Comentário do Leonardo e Blog do André Lenart

O Juiz Federal Leonardo Resende Martins, amigo de longa data, fez um comentário no post sobre a “cleptocracia” que faço questão de destacar.

O mais interessante é que suas palavras ganham ainda mais força por ele ter atuado, até bem pouco tempo, como Corregedor Eleitoral no Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, ocupando a vaga destinada à Justiça Federal.

Eis suas palavras:

“Caro George,

Compreendo – e concordo – com o seu desabafo!

Não digo que a fundamentação da decisão do STF seja absurda. Mas ela pode ser qualificada, no mínimo, como bastante conservadora, em especial no que tange à invocada eficácia limitada do art. 10, § 9º, da CF/88. A nossa Constituição revela textualmente que quer “proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato”. É bem verdade que ela condiciona a especificação das hipóteses de inelegibilidade fundadas nesse critério à edição de uma lei complementar. Mas já se passaram vinte anos e nada. Por que será? A omissão intencional do Congresso está impedindo a concretização dos valores constitucionais acima citados. E o que nossa “Corte Constitucional” diz? “Paciência, esperemos um pouco mais”. Sabe quando esse dispositivo constitucional vai ser regulamentado?

Curioso, nessa história toda, é que naquela outra questão da fidelidade partidária, o STF foi de um “ativismo judicial” impressionante, numa matéria muito mais complicada. Sem norma constitucional ou legal (ao contrário, a CF/88 rompera claramente com o regime constitucional anterior no que tangia à infidelidade partidária), o STF entendeu que a mudança de partido acarretava, na prática, a perda do mandato eletivo. Naquela ocasião, diferentemente do que ocorreu no julgamento desta semana, o STF não se preocupou com a fúria das “brigadas judiciais” das instâncias inferiores. Lá, também não havia critérios objetivos que delimitassem as chamadas “justas causas”, as quais estão sendo moldadas somente agora, no decorrer a vivência jurisprudencial. E lá, pior ainda, se permitiu a supressão do mandato já outorgado pelo voto popular, o que é muito mais agressivo – na minha visão – do que se vedar a candidatura. Outra coisa, a decisão da Justiça Eleitoral que determina a perda de mandato por infidelidade partidária é imediatamente eficaz, já que o recurso cabível, de regra, não tem efeito suspensivo. Já no processo de impugnação de registro de candidatura, o indeferimento só eficaz com o trânsito em julgado, ou seja, além da possibilidade de o candidato produzir provas, sua exclusão do processo eleitoral somente ocorreria após a apreciação de todos os recursos, inclusive do recurso especial junto ao TSE. Em suma, embora cada uma das questões tenha suas particularidades, faltou coerência ao STF, penso eu.

Aqui em Alagoas, por exemplo, há candidatos que, conquanto presos preventivamente, estão em plena campanha. Em Maceió, há um candidato vereador, cabo da PM, preso cautelarmente por ser supostamente líder de um grupo de extermínio. Numa cidade no sertão alagoano, um ex-prefeito responde preso a ação penal por formação de quadrilha, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e fraude à licitação (nem o STF concedeu “habeas corpus” no caso dele) e provavelmente será eleito. Claro que eles podem exercer a ampla defesa no processo criminal e, quiçá, serem futuramente absolvidos. Mas, até lá, penso que seria prudente, por cautela, impedir-lhes a candidatura. O STF, entretanto, diz que não.

Cumpre agora, pois, esperar (e protestar): a) pela aprovação de lei complementar pelo Congresso definindo as hipóteses de inelegibilidade reclamadas pelo art. 14, § 9º, da CF/88; b) que o Judiciário julgue com rapidez as ações criminais, em especial em casos envolvendo dilapidação do patrimônio público e criminalidade organizada, notadamente que os Tribunais Superiores priorizem a apreciação dos milhares recursos extraordinários e especiais que, represados, impedem o trânsito em julgado das sentenças em tais casos; c) finalmente, que a população desenvolva a capacidade de colocar no ostracismo político os candidatos com a vida pregressa marcada pelo cometimento de ilegalidades e imoralidades.

Sobre o Estado cleptomaníaco a que você referiu, trata-se de uma tendência que, em verdade, constitui uma reação à maior eficiência que as instituições ligadas à persecução penal estão revelando no combate à corrupção e criminalidade organizada nos últimos anos. Na Itália, durante a Operação Mãos Limpas, houve uma saraivada de críticas desferidas por advogados criminalistas, políticos, empresários, mafiosos etc. contra o que chamavam de Estado policialesco, espetacularização, fascismo e coisas do gênero.

Sobre tal tendência, preocupa-me muito aquele entendimento do STF, firmado com uma composição já bastante alterada, de que agentes políticos não se submeteriam a ação de improbidade administrativa. Na minha opinião, isso institucionalizaria a cultura de que “a Justiça só pega o peixe pequeno” e de que “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”. Espero que haja uma reversão desse entendimento, com urgência”.

*****

O André Lenart, juiz federal lá no Rio de Janeiro, me fez o convite para conhecer o seu récem-lançado blog: “Reserva de Justiça“, que faço questão de aqui divulgar. Vou logo adiantando que não concordo com todas as idéias que ele defende (aliás, de certo modo, talvez eu discorde mais do que concorde, pelo menos quanto ao radicalismo por ele defendido). Mesmo assim, sei que o André tem uma profunda base teórica, alimentada por diversos autores estrangeiros, inclusive alemães, o que engrandece qualquer debate.

