados que compõem o STF e o STJ, o principal fator de obstrução do andamento dos seus trabalhos é o imenso recebimento de feitos repetitivos. Foi justamente essa abundância de causas iguais que inspirou a feitura das Súmulas. A Súmula resolve com toda a rapidez os casos que sejam repetição de outros julgados, por simples despacho de poucas palavras do relator. Faz muito tempo que o Supremo não edita novas súmulas, talvez há mais de doze anos. A ausência de súmulas retira do julgador o instrumento para solucionar, de imediato, o recurso interposto ou a ação proposta. Por outro lado, os tribunais e juízes inferiores, que, de regra e geralmente, utilizam as súmulas como fundamento de suas decisões, não têm como se valer delas, inclusive para a celeridade de seus pronunciamentos. É muito difícil, devem ser raríssimos os casos de rebeldia contra as súmulas. Ao contrário, os juízes de segunda e primeira instâncias não apenas as respeitam, mas as utilizam, como uma orientação que muito os ajuda em suas decisões. Todos sentem falta das súmulas, que se tornaram instrumentos utilíssimos a todos os juízes e aos advogados. Elas, na prática, já são quase vinculantes, pela tendência natural dos juízes em acompanhar os julgados dos tribunais superiores.

    Torná-las obrigatórias é que não me parece ortodoso, do ponto de vista da harmonia, independência e separação dos poderes. Todos os juízes devem ter a independência para julgar de acordo com a sua consciência e o seu convencimento, inclusive para divergir da Súmula e pleitear a sua revogação.

    As minorias dos tribunais, se não concordassem com a maioria que estabeleceu a Súmula, seriam rebeldes, teriam de calar-se, não poderiam mais lutar pela defesa de suas posições.

    Amanhã, se um juiz decide contrariamente à Súmula, acompanhando um ministro que foi minoritário na sua elaboração, poderia ser punido por tal atitude?

    Penso que todos nós, como advogados e cidadãos, devemos pôr a imaginação a funcionar, ajudando a debelar a crise do Poder Judiciário para que este possa atender às necessidade e aos reclamos da sociedade. Súmulas, sim, mas não vinculantes, e outras providências que dêm aos ministros do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores os meios de tornar possível e viável o seu funcionamento normal sem sacrifício dos seus juízes. A solução surgirá e ela será encontrada, de modo a impedir o normal sem sacrifício dos seus juízes. A solução surigirá e ela será encontrada, de modo a impedir o excesso de causas que lhes são afetas em conseqüência da estrutura anacrônica do Poder Judiciário, a partir de sua base. Os Juizados Especiais, agora criados, poderão ser o embrião dessa reforma, tornando expeditas as soluções da maior parte das questões contenciosas, sem sacrificar a cúpula do sistema. Novas súmulas poderão atenuar de muito a aguda crise criada com repetitividade de questões que estão entulhando as prateleiras e os gabinetes dos ministros do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais superiores.

    “Para os não iniciados, para o público em geral, diremos: Súmula foi a expressão de que se valeu Victor Nunes Leal, nos idos de 1963, para definir, em pequenos enunciados, o que o Supremo Tribunal Federal, onde era um dos seus maiores ministros, vinha decidindo de modo reiterado acerca de temas que se repetiam amiudadamente em seus julgamentos.”

    Evandro Lins e Silva é Ministro aposentado do STF, Presidente da Associação Internacional de Direito Penal (Grupo Brasileiro) e Advogado.” Sem mais palavras.

  8. Ah, e só para citar um caso recente, envolvendo inclusive o MPF, cite-se o caso do Desembargador Federal Ivan Athié e seu site http://www.antonioivanathie.net/67.html

    A página principal (http://www.antonioivanathie.net/) tem bastante material de consulta e de exercício da livre manifestação do pensamento. Parabéns a todos que dizem o que pensam e ao final assim em baixo, em livre exercício de uma liberdade Jusconstitucional, prevista que está no art. 5º, inciso IV.

