Quando o Drica comentou e defendeu a inconstitucionalidade da Lei 11.705/2008, sabia que a questão seria bem polêmica.
Toda vez que discuto a (in)constitucionalidade da obrigatoriedade do bafômetro em sala de aula, é confusão na certa.
A matéria não é nova, apesar de haver ganhado nova embalagem. Há várias decisões judiciais pelo Brasil afora entendendo que “não há obrigatoriedade de algum indivíduo submeter-se ao teste de bafômetro, pois apresenta-se como direito público subjetivo a não-realização de provas contra si” (por exemplo: TRF 4, ACR 200172000023412/SC, rel. Luiz Fernando Wowk Penteado, j. 28/4/2002).
Aliás, respeitando esse entendimento, o Código de Trânsito Brasileiro foi alterado pela Lei 11.275/2006 justamente para reconhecer a não-obrigatoriedade da submissão do condutor ao bafômetro (observe o parágrafo segundo): “Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (…) § 2o No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor”.
A meu ver, a Lei 11.275/2006, se interpretada corretamente, dava uma solução perfeita (e constitucional) para o problema: ninguém seria obrigado a se submeter ao bafômetro; mas se o motorista se recusasse a soprar no aparelho, a autoridade policial poderia se valer de outros meios de provas para caracterizar a infração principal (dirigir sob a influência de álcool). Assim, por exemplo, a autoridade policial poderia conseguir testemunhas, certificar sinais notórios de embriaguez (como o cheiro ou a voz embaralhada), entre outros meios de provas válidos. Hoje, com o barateamento dos meios de captação de som e imagem, até mesmo por meio de celulares, fica bem fácil demonstrar que a pessoa está alcoolizada ou até mesmo drogada.
Mais aí veio a Lei 11.705/2008 e simplesmente disse que a mera recusa de se submeter ao bafômetro constituiria crime.
Como assim, crime? Poderia o legislador dizer que a não confissão de um homicídio seria um crime autônomo? Poderia o legislador estipular que o réu que se recuse a participar da reconstituição do crime estaria cometendo um novo ilícito?
E onde fica o princípio que proíbe obrigação de se produzir prova contra si mesmo?
Pode-se conjecturar: não há na Constituição nada que expressamente reconheça um direito de não produzir provas contra si mesmo. Realmente, não há, sobretudo se for feita uma “leitura ao pé da letra” do texto constitucional. E vamos fazer de conta que não exista uma construção jurisprudencial já bem consolidada de que o tal princípio está positivado na Constituição, ainda que implicitamente. (Como o Drica bem apontou, a jurisprudência do STF tem dezenas de exemplos reconhecendo que o referido princípio decorre do artigo 5º, inc. LXIII, da CF/88). Mas vamos fingir que não exista qualquer posicionamento do STF sobre o assunto.
Que tal a gente dar uma olhada no Pacto de San Jose da Costa Rica?
Lá há uma expressa garantia de todo acusado de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a confessar-se culpado (art. 8º, item 9). Se isso não for uma proteção contra a auto-incriminação, aí fica difícil dialogar…
Portanto, a lei claramente viola o direito que todo indivíduo possui de não produzir provas que possam lhe prejudicar.
Mas um pós-positivista poderia argumentar: não há direitos absolutos. Logo, a garantia contra a auto-incriminação pode ser relativizada, sobretudo para salvar vidas que um suspeito de embriaguez está ameaçando ao dirigir seu veículo sob a influência do álcool.
Não creio que a criminalização da mera recusa de se submeter ao bafômetro passe pelo critério da vedação de excesso. É uma intervenção muito grave nas garantias processuais para obter uma vantagem que poderia perfeitamente ser obtida por outros meios. Bastava a lei inverter o ônus da prova: presume-se que aquele que se recusa a se submeter ao bafômetro tenha consumido álcool. Seria uma solução menos drástica e ainda assim eficiente.