A idéia dele, certamente nadando contra a maré do direito penal brasileiro, é fornecer uma visão realista das ciências criminais. Essa visão, conforme suas palavras, significa:

  • adoção de um Direito Penal mínimo, isto é, essencialmente ligado à missão de defesa de bens jurídicos e que abdique da função de proteção da “moral”;
  • elevação das penas e endurecimento do regime de cumprimento para condenados por crimes graves;
  • supressão da prisão temporária e reestruturação do instituto da prisão preventiva, fixando rol taxativo de fundamentos formais e ampliando seu horizonte de alcance, sem prejuízo do estabelecimento de prazos máximos de duração;
  • adoção das doutrinas estrangeiras por inteiro, e não em parte, como se tem feito.

Eis sua descrição dele próprio: “Assim como a maior parte da população, o Autor não entende como pessoas fortemente suspeitas de cometer crimes graves podem responder a processos em liberdade, nem vê com bons olhos a permissividade que prolifera e toma conta da nossa cultura jurídica. Um país de embusteiros, caloteiros, mandriões e criminosos – eis no que o Brasil está se transformando”.

Não tenho a menor dúvida de que o blog fará muito sucesso já que a visão do autor é polêmica, radical e bem diferente do discurso que se constuma ouvir entre os penalistas nacionais.

Por isso, todos aqueles que se interessam pelo direito penal ou pelo direito processual penal não deixem de conhecer o blog: http://reservadejustica.wordpress.com/

5 comentários em “Comentário do Leonardo e Blog do André Lenart”

  1. Quanto ao comentário do Leonardo:

    interessante sua argumentação, inclusive coincide com alguns dos pontos de vista do George no post anterior.

    esse cotejo com a decisão referente a fidelidade partidária é bastante rico, e nos faz realmente maturar os princípios concernentes aos direitos políticos.

    no julgamento da fidelidade partidária, fiquei com a intuição de que a bancada do Palácio do Planalto influiu sobremaneira na decisão final do STF, mormente na ante-vespera das eleições municipais deste ano, em que um grande número de Deputados, Senadores e presidentes de Partido estão concorrendo a cargos Municipais apenas para influir no sistema das sobras de votos.

    creio que no caso da (in) fidelidade partidária, foi uma decisão equivocada do STF, pois a reforma eleitoral não tem como ser feita pelo Judiciário (quer dizer, não deveria). E é justamente por isso, que entendo que um erro não justifica o outro, ou seja, o caso da infilidedade, foi de uma (perdão pelo trocadilho) infelicidade tamanha, e não tem o condão de justificar a decisão sobre o registro dos candidatos que respondem à investigação ou processo criminal.

    de toda forma, foi um bom argumento, e fez parecer estranha a fundamentação do STF em ambos os casos.

    quanto ao Prof. George, peço desculpas se por ventura tenha parecido rude em alguns comentários, sinceras desculpas. Temos pontos de vista antagônicos, porém, a meu sentir, apenas contribui para o debate de um assunto tão sério quanto esse, de consequências duríssimas (reconheço) – tanto de um lado quanto pro outro.

    outrossim, tenho que salientar que é louvável a postura do George, e também do Leonardo, que debatem, abertamente, assuntos polêmicos, diferentemente de outros Membros do Poder.

  2. Seria melhor que o titulo do post do George fosse:
    SOBRE O INTERESSANTE COMENTARIO DO LEONARDO, QUE CONCORDA PLENAMENTE COM O MEU INTERESSANTE POST ANTERIOR.

    Achar interessante apenas os argumentos que lhes sao favoraveis, muito o aproxima dos velhos professores em sala de aula:
    Quando perguntados sobre algo que nao sabem, desviam para outro assunto ou, numa atitude ainda mais mesquinha, passam alguns livros para o aluno inteirar-se mais sobre o que estava “querendo dizer”.
    Quando sabem a resposta, quando o aluno responde aquilo que o professor queria ouvir. Aih eh elogiado como o sabio da classe. Nao antes de o professor afirmar que sua pergunta eh MUITO INTERESSANTE.
    Trocando em miudos:
    Interessante eh igual: ao que ja sabemos, ao que concordamos.
    Desinteressante: tudo que desconhecemos, ou que nos desagrada.

  3. Olha esse ABADIA, hahaha. Qualquer semelhança com Juan Carlos Ramírez Abadía é mera coincidência — assim espero!.

    De qualquer forma, gostei da analogia que o Martins fez. Acho que enriqueceu bastante a discussão e até me fez pensar, independente da posição dele ser X ou Y.

    E ABADIA, por favor, isso é um blog privado, o George posta o que ele quiser. Faz um blog pra você também, não fique com ciúmes.

  4. Abadia,

    você está certo: o comentário do Leonardo foi muito interessante e complementou meus argumentos. Daí a sua reprodução com destaque.

    O blog do André Lenart é igualmente interessante, mas bate de frente com muitas idéias que defendo. Basta ir lá dá uma olhada.

    Entendeu?

    George

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