O STJ, em recente decisão, anulou uma condenação imposta a dois empresários corruptos que haviam sido flagrados fazendo negociatas ao telefone com dois auditores fiscais. O fundamento da decisão foi, basicamente, que o juiz sentenciante havia deferido sucessivas autorizações de quebra do sigilo telefônico durante dois anos consecutivos. Para o STJ, uma interceptação tão demorada seria uma violação à razoabilidade, ainda que autorizada judicialmente. (Veja aqui a notícia). (veja aqui o voto do Min. Nilson Naves).
A referida decisão do Superior Tribunal de Justiça afronta diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal. Cito um para evitar a repetição: “É possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo a exigir investigação diferenciada e contínua” (STF, HC 83515 / RS, rel. Min. Nelson Jobim, j. 16/9/2004).
Particularmente, penso que o STF está certo nessa história. E vou tentar justificar meu ponto de vista.
Para isso, antes de mais nada, vamos ao caso concreto.
Dois empresários uruguaios, Isidoro Rozenblum Trosman e Rolando Rozenblum Elpern, estavam com um probleminha junto ao fisco. Coisa pouca: uma dívida de sessenta milhões. Por isso, encontraram uma maneira bem peculiar de resolver o problema: ofereceram uma considerável quantia a dois auditores fiscais da Receita Federal para que engavetassem o processo fiscal. Foram descobertos graças a uma interceptação telefônica. Foram condenados a quase cinqüenta anos de prisão. A sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região.
Mas eis que o diligente advogado consegue tirar um coelho da cartola: conseguiu convencer alguns ministros do STJ de que dois anos de escuta telefônica era exagerado e, portanto, TODO o processo deveria ser anulado.
Um importante detalhe: os empresários em questão são acusados de cometer mais de duzentos crimes aqui no Brasil e estão foragidos. Foram gastar o produto dos crimes no Uruguai, onde não poderão ser extraditados para o Brasil.
Agora vamos esquecer, por ora, o caso concreto, até porque houve vários argumentos que justificaram a anulação do processo que não posso analisar, por não ter acesso ao inteiro teor dos autos.
Por isso, pretendo analisar tão somente a seguinte questão: pode o juiz prorrogar a interceptação telefônica mais de uma vez, por um período superior a trinta dias?
Entendo que sim.
De plano, vamos combinar: os bandidos não colaboram com a investigação! Eles deveriam concentrar a atividade criminosa em apenas quinze dias, mas preferem demorar meses ou até anos de planejamento, execução, ocultação de provas, lavagem do dinheiro obtido etc. Seria muito mais fácil se eles fizessem tudo isso em apenas quinze dias. Infelizmente, talvez porque não pretendem ser descobertos, fazem tudo meticulosamente, mudam constantemente de telefone, usam laranjas, se escondem… Não seria muito mais fácil se eles avisassem à polícia onde está a prova do crime para evitar a interceptação? Que pessoal sem boa vontade!
Agora sério: uma atividade criminosa organizada exige uma investigação organizada. Já tive oportunidade de acompanhar algumas operações policiais contra organizações criminosas de grande porte. É impressionante como os relatórios que a polícia federal apresentam são bem feitos. Há uma descrição minunciosa dos atos praticados por cada membro da organização criminosa, com a descrição de seus diálogos mais comprometedores, inclusive com hiperlinks, para você ouvir exatamente o que o indivíduo falou. Quando há um pedido de prorrogação, não é do tipo: “olha, juiz, não encontramos nada. Queremos mais quinze dias de escuta”. É algo assim: “juiz, o fulano de tal conversou isso com o beltrano. É capaz de eles, numa data próxima, agirem assim. Por isso, precisamos prorrogar a escuta”. Com base nesses elementos, o juiz defere ou não o pedido, sempre fundamentando a sua decisão.
A qualidade do relatório policial impressiona. Se todos os relatórios são tão bons quanto os que eu analisei, não sei dizer…
Portanto, não há dúvida de que a escuta telefônica, devidamente autorizada pelo juiz da causa, em decisão fundamentada, é um elemento de suma importância para a investigação, mesmo que ultrapasse trinta dias. Resta saber se há base jurídica para isso.
Muita gente, intuitivamente, pode pensar: dois anos de escuta é um exagero. É uma devassa sem sentido.
Digo, porém, que dois anos de escuta não é algo tão absurdo assim, especialmente em se tratando de crimes complexos, onde a organização criminosa constantemente muda de celular e faz tudo para dificultar a interceptação. Na verdade, se uma pessoa normal gasta em média 60 minutos por mês falando ao celular, nós teremos cerca de 24 horas de gravação após dois anos de escutas. Ou seja, a pessoa não teve a sua “vida” devassada por dois anos. Somando tudo, temos apenas um dia de limitação da privacidade.
Uma medida que viola a privacidade muito mais do que escuta telefônica é a conhecida “campana”, onde o policial segue os passos do suspeito 24 horas por dia. E ninguém questiona a constitucionalidade dessa medida.
Agora vamos analisar o que diz a lei:
“Art. 5° A decisão [que autorizar a interceptação] será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.
A lei é clara num ponto: a diligência, em princípio, não poderá exceder o prazo de quinze dias. Por outro lado, é um pouco mais complicado interpretar literalmente a última parte: “renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.
O STJ, ao interpretar o dispositivo, “colocou” uma vírgula onde não há. Ele entendeu que a interceptação não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez, comprovada a indispensabilidade do meio de prova. (A vírgula vermelha não consta no original).
A meu ver, a interpretação literal mais adequada é a seguinte: a interceptação não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo, uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova. (Acrescentei a vírgula vermelha para facilitar a compreensão).
Tá vendo como uma simples vírgula muda tudo? Como a lei não colocou vírgula alguma, o STJ resolveu incluí-la no lugar mais maluco.
E mesmo que se diga que só pode ser por 15 + 15, ainda assim persiste a possibilidade de se deferir a prorrogação toda vez que surgirem fatos novos que justifiquem a interceptação. Cada novo indício, a meu ver, renova a razão de ser da escuta.
Dito isso, passo a defender um ponto em que concordo com os garantistas mais extremados. Acho que o juiz que participa da fase investigatória não deveria ser o mesmo que julga o caso. Quer queira quer não, o juiz acaba sendo influenciado pelas medidas que autorizou, até porque se ele eventualmente absolver o acusado vai estar admitindo que adotou a interceptação equivocadamente. Assim, ele sempre tenderá , ainda que inconscientemente, a condenar o investigado/acusado. Por isso, o ideal é que o juiz que participa da colheita da prova “pré-processual” não seja o mesmo juiz que julgará o feito.
(postado de Floripa).
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O presente post foi escrito “sob inspiração” de diversos argumentos apresentados pelos juízes federais na lista da AJUFE.
Professor George,
As últimas decisões dos Tribunais Superiores, aliadas às manifestações de algumas de suas principais autoridades, a começar pelo desrespeitoso Ministro Gilmar Mendes, chegam a desesperar o cidadão de bem. Estou com a impressão de que os juízes de primeira instância, os procuradores da república, os promotores de justiça, os delegados da polícia federal, são um bando de loucos despreparados, pois não é possível ocupantes de cargos públicos tão expressivos não acertaram nada quando o criminoso é rico, ou, como dizem, “do colarinho branco”. Alguém está errado nessa história.
Sou formado em Direito e Analista Judiciário da Justiça Federal e não consigo acreditar na maioria das “fundamentações” constantes dessas decisões, que defendem com desenvoltura ímpar supostas garantias constitucionais de criminosos contumazes. Infelizmente, não vejo o mesmo empenho quando está em cena os desvalidos.
Esse último caso do STJ é simplesmente um absurdo, notadamente se analisadas peculiaridades do caso concreto. Segundo informação do MPF/PR, a lista de crimes praticados pelos investigados chega a quase 250, o que corresponderia a uma nova acusação a cada 3 dias em 2 anos de interceptação. A maioria dos crimes são contra interesses diretos da sociedade, cujos resultados nefastos bem conhecemos. Sem falar, evidentemente, na jurisprudência do STF a respeito da possibilidade de renovação sucessiva do prazo de interceptação, quando circunstâncias concretas assim justificarem.
Além disso, algumas coisas muito mal explicadas andam acontecendo atualmente, como o “grampo” da conversa entre o senador e o ministro [sem notícia de áudio, etc], utilizada com o suposto propósito de anular um árduo trabalho de investigação dirigido por um juiz federal sério, um procurador da república competente e um delegado da PF comprometido com o trabalho que faz, tudo no objetivo de proteger-se um cidadão extremamente rico [enriqueceu às custas de falcatruas com o dinheiro público], corruptor de meio mundo e que não tem nenhum pudor em alardear as facilidades que tem perante o STF.
