
Estava assistindo ao Jornal Nacional ontem e vi uma propaganda defendendo a publicidade das cervejas. Melhor dizendo: criticando eventuais limitações às propagandas de cervejas. Ora, a Constituição Federal determina que sejam adotadas medidas legislativas para restringir a propaganda de bebidas alcoólicas (artigo 220, §§ 2º e 3º, da CF/88). O interesse do constituinte foi claro: fazer com que a população consuma menos álcool, prestigiando a saúde pública e o bem-estar da população. E assim foi feito. O legislador criou uma lei altamente sofisticada (Lei 9294/96) estabelecendo regras rígidas para delimitar a publicidade de bebidas etílicas. É uma lei de primeiro-mundo. Contudo, no meio da lei, foi acrescentado um dispositivo altamente suspeito: “consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac”. O que significa isso? Não é preciso ser gênio para perceber: as cervejas estão fora das restrições legais. Na publicidade das cervejas, “vale tudo”.O que levou o legislador a excluir as cervejas da proibição legal? Podem apresentar inúmeros argumentos: a cerveja não é uma bebida tão forte, blá blá blá. Para mim, a resposta é mais realista: o lobby da indústria cervejeira e das redes de televisão foi ágil o suficiente para “convencer”, sabe-se lá como, os parlamentares de que a cerveja não é bebida alcoólica. Essa é a justificativa mais plausível. Dizer que a solução legislativa baseou-se em critérios racionais, com vistas ao bem-estar da sociedade, não cola. Foi um jogo político no qual venceu o grupo economicamente mais forte. Por isso, sempre digo aos meus alunos: a lei, em grande medida, não passa de um jogo de forças políticas. É ilusão ficar idolatrando os legisladores como se fossem autênticos representantes do povo, agindo com interesses nobres, sempre se preocupando em satisfazer o bem-comum. No fundo, os parlamentares decidem com base em critérios misteriosos, muitas vezes influenciados por grupos econômicos fortes, que, no final das contas, irão financiar a sua campanha. Sem prejuízo de considerar que as propagandas também estão protegidas pela liberdade de expressão, torço para que a lógica prevaleça e a cerveja seja mesmo considerada uma bebida alcoólica para fins da Lei 9294/96. Em tempo 1: O STF apreciou a matéria chegando à conclusão de que não podia fazer nada, pois não pode atuar como legislador positivo (ADI 1755). Veja o acórdão na íntegra.
Em tempo 2: Vocês já experimentaram a cerveja “Stella Artois”? Como é boa!
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Dr. George, infelizmente muitos parlamentares mal sabem ler… a elaboração dos projetos fica a cargo de de assessores, devidamente “patrocinados” pelos interessados no assunto. Lamentável! Contudo, Churchill já nos advertia que, se o povo soubesse como eram feitas as leis e as salsichas, ficara muito decepcionado.
É professor…”Lembre-se que à época do Estado liberal a lei era considerada fruto da vontade de um parlamento habitado apenas por representantes da burguesia, no qual não havia confronto ideológico. após essa fase, as casas legislativas deixam de ser o lugar de uniformidade, tornando-se o local de divergência, em que diferente idéias acerca do papel do direito e do Estado passam a se confrontar. Aí, evidentemente, não há mais uma vontade geral, podendo-se se falar numa “vontade política”, ou melhor, na vontade do grupo mais forte dentro do parlamento. Atualmente, porém, essa vontade política pode se confundir com a vontade dos ‘lobbies’ e dos grupos de pressão que atuam nos bastidores do parlamento.” (MARINONI, Luiz Guilerme. Teoria Geral do Processo. 2a ed. RT, p. 41)
Em tempo: óbvio que não advogando o retorno ao positivismo; é que achei interessante a colocação do professor Marinoni. Aliás, diga-se de passagem, leitura indispensável o livro em testilha.
Pois é, Adriana e Promotor. Seria melhor nem saber como são feitas as leis.
