Tenho recebido vários elogios por ter incluído alguns “estudos de caso” no meu Curso de Direitos Fundamentais. De fato, considero que um dos pontos alto do livro são esses estudos de caso, pois é a partir deles que o aluno irá pensar por conta própria, sem esperar uma resposta toda bonitinha e engomadinha do professor. O aluno tem que pensar e argumentar bem para solucionar o problema.
Numa versão preliminar do Curso, eu incluí um capítulo fazendo os comentários a todos os casos. Um amigo meu – que leu a versão preliminar – me recomendou que tirasse, já que eram questões muito complexas para serem respondidas em poucos parágrafos. Concordei. Assim, vou utilizar o blog para dar minha opinião sobre os casos citados no livro. Começo com o Caso Schleyer.
Caso Schleyer
Em meados de 1970, o terrorismo estava na ordem do dia da Alemanha. A escalada de violência era sem precedentes na história do país no pós-guerra. Mesmo após a prisão de seus líderes, o grupo Fração do Exército Vermelho (RAF) ainda mostrava força.
Para pressionar o governo a fim de que os seus líderes fossem soltos, a RAF seqüestrara, na cidade de Colônia, o empresário Hanns-Martin Schleyer, presidente da Federação Alemã dos Empregadores. Na ação, morreram o chofer e três guarda-costas do empresário. O grupo terrorista exigia a libertação de 11 de seus membros que estavam presos. O governo Helmut Schmidt optou por não ceder aos pedidos dos seqüestradores, tentando ganhar tempo até encontrar o cativeiro de Schleyer.
Inconformado com a decisão do governo, o filho do empresário interpôs queixa constitucional à Corte Constitucional alemã, alegando que, ao não atender as exigências dos seqüestradores, o Estado alemão estava praticamente condenando seu pai à morte, sendo certo que a Constituição alemã determina que o Estado deve zelar pela vida de seus cidadãos (a Corte Constitucional alemã havia desenvolvido a idéia de “dever de proteção”). Além disso, aduziu também ofensa à isonomia, pois em casos semelhantes o Estado havia atendido às exigências dos terroristas.
Você sendo o juiz do caso, como julgaria?
E aí, alguém se atreve a solucionar esse caso?
Depois faço os meus comentários (upgrade: eis os meus comentários).
Enquanto vocês pensam, o tempo corre. Vejam a situação do seqüestrado:
O “dever de proteção” do Estado não se refere apenas ao indvíduo mas também à sociedade. Assim, o interesse da sociedade em ser protegida contra atos de terrorismo seria suplantado quando libertados 11 terroristas em prol da vida de uma pessoa. Assim, não vejo como possível, no caso, que o interesse individual prepondere sobre o interesse coletivo.
Quanto à isonomia suscitada, para saber se o princípio da proporcionalidade foi bem aplicado nos casos análogos, é preciso verificar as circunstâncias em que o Estado cedeu aos terroristas. Todavia, não vejo como poderia o Estado ceder à chantagem, a não ser que esta recaísse na ameaça real de uso de armas de destruição em massa.
Não está o Estado, com fundamento no dever de proteção, obrigado a PROTEGER O DIREITO À VIDA DA FORMA PRETENDIDA PELO OFENDIDO ou por quem tenha relação com ele.
Os deveres de proteção Do direito à vida limitam o Estado a desestimular condutas que atentem contra a livre disposição da vida – criminalização do auxílio ao suicídio, do homicídio . Isso se faz com uma simples lei. Há também a obrigação positiva de o Estado de impedir que atos concretos contra o direito à vida ocorram, daí a obrigação do Estado com a segurança pública.
Veja: o direito subjetivo esgota-se nessas duas pretensões: na existência de lei que puna atos contra o direito a vida; no dever positivo do Estado de assegurar no mundo real que essas condutas ocorram.
Não há pretensão quanto ao modo como O ESTADO DEVERÁ PROTEGER in concreto o direito à vida. No caso em questão, o Estado já está cumprindo o seu dever de proteção do direito. ESTÁ NEGOCIANDO COM OS TRAFICANTES. Isso já representa o cumprimento do dever positivo de proteção ao direito fundamental ao direito à vida.
Ficarei de olho na opinião do George. Caso admita que o Estado deve ceder em virtude de qualquer exigência, eu mesmo darei o conselho ao pessoal aqui do MORRO:
Sequestrem qualquer um e ganhem 1.000.000.000 de reais! Vocês se acham muito espertos por telefonarem à vítima do seqüestro para exigirem alguns trocados em troca da libertação. Não sabem o que estão perdendo… Liguem para o Estado…peçam 1.000.000.000. Peçam também a cabeça do LULA, pois é provável que o juiz também entenda que a vida do representado valha mais do que a do representante.