Não quero crer que juízes federais, procuradores da república e delegados federais tenham escolhido um homem sério e honesto para enfernizar-lhe a vida, simplesmente porque “não vão com a cara dele”.
O quadro é seríssimo, especialmente quando íntegros homens públicos são chamados publicamente de milicianos por ninguém menos que o presidente da Suprema Corte. Acho que é preciso uma reação contundente contra esse tipo de coisa, sob pena de estar em risco a própria liberdade de atuação do atores da primeira instância do poder judiciário [sentido amplo], com sérios prejuízos à democracia e aos anseios sociais contra o crime organizado, que há muito tomou conta de vários setores públicos do nosso querido Brasil.
Um abraço a Vossa Excelência.
Edmilson Júnior – Boa Vista/RR
George,
Esquecendo e exculpando meus excessos no outro comentário, especificamente quanto à questão do “Pedigree”, tentarei argumentar apenas “Racionalmente”, embasado em doutrina e Jurisprudência, e defendendo que a decisão do STJ não feriu precedentes do STF, mas ao contrário, se adiantou ao Guardião da Constituição, e mostrou que nem o Direito e nem a Constituição devem ser lidos em tiras (GRAU, p. 44) .
Introito
Os Réus desse caso eram presumidamente inocentes (antes da anulação dos atos processuais), e ainda mais agora que o processo foi apagado do mundo jurídico. Não vejo como poder antecipar as coisas, sem nem mesmo ouvir as gravações (eu não ouvi) ou ler os autos in totum (só li a inicial e o voto do HC); em suma, presumidamente inocentes, e não corruptos.
Os advogados são como padres ou pastores, defendem o pecador, e não o pecado. Não vejo com maus olhos um advogado que usa de argúcia para beneficiar seus clientes.
Quanto ao precedente mencionado, eu já havia comentado no post anterior, eram outras circunstâncias, e sem divagar filosoficamente, eram circunstâncias Orteguinas: “Eu sou (eu) e minha circunstância, e se não se salva ela, não me salvo eu” (tradução livre de José Ortega y Gasset).
O ponto mais importante da decisão do STJ, a meu sentir, foi a ilação com o prazo constitucional máximo admitido para decretação do estado de defesa (art. 136, § 2º da CF/88), sendo de 30 dias, prorrogável uma vez, por igual período, se persistirem os motivos que justificaram a sua decretação.
Nesse ponto você foi sagaz e identificou a vírgula, que está no texto constitucional, mas não está na Lei de Interceptações Telefônicas, esse é um argumento forte para descaracterizar a interpretação/integração do Ministro Nilson Naves do STJ. Mas não de todo.
Quanto ao período de escutas mencionado não representar mais que um dia na intervenção da vida e da privacidade de um investigado, a conta não fecha com a matemática utilizada. Trata-se de intervenção em um Direito Fundamental, e nisso não há matemática que fundamente, e só por analogia, poderíamos imaginar uma pena de 2 anos de reclusão sendo cumprida a conta gotas, digamos, 60 minutos por mês, senão vejamos, ….2 minutos por dia? Uma pessoa normal não fala 2 minutos por dia ao celular, até as pessoas menos abastadas, com as promoções do pula-pula, do fale o dobro, etc.
II – O Estado se tornou um Pai?
De ante-mão advirto que não quero usar aqui argumento de autoridade, eis que começo citando uma resposta dada pelo Magistrado Winfried Hassemer, professor da Universidade de Frankfurt na Alemanha e Vice-Presidente do Tribunal Constitucional Alemão, apenas usarei os fundamentos doutrinários de sua lavra, eles não são os únicos, ou os verdadeiros em última palavra, quem não concordar…….. que contra-argumente, fundamentadamente.
Ao ser questionado com a seguinte indagação:“Os cidadãos desejam um Estado forte, aquele que coloca escutas em sua casa, para que com grandes ofensivas de escuta, eles possam ser protegidos da Criminalidade Organizada?”
O prof. Hassemer respondeu “As pessoas exigem do Estado proteção em uma amplitude, a qual eu, como cidadão leitor de jornais e ouvinte de rádio, jamais havia vivenciado. O Estado se converte, nessa expectativa, em um pai”. (HASSEMER, p. 238)
O contexto sob o qual HASSEMER respondeu à indagação formulada não era o Brasileiro, e sim o Alemão, mas já encontramos elementos com os quais concordamos à luz da realidade Brasileira: Aqui, o Estado também ficou com as expectativas que normalmente são atribuídas a um Pai. Vejam os apelos do dia-a-da das pessoas mais simples, comuns e humildes: “O governo não faz nada para melhorar a segurança”, ou então “o governo não faz nada para melhorar a educação”, ou ainda, “Ninguém agüenta mais essa onda de violência, o Governo não faz nada para acabar com isso”. Pouco se tem falado em trabalho voluntario, amigos da Escola é um grande Marketing da TV Globo, Adote uma Criança também é o mote de muitas associações, mas seus organizadores dificilmente são adeptos da adoção, etc. Não vou perscrutar os motivos e razões dessa constatação, que é eminentemente prática.
O professor Alemão divide as interceptações telefônicas em Preventivas e Repressivas. As primeiras seriam as que ficam a vigiar a tudo e a todos, sentido de onipresença, retratados no livro 1984 de George Orwell (que Eric Arthur Blair escrevera já no longínquo ano de 1948). As segundas (repressivas, aquelas que todos nós cidadãos honestos e trabalhadores concordamos, e que tem prazo, e respeito à Constituição, interpretando-a não à luz da Lei, e sim o contrário.
Quanto as primeiras, HASSEMER tem sérias ressalvas, pois já chega ao descalabro de começarem investigações por meio da escuta telefônica, naquela de que “se pescar pescou…, alguma coisa tem de ter…, caiu na rede…”. Imagine uma sociedade assim: Você conversando intimidades com sua esposa, noiva, namorada, amante (que seja), mas que é do domínio único e privado dos casais apaixonados. As estatísticas mencionam que cerca de 90% das conversas são de cunho erótico ou sexual (não cito a fonte, e também evito aqui a criptomnésia, pois sinceramente lembro de ter lido, mais onde…)
Ao iniciar o capítulo 9 da obra acima mencionada, WASSEMER faz uma reflexão quanto a real necessidade da intervenção mediante a interceptação telefônica “preventiva” menciona: “Objetivos preventivos como combate ao perigo e ‘combate profilático da criminalidade’ ganham, também, mais espaço no direito penal. Princípios, limites da intervenção e formalidade tornam-se mais incômodos. Entrementes, querem utilizar a escuta telefônica no processo penal como meio de defesa perante o perigo. Contra essas tendências, traz-se a defesa dos Direitos Fundamentais e o sistema de direito processual penal.” (op. cit. p. 125)
Acho mais crível, quiçá aceitável, quebrar o sigilo bancário, fiscal, fundamentadamente, que a quebra desmedida e apriorística do sigilo telefônico. Mas no caso da lei que autoriza, respeite-se o prazo, respeite-se a razoabilidade, respeite-se o espírito da Constituição.
Suponhamos que a PF (ou PC Estadual) e o MPF (ou MP Estadual) requisitaram a quebra do sigilo telefônico, o Juiz atendeu, pelo prazo de 15 dias, mas as investigações têm uma suspeita de que é bastante provável, que dentro em breve o investigado cometerá um delito, precisam, então, de mais quinze dias. Passa-se o prazo, e novamente nada, e pede-se prorrogação. Já são 30 dias. Suponhamos que ocorram mais duas prorrogações, afinal, a investigação é complexa. Passam-se também essas prorrogações, e temos então 60 dias, e já ai, observamos o limite do § 2 do art. 136 da CF que é uma das medidas mais drásticas, e o período autorizado pelo Constituinte Originário não previa quais seriam as dificuldades advindas de uma situação que rende ensejo a decretação de Estado de defesa. Podem ser complexas? Certamente.
Chegado ao fim e ao cabo de 2 anos, quantas prorrogações ocorreram? Cerca de 48. Ora, na 47ª não tinham elementos aptos a embasar uma denúncia? Isso é interceptação telefônica preventiva, que para virar chicana, deve ser autorizada para todos os cidadãos, todos os mais de 100 milhões de aparelhos telefônicos, e que antes de se realizar uma chamada, qualquer chamada, a operadora deve alertar: “para sua segurança, essa ligação estará sendo monitorada”.
Com a argumentação acima, absurda que possa parecer, teremos certeza de que os criminosos irão parar de delinqüir? Creio que não. Vão comprar, como parece que já estão comprando, aparelhos que criptografam as conversas, e que se houver tentativa de algum perito em tentar decifrá-las, acaba por destruir o conteúdo.