Aliás, como bem lembrou o Drica, há um precedente que confirma essa possibilidade: o caso da recusa de se submeter ao exame de DNA para fins de descoberta da paternidade. Ninguém é obrigado a fazer tal exame, mas se não o fizer presume-se pai.
Finalmente, para concluir, lembrei de um diálogo travado entre Pedro Aleixo e o Ministro da Justiça Gama e Silva por ocasião da assinatura do AI-5. Pedro Aleixo foi o único membro do governo a se negar a assinar o referido documento. Em razão disso, foi questionado por Gama e Silva: “Mas. Dr. Pedro, o senhor não confia nas mãos honradas de nosso Presidente, aqui presente?”. Ao que Pedro Aleixo respondeu: “Não, ministro, das mãos honradas do presidente eu não desconfio; eu desconfio é do guarda da esquina”.
Do mesmo modo, afirmo que não desconfio nem um pouco das boas intenções do legislador. Mas será que dá pra confiar no guardinha da esquina que irá aplicar essa lei?
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A expressão “inconstitucionalidade chapada” foi “copirateada” dos comentários do meu amigo Juraci Mourão, no post passado.
Perfeito!
This is great, you do a good job. Thanks.TRADUÇÃO:Isso é ótimo, você faz um bom thabalro. Graças.
Um dos anônimos poostu se valeria a pena assinar a petição!Tudo é valido para não deixar esses animais sofrerem.
Dr. George, perfeito mesmo. Há outra violação a direito fundamental. O problema – se é que se pode dizer isso – é que o princípio desrespeitado também não tem previsão expressa como já mencionado por você. Se bem que se pode invocar substantive due process of law (devido processo legal material). É verdade, expresso, expresso, como querem os positivistas, não é. Trata-se do princípio da proporcionalidade, razoabilidade, vedação de excesso e qualquer outra expressão que indique essa idéia de adequação, necessidade, pertinência. Acabei de ler na internet. Gilmar Mendes deixou escapar exatamente isso. Disse que parace ser a lei desproporcional. Li uma vez algo assim: Olha, o princípio da proporcionalidade é mais facilmente sentido do que conceituado. E é bem isso mesmo. É razoável matar um pequeno pássaro com um canhão? É evidente que há outros meios menos gravosos de coibir acidentes nas estradas. Não é proibindo, sem critério algum, a venda de bebidas ou impondo ao condutor do veículo a sanção no caso que não sujeição ao bafômetro. No Brasil, é assim. Adota-se sempre a lei do desespero, precipitada, como se esta fosse a panacéia de todos os nossos problemas. Este problema do trânsito se revolve de outro modo sem a necessidade de edição de lei. Mas isso é bem a cara do Brasil. Li outro dia algo assim: Muitíssimas leis. República péssima. Fazer o quê? Abraço.
George,
A notícia abaixo foi veiculada no site da OAB, acho que pode te interessar.
Britto e Itamaraty debatem sobre cerceamento à livre crença no Irã
Brasília, 01/07/2008 – O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, levou hoje (01) ao ministro de Estado Interino das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, a preocupação da entidade da advocacia com a proposta de graves mudanças por que passa o código penal em discussão no Parlamento do Irã, que pode afetar gravemente a liberdade de crença e religião naquele País. O projeto de lei que altera aquele código, segundo Britto, traz uma seção sobre apostasia, definindo como obrigatória a pena de morte a qualquer pessoa que se converta a outra religião, que não o Islã.
A proposta foi apresentada à OAB pela Comunidade Bahá´í do Brasil e, por afetar seguidores de todas as religiões naquele País, a proposta foi debatida hoje na reunião no Itamaraty no sentido de propiciar uma manifestação do governo brasileiro em relação à matéria. O ministro Samuel Pinheiro Guimarães informou a Britto que o Itamaraty já tem conhecimento do problema e que vai debater qual a melhor ocasião para que o governo brasileiro possa se manifestar. Nos últimos anos, a diplomacia brasileira manteve-se neutra nas votações do Comitê da Assembléia Geral das Nações Unidas sobre o projeto de resolução referente à situação que se passa naquele País.