  9. E a parte que mais me chama atençã, in casu, é:

    “mas amanhã,
    diante do juiz,
    talvez meus lábios
    calem a verdade
    como um foco de germes
    capaz de me destruir.”

  10. A minha pergunta é clara e direta para o Dr. George: ao escrever ” (…) não tenho qualquer interesse pessoal e direto na questão, pois, na época em que houve o ocorrido, eu estava na Argentina, de férias, e não tive como assinar o manifesto de apoio ao Fausto (..)” Isso quer dizer que se não estivesse de férias assinaria ou não? Se assinaria é porque concorda com Dr. Fausto ou no mínimo se opõe ao que decidiu Gilmar Mendes. Gostaria que o senhor fosse claro.

    Outro ponto : O senhor vai ficar apenas com medo ou vai acionar a sua associação para que se pronuncie. O CNJ vai calar os Juízes federais do país?

  11. Ricardo,

    meu apoio ao Fausto ficou muito claro.

    Não critico o mérito da decisão do STF.

    Critico os temos que os ministros utilizaram.

    A Associação dos juízes já se manifestou.

    George

  12. Caro professor,

    O ofício de juiz é totalmente incompatível com a emoção. Um juiz não deixa de ser humano porque é juiz mas tem de separar as coisas, pois o que exerce é jurisdição e não sentimentalismo. A reação dos Ministros do STF ao exercício livre do ato de julgar é inconcebível dentro da sistemática que o Direito exige daqueles que o interpretam. Que os Ministros têm o dever de corrigir decisões equivocadas é incontestável. Mas devem, no meu fraco entender, limitar-se a isso, sob pena de contaminarem a decisão, tirando-lhe sua melhor qualidade: a imparcialidade.

  13. É, citaram Rui Barbosa, mas esqueceram de uma coisa simples de que ele falou:
    “Um dia o homem honesto teria vergonha de ser honesto” Santo ” de Sanctis” & “Inferno de Dante´s”

  14. George,

    Eu fui um dos juízes que assinou o manifesto e, portanto, quase tomei um PAD na cabeça na quinta-feira por conta daquela infeliz idéia do Min. Peluso.

    E isso me lembrou aquele post do meu blog que você comentou sobre a liberdade de expressão dos juízes (até porque o Min. Peluso invocou o art. 36 da LOMAN, embora os Mins. Marcos Aurélio e Carlos Brito tenham invocado, no caso, a liberdade de expressão).

    Nunca vi o CNJ com bons olhos, porque ele já nasceu extrapolando suas funções. Entendia-o necessário caso funcionasse nos moldes da CJF. Mas do jeito que está, temo pelo futuro da magistratura.

    O que vejo com maior temor é que juízes têm sido perseguidos pelo que dizem. Recentemente o CNJ determinou, a pedido da OAB, a instauração de procedimento disciplinar contra um desembargador de SP que escreveu um artigo dizendo que não atendia advogados em seu gabinete. Ainda que a idéia não seja boa, ele (a meu ver) era livre para expressá-la.

    O presidente da AMB, por sua vez, foi processado em razão de uma entrevista que concedeu, em que combateu a ampliação do limite da aposentadoria compulsória para 75 anos.

    Agora, tentaram punir os 450 juízes (federais, estaduais e trabalhistas) que assinaram o manifesta pró-De Sanctis.

    Sinceramente, tenho ficado desiludido. Estou até escrevendo menos em meu blog, porque perdi a empolgação e fiquei meio temeroso (confesso) e cogito mudar de carreira se os rumos não mudarem.

    Pelo visto, nossas associações deveriam lançar uma campanha de conscientização dos ministros do STF demonstrando que juiz também tem direito de se expressar.

    De todo modo, seu post tratou do tema com propriedade.