Outras dúvidas e outros questionamentos podem ainda ser feitos, como por exemplo: se o Estado Democrático de Direito aconselha que se use o sistema acusatório, porque não temos ainda dentro do Código de Processo Penal um regramento de procedimentos criminais investigativos englobando investigação dentro do Processo, nas etapas dos procedimentos, dos mais simples aos mais complexos? E mais, se estamos em um Estado Democrático de Direito, que respeita os Direitos Fundamentais, porque tanta celeuma na discussão sobre interceptação telefônica, quando deveríamos todos estar discutindo meios alternativos de investigação criminal que violem menos os Direitos Fundamentais?
Questionar sem apontar soluções é mais fácil. Então eu proponho uma, com apoio em HASSEMER, e que passa pela diferenciação entre prevenção normativa (relativização dos direitos fundamentais do cidadão e a ampliação da autorização para a intervenção estatal) e prevenção técnica (que opõe ao crime organizado obstáculos fáticos, organizacionais e/ou econômicos), e é preciso desenvolver mais esta última para desonerar a primeira. É certo, e o prof. HASSEMER o reconhece, que se exige certa utopia, e que não é de fácil obtenção, como as facilidades do endurecimento das leis e da relativização dos Direitos Fundamentais. (op. cit. p. 142)
Menciona ainda o prof. HASSEMER que “no Estado de Direito, o sentido da prevenção técnica é de substituir o quanto possível a prevenção normativa. O princípio da proporcionalidade exige o exame permanente, caso não existam medidas técnicas de prevenção apropriadas, as quais, nesse caso, tornem renunciáveis a prevenção normativa: A política de segurança interna deve, também, estar preparada para a revogação dos recrudescimentos legais, não somente, como era até o momento, para sua multiplicação” (op. cit. p. 143)
Exemplos mencionados, meramente exemplificativos, de prevenção técnica:
– Acordos, que funcionem, na esfera internacional sobre pressupostos de prevenção e persecução criminal dos crimes de lavagem de dinheiro;
– Administração transparente e melhor participação dos cidadãos;
– Impedimento de relações corruptivas na Administração por meio de regras organizacionais da capacidade e da ocupação;
– Estancamento do mercado negro e da base econômica para o tráfico de drogas;
Dentre vários outros, dentro do conceito de prevenção técnica, e não normativo-restritiva. (op. cit. loc. Cit.)
Quanto à questão da limitação dos Direitos Fundamentais no âmbito estatal, “os limites decorrem da esfera nuclear dos direitos fundamentais indisponíveis, como também dos princípios tradicionais e sustentadores de uma prevenção e da persecução dos crimes orientados pelo Estado de Direito.” E no que tange ao combate a criminalidade com respeito aos Direitos Fundamentais “ O deslocamento dos limites, orientado pelo Estado Direito , do combate a criminalidade organizada é simples. Ele segue princípios constitucionais que dispõem sobre a atenção atemporal à dignidade do ser humano e da atividade estatal cunhada pelo Estado de Direito. As particularidades são difíceis e controvertidas. Essas não podem ser deduzidas na mesa verde da teoria de raciocínio geométrico, de princípios metajurídicos, elas são muito mais resultados do debate político e da razão prática. Não se pode prescrevê-las, deve-se conquistá-las e por elas se lutar” (op. cit. p. 144)
Nesse sentido, a matemática do “cerca de um dia” de limitação da privacidade perde espaço. E nesse sentido, HASSEMER cunha 5 tópicos a serem observados no combate de toda e qualquer criminalidade, inclusive a organizada, subentendida ai “os White colars” e os “blue colars”, que são os seguintes, não completamente, mas exemplarmente:
“a) Também nos tempos de ameaça flagrante à segurança interna, nós precisamos de esferas rígidas, de ponderação e indisponíveis da liberdade dos cidadãos. Uma cultura jurídica se demonstra nos princípios, cuja lesão ela não quer permitir, mesmo quando essa violação prometa um ganho inestimável. A esse princípios pertencem, por exemplo, a decisibilidade de não se torturar suspeitos, mesmo se por esse caminho, se possa salvar a vida de um refém inocente. Pertence também ao respectivo cerne dos direitos fundamentais a proteção da esfera domiciliar das pessoas suspeitas ante a investigação (‘grande intervenção de escuta’) ou à renúncia sobre um confisco de propriedade independente do ato, realizado por mera suspeita.” (op. cit. loc. Cit)
É nesse sentido, que entendo que existe uma pequena fuligem na questão do abuso de direito, pois, o preso na delegacia, tem constitucionalmente o direito de ver preservada a sua integridade, física e moral. Não consigo aceitar que o judiciário, a míngua de outros meios, decrete que tais direitos (à integridade) pertencem ao preso, mas não sob determinada circunstância, razão pela qual, autorizar-se-ia a tortura para fazê-lo abrir o bico (no popular).
É no fundo e na forma, a mesma questão do sigilo telefônico. O Cidadão tem direito a privacidade e a intimidade, mantidos sob sigilo suas comunicações. Mas não em todos os casos, não em todas as circunstâncias. Se abrirmos as portas para essa figurinha faceira que é o abuso de direito (esclareça-se: sem as devidas maturações), eu nem me arrisco em prever o que pode acontecer.
No segundo item: “b) Não existe ‘igualdade de armas’ entre a criminalidade, e o Estado que combate a criminalidade, no sentido de que, ao estado deveria ser permitido a utilização daqueles meios aos quais a criminalidade possui acesso. O Estado Precisa, também em face da população, possuir uma superioridade moral sobre o crime, a qual não e fundamenta normativamente, mais também se revela na forma prática-simbólica. Ele não pode se utilizar de métodos criminosos, porque senão põe em perigo essa superioridade e som isso, a longo prazo, arrisca a sua credibilidade e a confiança da população na ordem jurídica estatal. Disse resulta, por exemplo, a proibição de permitir investigadores ocultos para ‘provas de pureza’ , para que elas tornem grupos suspeitos em não suspeitos.” (op. cit. p. 145)
A correlação que faço, é no sentido daquelas pessoas que bradam por ai “se a bandidagem é cruel, então a polícia também tem que ser, atirando primeiro e perguntando depois”, ou ainda, “bandido bom é bandido morto, eles não matam pessoas?” ou ainda, buscando inspiração no seriado de TV Boston Legal, quando em um dos episódios se debateu sobre a Megans’s Law (ato que regulamenta a obrigatoriedade de registro de listas públicas de agressores sexuais) e que mostrou bem os argumentos utilizados, do tipo : “ele abriu mão do direito que tinha quando praticou o crime” etc. Isso também é uma demonstração da aplicação da doutrina do abuso de direito.
Vejamos o terceiro ponto, que menciona “c)A presunção de inocência é um pilar do direito penal europeu orientado pelo Estado Direito (art. 6º, II, da Convenção dos Direitos Humanos). Esse princípio não é conciliável com a retórica disseminada, segundo a qual seriam direcionados os métodos de investigação já introduzidos e os ainda desejáveis somente para os mafiosos, gângsters e demais mafiosos perigosos e que, então, o cidadão não teria nada a temer. Isso está errado. Os métodos investigativos sujeitos a questionamento são, com efeito, utilizados nos procedimentos de investigação, em um estágio no qual a presunção de inocência vale sem limitações ( e elas se voltam não apenas contra os suspeitos, mas também contra os não envolvidos). (…)” (op. cit. loc. Cit)
O quarto ponto é o seguinte: “d)O mandamento de separação para a polícia e o serviço secreto possui, em nosso sistema, duas fontes: ele deve, sobre o fundamento da filosofia política do iluminismo, excluir que o Estado intervenha concretamente na liberdade individual de cada cidadão, sem que dele deva ser controlado, corrigido ou admoestado por essa intervenção e ele deve impedir, de acordo com nossa experiência com a Gestapo e a Stasi, uma ‘polícia secreta’ com esse modelo. Ambas as fontes possuem, a mesma água: a polícia deve ser autorizada para intervenções concretas, o serviço secreto deve poder investigar, livre de controle, (ou com um controle diluído), porque senão ambos não poderiam realizar seu trabalho. A união de ambos, quando se utiliza, por exemplo, de dados pessoais incriminadores, originários de fontes do serviço secreto, em um procedimento investigatórios, fontes estas que não se queira ou pretenda revelar, então se tem a polícia secreta e se coloca o cidadão sob uma acusação cuja legitimidade ele não pode conferir. Um controle genérico e global dos serviços, como, eventualmente, por uma comissão parlamentar não ajuda os cidadãos contra a sua lesão concreta. Intervenções, sem controle, na liberdade, em casos individuais são proibidas no Estado Democrático de Direito” (op. cit. p. 145/146)
Me parece que estão investigando a ABIN e a PF em uma CPI no Congresso, por causa de supostas escutas ilegais. Pessoas estão preocupadas com o conteúdo, e não com a constitucionalidade. Dossiês são feitos com esmero, e a palavra mesma “dossiê” faz parte do vocabulários comum de uma grande parcela de investigadores. Engraçada essa constatação do Prof. HASSEMER, muitas das coisas que ele menciona, eu vejo acontecer. Deve ser um profeta, ou algo parecido.
