Por conta da constitucionalização da matéria, a jurisprudência, praticamente de forma pacífica, consolidou o entendimento de que o chamado “dano moral tarifado” não foi recepcionado pela nova ordem constitucional, já que a Constituição não estabeleceu limites ao quantum do valor indenizatório. Assim, por exemplo, a Lei de Imprensa, que estabelecia parâmetros fixos de indenização, não seria compatível com a Constituição Federal de 88, conforme entendimento até mesmo do Supremo Tribunal Federal (entre outros: STF, RE 447584/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 28.11.2006). Aliás, o mesmo entendimento foi firmado na ADPF 130/DF, cuja decisão liminar resultou na revogação do dano moral tarifado previsto na Lei de Imprensa.
Até aí tudo bem. Não vejo grande dificuldade em concordar com a jurisprudência acima mencionada, sobretudo porque os limites fixados pela Lei de Imprensa resultavam em valores irrisórios de condenação comparados com a potencialidade do dano à honra causado através dos meios de comunicação de massa. Mas, para insuflar o debate, questiono: a tarifação do dano moral será sempre inconstitucional? Se um dos pontos básicos da teoria dos direitos fundamentais é que não existem direitos absolutos, não poderia a lei estabelecer limites – mínimos e máximos – à fixação do dano moral, desde que respeitado o princípio da proporcionalidade?
Eis um exemplo que pensei para a redação de um artigo de lei:
UPGRADE: Minha reposta
Diante das indagações e comentários, vou fazer o que mais gosto, que é me contradizer. Vou defender a inconstitucionalidade do meu projeto de lei.
Inicialmente, peço que esqueça um pouco o mérito em si da discussão e perceba uma falácia no meu texto. A idéia de que “não existem direitos absolutos” está tão banalizada que a gente esquece de terminar a frase: não existem direitos absolutos, pois eles podem ser limitados quando entram em choque com outro direito fundamental.
No caso do projeto de lei que propus, qual o direito fundamental que justifica a limitação ao direito à indenização? Talvez a isonomia, mas ainda assim forçando um pouco a barra. O direito de propriedade da empresa? Muito genérico. Não creio que exista um valor do outro lado da balança tão ou mais importante quanto a reparação integral do dano moral, conforme justa determinação judicial.
No fundo, o artigo primeiro do projeto que propus é desnecessário e parte de uma premissa equivocada, pois pressupõe que, se o juiz fixar o valor da indenização em menos de dez mil reais, não precisa justificar a sua decisão. A fundamentação somente seria necessária se fosse fixada a condenação em um montante mais alto. Mas isso fere o dever de fundamentar exigido pela Constituição! A fundamentação deve estar em qualquer decisão judicial.
E o erro está aí: hoje se arbitra o dano moral no “chute”. É “feeling” puro. Logo, acho que a lei poderia sim fixar os parâmetros objetivos da fixação do dano moral, mas estabelecer um limite talvez não seja proporcional. Mas confesso que prefiro ouvir um privatista antes de fechar a discussão.
Já o parágrafo único me parece uma ótima idéia, pois consegue atingir um dos principais objetivos do dano moral, que é a punição do ofensor. Não acham?
Caro George,
Interessantíssima a discussão.
Lembro que, por provocação do Rodrigo Greco, participei de um projeto de pesquisa, na Faculdade Christus, em torno da quantificação do dano moral na jurisprudência do STJ.
Nosso objetivo era descobrir um parâmetro para a quantificação das indenizações.
E terminamos verificando que a jurisprudência termina fazendo essa tarifação.
É claro que, a depender do caso, o juiz pode sair do “intervalo” fixado nos precedentes, arbitrando valor maior, ou menor, mas precisará, de qualquer modo, justificar com mais detalhamento por que o faz, tal como no seu “projeto”.
O STJ tem deixado de conhecer recursos, fundado na Súmula 7, quando se busca rediscutir o montante do dano. Mas admite fazer isso, quando o valor é absurdamente elevado, ou irrisório. E, com isso, delimita um parâmetro dentro do qual os valores podem ser tidos como “razoáveis”. Isso termina conduzindo a uma tarifação: morte, tanto. Dano à imagem, tanto. Inscrição indevida, tanto. E por aí vai.
Mas a isonomia não pressupõe exatamente essa tarifação? Casos iguais, decisões iguais; casos diferentes (e aí está o problema, delimitar as diferenças e seu peso), decisões diferentes…
Caro George,
Realmente, seu blog é extremamente atual e provocativo no velho e bom sentido jurídico do tema. Concordo plenamente com os comentários do Hugo de Brito Machado Segundo, até porque, referidas indenizações ficariam sem um parâmetro “justo” conforme o caso, e, consequentemente, o Juiz não teria como mensurar a real dimensão do injusto prejuízo provocado pelo autor. Desse modo, talvez seu sugestivo artigo pudesse trazer uma amarração melhor sobre o que seja “justificar uma majoração desse valor”, qual seja, por exemplo, não ultrapassando o montante de até 10 salários mínimos vigente à època da ocorrência do fato. Assim sendo, ao mesmo tempo que estaríamos fazendo valer o princípio da proposcionalidade, também estaríamos permitindo ao julgador um melhor juízo de valoração sobre o caso. Não sei se me fiz entender? Por ora, são essas as minhas humildes contribuições.
