Seguindo a dica do meu amigo de confraria Rubens, comecei a assistir ao seriado Boston Legal. Vi o episódio 1 da primeira temporada (S01E01).
Já percebi que vai ser mais um vício, assim como Lost, House, Weeds, Roma, Heroes, Prison Break, Big Bang Theory e por aí vai…
Pelo menos, posso dizer que há um interesse juscientífico por detrás de Boston Legal, já que ele enfrenta dilemas bastante curiosos para a teoria dos direitos fundamentais.
Neste primeiro episódio, o escritório de advocacia que domina o espetáculo aceitou defender um caso, no mínimo, inusitado.
Eis os fatos: uma menininha negra, que cantava extremamente bem, foi desclassificada no concurso nacional de canto. De acordo com a mãe da criança, ela era a melhor e foi preterida tão somente por causa da sua cor.
Os reais motivos da desclassificação não foram bem explorados no seriado, pois, na minha ótica, não foi bem isso que o diretor quis mostrar. Há um humor refinado ao longo da narrativa da estória, que deixa a entender que o objetivo principal daquele episódio foi muito mais criticar o exagero do discurso politicamente correto, que pode levar a tal da “ditadura dos direitos fundamentais”. Até mesmo questões aparentemente banais poderão ser levadas ao Judiciário se os valores jusfundamentais forem considerados ao pé da letra, o que certamente sufocará a sociedade e colocará o juiz como um árbitro onipresente em qualquer conflito social. É esse um dos únicos contrapontos à chamada horizontalização dos direitos fundamentais.
Imagine, por exemplo, se uma pessoa deixa de convidar um colega de trabalho para a sua festa de aniversário, justamente porque não gosta dele. Digamos que esse colega de trabalho pertença a alguma minoria. Certamente, o fato de ele pertencer a alguma minoria pode ter sido um dos motivos que levaram o aniversariante a não gostar dele e, portanto, foi um dos motivos pelos quais ele não foi convidado para a festa. E aí, é discriminação? Será que, sendo comprovada a discriminação, o Judiciário pode obrigar o aniversariante a convidar o colega discriminado? Não seria uma invasão muito pesada na sua autonomia privada?
George,
Já que você também gosta de seriados (esse negócio vicia mais que novela :P) tenta assistir Jericho. Voltando à questão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, no episódio 17 (ou 16, não lembro bem) aparecem exatamente os pressupostos que fundamentam uma aplicação dos direitos sociais nas relações privadas, especialmente a solidariedade. Além disso, o seriado como um todo é uma caricatura da formação do estado, um confronto entre Hobbes e Locke, bem interessante. Em outras palavras, no mínimo você pode justificar que tem um interesse juspolítico assistindo a Jericho :)
Abraço
Olá, pessoal.
Esse caso é bem interessante. Afinal, festas de aniversário fazem parte da vida de todas as crianças. É algo muito importante na vida do petiz. A frustração pode marcá-lo por toda vida.
Doutro vértice, qualquer questão pode ser levada ao Judiciário.
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais deve ter aplicação plena e indistinta.
A CF não faz diferença entre questões banais e relevantes. Quem ousa definir o que é banal ou não? É muito fácil falar isso quando são os outros (e não nós) que foram excluídos do aniversário.
Queria ver se fosse com a gente a exclusão… Aí sim nos sentiríamos lesados! Segundo o adágio popular, “pimenta no olho alheio é refresco”…
A opressão pode vir tanto do Poder Público (vertical) como dos próprios particulares (horizontal). Independentemente da origem, a violação é a mesma, pouco importa o causador.
Aguardo a opinião de vocês!
Alfredo,
a questão não é tão simples quanto parece, pois, do outro lado da balança, também há um valor de suma importância, que é a vida privada.
Conheço um caso bem parecido ao colocado no post. Um amigo meu, que provavelmente vai ler isto, fez uma festa de casamento de médio porte. Chamou vários amigos, mas não todos.
Um conhecido em particular, que não foi convidado, ficou muito chateado por isso e até hoje diz que somente não foi convidado porque é homossexual.
Logicamente, ele não entrou na Justiça para denunciar a discriminação, pois fica muito difícil provar a sua existência.
Mas, digamos que fique provado que ele não foi convidado porque é mesmo gay. Será que o noivo tem a obrigação de chamar quem ele não gosta?
Digamos que o noivo é torcedor do Ceará. Seria discriminação se ele não chamasse um fanático torcedor do Fortaleza para a sua festa de casamento?
Ora, é a festa de casamento dele. Ele chama quem ele quiser. Seria uma grande intromissão na sua vida privada se o Judiciário decidisse quem ele pode chamar ou não para um momento tão íntimo e importante da sua vida.
No mais, concordo com você que a Constituição não faz distinção entre casos banais e casos relevantes. Realmente, isso não deve ser um fator a ser levado em conta na decisão judicial.