Quanto ao quinto e último ponto, a ser observado em todo e qualquer combate a criminalidade, menciona: “e) Não devem ser válidos, como limites normativos à política criminal do Estado de Direito, mas como um mandamento urgente da razão prática:
-Nenhum novo recrudescimento dos limites aos direitos fundamentais pode ser decidido, antes que não se tenha certificado, seguramente, das conseqüências desejáveis e das conseqüências secundárias indesejáveis dessas medidas, as quais foram anteriormente introduzidas com o mesmo objetivo.Uma política de segurança interna orientada pelo princípio da proporcionalidade não pode produzir recrudescimentos jurídicos em lote. Ela deve escolhê-los comedida e objetivamente;
-Deve-se dedicar atenção intensificada, não apenas ao tratamento policial dado à criminalidade organizada, mas também ao tratamento científico destas. Enquanto o fenômeno é difuso e obscuro não se pode visualizá-lo objetivamente; enquanto se aponte para o incerto, ocorrerá a periclitação de direitos da liberdade dos não envolvidos” (op. cit. p.146)
Vejamos se na jurisprudência do STF o assunto “abuso de direito” tem certo prestígio. O caso da APN 333 (Caso Cunha Lima) é bem sugestivo. Sem maiores delongas sobre o cancelamento do enunciado 394 da súmula de jurisprudência do STF, que causou todo o “qui pro quo” do julgamento. Só o acórdão tem 156 laudas (e não houve julgamento do Acusado!)
De plano eu já aviso que, para aqueles como eu, se divertem com as rusgas da corte, esse é o mais “engraçado”, de longe. Em especial, a comida de bola do Rel. min. Joaquim Barbosa, e com isso, mal entendidos entre ele e o min. Eros, entre ele e o min. Marco Aurélio, só para mencionar alguns. As tiradas do min. Marco Aurélio são impagáveis.
Em suma, Ronaldo José da Cunha Lima, Promotor de Justiça do MP/PB aposentado, à época dos Fatos Governador da Paraíba, nos idos da década de 90 (1993) teria supostamente (não posso afirmar que cometeu o ato, eis que ainda pendente de julgamento) atirado em um adversário Político, tendo sido denunciado por tentativa de Homicídio (a vítima não morrera na época, mas hoje já não está entre nós) junto ao STJ. Não foi preso em flagrante.
Na época vigorava o princípio da “não processabilidade” eis que anterior a promulgação da EC 35/2001 que estatuiu o “princípio da processabilidade”, e o STJ oficiou ao Legislativo Paraibano solicitando a licença para processar o acusado, pedido esse que fora negado pela AL/PB.
E o STJ determinou o sobrestamento dos autos. Em 1994 o Acusado logrou ser eleito Senador por aquele Estado, provocando o deslocamento dos autos e da Competência do STJ para o STF, e a PGR solicitou o prosseguimento do feito, quando o STF enviou pedido de licença para o Senado, que negou sob o argumento que a matéria já havia sido apreciada pelo legislativo Estadual, julgando prejudicado o pedido.
Resumindo a missa: Com a promulgação da EC/35 em 2001, teve prosseguimento o feito, alegando o acusado, legítima defesa putativa. A ação teve prosseguimento, mas quando já estava incluída em pauta para julgamento, o Acusado renuncia ao cargo de parlamentar Federal, seguindo todos os tramites legais e regimentais, inclusive com a leitura em sessão plenária e publicação da carta de renúncia no Diário da Câmara dos Deputados (condições de eficácia para o ato).
Eis que o min. Joaquim Barbosa, relator da APN 333, após um longo trabalho de relatoria, diligências da defesa, leva o feito a julgamento e suscita questão de Ordem, consistente em saber se o Tribunal poderia julgar o caso, eis que a renúncia havia se dado quando a APN já estava incluída em pauta, demonstrando, no entender do min. J.B. “abuso de direito”. O min. Joaquim fundamentou longamente seu voto na QO, no sentido de que, por constituir abuso de direito, a renúncia não teria o condão de impedir o julgamento pela Corte.
O próximo a votar foi o min. Cesar Peluso, que mencionado a tese acerca do abuso de direito, e discorrendo sobre sua origem francesa, votou embasado no livro de Castanheira Neves – Questões-de-Facto-Questões-de-Direito (tese de doutoramento do autor, e tida pelo min. Peluso como uma das obras mais brilhantes sobre o assunto), sobre a questão de uma coisa ser conforme (e ao mesmo tempo contra ) o direito. Abordando e debatendo com o min. Eros Grau a questão do Direito Natural e do Positivismo (bem sucintamente) e sobre a questão dos direitos subjetivos não serem facultas agendi, e sim a permissão para o exercício da facultas agendi, quando então a ministra Carmen Lúcia pede vista, até para possibilitar o julgamento com a composição plenária, eis que estavam ausentes, naquele dia no Pleno, os Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Menezes Direito, Marco Aurélio e Lewandowsky (cinco Ministros), e já haviam votado com o Relator Joaquim Barbosa, os Ministros Cesar Peluso e Eros Grau.
Até ai, o clima era de que teria havido chicana, expediente processual dos Advogados do Acusado, para tentar livrá-lo do julgamento.
Quando da apresentação de seu voto vista, a Ministra Carmen Lúcia “encontrou nos autos” uma questão de ordem anterior, e que tinha sido aventada pelos Advogados do Acusado, e que, ao que parece, o Min. Joaquim Barbosa não tinha visto, tão grande era a sua vontade de realizar o julgamento. O fato era que os autos continham uma questão de Ordem dos Advogados, e isso dois meses antes do julgamento, e portanto, antes da renúncia. Mas o mais interessante, é que o Min. Eros Grau como revisor, também não viu a questão de ordem da defesa, e porque? No caso dele, porque ela (a QO), não estava nos autos. E porque não estava nos autos? São palavras do próprio Min. Joaquim Barbosa: “Ministro Eros Grau, é a pressa de julgar, a pressa em prestar a jurisdição. O respeito à vítima fez com que eu andasse às pressas com estes autos, pedisse a vossa excelência para dar preferência, pedisse a Vossa Excelência para liberar o processo ao julgamento imediatamente. Mas, em vez de juntar aos autos, as petições nesta casa sobem aos gabinetes muitas vezes sem os autos.(…)”
E continua: Ministro Eros Grau: “Não estou questionando isso, eu conheço a praxe tanto quanto vossa excelência. Agora, se vossa excelência permitir que eu termine o meu raciocínio, ou se tiver algum esclarecimento a dar, por favor, dê agora, para que depois eu possa completar.”
Min. Joaquim Barbosa: “Eu acabo de dar todos os esclarecimentos, Ministro Eros Grau. É que vossa excelência está se valendo de um suposto deslize administrativo para justificar uma mudança de voto”
Ministro Eros Grau: “Eu não preciso justificar mudança de voto imputando a vossa excelência deslize. Não estou imputando nada. Vossa Excelência é que está muito preocupado com isso”
Ministro Eros Grau: “O que ocorre é isso. Essa petição era anterior, de setembro. Não foi juntada aos autos pór alguma razão. Não estou questionando essa ou aquela providência; não me cabe censurar nenhum Ministro do Supremo; isso não diz respeito a minha função ou ao meu ofício aqui. Ocorre que eu estava mal informado.”
Min. Joaquim Barbosa: “Vossa Excelência está insinuando.”
Ministro Eros Grau: “Eu não estou insinuando nada, estou dizendo que há nos autos uma petição do dia 20 de setembro que só veio aos autos em 26 de outubro. Isso é verdadeiro.”
Identificada a Questão de ordem, esta consistia em saber se o Tribunal tinha competência para julgar o acusado, postulando que a competência seria do Tribunal do Juri. Depois de identificada a comida de bola do relator.
Prossegue o julgamento, com o Min. Eros Acompanhando a divergência aberta pelo min. Marco Aurélio, no sentido de afirmar competente o Tribunal do Juri.
Na sequência, vota o ministro Peluso, que tenta usar, não mais o abuso de Direito, e sim, a “perpetuatio jurisdictionis”, em voto interessante do ponto de vista argumentativo. Mas é interrompido pelo Min. Gilmar, que identifica o Grande problema no cancelamento do enunciado nº 394 da Súmula de jurisprudência do STF, que permitia o julgamento mesmo após cessado o mandato. Surge ai um problema, em decorrência do cancelamento Sumular no bojo do INQ 687 (Caso Jabes Rebelo), e posteriormente, também importante o julgamento da ADI 2797 (enfrentada a tentativa de burla ao cancelamento Sumular.)