Achei interessante o uso de uma cláusula aberta para se definir o que seria suficiente para ultrapassarmos o limite dos dez mil reais, até porque, mesmo tendo em conta o princípio da isonomia, casos de dano moral apresentam peculiaridades que devem ser observadas até mesmo em respeito à igualdade material.
Outro ponto interessante é a possibilidade de sancionar empresas que adotem reiteradamente tais condutas, nesse ponto sou a favor de uma norma sancionadora de grande peso, assim como as pesadas multas ambientais:
“artigo__ O judiciário eleborará relatório anual de condenações, transitadas em julgado, de empresas que o foram por provocar dano moral aos consumidores pelo uso abusivo de mecanismos de cobrança indireta (inscrições em listas de inadimplentes), enviando-o a órgão estadual de defesa do consumidor.
Parágrafo 1o.: As empresas cujo número de condenações relatadas ultrapassar 30% do número de inscrições realizadas pelas mesmas em órgãos de proteção ao crédito serão multadas no valor de R$ 5.000a R$ 50.000.000, valor esse que será, inicialmente, de R$ 5.000,00 acrescentados R$ 5.000,00 a cada 5% excedentes do percentual apresentado no caput, sendo tal valor dobrado a cada ano consecutivo que a empresa volte a ser autuada
Parágrafo 2o. Respeitaods os limites mínimos e máximos poderá, quando a receita bruta anual da empresa exceder o triplo do limite máximo, respeitado o mesmo, a autoridade administrativa aplicará o valor inicial da multa e os critérios de majoração dectuplicados.”
Uma sugestão dura, mas constitucional e ponderada, afinal o que deve ser resguardado, os direitos da personalidade conjugados com o direito à proteção dada ao consumidor (dir. fund. de 3a geração) ou a desídia de grandes grupos empresariais?
Bom queria muito sua opinião
Lucas
desconsidere a palavra poderá no parágrafo 2o ela não faz sentido, e me desculpe pelos erros de graifa… isso é fruto da maldita pressa que nos assola (um exemplo foi quando esqueci de colocar uma vírgula antes do último bom, quando disse que queria sua opinião.
Hugo,
ótimos comentários. No fundo, o STJ tem mesmo uma “tabela”, ainda que informal, de dano moral. E, de certo modo, é até injusta, pois já vi dano moral decorrente de tortura fixado em valor mais baixo do que abalo de crédito.
Você poderia disponibilizar o resultado da sua pesquisa?
Lucas,
boa lembrança a sua ao tentar fazer a anologia com a punição ambiental.
Acho plenamente válida uma lei proposta nos moldes que você sugeriu. Talvez um pouco difícil de colocá-la em prática, diante da ausência de um órgão bem estruturado para fazê-la cumprir. Mas isso é um problema relativamente simples de contornar.
Quanto ao mérito em si do meu “projeto de projeto de lei”, vou comentar com mais calma em outro post.
George,
Estamos – eu e o Rodrigo – trabalhando em um texto que explique esses resultados, dizendo qual a faixa de valores tidos como “razoáveis” para cada tipo de dano moral, e os casos que excepcionalmente diferiram dessa faixa, explicando o motivo de serem exceção. Está meio parado, mas vamos concluir. Quando tiver algo, mando para você.
Nem sempre as respostas são suficientes. Há perguntas que são mais relevantes: a quem interessa um ordenamento jurídico que limita o valor do dano moral? A quem interessa um ordenamento jurídico que se baseia na idéia de que pouco importa a gravidade da violação da dignidade humana ela sempre terá o mesmo valor econômico? Como equiparar uma situação de trabalho escravo de meses com um cárcere privado de três horas? Porventura não são danos gravíssimos? Mas o primeiro não é muito mais grave? Será que a certeza sobr eo valor máximo do dano moral não sociabilizará o custo desse risco? Será que os que respeitam a dignidade não pagarão por aqueles que pouco se importam com a digndiade do ser humano? Será que não é o caso de os violadores serem surpreendidos e terem efetiva perda do único valor que respeitam? Ou seja o econômico? Pondero de outro lado que os Juízes têm os elementos necessários para coibir as fraudes e os vitimismos, responsabilizando solidariamente os advogados.
Estas questões fazem parte de minha dissertação de mestrado e as trago como contribuição para discussão sobre o tema.
att. Fátima Zanetti