Agora, na calmaria das férias, resolvi fazer meus comentários, estimulado ainda mais pela leitura do livro “Meu Nome Não é Jonnhy”, de Guilherme Fiúza, que é, digamos assim, o outro lado da moeda do filme “Tropa de Elite”, ou seja, o lado da “zona sul”, mais deslumbrante e sem sacos na cabeça…
O filme “Tropa de Elite” é um prato cheio para os professores de direito. Há inúmeros temas que podem ser abordados sob um ótica mais jurídica: o papel do Estado (Estado Polícia), os desvios éticos na polícia, a tortura e outros métodos de investigação mais violentos (os fins justificam os meios?), a conivência da elite com o tráfico, a própria liberdade de expressão, já que o filme pode estimular a violência etc…
Neste primeiro post, contudo, devo fazer uma abordagem menos jurídica e um pouco mais introspectiva, inclusive para justificar porque assisti ao filme três vezes.
Na verdade, muitas passagens do filme me fizeram recordar dos meus momentos de “aluno do NPOR”, em 1996, quando fui obrigado a prestar o serviço militar e passar por um intensivo treinamento “de guerra”.
Não quero comparar as imagens chocantes daquele treinamento do BOPE, reproduzido no filme, com o que passei no Exército, mas, guardadas as devidas proporções, há muitos pontos em comum.
Lembro, por exemplo, que uma das tardes mais memoráveis de minha vida foi em uma barraca hermeticamente fechada na qual, de meia em meia hora, era jogada uma bomba de gás lacrimogênio. Enquanto tínhamos que agüentar o ardor nos olhos e na pele (o suor transforma o gás em ácido), cantávamos “alegremente” o hino nacional e outras canções castrenses. Por incrível que pareça, a instrução me pareceu bastante relevante, muito mais útil do que as inúmeras horas em que fazíamos ordem unida sem qualquer propósito, ouvindo gritos de “mocorongo”, “parlapatão”, “inútil” e daí pra pior…
Outra instrução bem interessante que tive me lembrou bastante a situação da granada no filme “Tropa de Elite”, durante aquela aula sobre “estratégia, do grego, estrategia…”
No meu caso, era uma instrução às duas horas da madrugada sobre ofídios. Uma aula teórica para tentar identificar as cobras peçonhentas. Aqueles que, inadvertidamente, dormiam durante a aula eram convidados a ficarem de pé segurando uma Jibóia de uns três metros de comprimento… Às vezes tenho vontade de fazer algo parecido com meus alunos :-)
Outra memória inesquecível foi durante a instrução de sobrevivência na caatinga. Ficamos praticamente um dia inteiro sem qualquer alimentação. Depois, passamos a madrugada fazendo uma patrulha simulada para capturar um imaginário inimigo que era líder de um suposto “Movimento Revolucionário da Libertação” (um parêntesis: o ano era 1996 e o exército ainda utilizava inimigos nacionais em seus exercícios de guerra). Ao final da patrulha, já de manhã, tivemos a instrução de sobrevivência. Nela, aprendiámos a “saborear” as delícias da caatinga, comendo caactos e outras iguarias. Lembro que um dos pratos mais concorridos foi o sangue de galinha e de carneiro, a sopa de cobra, bem como um peixinho que era colocado vivo em nossas bocas. Fico com água na boca só de pensar ;-)
Finalmente, tive oportunidade de presenciar o lado “truculento” do exército, algo que não deixava nada a desejar aos policiais do BOPE retratados no filme. Não presenciei cenas de tortura propriamente dita, mas de agressão gratuita de um indivíduo que foi flagrado fumando maconha na vila militar. Banalidade do mal…
As técnicas utilizadas tanto pelos soldados do exército quanto do BOPE são as mesmas técnicas adotadas com os prisioneiros de guerra, previstas no manual de treinamento básico. O problema é que essas técnicas são totalmente descompassadas com os valores constitucionais, mas as Forças Armadas ainda não captaram o novo espírito democrático. Parece que ainda vivem no tempo da “Gloriosa Revolução de 31 de Março”, que, a propósito, na minha época, ainda era comemorada em todas unidades militares; não sei hoje.