Tava lendo o blog da Soninha, que é vereadora em São Paulo, e vi a melhor definição de processo legislativo. Eis:
“aqui [na Câmara de Vereadores] são comuns duas situações:
1) Projeto do Executivo, isto é, projeto enviado para a Câmara pelo prefeito: a Casa se divide basicamente em dois blocos, governistas X oposição. Um lado defende o governo e ataca a gestão anterior; o outro lado ataca o governo e defende a “sua” gestão. Pano de fundo: PT X PSDB, pra variar. Um fala mal do Lula, o outro fala mal do Serra. Deprê. O conteúdo do projeto em si é só um detalhe…
2) Projeto de vereador: há um acordo prévio para que ele entre em pauta e seja aprovado (em geral, por votação simbólica). Não tem discussão, não tem encaminhamento de votação, não tem declaração de voto. É assim: “Item 1 da pauta – PL do nobre vereador Fulano de Tal. Dispõe sobre a circulação de caminhões no centro espandido. Aprovado mediante voto favorável da maioria dos senhores vereadores. A votos: os vereadores que forem favoráveis permaneçam como estão. Aprovado”. E acabou! A discussão – quando tem discussão – acontece no colégio de líderes, na reunião da bancada, no anexo do plenário. Como se fosse feio discutir projeto na frente dos outros…”
A stella é ótima. Ultimamente, no entanto, estou curtindo mais a Therezópolis. Ambas tem um gosto mais forte. Mas nada se compara, para meu paladar, à leffe. Só que é muito cara!
As salsichas e as leis, hoje perdeu um pouco o contexto, pois a fabricação das primeiras evoluiu, quanto a fabricação das segundas….
por isso prefiro a seguinte passagem:
“Legislar é fazer experiências com o destino humano” (Jahrreiss)
e os cientistas, tem bastante ratos de laboratório.
essa é uma lei encomendada, assim como aquele artigo da nova Lei de falências perfeito para empresas de aviação. lamentável.
Thiago.
A stella artois é boa, mas prefiro a bohemia abadia ou a cerpinha (sendo esta de preço compatível ou até melhor que o da stella artois). (tou me entregando) Sobre legislar, já falaram o suficiente. Lamentável.
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Lobby barra projeto sobre propaganda de cerveja
O governo retirou de pauta projeto que proíbe propaganda de cerveja entre 6 e 21 horas. A pressão contra a medida partiu de líderes da base aliada e da oposição
08/05/2008 01:30
O lobby da propaganda de bebidas alcoólicas prevaleceu e o governo retirou da pauta de votação do plenário da Câmara o projeto que restringe a publicidade de cervejas, proibindo a sua veiculação entre 6 horas e 21 horas. Os líderes de oposição e da base pressionaram para que o governo retirasse o projeto de votação em reunião, ontem, com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). O projeto estava em regime de urgência e bloqueava a pauta do plenário.
O líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), cuja família é proprietária de TV, ameaçou votar contra o projeto, se ele não fosse retirado da pauta. A posição do líder contraria a do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, também do PMDB, que apóia o projeto. “A Casa não está amadurecida para votar (o projeto)”, argumentou o líder do PMDB.
Informações de representantes de empresas de TV que pressionavam na Câmara para a retirada do projeto de votação dão conta de que a publicidade de cervejas representa 30% das receitas das emissoras. O líder do DEM, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), também de família dona de TV na Bahia, insistia para a retirada do projeto da pauta desde a sessão de terça-feira. O líder do PSDB, José Aníbal (SP), disse ser favorável à proposta, mas defendeu a retirada do projeto de votação.
O líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), ficou praticamente sozinho na defesa da votação do projeto. “Trata-se de um mercado publicitário muito poderoso”, afirmou Fontana. Ele lembrou que, há alguns anos, houve restrição à propaganda de cigarros e que esse fato representou um avanço na modernização da legislação. “A maior parte dos países do mundo tem uma legislação mais moderna no caso da publicidade de bebidas alcoólicas”, disse Fontana.
Transição
O líder afirmou que o governo estuda fazer uma regra de transição para a entrada em vigor da restrição da propaganda. “Temos de criar condições para aprovar o projeto. A saúde pública e a segurança pública vão ganhar”, afirmou Fontana.
Com a retirada do regime de urgência, o projeto voltará para análise das comissões permanentes da Câmara sem prazo para votação. Sem o projeto na pauta, os líderes acertaram votar na sessão de hoje as duas medidas provisórias e outros dois projetos de lei em regime de urgência que estão trancando a pauta. (da Agência Estado)