Esse é o grande nó das obrigações positivas do Estado. A norma prescreve só a obrigação, mas NÃO COMO SERÁ CUMPRIDA. Daí a dificuldade de uma sentença constitutiva do JUIZ. A doutrina tenta enxergar um CERTO NÚCLEO FUNDAMENTAL na proteção a cada direito fundamental, o que poderia ajudar o seqüestrado, mas não conseguem expliár as decorrências desse entendimento: a impossibilidade de supressão total de um direito fundamental em conflito com outro… fato que é bem comum…. basta lembrar da perda da propriedade de quem não a faz cumprir sua função social e tantos outros.
Enfim, com a concepção de que o modo de proteção do direito não está contido no direito subjetivo do protegido; que a doutrina do núcleo essencial é insustentável, NÃO MANDARIA O ESTADO ACEITAR QUALQUER PROPOSTA PARA SALVÁ-LO.
Salvo melhor juízo…
Fáber Ispionato
Realmente o caso é difícil. A questão principal é o dever do Estado em proteger a vida. Numa leitura rápida poderia se pensar que não haveria conflito de normas, apenas estaria em jogo a vida do empresário e, dessa forma, deveria o Estado Alemão ceder à solicitação dos terroristas. Entretanto, há um conflito de normas, pois está em jogo o direito à vida versus direito à vida. De um lado estaria a vida do empresário e de outro lado “n” vidas (sociedade).
Não há uma solução justa. Apenas ponderações, razoabilidades de um magistrado.
Ao soltar os 11 terroristas o Estado estaria assinando uma sentença de morte não só para uma pessoa, mas para toda uma sociedade que ficaria a merçe desses perigosos terroristas.
Assim, no caso, eu indeferiria a solicitação do filho do empresário. Afirmaria que não estaria assinando uma sentenca de morte, pois jamais sentenciaria um inocente, ou mesmo um culpado a tal dura pena (pois acredito que o Estado não tem o direito de condenar ninguém a morte).
E que mesmo soltando os terroristas, não haveria a certeza de que o empresário seria liberto com vida, pois não pode-se pensar que pessoas que matam inocentes tenham ética o suficiente para cumprir acordos.
Por outro lado, iria asseverar que a minha sentença estaria dando um salvo-conduto a toda uma sociedade, ou seja, protegendo toda uma coletividade.
PS: Rezaria bastante para esse processo não ser distribuido para mim.
PS2: Acredito que se conhecesse o empresário ou alguém de sua família não consegueria dar a solução acima.
Realmente é um caso muito dificil de se ponderar…
mas creio que tem-se que se analisar um direto risco a vida do empresário(ferindo assim o direito a visa e dever protetivo) X uma possivel ameça a sociedade( a soltura dos 11 terroristas)…
acho que sentenciaria o estado, já que teriamos que dar uma sentença neste caso quase que impossivel ser justa, a implantar chips de localização por gps+gprs por difusão na corrente sangüinea dos 11 terroristas para que ao soltarem estes 11, pudesse-mos descobrir a localização destes(claro antes que deixassem o país) e alem de recuperar-mos os 11, ainda poderiamos pegar os sequestradores.
este seria meu entendimento, afinal, qual outra oportunidade teriamos de conseguir salvar o empresário e manter os 11 terroristas?
quem falou em soltar os terroristas? eles estavam livres. O George inclusive afirma que o Governo queria ganhar tempo para encontrar o cativeiro.
Nao faz sentido entao falar em conflito entre o direito a vida do sequestrado e o direito de nao libertacao de 11 terroristas perigosos. A razao eh simples: a libertacao do sequestrado nao implicava a captura dos terroristas.
Segue um link de uma entrevista com um terrorista muito perigoso:
http://br.youtube.com/watch?v=9dsClG9fPs0
Pode ajudar a aferir o perigo a que estava submetido o sequestrado.
Cetamente o caso não é de fácil solução. Mas pelo que acompanhei dos comentários, a maior parte se coloca no sentido do direito à segurança pública (coletivo) sobrepujar o direito à vida (ótica individual), sendo esta, também, minha concepção. Ademais, há de se levar em conta a natureza do grupo terrorista, extra-oficial paramilitar ou algo parecido. Não consigo conceber um Estado de Direito chegar ao ponto de realizar acordos com tais entidades para, sobretudo, garantir a efetividade de um direito fundamental(com raras exceções). Parece-me um pouco contraditório. Logo, não vislumbro a possiblidade de se realizar o referido acordo, primeiro pelo fato de um grupo terrorista ter que ser reprimido pelo Estado com toda sua força e segundo pela razoabilidade, uma vez que a segurança pública encontra-se em jogo.
Aguardo ansiosamente o comentário de mais colegas e principalmente do Dr. George, para que possamos tentar equalizar as idéias com o debate.