    Abraços,

    Marcelo

  15. E ao lembrar que o Gilmar quando sabatinado chorou prometendo que seria imparcial, que seu trabalho não seria politico, que sempre estaria isento quanto aqueles que o indicaram, que pedia quase pelo amor de Deus que aprovassem sua indicacao. Inclusive o saudoso Senador amazonense JJEFFERSON PERES, em um dado momento lhe falou que sua caixa de e-mail estava repleta, alertando-o pelo fato e o cuidado, pois, o GM era pro FHC e que com isso esperava-se a desconfiança ao temerario da sua efetiva indicação.
    Agora o que vemos é esse procedimento inesperado, a supressão de instância, somente não observado pelo STF, e esse negócio de que o supremo erra por ultimo, é balela, a Nação não pode estar à mercê dos erros constantes daquela corte, certo? Afastar sumula quando lhe convem, nao convence. Espero até estar errado em meu parco raciocinio, mas é o que deixa transparecerr quanto a este episódio.Um forte abraço e sucesso.

  16. Aos colegas comentadores,

    relendo clássico livro de Hermes Lima – Travessia (Memórias), da livraria José Olympio editora: Rio de Janeiro – Coleção documentos brasileiros, Dirigida por Afonso Arinos de Melo Franco, volume nº 163, destaco uma passagem em que ele (Hermes) relembra uma clássica frase de Francis Bacon (pertinente ao tema ora em comento), no sentido de que “Os juízes são leões, mas leões sob o trono em que se assenta o Poder Político” (Op. Cit. p. 287). Essa frase é emblemática, assim como emblemático também o é o sistema legitimador de indicações e destituições de Magistrados das Cortes Superiores. Em linhas gerais, cabe ao Presidente da República indicar e à Câmara de Senadores aprovar a escolha. Interesses políticos permeiam o jogo em que se constitui o financiamento de campanhas, do Presidente e dos Senadores (bem como, de resto, de todos quantos atuam no Poder Legislativo e Executivo). De fato, o papel preponderante do Judiciário, de uma forma geral, é o de mantenedor do ‘status quo ante’, ou seja, de manter os que estão no poder…NO PODER, e evitar que os que não estão no poder (geralmente a oposição também figura entre os que almejam alcançar o poder) alcancem-no. O peso, in casu, não tem um adequado e proporcional contrapeso, e um poder não controla adequadamente outro poder. Isso remete ao fraseado anterior de Hermes Lima, antes de mencionar a “sinalagmática dos leõs”, no sentido de que :”Ao sustentar, em 1892, o direito dos tribunais examinarem a constitucionalidade das leis e dos atos administrativos, Rui observava tratar-se de novidade de um regime inteiramente sem passado entre nós.” E arremata “A tradição monárquica era da supremacia do Executivo encarnado nas atribuições do Poder Moderador. Pedro II recomendara a Lafaiette Rodrigues Pereira e a Salvador de Mendonça, ao partirem no ano de 1889, em missão oficial aos Estados Unidos, que estudassem a Suprema Corte. O imperador aludiu a possível transferência de atribuições do Poder Moderador a tribunal semelhante no país. Do contexto da experiência brasileira, no quadro do Estado Federal e do governo presidencialista, configurou-se um Supremo, que, além de derradeira instância judiciária, sofreu os contratempos de nossa vida institucional. Assinala o ministro Aliomar Baleeiro em O Supremo Tribunal Federal, Esse Outro Desconhecido, que ‘houve o Supremo Tribunal da fase agônica, de Deodoro, Floriano e Prudente. Os clarões avermelhados da mais cruenta guerra civil projetaram-se sobre o Tribunal, em cujas paresdes repercutiria depois o clamor do péríodo conturbado de Hermes. A revolução de 1930, golpeando a chamada república velha, golpeou também o Supremo Tribunal que, mais tarde, experimentou o colete de aço do Estado Novo, e voltou a respirar amplamente com a carta de 1946’. Dezoito ano depois, a revolução de 1964, golpearia também o Tribunal que, desde 1969 deliberara sem as clássicas garantias constitucionais de seus Magistrados. Convocado a julgar conflitos entre cidadãos e poder público, conflitos emergentes, muitas vezes, de acontecimentos políticos, o Supremo passara a compartilhar de soluções que a tradição Monárquica deferia ao Executivo ou ao Legislativo. Tradição Monárquica tributária da tradição Européia que falava pela boca de Francis Bacon…” (op.cit. loc. cit).
    É o Supremo Tribunal Federal, desde sua gênese, herdeiro da perniciosa relação entre Poder Moderador e Poder Executivo, e nesse sentido, as decisões da Corte (todas elas Políticas), não devem amedrontar e tãopouco espantar os espectadores de plantão, eis que no campo da política, nada deve espantar aos Contratantes, que rubricaram (ao menos na omissão) os Atos Estatais, ai incluídos os Político-Jurisdicionais. Os leões só comem e devoram, aquilo que o domador ordena, sem saber (ou lenientemente sabendo) que podem, inclusive, devorar o domador. É isso mesmo?