Por outro lado, na minha ótica, quanto mais próximo da esfera de intimidade estiver o ato de vontade, menor será a força da incidência dos direitos fundamentais.
Mas é uma questão a se refletir…
Ele não convidou por que não gosta do colega negro (poderia ser Branco, ou hetero, ou homossexual etc.) ou porque não gosta da negritude do colega (mesma ressalva) ?
Tanto em um como n’outro caso, não vejo hippotese de obrigação de fazer, e mesmo que esta se configure, inegável o caráter de infungibilidade. E nesse caso caberia a conversão em perdas e danos, eis que não pode o Estado obrigar alguem a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei (sentido estrito). Mas ai entra um complicador que me ocorreu só após um segunda leitura mais atenta do post: A lex master não determina que todos devem ser tratados igualmente, sem discriminação de ……. e etc ?
Por via transversa, haveria sim a necessidade de coercibilidade em caso de não ocorrer o convite sponte sua. Mas imagine que cena mais redícula: um convidado autorizado judicialmente acompanhado da força policial e do oficial de justiça, autorizados inclusive a forçar a entrada quebrando a porta.
É um típico caso em que usando-se o mínimo de bom senso (de ambas as partes), não seria necessário chegar a uma situação limite. Aliás, usando o bom senso, sequer precisariamos do judiciário. É que a natureza humana é demasiadamente peculiar (para dizer o mínimo).
Pensando melhor, essas situações hipotéticas são corriqueiras. Quem nunca presenciou alguem dizer que não vai convidar a fulaninha porque ela é vulgar, porque a mulher de beltrano não gosta dela, ou o inverso, um churrasco em que se convidam prevalentemente garotas por óbias razões.
Thiago.
Thiago,
é justamente essa incidência exagerada dos direitos fundamentais nas relações privadas que pode ocasionar a chamada “ditadura dos direitos fundamentais”.
A autonomia privada (liberdade de escolha) também é um valor relevante e deve ser levado em conta pelo juiz.
Imagine uma situação bem ridícula: um jovem rapaz vai para uma boate para paquerar. Lá, ele vê duas amigas: uma loira e outra morena.
Como ele gosta de loiras, ele a chama pra dançar, ao invés de chamar a morena.
E aí? A morena poderia alegar discriminação?
É por isso que a horizontalização dos direitos fundamentais deve ser vista sempre com base no bom senso, conforme você disse. Do contrário, a nossa liberdade de escolha estará totalmente suprimida e viveremos um totalitarismo pior do que o pior dos totalitarismos.
George Marmelstein
É verdade professor, e que ditadura.
Mas me dia uma coisa, o cerne da controvérsia está no motivo de alguém não gostar?
pois veja outra situação, vou usar um exemplo meramente ilustrativo.
Uma mulher negra em uma boate e após ser paquerada por dois amigos, um loiro dos olhos azuis, e outro de pele escura. Ela resolve ficar com o negro porque já teve experiências no passado com brancos, e elas os detesta, e mais, os acha fedidos.
Esse motivo, acaso exteriorizado, é passível de rescarcimento pecuniário?
É bem esquisito isso, ou ela, a moça, teria que deixar os dois competirem em igualdade de condições pelo amor posterior?
Nossa viajei!!!!!!!!!
Prevejo uma overdose de Boston Legal nos últimos dias. Veja só a descrição de alguns episódios da primeira temporada:
“Shore representa um candidato a prefeitura que deseja que uma campanha negativa sobre ele deixe de ser veicula na mídia. Lori tenta ajudar um homem que está com câncer e não consegue ter acesso ao sangue congelado que pode salvar sua vida”.
“Shore representa o dono de uma propriedade para pessoas de baixa renda sentenciado a usar uma placa indicando o que ele realmente faz. Lori defende um homem que foi baleado no peito mas não quer que a bala seja extraída porque ela irá ligá-lo a um crime”.
“Shore defende um travesti contra um equívoco em sua rescisão”.
“Shore e Crane descobrem que a empresa farmacêutica que estão representando andou fazendo testes secretos com uma droga não aprovada. Tara se faz passar por comissária de bordo para conseguir informações de um advogado num caso de discriminação de idade”.
“Um sudanês quer processar o governo americano pela falta de ação durante a desordem de seu país. Paul pede para Lori pegar o caso”.
“Lori, ao lado de Denny e Shirley, defende o superintendente de um escola que demitiu dois professores de ciências porque eles se recusaram a ensinar criacionismo”.
“Alan é chamado para auxiliar Denny no julgamento de um médico que está sendo processado por prescrever uma droga que não foi aprovada pelo governo”.
“Milton Bombay vai ao tribunal pedir permissão para ser congelado até o próximo século, para continuar sendo um grande advogado. Ele pede a ajuda de Denny e Shirley. Alan e Chelina defendem um estudante do ensino médio que acusa seu professor de censura por impedir que um programa de notícias seja exibido na escola”.