Em suma, votam também, além dos ministros mencionados, o ministro Carlos Britto, Gilmar Mendes e Ellen Gracie. Por maioria de votos, a divergência aberta pelo Ministro Marco Aurélio (quando ele ganha, ganha mesmo!), vencidos os Ministros Britto, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa e Cesar Peluso.
Mencionei essa APN 333, porque fica muito patente os argumentos daqueles que sustentam e defendem a relativização de direitos, ainda que implicitamente. Verifica-se que sumiu petição doa autos, ministro bateu boca com outro por filigrana, independentemente de concordar ou não com a decisão final, (quem puder assistir, que assista, basta solicitar a TV Justiça)
À guisa de Conclusão
Entendo que se existem outras alternativas melhores do que a interceptação telefônica preventiva, então esse é o caminho.
A glosa inicial de que o Estado se tornara um Pai, gera conflitos ideológicos, e muitas vezes forçam filhos a saírem de casa. Outros permanecem, mais a que preço? À falta de diálogo. Vou parando por aqui, eis que não é nenhum artigo acadêmico, e os outros fundamentos eu já mencionei no coment anterior.
Verifica-se que o STJ, antes de divergir do Guardião e último intérprete da CF, antecipou o que inevitavelmente iria acontecer: interpretação da Lei conforme a Constituição, e não o contrário.
Referências
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 4ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006
HASSEMER, Winfried. Direito Penal Libertário. Belo Horizonte: Del Rey, 2007
Brasil, STF, APN 333, Rel. min. Joaquim Barbosa, Revisor, min. Eros Grau, j. 2007
Thiago.
Pelo que entendi da notícia, a escuta foi considerada excessiva não só pelo tempo e pelas sucessivas prorrogações, mas também pela falta de fundamentação destas. E a lei, ponha-se a vírgula onde se quiser, exige a fundamentação.
Quanto aos acusados serem criminosos, isso não justifica a escuta. Do contrário, poderei, como policial, bisbilhotar preventivamente todo mundo. Depois, quando descobrir que, de 100%, 10% são criminosos, a escuta em relação a esses 10% estará legitimada. Em relação aos outros 90%, nem digo que escutei…
Se a decisão do STJ, à luz do caso, foi correta ou não, eu não sei. Não quero irresponsavelmente criticar, ou elogiar, sem ter visto os autos. Mas parece ter sido influenciada pela “onda” de comentários a respeito de escutas. A esse respeito, veja o que Calamandrei, no “Eles, os juízes…”, disse a respeito de um recurso de cassação por ele interposto, em relação a um comprador de um cavalo, que queria devolvê-lo por ser “mordedor”…
Pessoal,
O Thiago, pela primeira vez, postou um comentário neste blog solidamente fundamentado na doutrina e na jurisprudência, sem quaisquer ataques ao argumentador, e ninguém vai dizer nada?!?! Isso merece uma comemoração!!!!!!!
É por isso que estou lançando a campanha “Viva o Thiago – Thiago é seleção!”
Abraços a todos…
Obrigado, obrigado. Prometo garra, força, determinação, e se o jogo for em Belém, será uma honra jogar na cidade em que Cristo nasceu.
Grande Thiago,
Tudo muito bonitinho, no seu lugarzinho. Em tese, a sua posição reflete bem a necessidade do respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, com a qual concordo plenamente. Mas a coisa não é bem assim. Sem fazer coro com o “direito penal do inimigo”, é preciso não teorizar como se vivéssemos no “país das maravilhas”. Aquele que adota o crime como modo de vida, e contra quem se tem provas cabais do cometimento de “um sem número de crimes”, provas baseadas em decisões fundamentadas sim senhor, não pode ser beneficiado por uma decisão completamente fora da realidade, com apego exagerado a garantias de criminosos em detrimento de toda a sociedade. Quer dizer que quem pratica crimes regularmente só pode ser interceptado por 15 dias? Que punam rigorasamente os excessos [o que também não fazem, é verdade], mas que não tentem nos fazer de bobos. Infelizmente, esse não é, nem será, o último caso em que os tribunais superiores buscarão fundamentos jurídicos “perfeitos” para pôr na rua criminosos de alto gabarito. É o querido Brasil!!
A propósito, reproduzo abaixo nota de Procuradores da República no Estado do Paraná, sobre o caso concreto:
“O Superior Tribunal de Justiça (STJ), apreciando ontem, [9 de setembro], a legalidade de monitoramento telefônico realizado por aproximadamente dois anos, de 2004 a 2006, no Caso Sundown, julgou ilegais as decisões que autorizaram a medida por suposta falta de fundamentação. Esteve em debate ainda a validade da renovação dos monitoramentos por mais de 30 dias.
As decisões anuladas foram proferidas pelo Juiz Titular da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, célebre pela responsabilidade com que supervisionou e julgou diversas investigações de crimes de lavagem de dinheiro. As decisões que determinaram o monitoramento e sua renovação foram prolatadas explanando as razões que indicavam existir um crime e que lançavam suspeita sobre o titular do terminal telefônico monitorado, ou ainda se fundaram na necessidade de aprofundamento da apuração decorrente dos indícios da prática continuada dos crimes. O juiz também não deixou de mencionar a gravidade dos crimes em investigação e que era necessário que a apuração se alongasse no tempo em função da complexidade dos crimes praticados e da quadrilha que se articulou para sua efetivação. As decisões, portanto, foram fundamentadas.
E não se tratavam de meras especulações, como bem demonstrou o resultado dos trabalhos. As pessoas investigadas sofreram, em seguida aos monitoramentos, vários processos criminais que lhes imputaram a prática de muito mais de cem crimes, dentre eles delitos de falsidade, descaminho, formação de quadrilha, contra o sistema financeiro nacional e de corrupção. Os dois empresários do Grupo Sundown que coordenaram os crimes já contavam com mais de 40 anos de condenação cada um. Ainda existem dezenas de outros inquéritos tramitando aguardando conclusão para que, se não fosse a decisão do STJ, fossem intentadas outras ações criminais para responsabilizar aqueles que cometeram os delitos.
Se dos efeitos é possível conhecer a causa, está mais do que evidente que as decisões determinando as interceptações e sua renovação estavam adequadamente fundamentadas.
Cumpre também ressaltar que a legalidade dessas interceptações telefônicas já havia sido analisada pelo juiz e também por três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que as reputaram regulares, confirmando em segundo grau a condenação de empresários do Grupo Sundown pela corrupção de auditores da Receita, crimes desvelados através dos monitoramentos.
O que ocorreu, singelamente, é que foram constatados crimes às dezenas e foram usados os meios legais para apurá-los na medida do necessário. Se os crimes se repetiram às dezenas, engendrando a necessidade de perpetuação dos monitoramentos, a responsabilidade por isso não é do Estado, mas sim dos investigados.
O que se deve questionar é se existe mesmo a alegada “invasão de privacidade” quando o criminoso:
1. é acusado, recentemente, da prática de mais de 245 crimes – se fôssemos tomar o número de dias em dois anos de monitoramentos, houve acusações à razão de um crime para cada três dias;
2. está sendo investigado em dezenas de inquéritos pela prática de vários outros delitos, dentre eles o de lavagem de dinheiro, destacando-se que no último dia 4 foi recebida pela Justiça nova denúncia pela prática de 67 crimes;
3. é acusado e condenado pela prática do crime de corrupção de agentes públicos, em sentença confirmada pelo Tribunal Regional, segundo a qual os auditores deixaram de tomar em conta, indevidamente, bases tributáveis superiores a R$ 60 milhões;
4. apresentava vários cuidados nas conversas por telefone, chegando a usar codinomes e códigos, fato que obriga a estender o período de monitoramento;
5. usava estratagemas de ocultação e obstrução da descoberta da verdade, empregando testas-de-ferro, laranjas e off-shores nos contratos sociais;
6. é condenado, em apenas três dos processos criminais recentes, a penas que somam entre 45 e 49 anos de prisão, fato que mostra a freqüência e a gravidade dos delitos;
7. sonegou, de acordo com apenas alguns procedimentos tributários concluídos até o momento, mais de R$ 70 milhões, os quais deixaram de reverter em favor da sociedade;
8. evadiu mais de R$ 21 milhões para o exterior e praticou crimes de descaminho que geraram autos de infração de aproximadamente R$ 14 milhões de reais;
9. com franco desrespeito a decisão da mais alta Corte do País (STF) fugiu para o Uruguai, local onde até hoje permanece impune.