  17. Assisti a este julgamento na TV (In)Justiça e fiquei espantado com o comportamento de alguns ministros. Se o mundo advocatício, cheio de vaidades, gongorismos e coisas semelhantes, já não é lá esta Coca-Cola toda, depois que assisti a este julgamento me deu vontade de voltar pra roça… Os nobres Ministros do STF conseguiram a proeza de transformar um HC para confirmar a libertação do Daniel Dantas (com quem muita gente tem mais que o rabo preso…) em um processo para incriminar o juiz federal que o mandou prender!! Tirando os excelentíssimos e respeitáveis Ministros que foram conduzidos por forças ocultas incisivas (um deles, nitidamente constrangido em seguir o “relator”), foram de assustar o voto do Ministro Eros Grau (inacreditável…), a verborragia do Ministro Peluso (concitando uma representação no CNJ contra todos os juízes federais que assinaram um manifesto a favor do juiz De Sanctis por quebra da “hierarquia disciplinar em relação à Suprema Corte”[?!]) e as palavras exasperadas do Ministro Celso de Mello (chamando o juiz De Sanctis de “insolente”; algo inacreditável para um sujeito polido como o Ministro Celso de Mello). Foi um dia pra ser esquecido na história da “Suprema Corte” brasileira. Ainda bem que o Ministro Marco Aurélio – costumeiramente, brilhante, até mesmo quando diverge da maioria – votou contra e mostrou que a decisão do juiz De Sanctis foi uma “das mais bem fundamentadas” que ele já viu na vida de magistrado. Mais: disse, ironizando, que jamais poderia ter havido desrespeito ao Ministro Gilmar Mender se o constitucionalista Gilmar Mendes foi, com elogios, citado na fundamentação da decisão do juiz De Sanctis. O Ministro Marco Aurélio provou que a unanimidade e a quase unanimidade são realmente burras. Precisaremos, um dia, de alguém com “cojones” para escrever algo como “The Brethren” ou “The Nine”. Sei que este dia ainda está longe, até porque, na nossa república de bananas, só estamos acostumados a bajular o poder (seja político, seja principalmente econômico)… ¡Un buen abrazo!

  18. Quando a magistratura deixa a toga e se arvora à condição de “combatente do crime”, quem perde é o Estado de Direito. É deveras lamentável que os órgãos de repressão do Estado, hoje com o aval da Justiça Federal, pratiquem condutas que até os militares tinham vergonha de praticar. Triste…