Também participaram da reunião no Palácio do Itamaraty o presidente da Comissão Nacional de Relações Internacionais da entidade e membro honorário vitalício da OAB, Roberto Busato, e o secretário da Comissão, o advogado Joelson Dias.
Outros temas
Na reunião com o ministro, foi tratado, ainda, da situação dos advogados e magistrados frequentemente perseguidos no Paquistão – assunto que o Itamaraty ficou de estudar a partir de amplo material com informações e estatísticas entregue pela OAB – e da possibilidade de celebração de acordos para transferência de tecnologia e realização de cursos (pela OAB) em países como São Tomé e Príncipe e Moçambique sobre legislação do petróleo e da mineração, respectivamente. Quanto a esse último tema, o ministro garantiu apoio e interesse do Itamaraty em auxiliar a OAB na realização de cursos e ficou de estudar de que forma tal apoio será dado.
EM TEMPO, NÃO GRAVEI O NÚMERO DO TEU CELULAR(MANDA UM E-MAIL PRA RUBENSGUEDES@HOTMAIL.COM). TENTEI FALAR CONTIGO NO DIA 30 E NÃO CONSEGUI, MESMO ATRASADO, SEGUE ABRAÇO AQUI DO MT.
Caro George e Adriano,
Parabéns pela colocação do tema, vale ressaltar que apenas um desconhecimento significativo da importância do princípio da não-produção de provas contra si mesmo no Estado Democrático de Direito para a defesa da sua necessidade de expressão em letras garrafais na CF/88, ignorando, ainda, a posição do STF e o Pacto de San José lembrado no segundo post.
Devemos aguardar a posição do Supremo, mas a indicação da ausência do controle preventivo de constitucionalidade não pode passar desapercebida, primeiro porque o modelo republicano é pela tripartição dos poderes, numa relação independente MAS harmônica, vg, dentro de uma Filosofia Política republicana.
O fato de podermos confiar no exercício de sua função institucional pelo STF, não pode implicar a desconsideração do desequilíbrio que sobrepõe em uma única base, o judiciário, a resistência sobre elementos fundantes da nossa sociedade política.
Quero dizer apenas que a situação é preocupante, inclusive porque o modelo não foi pensado para sobrecarregar um dos poderes da república, como também pelo reconhecimento que em outras épocas e lugares o judiciário também deu a sua contribuição para a concretização da barbárie.
Por fim, entre confiarmos em pessoas, acreditarmos nas instituições e defendermos modelos institucionais existe uma gradação que pode corroborar para o aperfeiçoamento da democracia no Brasil.
Ab.
Samuel Martins.
Perfeito, Samuel. A falta de controle preventivo é, sem dúvida, o mais grave. Como quem acompanha o blog bem sabe, muitos são os “hard cases” em que fica difícil apontar se determinada lei viola ou não certo direito fundamental – ou se o restringe de modo desproporcional. No que tange à “Lei Seca”, todavia, a coisa é relativamente simples: sancionar pesadamente quem se recusa a produzir prova contra si mesmo é modelo de conduta “muito” inconstitucional! Fácil concluir que, nesses tempos em que se debate sobre células-tronco, a “gestação” desta norma aberrante deveria ter sido mesmo “interrompida” ainda no Legislativo.
Aquele abraço,
Adriano
A expressão “inconstitucionalidade chapada”, se não me falha a memória, era utilizada com muita frequência nos votos do Ministro Sepulveda Pertence. Só não posso afirmar que ela é, originalmente, de sua autoria.
This rlaely answered my problem, thank you!TRADUÇÃOIsso realmente respondeu o meu problema, obrigado!
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