Eu já havia comentado aqui sobre o livro “Controle Judicial das Políticas Públicas“, do meu amigo Nagibe de Melo Jorge Neto. A primeira edição esgotou-se em tempo recorde, o que demonstra a inegável qualidade do livro. O Nagibe me informou que a segunda tiragem já está sendo providenciada.
Por força do doutorado, tenho refletido sobre muitos aspectos expostos pelo Nagibe, já que ele se debruça profundamente sobre a questão da legitimidade da jurisdição constitucional, apresentando uma abordagem substancialmente diferente do que se costuma ler por aí. Basta dizer, por exemplo, que ele se vale da filosofia de Habermas (que é crítico da jurisdição constitucional) para demonstrar que a jurisdição constitucional é, afinal de contas, democrática. Parece que ele aplicou um princípio básico do jiu-jitsu (“use a força do adversário contra ele”).
É sobre isso que pretendo discutir neste post.
Nagibe tentou demonstrar que a decisão judicial faz parte de um processo democrático talvez até mais aberto e participativo do que o próprio processo legislativo. Para ele, a sentença não é (ou não deveria ser) um mero ato de vontade unilateral do juiz como defendia Kelsen. Ela faz parte, pelo contrário, de um processo judicial dialético em que os destinatários da solução concreta dada pelo juiz participam intensamente da sua formação.
De fato, o princípio processual da inércia e o princípio dispositivo, atrelado ao princípio do contraditório e da ampla defesa, da imparcialidade e ao dever de fundamentação do julgado, fazem com que o processo judicial se torne um ambiente propício para que os conflitos de interesse sejam solucionados de forma justa e democrática, ou seja, com a participação efetiva dos interessados.
Na esfera parlamentar, com freqüência, vence não o melhor argumento, mas o argumento defendido pelos grupos mais poderosos. Já na esfera judicial, o melhor argumento tem mais chance de vir à tona, pois o juiz deve seguir parâmetros objetivos de racionalidade, obtidos a partir de um debate ético em que se assegure a transparência e a paridade de armas por parte dos debatedores.
Se democracia significa a participação do povo na tomada das decisões que lhe afetam, então não se pode dizer que o processo judicial não é democrático. A participação do povo (ou pelo menos das pessoas que serão diretamente atingidas pelo resultado do processo judicial) seria muito mais efetiva do que a participação do povo na elaboração de uma lei, por exemplo.
Seriam essas, em síntese, as idéias defendidas pelo Nagibe.
Trata-se, de fato, de um argumento engenhoso, mas contém algumas falhas empíricas.
Em primeiro lugar, nem sempre há uma ampla participação popular no processo judicial. No fundo, o processo judicial não é tão democrático assim na prática. O próprio Nagibe reconhece isso. Mas ele não está defendendo um processo tal como ele é, mas como deveria ser.
Além disso, há várias lides individuais que, pela interpretação, acabam afetando outras pessoas que não não participaram do processo. Uma súmula vinculante, por exemplo, afeta uma gama muito ampla de pessoas que sequer sabem da existência do processo judicial.
E mesmo nas lides coletivas, a participação efetiva do povo é muito limitada. Quase sempre é o MP quem patrocina as lides coletivas. Com isso, o resultado do processo não passará de uma conjugação de argumentos apresentados pelo próprio Estado.
Outro ponto: o processo nem semper se pauta pela ética do discurso. A paridade de armas é ilusória. Os advogados estão interessados em ganhar a causa a todo custo. Há ainda os custos do processo. O processo judicial não é tão acessível assim quanto seria o desejável.
Finalmente, o juiz nem sempre está comprometido com a idéia do melhor argumento.
Tirando essas objeções realistas, concordo com Nagibe. Em determinadas situações, o processo judicial acaba sendo mais democrático do que a mera representação eleitoral, já que a participação popular na formação do julgado é mais efetiva do que a participação do povo na elaboração das leis. E isso reforça também a necessidade de se democratizar cada vez mais o processo judicial e o processo de escolha dos juízes constitucionais.
O que vocês acham disso?
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Não sei se vocês perceberam, mas eu estou utilizando o blog como uma espécie de “fichamento”. Minha intenção é jogar aqui algumas idéias soltas, engrandecê-las com o debate e depois, quem sabe, aproveitá-las na redação da tese.
Por isso, os comentários e críticas são sempre bem-vindos. Vou até chamar o próprio Nagibe para participar do debate.