  19. A atitude dos Ministros em relação ao requerimento de investigação administrativa me pareceu forçado, porém, o mérito da ação foi corretamente analizado. Coitadinho do Juiz de Sanctis e dos Procuradores da República e dos Delegados da PF, atuantes no caso. Eles apenas divulgaram na imprensa o dia a hora e o local de quem iria ser preso, cerca de também apenas, um mês antes das prisões! Isso obviamente da azo a impetração preventiva do Writ, que se convola em repressiva, no instante em que ocorrem as prisões. Ordem concedida, Juiz se sente desrespeitado pelo STF, e obliquamente determina nova prisão, esconde (omite) provas. Ora, o dom desse magistrado não é julgar, e sim acusar, tal qual o dono do Blog Reserva de (in)Justiça, outro Juiz Federal. Eles, obviamente, estão ocupando a Cathedra errada, exercendo um inquisitórial ofício judicante. Um recado aos dois: Façam concurso para o MPF, o salário é o mesmo. O papel de repreender os envolvidos era do CJF, porém, até mesmo os ministros devem ter percebido que o Conselho da Justiça Federal está dominado pelas instituições : AJUFE e AMB. A lógica era a de não repreender mesmo, então já não acho tão forçado assim o que fizeram os Ministros do STF. Digna nota para a belíssima sustentação oral do Advogado Nélio Machado, Conselheiro Federal carioca na OAB nacional. A perniciosa relação entre MP, Juízo e Mídia faz com que a opinião pública ache que “o juiz que prendeu o rico é quem quase foi preso”, quando na verdade, preceitos comezinhos da Constituição Federal foram desrespeitados à guisa da espetacularizãção das prisões, no bojo da operação que tem um nome que remonta a “busca da verdade”, verdadeiro significado de Satia… enfim, esse que todos conhecem de cor e saltiado. (será que é por isso que eles nomeiam as operações policiais?) parece até a “mementa” de que nos dá notícia Richard Dawkins. Em fim, de resto, penso que a frequência obrigatória do Juiz a um curso de reciclagem já estaria de bom tamanho, com exercícios práticos sobre a Constituição Federal, em especial os artigos 5º e 102.

  20. O comentarista acima, quando afirma que “o papel de repreender os envolvidos era do CJF, porém, até mesmo os ministros devem ter percebido que o Conselho da Justiça Federal está dominado pelas instituições: AJUFE e AMB”, demonstra não ter a minha noção do que está falando.

    Digo isso porque, em primeiro lugar, acredito que o juiz De Sanctis agiu corretamente, quando, a despeito da concessão da primeira ordem de HC pelo Min. Gilmar, decretou a prisão preventiva do DD, a partir das novas provas obtidas durante a busca e apreensão. Os pressupostos da temporária e da preventiva não se confundem, daí porque a revogação da primeira não impede a decretação da segunda, ainda mais quando se está diante de novos elementos probatórios. Há precedentes do próprio STF nesse sentido.

    Em segundo lugar, ainda que o STF não tenha concordado com tal raciocínio, o juiz jamais poderia ser repreendido administrativamente por decisão de índole jurisdicional, fundada em sua livre convicção e devidamente motivada. Tal tentativa de punição disciplinar atenta contra a democracia e restaura a tese do “crime de hermenêutica”. Um absurdo!

    Em terceiro lugar, o CJF não seria o “corregedor natural” do juiz. Eventual representação contra o magistrado deveria ser julgada pela Corregedoria do TRF da 3ª Região. Na época dos fatos, aliás, o CJF sequer possuía atribuição correcional, a qual só veio recentemente, com a Lei 11.798, de 29.10.2008, limitada a competência originária ao julgamento de processos administrativos disciplinares relativos a membros dos Tribunais Regionais Federais.

    Por fim, é esdrúxula a afirmação de que o CJF está dominado pela AJUFE e a AMB. É bem verdade que a AJUFE tem representação no Conselho, mas sem poder de voto. Já a AMB nem isso, não tem influência alguma no CJF, mesmo porque, até onde sei, são poucos os juízes federais filiados a ela.

  21. “Diga-me com quem andas e te direi quem és.”

    Assim é possível iniciar o julgamento do banqueiro D.D. ou, para não ferir suscetibilidades: do Habeas Corpus 95.009, no Supremo Tribunal Federal. Concordo com o voto minoritário e corajoso do Ministro Marco Aurélio Mello. Embora ele mesmo, em outra oportunidade e contexto diferentes, protagonista da soltura de outro banqueiro: Salvatore Cacciola, que após conseguir decisão monocrática de soltura, foi gastar na Itália (sem fuga) o lucro fácil e rápido do PROER.
    Ocorre, que no caso do banqueiro atual, a gravidade tem a ver com a declaração de que sua preocupação era a 1ª instância, já que nos Superiores era tranqüilo. Junte-se a isso, os 40 indiciados com o mensalão e a atual composição do STF, cuja maioria foi nomeada por esse governo. Pronto, os pauzinhos estão sendo mexidos.
    Os problemas são três. E graves: 1) a declaração do banqueiro, coloca em xeque os Tribunais Superiores; 2) os personagens envolvidos são amigos próximos do Poder; e 3) os servidores públicos (policiais ou juízes) que estavam no estrito cumprimento do dever, é que estão correndo risco de serem punidos. Ora, se os servidores públicos não são banqueiros e nem mensaleiros, a pressão do Poder será para puní-los.
    Quanto ao autor da soltura do banqueiro Dantas, Gilmar, na era FHC, à frente da Advocacia Geral da União, promoveu redução dos direitos dos contribuintes em favor dos do Estado interventor, em dobradinha com o “Engavetador” Geral da União, Geraldo.
    Espero que os policiais federais, o Delegado e o Juiz, tenham bons departamentos jurídicos em seus sindicatos. Não queiram enfrentar “a máquina” sozinhos.