A decisão de ontem fez uma escolha: optou tutelar a privacidade de alguns cidadãos, que usavam essa privacidade e seu livre-arbítrio para cometer crimes em proveito próprio e prejuízo de toda a sociedade. Os ministros rejeitaram, ainda, não só o direito de investigação do Estado, mas a própria proteção dos bens jurídicos violados com os crimes, a lisura e probidade na Administração Pública e na condução dos negócios empresariais.
A validade da renovação consecutiva do monitoramento sempre foi admitida e é absolutamente necessária para apurar qualquer crime com razoável complexidade probatória, seja para demonstrar a ocorrência da infração seja para desvelar todos os seus autores. Não sem razão em todas as operações policiais recentes os monitoramentos se desenvolveram por muito mais do que tal prazo, o que não foi – nesses outros casos – fundamento para sua invalidação. Muito menos a resumida fundamentação de decisões foi antes razão para invalidar qualquer processo relativo a tráfico de entorpecentes, roubos ou outros crimes de regra praticados por pessoas pobres e que não freqüentam a alta sociedade.
Conseqüências da decisão
A decisão proferida ontem lançou por terra boa parte de um longo e profundo trabalho conduzido com extrema seriedade por agentes do Ministério Público, da Polícia, da Receita e da Justiça Federais. Ainda será devidamente aquilatado o que poderá ser salvo e o que está perdido, mas certamente restarão prejudicados processos criminais, inclusive de corrupção de servidores públicos, dezenas de inquéritos policiais e investigações desmembradas que apuram crimes gravíssimos, autos de infração por sonegação fiscal e bloqueios de recursos que hoje somam mais de R$ 100 milhões, valores que serviriam para indenizar, ainda que parcialmente, o Estado.
Não há recurso eficiente a ser manejado para revisar a decisão.
Deltan Martinazzo Dallagnol e Orlando Martello Junior, Procuradores da República na Procuradoria da República do Paraná.”
Edmilson
Fala Edmilson, tranquilo,
De fato, é inegável que o trabalho árduo dos vários servidores da República estará sendo desprestigiado. Muitos dos quais, e eu conheço alguns, se dedicam muito mais do que o salário vale, levam autos para casa, trabalham até altas horas para dar vazão a um volume desumano de trabalho.
E isso, (e é uma meditação minha) penso seja culpa da errônea estruturação dos órgãos, e da equivocada política criminal. Eles (os servidores da República) trabalham com o que tem, e interpretam a lei e a Constituição, para não verem “jogados no lixo” horas intermináveis de trabalho.
Contudo, tenho que não se resolverão os problemas do vertiginoso crescimento da criminalidade dessa maneira, no que tange a descontrolada intervenção no âmbito dos Direitos Fundamentais.
Não vou aqui defender os atos criminosos dos Controladores da mencionada empresa, longe de mim.
Você mencionou a manifestação dos Membros do Parquet Federal, e eu gostaria de dar ênfase a três passagens particularmente. A primeira, quando ficou consignado:
“Se dos efeitos é possível conhecer a causa, está mais do que evidente que as decisões determinando as interceptações e sua renovação estavam adequadamente fundamentadas.”
Não li os autos, mas quero crer que o Magistrado Federal não fundamentou com base nessa premissa, de que os fins justificam os meios (e vice-versa). Maquiavelli não deu esse conselho, é sabido, mas implicitamente, da leitura de seu livreto, pode-se chegar a essa conclusão, qual seja, a de que ele aconselharia essa missiva, com a qual não se pode concordar, mormente num Estado Democrático de Direito.
Quanto aos outros 2 excertos da manifestação dos Membros do Órgão Ministerial Paranaense, gize-se:
“O que se deve questionar é se existe mesmo a alegada “invasão de privacidade” quando o criminoso:
1. é acusado, recentemente, da prática de mais de 245 crimes – se fôssemos tomar o número de dias em dois anos de monitoramentos, houve acusações à razão de um crime para cada três dias;”
e também:
“6. é condenado, em apenas três dos processos criminais recentes, a penas que somam entre 45 e 49 anos de prisão, fato que mostra a freqüência e a gravidade dos delitos;
”
Cada acusado só pode cumprir, em princípio, 30 anos de pena privativa de liberdade, excetuados os eventuais e novos delitos durante a execução da pena, quando então o juízo da execução poderá proceder a unificação, nos casos na LEP autorizados.
Se hoje em dia se fala em regulamentar a questão da prescrição da pena em perspectiva, antes mesmo do oferecimento da denúncia, porque os Membros do MPF não ofereceram desde logo a denúncia quando tinham em mãos elementos aptos e embasar uma inicial sólida e com todas as condutas individualizadas? Esperaram que se chegasse à 48ª prorrogação da interceptação para terem a convicção de que os investigados eram delinquentes ? ou até então só teriam encontrado delitos liliputianos?
a prova anulada mostrou que não, mas ai chegamos em um ponto importante, demasiado importante: os parentes, familiares e amigos dos investigados, não envolvidos nos supostos esquemas delituosos, ao com eles se comunicarem, também sofreram violações do seu sigilo telefônico. E isso é muito pouco debatido, foi nesse sentido que argumentei no post anterior, calcado em Hassemer, que os cidadãos aceitam se ver privados de alguns direitos, em troca de uma segurança preventiva, de uma interceptação telefônica preventiva, e não propriamente repressiva. Não só eles, mas também todo e qualquer estabelecimento para os quais eventualmente eles ligaram, para ligações por eles realizadas por engano (muito cumum) e até para pedir uma pizza (e aqui não faço trocadilhos).
Nesse ponto não uso uma argumentação “ad absurdum” ou “reductio ad absurdum”, pois quem vai dizer que nunca recebeu uma ligação por engano? pode muito bem acontecer, e acontece, de os investigadores interpretarem como um código o diálogo entre o investigado principal e a pessoa que recebeu a ligação por engano. E ai vira uma teia, e os investigadores pedem a quebra do sigilo, e não encontram nada… mas ai já se sente o corpo daquele específico direito fundamental perder o calor.
Todos os cidadãos indiretamente envolvidos, acabam por tornarem-se, a princípio, suspeitos de condutas, pelo mero acaso, que eventualmente pode acontecer, como no caso que acabei de mencionar. Não acho que quinze dias sejam muito tempo, as investigações são muitas vezes complexas, não nos enganemos. Que se admita a prorrogação, não sou contra. Mas quantas vezes? O prazo do § 2ª do art. 136 da CF analogicamente poderia pautar um paradigma com razoabilidade, e ai seriam 4 períodos de investigação de 15 dias cada, totalizando 60 dias.
Se não se encontrou nada dentro desse período, que se prossiga com meios alternativos de investigação.
Se já há uma investigação prévia, e a interceptação é apenas mais um elemento probante, então a mim me parece, que é razoável a tese dos 60.
Contudo, se já se começarem as investigações pela interceptação, e ao fim de 60 dias não estejam presentes elementos aptos a dar arrimo a uma exordial acusatória, não tenho como concordar com mais dilação concernente aos 60 dias.
Thiago.
Thiago,
ainda não terminei de ler toda a sua mensagem, mas não resisisti de fazer um comentário parcial.
Acho que o Estado não está se tornando um pai em relação aos criminosos. Está sim se transformando em uma grande mãezona, que sequer coloca seus filhos de castigo e mima demais. Não acho que essa mãe deva dar cinturadas ou chineladas, mas um bom castigo ainda é uma medida eficaz para educar, inclusive para mostrar para os irmãos que aquele comportamento é errado. Pelo menos, é assim que faço com meus filhos.
George
Hugo,
não estou criticando a decisão do STJ como um todo, pois, como disse, não tenho elementos para isso. O que questiono é tão somente o entendimento no sentido que o prazo máximo da escuta é de 30 ou mesmo 60 dias.
George
Thiago,
(ainda sem ter lido toda a sua mensagem),
quanto à analogia com o Estado de Sítio é meio forçar a barra. O Estado de Sítio justifica a suspensão das garantias sem ordem judicial. É uma suspensão para situações-limite.
Não foi o caso analisado pelo STJ. Ali, o que se tinha era uma restrição de um direito fundamental com reserva legal qualificada. Ou seja, a Constituição exige que a lei regulamente aquela restrição, sempre com ordem judicial e naquelas específicas situações autorizadas constitucionalmente. Some-se a isso uma exigência a mais: a proporcionalidade.
Assim, não há que se fazer analogia com Estado de Sítio, pois há uma regulamentação específica e detalhada sobre o assunto, tanto na Constituição Federal quanto na lei.
E se for feita uma analogia com o Estado de Sítio, então deve-se admitir que a escuta pode ser feita até mesmo sem ordem judicial, o que é um tremendo absurdo.