Abraços
Retifico minha opinião anterior. Não tinha visto que a liberação do seqüestrado estava condicionada à liberação de 11 terroristas. Empolguei demais para responder o post. hehehe.. realmente bem interessante…
Concordo com o colega Fáber… não há direito subjetivo quanto ao modo da prestação positiva do Estado. Até porque não se pode presumir que OS TERRORISTAS VOLTARÃO A DELINQUIR caso voltem as ruas. Desse modo, não vejo conflito de direitos fundamentais no caso tratado.
Sigo o Fáber, portanto.
Mantenho a dica do vídeo do terrorista perigoso… pode ser que o George veja algum conflito de direitos fundamentais nas piadinhas infames de ACHMED.
Bolanhos.
Na boa, Bolanhos…
Tenta parar de ouvir Marcelo Camelo, cara. Nem que seja só por um tempo.
Os danos podem ser irreversíveis.
McLane.
Concordo com a colega Maria das Graças quando diz que “não há uma solução justa. Apenas ponderações, razoabilidades de um magistrado.”. Vale ressaltar o ditado popular que mais vale um criminoso solto do que um inocente preso. In casu, melhor um inocente solto do que dez presos. Nota-se que, apesar dos dez estarem soltos, isso não implicaria numa extinção de punibilidade. Nota-se, também, que, ao soltar os presos, o Estado poderia tentar pegá-los denovo, mesmo que num hipótese bastante remota, mas possível; enquanto que, se os deixa preso, morre o inocente e ainda deixa a possibilidade de novos sequestros. Decida-se então a favor do inocente e depois que se tente ir atrás dos culpados.
O caso lembra o do embaixador americano no tempo da revolução. Imaginemos a hipótese com possíveis desdobramentos políticos internacionais – interferência dos EEUU em face da recusa dos Poderes brasileiros em negociar com os sequestradores, etc. p/ ampliar o plexo de direitos passíveis de serem afetados.
Ou Alexandre,
Assim voce me lembra o Chaves… essa eh muito facil, passa uma mais dificil…
Sabe o que o professor Girafales falou a ele:
Por que nao responde essa?
O mesmo digo a vossa senhoria…
grato
George,
Não tem relação nenhuma com o caso analisado, mas achei interessante a notícia e como é da sua área, sugiro que a comente: http://www.conjur.com.br/static/text/70856,1
e então, existe realmente o “direito constituicional de mentir”?
Voto com o Edvaldo.
Em nome do princípio da dignidade da pessoa humana creio que o Estado alemão deve atender à exigência do grupo terrorista: soltar os 11 presos em troca da vida do empresário. Creio ser um meio adequado, que causa um prejuízo menor e perfaz a justa medida para preservar o direito à vida. O reforço argumentativo reside justamente nos precedentes em que o Estado, em casos semelhantes, “havia atendido às exigências dos terroristas”.
A política de combate ao terrorismo, (e de proteção da sociedade) não será abalada e nada impede que seja intensificada a partir daí.
No entanto, admito ser muito difícil atingir o âmago da justiça num caso como esse. Há de se ponderar mesmo.
Trata-se, portanto, de mera opinião.
Valete!
Primeiramente, se fosse uma personalidade da alta corte, certamente que o governo, não pensaria 2 vezes em soltar os 11, tomava tal atitude o mais rápido possível. Segundo, tal seqüestrado merece dignidade, não poderia o governo sacrificar o empresário para salvar vidas alheias, pois não conseguiu fazer o trabalho preventivo reprimindo tal ato, quem provará que vai conseguir fazer futuramente, vindo a motivar o bando a seqüestrar mais pessoas. Em se tratando de perigo generalizado, poderia o governo acatar estado de necessidade, preferindo salvar a coletividade, porém como a exigência do grupo tem como finalidade a liberdade de seus membros, em troca da vida do empresário,”e não uma bomba de efeito exorbitante”, melhor meio para pacificar esse fato, em minha visão, seria “soltar” os terroristas, e fazer o trabalho preventivo, que é dever do estado, e zelar pela segurança de seu povo, e não, sacrificar seus membros, pois a falha foi governo, sendo uma aitutude de má fé deixar alguem pagar pelos seus atos.
Olha acho que todo vocês estão certos mas por um outro lado, se eles soltarem os 11 chefes da RAF estariam condenando varias vidas. Eu sei que e dever do estado zelar a vida de seus cidadães, mas por um lado se eles soltarem os 11 chefes istariam perdendo milhões de vida de seu pais e um situação bem dificultosa
segundo a lei todos aqui estão certo mas por um lado se ele soltassem todos os mafiosos que já foram presos seria uma catástrofe solta-los novamente. Então eu acho que sim eles deveriam salvar a vida do Hanns Martin de um outro modo ou estariam salvando uma vida mas perdendo milhares