  22. Caro George,

    Andava meio sumido por conta dos afazeres profissionais. Portanto, em primeiro lugar, meus votos de “BOA VIAGEM” atrasados!

    Sem querer entrar no mérito de saber qual decisão foi acertada – a do juiz ou a do STF -, penso que o comportamento raivoso e vingativo de alguns ministros extrapolou o dever de serenidade e prudência que todo magistrado tem de seguir. Surpreendeu-me, em especial, a postura do Min. Peluso, que, na minha opinião, vinha se revelando um grande líder no STF. A proposta dele de se perquirir a responsabilidade dos juízes que assinaram manifesto de apoio ao Fausto de Sanctis foi de uma infelicidade ímpar. Sem esquecer que o referido Ministro é o relator do inquérito relativo à operação Hurricane (ooops! estou descumprindo recomendação do CNJ), na qual houve fartas interceptações telefônicas, algemas etc.

    Ao cabo de tudo isso, meu sentimento não é tanto de medo ou vergonha. É mais de frustração e ceticismo quanto aos avanços no combate à impunidade da criminalidade organizada.

    Abraços!

  23. Ora, se o CJF não está dominado pela AJUFE e pela AMB, então eu não sei porque eles é que bancam as festas de posse dos Ministros, principalmente os do STJ, e as indicações para essa corte de cinco anos pra cá tem passado pela pressão das referidas instituições. O episódio OAB x STJ também passou por mentes dominadas pela AJUFE. Eu sugiro, então juízes, que em demonstração de força e independência, que façam outra lista de apoio a de Sanctis e a Queiroz, será que tal lista, desta toada, seria apócrifa? Falar é fácil, e vai ao encontro do que disse o Padre Antônio Vieira no “discurso da sexagenária” e o comentário acerca da parábola dos semeadores, eis que aqui também existem muitos pregadores para os ouvidos (aqui leitura), e não para os olhos (exemplos). Façam e assinem outra lista, sem ler os autos, obviamente. Sem saber o porque de a ABIN estava participando em conjunto com a PF e o MPF das investigações, das quais se interessou bastante, ao que parece, o pobre do Juiz.

  24. Amilcar,

    será que você não sabia que o CJF, mesmo antes da edição da referida lei, não tinha poderes correcionais? Realmente sou eu quem não sabe o que está falando. A AJUFE sonha em ter 1 % da cridibilidade e do respeito social de que desfrutam a OAB (CFOAB) e a CNBB. Isso, dessa maneira, ela nunca vai ter. Os dirigentes da AJUFE estão preocupados em promover o respeito a classe dos Juízes, ou estão procurando uma maneira rápida e fácil de galgar cargos políticos?……F. Dino.? Perdeu a prefeitura Ludoviscense, mas continua sua Deputação Federal. Lembremos de outros casos e exemplos mais tarde. Não se preocupem, não vou mencionar Rocha Mattos.