Em síntese: não vejo base legal, nem constitucional, para limitar a possibilidade da prorrogação da escuta por tempo indeterminado, desde que obedecidos os parâmetros constitucionais e legais, sobretudo o princípio da proporcionalidade, que, nesse caso, pesa contra o juiz (limita ainda mais a decisão judicial). Isso sem falar na necessária fundamentação para cada decisão judicial. Não basta uma autorização genérica para prorrogar indefinidamente a escuta. A cada quinze dias, o juiz deve analisar se estão presentes os requisitos que justificam a restrição ao direito fundamental em questão.
George Mamelstein
George,
quanto ao primeiro comentário parcial:
justamente quanto a isso (o Estado ser um Pai) não me exprimi direito. O estado não pode assumir as expectativas mesmas de um pai, ou mãe, ou padrasto ou madrasta, ou mesmo adotante. O estado não pode ser visto dessa maneira, em que pese os Governantes aproveitarem as vantagens advindas da criação dessa expectativa. Veja-se programas populistas como o fome zero e congêneres. Dá votos? com certeza. É o ideal? penso que não, mormente quando se esquadrinham limitações aos direitos fundamentais. O Estado não pode ter filhos ou filhas, e ai lembro Ferrajoli, o estado não conheçe amigos ou inimigos, apenas culpados ou inocentes. O Estado deve ser impessoal, e em decorrência, não pode tratar uns como filhos, e outros como enteados. É como penso, influenciado por leituras recentes de Hassemer, Ferajolli e Canotilho, em contraposição a Jakobs e seu modelo de Estado.
Quanto ao segundo comentário parcial:
É justamente do aparente paradoxo decorrente da ilação mencionada, que considero realista e correta a interpretação/integração do texto constitucional que menciona a possibilidade de restrição do sigilo das comunicações por meio da reserva legal qualificada com o prazo do estado de defesa.
E o Crime organizado não atenta, pelo menos em última análise, contra os Pilares do Estado Democrático de Direito? Certamente, haja vista os seguintes aspéctos:
– bem jurídico protegido nos crimes contra a ordem Tributária e os que tenham de um modo geral o Estado como sujeito passivo.
– os princípios constitucionais que norteiam de um modo geral, as relações na Administração Pública (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência) e que são diuturnamente violados por criminosos do colarinho branco (e perfumoso);
E sendo a macro-criminalidade (geralmente a que necessita ser vigiada por escutas ambientais e telefônicas) um verdadeiro atentado contra o Estado Democrático de Direito, perfeita a interpretação/integração com um paradigma constitucional que verse sobre Estado de Direito e Estado de Exceção;
Ora, o estado de sítio está no rol das medidas mais drásticas que o Estado está autorizado a adotar? sem dúvidas, ladeado com a intervenção federal (e estadual) e o estado de sítio. Sabendo que é uma medida demasiadamente drástica, como você bem mencionou, e que tem o condão de autorizar restrições sem autorização judicial (porém sugeitas ao controle judicial) , dai já se verificam as dramáticas circunstâncias, como drásticas são as circunstâncias envolvendo a macro-criminalidade
Sem discutir sobre as origens dos mecanismos de defesa do Estado e da Democracia, que outrora serviram para perseguições ideológicas, como no caso dos Comunistas durante e após a década de trinta, e também após 1964, é preciso frisar que os hoje camuflados mecanismos de defesa são drásticos, tão drásticos como a necessidade de intervenção Estatal em um direito fundamental. Veja o exemplo Americano pós 11 de setembro de 2001, com o Patriotic Act.
Tirando a varinha de condão em que se transformou o princípio da proporcionalidade, qual outra norma de caráter Constitucional, autorizaria, ao menos a princípio e em tese, possível paradigma interpretativo, nem que seja para depois refutá-lo após uma averiguação mais detalhada? Justamente o prazo do Estado de Sítio. E se se indagar mais de perto, poder-se-á observar outras parecença com a lei de escutas.
O estado de defesa (art. 136 da CF) é anterior ao estado de sítio, exceto no caso do inciso II, do art. 137 da CF, que menciona a declaração de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. O Estado de sítio está assim regulamentado:
“§ 1º – O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
I – restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
b) sigilo de correspondência;
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;
II – ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.
§ 2º – O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.
§ 3º – Na vigência do estado de defesa:
I – a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial;
II – a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação;
III – a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário;
IV – é vedada a incomunicabilidade do preso.
§ 4º – Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da República, dentro de vinte e quatro horas, submeterá o ato com a respectiva justificação ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria absoluta.
§ 5º – Se o Congresso Nacional estiver em recesso, será convocado, extraordinariamente, no prazo de cinco dias.
§ 6º – O Congresso Nacional apreciará o decreto dentro de dez dias contados de seu recebimento, devendo continuar funcionando enquanto vigorar o estado de defesa.
§ 7º – Rejeitado o decreto, cessa imediatamente o estado de defesa.”
E se ainda assim ocorrer “comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa” ?
Ai autorizada está a medida posterior, que é o Estado de Sítio que admite, em tese, a suspensão de qualquer garantia constitucional. E quanto a duração e a prorrogação? Vimos que no estado de defesa não poderia em hipótese nenhuma ultrapassar 60 dias. Já no estado de sítio é diferente, a duração prevista tem o prazo de até e não superior a 30 dias, e não pode ser prorrogado, de cada vez, por prazo superior.
Por isso, reputo possível a ilação, à mingua de outros meios e instrumentos constitucionais que não a “varinha proporcional”, uma vez que se tratam, ambos os casos de restrição a direitos fundamentais. A questão da reserva legal qualificada é interessante, e antes de prejudicar, auxilia a presente argumentação, eis que se nocaso do sigilo das comunicações se exige a chamada reserva legal qualificada, no caso do estado de sítio não, e isso você já havia mencionado.
Todavia, isso é um empessilho para a ilação, ou é um supedâneo? Tenho que está mais para supedâneo, eis que serve de limites ao limite na intervenção de um direito fundamental, e como proteção do cerne essencial desse específico direito fundamental, haja vista que, se não se encontrar um limite, (como se está a afirmar que a lei das escutas não tem prazo) qualquer fundamentação de intervenção no caso específico sob os atendimentos dos postulados da proporcionalidade, do cabimento e do enquadramento da medida exata, também poderá ser interpretadas como descabida, desproporcional e desmesurada, acaso não se reconheça presente um núcleo essencial a ser (protegido) e merecer proteção.
Ou é isso, ou se reputa como sendo uma filigrana a questão do cerne (núcleo) essencial do direito fundamental ao sigilo nas comunicações.
Bom debate George, mas esse é o fundamento do meu argumento a favor da correção da Ilação do STJ.
Thiago.
Caro Thiago,
A grande questão é que a análise dos tribunais superiores parece que é feita sempre sob o ângulo do criminoso. Claro que é necessário especial atenção com os direitos e garantias fundamentais do cidadão, tendo o advogado papel primordial nessa missão constitucional. Agora fechar os olhos para a criminalidade organizada, com atividades perenes e bem articuladas, é outra coisa. Parece que o STF e o STJ são discos voadores no cerrado brasileiro; penso que os senhores ministros não acreditam na existência desse tipo de criminalidade, que em nenhum momento respeita o Estado Democrático de Direito, pondo-o, inclusive, em risco.
Com esse tipo de decisão, abre-se oficialmente a temporada dos crimes impunes, que, aliás, não é novidade por aqueles lados, pois, quando não absolvem os privilegiados, são obrigados a reconhecer a prescrição no caso concreto. E assim a banda continua tocando nesse Brasil de meu Deus! Vamos ver aonde isso vai dar.
Abraços,
Edmilson
A propósito, embora sem pertinência direta com a questão da privacidade x interceptação telefônica, confira-se notícia constante do blog do Marcelo Bertasso, onde se tem a exata noção de como os nossos tribunais superiores defendem interesses de privilegiados, fazendo interpretações completamente distintas para hipóteses bem semelhantes. Veja que nesse caso, o cidadão, pobre coitado querendo ser PM, estava sob período de prova sem admissão de cuplpa.
Aliás, quando tratou da questão da inelegibilidade de pessoas que respondem a processos criminais/improbidade administrativa, o professor George já tinha defendido um ponto de vista bem parecido com o do Marcelo. Então, aproveito o ensejo para perguntá-lo: Prof. George você também tinha a mesma impressão do juiz Bertasso, quanto à possível mudança de opinião do STF no que diz com os cargos púbicos de escalões inferiores?
“STF: dois pesos, duas medidas.
Quem acompanha o blog se lembra de um artigo que publiquei aqui (e depois no Jus Navigandi) sob o título “Antecedentes, inelegibilidade e vida pregressa“.