Há, porém, muita coisa boa nas forças armadas. O patriotismo pregado pelos militares de patentes mais elevadas é, em grande parte, sincero. O treinamento é mesmo levado a sério, tanto que as escolas militares são consideradas as melhores (ITA, IME, AMAN etc.). Há um corporativismo saudável na instituição. Além disso, é impresionante como eles possuem um quadro tão qualificado apesar dos baixos salários.
Finalmente, devo dizer que, de minha parte, restaram algumas boas lembranças do exército, e outras nem tanto. Os amigos que lá fiz fazem parte do melhor que o exército me proporcionou. O sentimento de superação – física e mental – que desenvolvi com o treinamento militar também é, em grande parte, responsável pelo meu sucesso profissional. Por isso, acho que foi positiva a minha experiência, apesar de eu não ter servido voluntariamente. Não recomendo aos meus filhos, mas se eles quiserem ser militares, não me oporei…
O Dr. serviu aqui em Fortaleza mesmo? Se sim, deve ter conhecido a saudosa Penedolândia…
Gosto muito da leitura do site, e aguardo ansioso pelas próximas atualizações do curso de direitos fundamentais.
Um abraço!
Filipe Augusto
Assistiu três vezes ao filme? Foi três vezes ao cinema ou assistiu pelo DVD?!
Filipe. Servi sim aqui em Fortaleza, no 10 GAC. Guardo “boas” lembranças de Penedo. “Lá em Penedo a gente deita e rola…”.
Elpeterdruker. Assisti uma vez no cinema e duas em casa, após baixar o filme pela internet do emule. Jamais comprei DVD pirata. Baixar da internet não é crime, conforme art. 184, parágrafo 4o do Código Penal: não é crime “a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto”.
George Marmelstein
RALEI BASTANTE EM PENEDO ,MAS VALEU A PENA.
PASSARIA TUDO DE NOVO.HOJE TÔ EM MANAUS TERMINANDO A FACUL DE MEDICINA,DEVO MUITO AO EXÉRCITO POR ADQUIRIR NA MINHA VIDA ALGUNS PRINCÍPIOS SIMPLES ,PORÉM IMPORTANTES…
“As técnicas utilizadas tanto pelos soldados do exército quanto do BOPE são as mesmas técnicas adotadas com os prisioneiros de guerra, previstas no manual de treinamento básico. O problema é que essas técnicas são totalmente descompassadas com os valores constitucionais, mas as Forças Armadas ainda não captaram o novo espírito democrático.”
Por diversas vezes ouvi comentários no sentido de que as instruções militares desrespeitam os Direitos Fundamentais. Não raro vejo registros de instruções em revistas digitais de Direitos Humanos onde militares aparecem supostamente sendo humilhados. Acontece que a instrução militar, no meu ponto de vista, precisa criar um ambiente que vise desenvolver o equilibrio emocional e a rusticidade de um cidadão que em breve estará exposto a um ambiente onde os Direitos Fundamentais por natureza não são respeitados, quais sejam, favelas, acampamentos de movimentos desordeiros etc, enfim, militantes de causas escusas que não tem uma formação moral e intelectual no sentido de respeitar as leis, seus deveres e quiçá os direitos alheios.
Inclusive, para o meu TCC, tenho pretensão de dissertar no sentido da criação de uma Constituição aplicável aos militares, já que a atual entendo estar em desacordo com o bem jurídico maior a ser tutelado, no caso a Segurança Pública. Há um risco muito grande em colocarmos na rua homens inaptos a suportarem mínimas transgressões aos seus direitos. Em termos menos rebuscados: será mesmo que a sociedade quer maricas fazendo a sua segurança? Obviamente não, mas respeitando em instrução todos os direitos previstos na atual Constituição, é isso que estaremos fazendo, construindo homens fracos. Colocando em suas mãos, armas e munição e impondo-lhes um desafio o qual não terão estrutura psicológica para suportar.
Além do mais, exceto o efetivo variável do Exército, os recrutas prestam concurso e são voluntários para desempenhar a função de polícia. Lhes é assegurado o direito de abandonar o treinamento e/ou a carreira quando bem entenderem.
Gostaria de saber a opinião de Vossa Excelência neste quesito no afã de amadurecer a posição.
Agradeço a atenção.