  25. Thiago,

    Não possuo procuração para defender o Amilcar, o qual nem conheço, mas tenho que reconhecer que ele está correto quando diz que o CJF somente passou a exercer poderes correcionais com a Lei n. 11.798/08. Até então, a supervisão administrativa do CJF não abrangia a competência para processar disciplinarmente magistrados, seja originariamente, seja em grau de recurso. Houve até um Ministro que, em breve passagem pela Presidência daquele colegiado, tentou defender o contrário, mas a tese não vingou. Ademais, a figura do Corregedor-Geral da Justiça Federal só veio agora com a referida lei, em substituição ao cargo de Coordenador-Geral.

    Sobre esse seu ataque furioso contra a AJUFE, discordo de sua opinião. Apesar de discordar de algumas ações e omissões, sinto-me, em geral, bem representado pela AJUFE. Os dirigentes da AJUFE, pelo que acompanho, prezam bastante pelos interesses institucionais da magistratura federal. Fora o Flávio Dino, não me recordo de nenhum outro dirigente que tenha galgado cargo político. Os últimos ex-Presidentes da AJUFE, de 2001 pra cá, nem promovidos aos seus respectivos Tribunais foram ainda. Quanto ao Rocha Mattos, não me consta que ele tenha sido diretor da AJUFE. Não sei nem se ele era filiado.

  26. Opinião – Judiciário agredido
    Dalmo Dallari

    professor e jurista

    No desempenho regular de sua competência, apreciando denúncia apresentada pelo Ministério Público e tomando por base elementos probatórios legalmente obtidos e juntados aos autos do processo e, além disso, explicitando minuciosamente os fundamentos jurídicos de sua decisão, o juiz Fausto de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, proferiu sentença condenando o réu Daniel Dantas. E pelo noticiário da imprensa não se tem dúvida de que foi assegurada ao acusado a plenitude do direito de defesa. Esse é um fato normal na vida jurídica de um estado democrático de direito e o juiz, que procedeu com absoluta regularidade, deve merecer o máximo respeito.
    Numa visão mais ampla, a consideração respeitosa da decisão do magistrado faz parte do respeito devido ao Poder Judiciário, que é essencial para a preservação da normalidade democrática. Eventuais manifestações de discordância devem ser toleradas e respeitadas, desde que externadas em linguagem serena e com argumentos pertinentes e lógicos, pois isso também faz parte da ordem democrática.

    Um fato inesperado e que deve merecer repúdio veemente é a agressão, já externada, ao referido juiz prolator da decisão, com a ameaça de puni-lo pelo exercício absolutamente regular de sua competência constitucional. Essa violência contra o juiz configura também agressão ao Poder Judiciário, por intolerância incontida, deixando evidente que qualquer juiz ou tribunal que decidir contra as convicções ou a vontade do agressor ficará sujeito a investidas semelhantes.
    O mais chocante nessa reação agressiva é o fato de que a crítica destemperada e a ameaça partiram, por incrível que pareça, do presidente do Supremo Tribunal Federal, que deveria dar o exemplo do respeito ao Judiciário no seu todo e a cada magistrado em particular, pois a atitude contrária contribuirá para que aqueles que não têm simpatia pelo Judiciário ou não compreendem o seu papel concluam que o sistema judiciário é uma baderna e que o respeito aos juízes e tribunais é uma tolice, uma vez que os próprios membros do sistema agridem-se mutuamente quando sua vontade ou seus interesses não são respeitados.

    O caso presente só agrava o julgamento negativo que muitos têm feito do ministro Gilmar Mendes, tanto no tocante à grande flexibilidade de sua ética, quanto relativamente ao seu equilíbrio emocional e à sua falta de autenticidade como jurista. De fato, ele agora já enviou representação ao procurador geral da República para que promova a punição do magistrado, alegando que se sentiu pessoalmente atingido por um trecho da fundamentação da decisão que, na realidade, não faz qualquer referência, direta ou indireta, a ele, mas apenas menciona comunicações de um defensor de Daniel Dantas com um servidor do setor de segurança do Supremo Tribunal Federal. Nesse quadro, é difícil saber qual o verdadeiro motivo da reação indignada do ministro Gilmar Mendes, mas, obviamente, muitas hipóteses estão sendo formuladas e, pelo exagero da reação, a conclusão inevitável é que existe alguma razão que não está nos autos.

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