No item 2.3 do artigo (Interpretação constitucional e coerência) sustentei que um dos fundamentos para se concluir pela auto-aplicabilidade do art. 14, § 9º, da Constituição Federal, e, conseqüentemente, pela impossibilidade de deferimento de candidaturas de pessoas já condenadas em primeira instância, seria o de que o STF tinha jurisprudência firme considerando que pessoas que respondem a processos não têm honorabilidade para exercer cargos públicos de escalões inferiores (como policiais militares).
Pois veio o julgamento da ADPF 144, onde, por ampla maioria, considerou a corte que ofenderia o princípio da presunção da inocência indeferir pedidos de registro de candidatura de políticos que respondesem a processos criminais. Beleza, se o Supremo entendeu assim, resta-nos seguir, embora discordando.
No entanto, eu esperava que a jurisprudência do Tribunal seria modificada em relação às hipóteses de cargos de escalões inferiores. E não é que isso não ocorreu? Vejam a notícia abaixo, do Informativo nº 518:
Concurso Público: Atividade Policial e Idoneidade Moral
Não tem capacitação moral para o exercício da atividade policial o candidato que está subordinado ao cumprimento das exigências decorrentes da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89). Com base nesse entendimento, a Turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que, fundado no princípio constitucional da inocência, concluíra pelo prosseguimento do candidato no certame, não obstante submetido ao referido instituto despenalizador. Enfatizou-se que tal medida impede a livre circulação do recorrido, incluída a sua freqüência a certos lugares e a vedação de ausentar-se da comarca, além da obrigação de comparecer pessoalmente ao juízo para justificar suas atividades. Desse modo, entendeu-se que reconhecer que candidato assim limitado preencha o requisito da idoneidade moral, necessária ao exercício do cargo de policial, não é pertinente, o que afasta qualquer ofensa ao aludido princípio da presunção de inocência. RE 568030/RN, rel. Min. Menezes Direito, 2.9.2008. (RE-568030)
Perceberam o jeitinho que o STF deu? Para não deixar tão claro que usou de dois pesos e duas medidas, ele tentou sair pela tangente, dizendo que o candidato que responde a processo e foi beneficiado pela suspensão condicional do processo não tem idoneidade moral porque, em razão desse benefício, tem sua locomoção limitada.
Mas desde quando ter locomoção limitada implica em não possuir idoneidade moral? O que uma coisa tem a ver com outra?
Na verdade, ficou claro: para o Supremo, quem responde a ação penal não pode exercer o cargo público de soldado da Polícia Militar, mesmo que seu processo esteja suspenso (e olha que a suspensão condicional do processo não implica em assunção de culpa). Agora, se essa pessoa quiser se candidatar a Governador de Estado, está liberada. Contraditório né?
Segundo o STF, portanto, o Estado tem que ser mais exigente ao admitir Policiais Militares do que ao admitir novos governantes.
Presunção de inocência, no Brasil, só se aplica aos políticos (ou empresários e poderosos). Aos que simplesmente pretendem ser PMs (trabalhando um monte, ganhando pouco e se expondo a riscos) esse princípio não existe. Ou melhor, não se aplica.
Mais uma demonstração do Estado Democrático de Direito à brasileira.”
Edmilson
Prezado Edmilson Junior,
boa argumentação. confesso que algumas vezes tenho esse mesmo sentimento, qual seja, de que os Tribunais Superiores tomam suas decisões com padrões duvidosos de qualidade. Mencione-se o TST que tem se pautado pela flexibilização de direitos do Trabalhador, e ai as relações de Trabalho modernas aparentam semelhanças com o Cambão ou NeoCambão (escravidão tolerada) como dizia Francisco Julião ao defender as ligas Camponesas no interior do Nordeste.
O STM quando interpreta o Cód. Penal Militar, e as punições administrativas, com base em precedentes de 30, 40 anos atrás.
O STJ que vive uma eterna discussão com a Advocacia e Membros do MP, e que muda de posionamente mais rapido do que um REM (Rapid Eye Movement – Movimento Rápido dos Olhos). Gostaria de ressaltar, contudo, que a decisão da 6ª Turma não invocou os argumentos que estou defendendo aqui, de proteção ao Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais; Concordei com o dispositivo do Acórdão, mas a fundamentação, no meu ponto de vista, deveria ser outra.
O STF que após a entrada no ar do Reality Show em que se transformou a transmissão ao vivo dos Julgamentos do Pleno, deixa mais evidente a guerra de egos dos Ministros. A composição da corte é eclética.
– Gilmar Mendes : Oriundo do MPF
– Cesar Peluso: da Magistratura
– Carlos Britto: do MP Estadual
– Ellen Gracie: MPF e TRF
– Joaquim Barbosa: MPF
– Meneses Direito – TJ/RJ e STJ
– Lewandowsky – TJ/SP
– Eros GRau: Advocacia
– Carmen Lúcia: Advocacia (Pública)
– Marco Aurélio: TFR e TST
– Celso de Mello: MP/SP
Verifica-se a predominância do Parquet e da Magistratura. As visões de vida são díspares, como não poderiam deixar de ser, mas a tendência em favorecer a Advocacia (e o Criminoso) não tem razão de ser (alegada), e por isso, muitas das acusações nesse sentido, que sites e jornais, e profissionais operadores do Direito são descabidas. É certo, todavia, que o mecanismo de escolha dos Ministros pode não ser o melhor, e a cruzada empreendida por muitos postulantes ao cargo de Ministro da Corte Suprema pode comprometer as instituições e os grupos de pressão que auxiliam nas candidaturas. Mais é inegável que a predominância é de Filhos do MP, acusadores (quase a metade dos Ministros).
Nova Constituinte, como a PEC de revisão que está no Congresso seria golpe, então: “quid iuris”? se a Constiuição Assegura uma pleiade de Direitos a todos os cidadãos, e é certo que não se pode negar essa qualidade a ninguém, nem mesmo ao mais vil dos Criminosos, e digo isso com espeque nos Deveres do Advogado de Ruy Barbosa, após ser consultado por Evaristo de Morais (o Pai) sobre a defesa que estava sendo chamado a Patrocinar, e também nas missívas de Henry Robert em O Advogado.
É difícil ver um patrono seguir os conselhos, pois qual Advogado defenderia o Estuprador de um ente querido, filha ou esposa?
Esclareço que não defendo os Crimes praticados contra o Estado Democrático de Direito e por conseguinte, contra toda a sociedade, apenas ressalvo que todo Acusado, Indiciado, Criminoso, tem direito a uma defesa (a melhor possível) e quem dera todos tivessem acesso a bons Advogados (nem que fosse em sede de “pro bono”).
Queria que todos tivessem um Ruy Barbosa, um Evaristo de Morais (Pai), um Evaristo de Morais (filho), um Sobral Pinto, um Evandro Lins e Silva, gigantes, para lutar por seus direitos. Eu sei, é utopia. Mais ainda assim eu gostaria.
O debate é interessantíssimo. Mas não compreendo como o STF, uma Corte extremamente garantista, sobretudo porque antes da edição da Lei 9296/96 não admitia nenhuma interceptação telefônica judicialmente autorizada com base no art. 5º, XII da CF, pode ter uma posição esdrúxula como essa. Perdeu a oportunidade de revisar sua jurisprudência no Inq 2424. Como pode uma interceptação telefônica, isto é, uma restrição ao direito fundamental à inviolabilidade das comunicações telefônicas, dentro do processo penal, que assegura diversas garantias ao acusado, perdurar por um período maior que aquele estabelecido para a suspensão desse mesmo direito quando decretado o estado de defesa (art 136, §2º da CF?
Ademais, quem viu as decisões renovatórias da medida sabe que não se pode sustentar um pedido de interceptação telefônica durante dois anos apenas em 5 linhas. PQP!
OI quero falar da bola fora qo Ronaldo deu em pedir redução da pensão do filho Ronald.Pareçe até q ele é pobretão e q tá passando necessiddes!Pra q colocar o filho nessa exposição toda.O garoto já deve ser chacota no meio dos coleguinhas dele.Imagine o q isso pode causar na cabeçinha dele?Com certeza ele vai levar isso pro resto da vida:”Meu pai tá com outros filhos e agora quer me jogar pra escanteio.Será q ele não gosta mais de mim?Será q eu fiz algo de errado pra ele?”São pensamentos q passam pela cabeça de uma criança,já q hoje as criançãs são bem mais espertas do q as de antigamente.Tive perguntando para algumas crianças q tem a idade do Ronald e o q escrevi acima foram algumas das respostas q recebi delas.
Bom tempo era da DITADURA pois grampiava o subivessivo e s´para guandp conseguia algo que poderia usar de prova contra ele, tinha nada de tempo ne motivação.
Bom tempo era da DITADURA pois grampiava o subivessivo e s´para guandp conseguia algo que poderia usar de prova contra ele, tinha nada de tempo ne motivação.
ESPERO QUE ESTES BOM TEMPOS VOLTE.